JUIZ DECIDE MANTER PRISÃO DOS QUATRO INVESTIGADOS POR ENVOLVIMENTO NA INVASÃO DE CELULARES DE AUTORIDADES

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JUIZ DECIDE MANTER PRISÃO DOS QUATRO INVESTIGADOS POR ENVOLVIMENTO NA INVASÃO DE CELULARES DE AUTORIDADES

Suspeitos vão continuar detidos até quinta-feira (1º), quando se encerra o prazo da prisão temporária

Agência do Rádio – Repórter Cintia Moreira. – O juiz da 10ª Vara da Justiça Federal em Brasília, Vallisney de Souza Oliveira, decidiu manter nesta terça-feira (30) a prisão dos quatro investigados por envolvimento na invasão de celulares de autoridades do país. Com isso, Gustavo Santos, Suelen Priscilla de Oliveira, Danilo Marques e Walter Delgatti Neto, conhecido como Vermelho, vão continuar detidos até quinta-feira (1º), quando se encerra o prazo da prisão temporária.

O especialista em direito digital Plínio Higasi considera que a decisão do juiz foi correta.

“A manutenção da prisão, ao meu ver, é bastante prudente. Porque ainda precisa terminar as investigações e não se sabe exatamente o que vai acontecer. Ele indeferiu justamente porque não tem nenhum fator novo que mostre que não houve ligação das pessoas ao fato. Por isso mesmo que a gente ressalta que precisa de muita avaliação, ainda muita análise do que realmente aconteceu, e muita investigação, para que a polícia chegue aos fatos”, disse.

O hackeamento em massa de aparelhos de mais de mil pessoas atingiu, em sua maioria, autoridades. Entre os aparelhos hackeados, estariam o do presidente Jair Bolsonaro, do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, além da líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), e os ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Justiça, Sérgio Moro. Há ainda a possibilidade de ministros do Supremo Tribunal Federal também terem sido alvos da invasão. A Polícia Federal não confirma nenhum hackeamento porque a investigação corre em sigilo.

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BOLSONARO AVISA QUE MANTERÁ INSULTOS E AGRESSÕES À DEMOCRACIA

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BOLSONARO AVISA QUE MANTERÁ INSULTOS E AGRESSÕES À DEMOCRACIA

Jair Bolsonaro (Foto: REUTERS/Adriano Machado)

Brasil247 – Jair Bolsonaro avisou em entrevista concedida ao jornal O Globo nesta terça-feira que irá manter os insultos e agressões ao país, às lideranças de oposição e dos movimentos sociais e à democracia; “O presidente Jair Bolsonaro tem um recado claro: ele não vai mudar”, concluiu a jornalista Jussara Soares depois de 15 minutos de conversa no gabinete presidencial no Palácio do Planalto; “Sou assim mesmo”, afirmou Bolsonaro.

Jair Bolsonaro avisou em entrevista concedida ao jornal O Globo nesta terça-feira (30) que irá manter os insultos e agressões ao país, às lideranças de oposiçao e dos movimentos sociais e à democracia. “O presidente Jair Bolsonaro tem um recado claro: ele não vai mudar”, concluiu a jornalista Jussara Soares depois de 15 minutos de conversa no gabinete presidencial no Palácio do Planato. “Sou assim mesmo”, afirmou Bolsonaro. Ele acrescentou: “Não tem estratégia. Se eu estivesse preocupado com 2022 não dava essas declarações”.

Na entrevista, Bolsonaro revelou a razão de seu ódio ao presidente da OAB: a entidade não se dobrou ao desejo do presidente para que fosse, de maneira ilegal, quebrado o sigilo de um dos advogados de Adélio Bispo de Oliveira -a Constituição e a lei garantem aos advogados a completa inviolabilidade de seu exercício profissional. Informou a jornalista Jussara Soares: “Ao ser questionado a respeito de suas declarações sobre Fernando Santa Cruz, pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Bolsonaro voltou a se justificar, dizendo que a entidade atuou para que não se chegasse aos ‘mandantes da sua tentativa de assassinato’. Ele insiste que a quebra de sigilo telefônico de um advogado de Adélio Bispo de Oliveira daria um novo rumo à história. A medida não foi adotada por um recurso da Ordem. Bolsonaro disse que não recorreu da decisão da Justiça, que classificou seu agressor como inimputável porque, ao ser enquadrado como portador de Transtorno Delirante Persistente, Adélio estará agora em ‘prisão perpétua'”.

Bolsonaro deixou claro que seu governo está a serviço das empresas mineradoras e que o horizonte é de devastação em escala inédita, avisando que pretender criar “pequenas Serras Peladas” no Brasil.

Mais uma vez, ele desdenhou do massacre de 58 presos em no presídio de Altamira, dos quais 16 foram decapitados, na maior carnificina em cadeias desde a registrada no Carandiru (SP) em 2001 e, indiretamente, sancionou a chacina: “Já disse pela manhã na porta do Alvorada. Você estava lá? Pergunte às vítimas dos facínoras. Pergunte para elas o que acham, não vou criar polêmica”.

ANÁLISE: APÓS TRUMP E BORIS JOHNSON, QUANDO É A HORA DE TOCAR O ALARME DO CAOS POLÍTICO?

ANÁLISE: APÓS TRUMP E BORIS JOHNSON, QUANDO É A HORA DE TOCAR O ALARME DO CAOS POLÍTICO?

Folha Uol – Gideon Rachman – Poucas semanas atrás, eu estava sentado no gabinete em Londres de um parlamentar conservador britânico aflito diante da probabilidade de Boris Johnson tornar-se o líder de seu partido e, em seguida, primeiro-ministro. Conversamos sobre política e sobre os livros que andávamos lendo.

Mencionei que eu acabara de ler um livro de memórias de Sebastian Haffner, “Defying Hitler”. “Estou com esse livro aqui”, respondeu o parlamentar, procurando o exemplar em sua estante. “É ótimo, não?”

Achei significativo o fato de ambos termos lido sobre a década de 1930 para tentar apreender o sentido de 2019. Nem ele nem eu pensamos que Boris Johnson ou Donald Trump sejam reencarnações de Hitler ou Mussolini.

Mas ambos achamos o livro de memórias de Haffner interessante por uma razão diferente, mais sutil: ele oferece um vislumbre extraordinário de como é viver em um período de turbulência política.

O livro de Haffner foi escrito em 1939, logo antes do início da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto. Haffner tinha 7 anos de idade quando a Primeira Guerra Mundial começou, em 1914, e em 1938 havia deixado a Alemanha para viver no exílio.

Seu livro (que só foi descoberto por seu filho em 1999, quando estava organizando os papéis de seu pai após a morte dele) nos proporciona uma visão contemporânea de como foi acompanhar a ascensão dos nazistas ao poder –e os temores, as dúvidas e os dilemas morais que surgem diante da emergência de uma política de tipo novo e perturbador.

Na época, assim como hoje, os moderados políticos se viam constantemente obrigados a se perguntar: “Até que ponto isto é grave? É apenas desagradável ou é verdadeiramente perigoso? E a reação apropriada, qual é: mergulhar na política ou retirar-se para nossa própria vida privada?”.

No Reino Unido de hoje, o Partido Conservador se aproximou da direita nacionalista, enquanto o Partido Trabalhista foi dominado pela esquerda radical. Com isso, muitos centristas se veem sem um lar político para habitar.

Haffner capta esse sentimento quando escreve sobre “nós –aquele ‘nós’ indefinido, sem nome, sem partido, sem argumento e sem poder”.

As queixas feitas pelos populistas de hoje de que um “Estado profundo” nos Estados Unidos e no Reino Unido estaria frustrando a vontade da população remetem à descrição feita por Haffner da extrema direita alemã na década de 1920: “Com ódio profundo eles cunharam o termo ‘sistema’ para descrever a força imaterial que os mantinha dentro de limites. (…) Por enquanto, pelo menos, eles são mantidos dentro de limites”.

Advogado jovem e culto, Haffner sentia profundo desprezo intelectual pelos nazistas “e seu jargão revoltante, cada sílaba do qual denotava uma estupidez violenta”.

Mas esse desprezo revelou-se uma armadilha política, porque “eu não me dispunha a levá-los muito a sério —uma atitude comum entre seus adversários inexperientes e algo que os ajudou muito” (ou seja, ajudou os nazistas).

Ele se questionava constantemente até onde as coisas iriam piorar. Pouco depois de os nazistas tomarem o poder, ele sentiu distintamente “que tudo o que aconteceu até agora foi meramente repulsivo, nada mais. Mas o que ainda estava por vir era mais apocalíptico.”

Quando os acontecimentos seguiram um rumo ainda mais perigoso, Haffner e seus amigos adotaram mecanismos diferentes de defesa psicológica. Uma tentação forte era de simplesmente deixar de prestar atenção às notícias e de as pessoas “fecharem suas janelas com força e se retirarem dentro das quatro paredes de sua vida privada”.

Outra tentação era reconfortar-se com as coisas que não haviam mudado –ou seja, as partes do Estado e da vida pública que ainda pareciam ser sólidas e familiares. Assim, remontando a 1933, o ano em que Hitler se tornou o chanceler alemão, Haffner escreveu: “Diariamente o chanceler lançava os insultos mais vis aos judeus”.

Mas, por outro lado, “o processo da lei não havia mudado em nada”. As instituições alemãs e seu sistema de freios e contrapesos ainda estavam funcionando normalmente.

Diante disso, é um equívoco pensar que o discurso violento de um líder autoritário tem menos importância que as instituições do Estado?

Em retrospecto, Haffner observa com pesar: “Sou obrigado a admitir que eu tendia a encarar o funcionamento normal das leis, e de fato a continuidade do cotidiano normal, como uma vitória contra os nazistas”.

Mas em 1933, enquanto ele trabalhava em uma biblioteca de direito, tropas de assalto invadiram o prédio e começaram a expulsar leitores judeus. Para sua vergonha, Haffner se descobriu tendo que assegurar aos invasores que ele não era judeu.

A leitura desse trecho de seu livro é chocante hoje. Mas, para quem procura alguma perspectiva para entender 2019, é também reconfortante, na medida em que o que lemos é tão distante do que seria imaginável hoje.

O presidente dos Estados Unidos acaba de mandar deputadas negras, hispânicas e muçulmanas “voltarem para os lugares de onde vieram”. O provável próximo primeiro-ministro britânico disse que mulheres muçulmanas que usam o “niqab” lembram caixas de correio.

Ainda assim, entretanto, parece inimaginável que tropas de assalto possam vir a expulsar membros de minorias de espaços públicos.

Mas quando é o caso de se tocar o alarme? Escrevendo no exílio em Londres, Haffner refletiu: “Levei muito tempo para entender que minha inquietação juvenil era justificada e que a riqueza de experiência de meu pai estava enganada; que existem coisas que não podem ser controladas pelo ceticismo calmo”.

Minha reação instintiva à ascensão de Boris Johnson e ao discurso de Donald Trump ainda é o “ceticismo calmo”.

Mas a verdade é que estou mais ou menos na mesma fase da vida em que se encontrava o pai de Haffner em 1933.

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CHOMSKY: ”O QUE ACONTECEU NO BRASIL DEVE SER VISTO COMO UM MODELO DO QUE PODE VIR”

CHOMSKY: ''O QUE ACONTECEU NO BRASIL DEVE SER VISTO COMO UM MODELO DO QUE PODE VIR''

Chomsky aborda a ascensão da extrema-direita, assinalando que “o Brasil talvez seja o caso mais extremo agora”, mas também fala sobre os motivos de otimismo nos EUA, dando o exemplo do Green New Deal de Ocasio-Cortez

Carta Maior – Por John Nichols – 7 de dezembro é, como Franklin Delano Roosevelt explicou em 1941, “uma data que se viveria na infâmia”. É também o aniversário de Noam Chomsky. Quando o ataque japonês a Pearl Harbor ocorreu, Chomsky tinha treze anos de idade. Como resultado de uma série de discussões que tivemos antes e depois de seu nonagésimo aniversário, em 7 de dezembro de 2018, esse detalhe da sua infância é particularmente significativo para o homem que, em muitos sentidos, definiu a compreensão moderna do que é ser um intelectual público comentando sobre questões globais na época da sua adolescência. A entrevista a seguir foi conduzida por John Nichols em coordenação com a Catalyst. Chomsky aborda a ascensão da extrema-direita hoje, relacionando-a ao fascismo entre guerras, e então passa para uma discussão mais ampla sobre a conjuntura.

John Nichols JN- Quando tinha dez anos de idade, escreveu um pequeno artigo sobre as suas preocupações sobre a ascensão do fascismo. Estava a escrever após a queda de Barcelona no regime fascista de Francisco Franco, nos últimos dias da Guerra Civil Espanhola. Os americanos que lutaram naquela guerra, como membros da Brigada Abraham Lincoln, foram desacreditados como “antifascistas prematuros”, ao ousarem erguer armas contra os aliados de Hitler e Mussolini antes da entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial, em 8 de dezembro de 1941. Aos dez anos de idade aliou-se aos antifascistas. Lembra-se do artigo?

Noam Chomsky NC – O artigo foi para o jornal do quarto ano da escola. Eu era o editor e o único leitor e, pelo que me lembro, talvez a minha mãe. Por sorte, ela não salvou nada do jornal. Tenho certeza que seria bastante embaraçoso para mim. Tudo de que me lembro é a primeira frase, que descreve o meu pensamento na época: “a Áustria caiu, a Checoslováquia caiu, Toledo caiu e agora Barcelona também”.

Eu estava a escrever depois da queda de Barcelona, %u20B%u20Bem fevereiro de 1939, e pareceu, na época, que a disseminação do fascismo era inexorável. Nada iria parar isso. O artigo descrevia o que estava a acontecer no mundo, algo assustador. Eu tinha idade suficiente para ouvir os discursos de Hitler nos comícios de Nuremberg – sem entender as palavras, mas era fácil perceber o tom daquilo. Podia ver o que estava a acontecer enquanto essa praga se espalhava por toda a Europa e parecia não ter fim.

Quando o regime em Barcelona desmoronou, isso não foi apenas o fim do estado democrático liberal espanhol, mas, para mim, o mais importante, foi o fim da revolução social. [A Guerra Civil Espanhola] Não foi apenas uma simples guerra entre o fascismo e a democracia liberal; houve uma incrível revolução social em grande parte da Espanha e foi esmagada pelos esforços conjuntos dos comunistas, dos fascistas e das democracias liberais. Eles não concordaram muito entre eles, mas concordaram que a revolução social tinha que ser esmagada. Barcelona foi apenas o último símbolo naquele momento. As pessoas simplesmente fugiram para a França quando podiam escapar.

JN – Ficou claro para si que uma guerra maior estava a chegar?

NC – Bem, como eu disse, parecia impossível de ser parado. Ia-se espalhar por toda a Europa, pelo mundo. Aprendi muito mais tarde que aqueles que planeavam as políticas dos Estados Unidos já estavam a reunir-se: o Departamento de Estado e o Conselho de Relações Exteriores – além de grupos a trabalhar sobre como seria a guerra e o período pós-guerra.

Nesta altura, em 1939, eles já estavam a antecipar que a guerra terminaria com uma divisão entre dois mundos: um dominado pelos EUA e outro dominado pelos alemães. Esse foi o cenário. Então, a minha perceção infantil não era totalmente irrealista.

JN – A sua perceção foi influenciada pela sua própria experiência, ao crescer em Filadélfia?

NC – Foi influenciada por experiências locais. Passámos a ser a única família judia num bairro predominantemente alemão e irlandês. Os irlandeses odiavam os ingleses, alemães gostavam dos alemães e assim por diante… lembro-me bem de festas com cerveja quando em Paris o regime caiu. As crianças do bairro foram para uma escola jesuíta local. Odeio pensar o que era ensinado lá, mas elas saíram delirantemente antissemitas da escola. Levava algumas horas para essas crianças se acalmarem para que pudéssemos jogar à bola na rua.

Por isso, combinou experiências pessoais, que, aliás, nunca mencionei aos meus pais. Eles não tinham ideia sobre isso até o dia das suas mortes. Naquela época não falávamos com os nossos pais sobre essas coisas. Isso é pessoal. Mas foi uma combinação dessas coisas que levaram a esse [artigo].

JN – Com a experiência de comentar sobre o fascismo por oitenta anos, qual é o entendimento de onde estamos hoje? Há uma grande discussão sobre fascismo e ameaças fascistas. Pilhas de livros estão a ser escritas sobre o assunto. Como devemos pensar sobre o que está a acontecer agora?

NC – Bem, estou um pouco relutante em usar a palavra “fascismo”. É usado de forma bastante frouxa agora. É usado para se referir a qualquer coisa horrível. Mas o fascismo realmente significava algo nos anos trinta. De facto, vale a pena lembrar que mesmo a opinião liberal tinha uma espécie de apreciação moderada do fascismo. Assim, por exemplo, Roosevelt descreveu Mussolini, o fascista original, como “aquele admirável cavalheiro italiano”.

Os fascistas tinham conseguido esmagar o movimento trabalhista e a esquerda social-democrata e comunista, e isso era algo em que a opinião do Ocidente era bastante favorável. Os industriais ocidentais e o Departamento de Estado em 1937 descreviam Hitler como moderado e George Kennan, nosso cônsul em Berlim na época, e mais tarde um dos estadistas mais respeitados do pós-período, estava a escrever de Berlim dizendo que não deveríamos ser muito duros com essas pessoas. Há coisas erradas com elas, mas elas estão a fazer algumas coisas que são muito boas, então provavelmente podemos dar-nos bem com elas.

O fascismo foi entendido como algo diferente naquela época. Não era algo horrível. Tinha uma política social e económica específica. Era para ser um estado poderoso que coordenaria todos os setores da sociedade. Seria um estado de dominação; os negócios floresceriam, mas sob o controlo de um estado poderoso. O trabalho seria entendido como um subsidiário desse sistema geral. Não é o que chamamos de fascismo hoje.

JN – Qual é o seu entendimento do que as pessoas chamam de fascismo hoje?

NC – O que é chamado de fascismo hoje é algo podre.

JN – Essa é uma definição ampla.

NC- Definição ampla.

JN – Existe algum lugar, quando olha ao redor do mundo atualmente [e eu sei que você faz isso] onde vê ameaças emergindo em termos concretos?

NC – Bem, acho que o Brasil talvez seja o caso mais extremo agora. O Brasil está nas mãos do novo presidente [Jair Messias Bolsonaro]. Bolsonaro assumiu a presidência. O Brasil, como você sabe, teve uma horrenda ditadura militar: tortura, assassinato. Bolsonaro elogia a ditadura militar. Na medida em que ele critica, diz que a ditadura militar no Brasil não matou pessoas suficientes. Para ele, a ditadura no Brasil deveria ter sido como a da Argentina, a qual teve o pior desse tipo de estado de segurança nacional neonazista. Eles mataram 30.000 pessoas.

Tem havido um golpe, um golpe de direita a acontecer no Brasil há vários anos. O primeiro momento disso foi o impeachmenttotalmente fraudulento da presidente Dilma Rousseff [antiga líder do Partido dos Trabalhadores]. Quando Bolsonaro votou pelo impeachment, ele dedicou o seu voto ao principal torturador do regime militar, que tinha sido pessoalmente responsável pela tortura de Dilma Rousseff. Esse é o tipo de pessoa que estão lá.

As políticas de Bolsonaro são essencialmente para acabar com a população indígena, para vender totalmente o país. O seu ministro da Economia, Paulo Guedes, é um ultra neoliberal da Escola de Chicago, que trabalhou no Chile sob o regime de Pinochet, e tem como objetivo, como ele disse: privatizar tudo, vender todo o país para investidores estrangeiros. Ele quer abrir a Amazónia para a exploração de mineração e para o agronegócio: uma espécie de sentença de morte para o mundo, já que a Amazónia é um dos principais pulmões do mundo.

JN – Fale-nos sobre como Bolsonaro chegou ao poder.

NC- A forma como ele foi eleito é bastante significativa. Devemos prestar atenção a isso. Veremos mais disso na nossa próxima eleição nos EUA. É um tipo de experiência. A primeira coisa que fizeram foi ir atrás da pessoa que iria ganhar a eleição. Julgando pelas sondagens, Lula da Silva – ex-presidente que presidiu um período que o Banco Mundial chamou de Década de Ouro do Brasil, com redução substancial da pobreza, abertura de oportunidades educacionais para minorias, para outras pessoas – fez políticas bastante eficazes. Muitos erros também, mas ele foi, de facto, provavelmente a figura política mais respeitada do mundo. Ele também estava a apoiar o papel do Sul Global e o seu esforço para escapar do legado do colonialismo, que ainda era muito severo.

Então, o que eles fizeram com Lula da Silva, que estava à frente nas sondagens, [foi colocá-lo] na prisão por vinte e cinco anos, em confinamento solitário. Ele não podia ler nada e nem fazer declarações. Eu e a minha esposa, Valeria, visitámo-lo na prisão. Vinte e cinco anos de solitária, isso é essencialmente uma sentença de morte. Mas, crucialmente, ele não tinha permissão para fazer uma declaração – ao contrário dos assassinos no corredor da morte nos EUA, que têm permissão para falar. O seu neto favorito morreu e, depois de muitas negociações, eles permitiram que ele comparecesse ao funeral por uma hora, mas não podia dizer nada… Se ele sobreviver, vai ser incrível. Ele é definitivamente o prisioneiro político mais importante do mundo.

JN – Referiu que existiu pouca atenção às circunstâncias de Lula na maioria dos meios de comunicação dos EUA. Ou, realmente, de Bolsonaro. Isso faz parte de um problema mais amplo com os media dos EUA que não cobrem o mundo? Mas está especialmente preocupado com a negligência do que está a acontecer no Brasil.

NC – Bolsonaro é o mais próximo de algo como o fascismo – não no sentido técnico, mas no sentido de amargo, vicioso, profundamente autoritário e brutal.

JN – Como ele chegou ao poder não é apenas perturbador em si mesmo. É uma indicação de como a política está a mudar em todo o mundo.

NC- A forma como a eleição foi ganha – e é isso que eu tinha em mente ao dizer que poderíamos pensar – foi por uma incrível campanha nos media sociais, que é a única coisa que a maioria dos brasileiros tem como fonte da chamada “informação”. O WhatsApp Foi inundado com as mais inacreditáveis %u20B%u20Bmentiras, distorções, invenções sobre as coisas supostamente hediondas que o PT, a oposição, faria… Suspeito que na nossa próxima eleição, na qual Bernie Sanders está a concorrer [contra Trump na eleição de novembro] será o que vai acontecer. Estes são os tipos de acusações que não dá para responder. É apenas nojento, feio, vilificação. Já está a começar, por exemplo, com as acusações da direita sobre o “socialismo”.

Notei que, no discurso do Presidente Trump sobre o Estado da União, havia um longo solilóquio sobre o socialismo e, claramente, que se tornou uma grande pedra de toque para muitas das críticas de pessoas dentro do Partido Democrata. Há um punhado de socialistas democráticos que se levantaram no Partido Democrata: Bernie Sanders, Alexandria Ocasio-Cortez, Rashida Tlaib e outros. E assim há uma realidade que temos pela primeira vez em muito tempo: um aumento de uma presença democrático-socialista aliado ao nosso discurso.

JN – Pode falar-nos sobre como o presidente e alguns dos seus aliados políticos podem-se aproveitar deste termo?

NC- Bem, devemos ter em mente que os EUA é um país muito isolado, cultural e intelectualmente. Quer dizer, no resto do mundo, socialista é um termo normal. Comunista é um termo normal. As pessoas podem ser comunistas, o Partido Comunista pode participar em eleições. Ser socialista é apenas ser uma espécie de pessoa moderna. Aqui nos Estados Unidos, o socialismo é uma palavra de maldição – então, chamar alguém de socialista significa que ela é um monstro total, como um nazi, talvez como Estaline. Mas isso é exclusivo dos Estados Unidos.

Veja Bernie Sanders. As suas posições não teriam surpreendido [o ex-presidente Dwight] Eisenhower. Lê as declarações de Eisenhower, quando sugeriu que qualquer um que questione o New Deal não pertence ao nosso sistema político. Ou que qualquer um que pense que os trabalhadores devem ter a oportunidade de formar livremente sindicatos – e devem voltar a ser massas amontoadas e patéticas do passado – simplesmente não fazem parte do mundo civilizado.

JN – De facto, Eisenhower pronunciou o discurso de “Cruz de Ferro”, em 1953, no qual ele disse que todo o avião de guerra que construímos poderia ser dinheiro a ser usado para a construção de escolas. Isso soa muito parecido com um Bernie Sanders.

NC – O país moveu-se muito para a direita durante o período neoliberal, desde os anos Reagan – os anos Carter-Reagan. Então, quando essas pessoas que se autodenominam “socialistas democráticos” aparecem, elas voltam essencialmente a uma tradição que é bem parecida com o New Deal. É muito saudável, penso eu, mas não tem nada a ver com socialismo ou com o sentido tradicional da palavra. Lembre-se do que o socialismo significava uma vez. O socialismo significava, no mínimo, o controlo sobre a produção pela força de trabalho, o controlo sobre outras instituições pelos participantes, o controlo democrático sobre todo o sistema social e económico.

[A maioria dos proeminentes socialistas democráticos na política americana contemporânea] não está a reivindicar isso. Eles estão a chamar o que na Europa seriam medidas social-democratas moderadas – o que para os Estados Unidos é muito importante. Então, acho que é uma coisa muito boa. Mas será banalizado com tiradas de infâmia, demonização e denúncia. Pode ter certeza disso. E o que aconteceu no Brasil, penso eu, vale a pena ser visto como uma espécie de modelo experimental do que pode vir.

JN – Se, por acaso, Bernie Sanders for indicado para presidente dos Estados Unidos, qual é o sentido de como essa campanha pode ser jogada? Correndo o risco de fazer de Noam Chomsky um comentarista… o que acha que aconteceria?

NC – Eu acho que ele vai ser submetido – e isso é verdade se ele concorre ou se qualquer outra pessoa como ele concorre – a uma campanha muito cruel, vulgar sobre media social, através de notícias, rádio etc. Lembre-se de que todos esses instrumentos foram tomados pela extrema direita. Eu ouço rádio de vez em quando. Isso é realmente chocante. Quero dizer, isso faz a Fox News parecer liberal, sabe? E isso atinge muitas pessoas. Rush Limbaugh tem audiência de 20 ou 30 milhões de pessoas, dizendo-lhes por exemplo que existem – qual é a sua famosa frase? Instituições que existem com base no engano: governo, media, academia e ciência. Ele está a dizer às pessoas: não acreditem numa palavra que provenha destas instituições. Coisas como esta estão a atingir uma grande parte da população americana.

JN – Sempre nos lembrou que as elites colocaram grande energia em restringir e estreitar o discurso político.

NC – O ativismo social é considerado pela classe política e empresarial como um cancro. Se ficar maligno, eles pensam: tem que pará-lo à força. Mas é muito mais rentável, no caso de um cancro, preveni-lo. E [existem] todos esses meios para impedir o surgimento de movimentos sociais organizados que desafiarão os eventos que estão a ocorrer.

Desviar a atenção das pessoas para outras direções é outra maneira de o faze. Então, existem mensagens [de Trump e dos seus aliados] sobre as hordas de estupradores, assassinos, terroristas prestes a invadir a fronteira, nos atacar e nos destruir. Ok, então eles querem que prestemos atenção nisso e não ao facto de os nossos salários reais não terem aumentado em trinta anos, que estamos a perder benefícios, que o sistema político está a entrar em colapso ou ainda, que todo o ato feito pelo governo é um ataque à força de trabalho e aos pobres. A mensagem é: “Não olhem para isso. Olhem para essas pessoas que estão a atravessar a fronteira. Preocupem-se com os seus filhos ou qualquer outra coisa”.

Existem meios muito concretos para distrair as pessoas. Eles foram desenvolvidos por muitos anos e são, em grande parte, produzidos pela indústria de publicidade – uma das mais poderosas do país – e estão a ser aplicados agora para evitar que pessoas como você, especialmente os jovens, tenham a “ideia errada” de se organizar, de serem ativos e fazer o tipo de coisas que Ocasio-Cortez está a fazer. Eles tentam, de alguma forma, impedir que você inicie qualquer tipo de coisa.

JN – Eles não parecem estar a ter grande, porque Ocasio-Cortez tem mais de 3,3 milhões de seguidores no Twitter. Ela e as outras parlamentares que foram eleitas para o Congresso estão a tornar-se estrelas políticas. Existe um fenómeno lá. A sondagem mostra que pessoas com menos de trinta anos têm opiniões positivas sobre o socialismo democrático – pelo menos em oposição ao capitalismo, como é praticado atualmente. Bernie Sanders concorreu a presidência muito bem em 2016 e parece estar muito bem agora, à medida que se aproximam as eleições de 2020. Então, não há alguma evidência de que os progressistas estão a surgir? Que uma mudança está a ocorrer?

NC – Bem, eu colocaria de outro jeito. É por causa dos efeitos da era neoliberal que está a perceber essa reação. Há uma reação em todo o mundo e é em duas direções. Às vezes é apenas alguma coisa que está a descrever. Às vezes é neofascista mesmo.

Há uma questão real agora sobre o caminho a seguir. Na Europa, nos Estados Unidos, e em alguns outros lugares há um tremendo aumento de raiva, amargura, ressentimento. E a questão é: o que ocorrerá?

Do ponto de vista das elites políticas e financeiras do mundo, a estratégia da atenção centra-se realmente em: “violadores a atravessar a fronteira”. Do ponto de vista de Ocasio-Cortez, ou Bernie Sanders, o desejo é que seja pautada a questão social e políticas económicas que foram instituídas e que estão a marginalizar as pessoas, colocando-as de lado, minando o sistema político.

Então isso é uma luta nos Estados Unidos e em toda a Europa também. Mas a raiva e a amargura estão presentes e os diferentes [atores políticos] querem que ela seja focalizada de maneiras opostas. Alguns querem que você desvie a atenção das causas, para que eles possam controlá-lo melhor. Outros querem que preste atenção às causas, assim pode fazer algo. Esta é uma grande luta que está a formar-se em grande parte do mundo. Quero dizer: o sistema capitalista assumiu uma espécie de forma selvagem nos últimos trinta ou quarenta anos. As pessoas estão a sofrer e estão irritadas, e estão a reagir.

A questão é: como as pessoas vão responder? A esse respeito, é um pouco como nos anos 1930. Poderia ter ido em outras direções. Assim, por exemplo, nas décadas de 1920 e 1930, haviam movimentos ativistas e movimentos social-democratas muito animados, comunistas e outros movimentos de esquerda. Haviam também movimentos fascistas em ascensão. E havia uma pergunta: quem vai ganhar? Infelizmente, sabemos como isso terminou. Eu não acho que é tão dramático hoje, mas é similar estruturalmente.

JN – O grande parlamentar britânico, Tony Benn, disse que nos anos 1930, quando ele era jovem e olhava ao redor do mundo, havia países que poderiam ter ido em qualquer direção. Benn disse que uma das grandes coisas que aconteceu foi que os Estados Unidos conseguiram um Roosevelt, enquanto que, noutros países, figuras muito mais perigosas e destrutivas chegaram ao poder. Agora, encontramo-nos numa era diferente, mas certamente um momento muito turbulento. Estamos há trinta anos na globalização, que está a mudar tudo sobre como nos relacionamos com o mundo, estamos há vinte anos numa revolução digital que está a mudar tudo sobre como nos comunicamos, estamos oito a dez anos numa revolução de automação que está a começar a mudar a forma como trabalhamos. As pessoas são claramente abaladas por tudo isso. O meu sentimento é que o Partido Democrata nos Estados Unidos não forneceu muitas respostas sobre como lidar com essas mudanças. É uma avaliação justa?

NC – Bem, temos de nos lembrar que as duas partes reconstruíram ao longo de linhas bastante diferentes no início dos anos 70. Naquela época, houve uma grande mudança em todo o sistema socioeconómico. Passámos de um período de liberalismo encorporado, capitalismo arregimentado, onde as medidas do New Deal ainda estavam essencialmente a governar a política. Agora este foi um período de enorme crescimento. O período de maior crescimento na história Americana, os anos 50 e 60. Às vezes, é chamado de “Idade de Ouro do Capitalismo”. Era o crescimento igualitário em termos proporcionais. Houve conquistas em direitos civis e outros aspetos dos direitos humanos.

Isso acabou no início dos anos 70. Há uma regressão, o chamado período neoliberal seguiu direções muito diferentes e as partes mudaram. O Partido Democrata mantinha uma espécie de coligação desconfortável entre racistas democratas sulistas e trabalhadores e liberais do norte. Isso desmoronou no momento do movimento dos direitos civis.

A próxima estratégia [alavancada pelo presidente Richard Nixon e os seus assessores políticos] foi tentar pegar nos elementos racistas do sul e trazê-los para o Partido Republicano. Enquanto isso, os democratas mudaram. Eles baseavam-se, pelo menos em parte, na classe trabalhadora e mantinham algum compromisso com os interesses e valores dos trabalhadores. Na década de 1970 isso mudou. Os democratas simplesmente abandonaram a classe trabalhadora, entregando-a essencialmente ao seu inimigo de classe. Isso foi o que aconteceu de facto. O último suspiro do Partido Democrata, de seu tipo de liberalismo moderado, foi o projeto de Emprego Completo da Humphrey-Hawkins, que o Congresso aprovou em 1978, mas que Carter enfraqueceu. Depois disso, não há sequer um gesto para a classe trabalhadora. Portanto, a classe trabalhadora foi essencialmente abandonada.

JN – Abandonada pelos democratas, enquanto que os republicanos tentaram atrair pelo menos alguns dos seus votos.

NC – Os republicanos conseguiram capturar a classe trabalhadora principalmente pela técnica do desvio da atenção. E ainda está a conseguir. Mas nem sempre funcionou assim. É interessante quando Obama apareceu. Ele conseguiu os votos da classe trabalhadora. Muitos trabalhadores que votaram em Trump também votaram em Obama. Eles acreditavam na conversa sobre esperança e mudança. Mas rapidamente descobriram que não se veria uma real mudança e nem esperança.

Lembre-se do resgate dos bancos após o crash de 2008. A legislação do Congresso para esse resgate tinha duas questões: ou socorrer os criminosos que o criaram, as instituições financeiras, ou ajudar as vítimas, pessoas que perderam as suas casas – ou seja, os seus lares foram destruídos porque a economia despencou e assim por diante. Bem, poderia ter adivinhado qual parte ia ser socorrida. Na verdade, o inspetor-geral do Departamento do Tesouro, Neil Barofsky, ficou tão indignado com isso que escreveu um livro interessante sobre o assunto [Bailout: An Inside Account of How Washington Abandoned Main Street While Rescuing Wall Street].

Mas os trabalhadores puderam ver o que estava a acontecer. A reação foi: “Estamos a ser jogados aos lobos. Eles não se importam connosco. É apenas conversa”. Então a próxima coisa que fizeram foi votar no seu inimigo de classe, Trump, que está a fazer tudo o que pode para controlar os trabalhadores, tentando perceber se consegue manter algum tipo de base. Para tal, utilizando o discurso dos “violadores” ou dos “assassinos” ou alguma coisa do tipo.

Mas esta é uma situação muito desconfortável. E pessoas como Bernie Sanders, Ocasio-Cortez e outros estão a tentar trazer o Partido Democrata de volta, de facto, para o que uma vez foi – mas sem a pedra de mira dos democratas do Sul, que era um problema muito sério para Roosevelt e o New Deal e até o Movimento dos Direitos Civis.

JN – Vê isso como um momento de crise política?

NC – Na verdade, vamos enfrentar uma crise constitucional. Se olhar para o que está a acontecer agora, apenas olhe para os números, até agora, os estados com cerca de 25% da população dirigem o Senado – a mais importante das instituições…. O Senado é dominado por membros que representam principalmente um setor rural, tradicional, mais antigo, notadamente supremacista branco, muito religioso que está a diminuir demograficamente. Mas eles vão tentar manter o seu poder. Agora é quase certo que isso levará a uma crise constitucional. E observe que não pode ser alterado nada por nenhum meio constitucional. Não pode ser modificado porque eles têm poder suficiente para bloquear qualquer tipo de possível alteração.

JN – Eles têm o poder de bloquear emendas democratizantes. Mas preocupa-se com as alterações favorecidas pelas elites.

NC – Deve observar com muito cuidado as emendas. O mais cruel dos lobbies empresariais, e na minha opinião o mais forte deles, ALEC, o Conselho Legislativo de Intercâmbio Americano, está [a trabalhar] para conseguir que legislaturas estaduais concordem com uma emenda constitucional que estabelecerá um limite orçamental equilibrado no governo federal. O que significa um limite de orçamento equilibrado? Significa que acaba com todos os programas do estado social. Acaba com qualquer coisa que beneficie pessoas comuns. É claro, mantém o orçamento do Pentágono na estratosfera – e sem dúvida mantém grandes subsídios para o agronegócio, energia e instituições financeiras. Mas, esqueça a segurança social, a saúde ou a educação. Então, isso é um orçamento equilibrado. Então, pode ver essas coisas a acontecer nos estados que têm orçamentos equilibrados.

Há uma grande luta de classes a acontecer logo abaixo da superfície. Pedaços e partes dela são visíveis, mas isso vai levar a uma grande crise no futuro próximo.

JN – No entanto, os media não divulgando, ou fazem-no de forma muito parcial. Consome muitos media e tem ideias de como obter informações de fontes inesperadas.

NC – Pode ler os artigos na imprensa de negócios a dizer que os grandes bancos, os maiores bancos estão a aumentar seus investimentos em combustíveis fósseis. Isso é muito interessante. É quando lê essas coisas começa a pensar. Veja, coloque-se na posição de Jamie Dimon, CEO do JPMorgan Chase. Ele sabe tudo o que sabemos sobre o aquecimento global e os seus efeitos extremamente perigosos e iminentes. Mas ele ainda está a investir dinheiro não apenas na extração de combustíveis fósseis, mas também no mais perigoso dos combustíveis fósseis: as areias asfálticas canadianas.

Então, o que ele pensa? Bem, se raciocinar sobre isso, não é muito complicado. Ele tem duas escolhas. Uma escolha é fazer exatamente o que está a fazer: tentar aumentar o lucro para o JPMorgan. A outra escolha que tem é demitir-se e ser substituído por outra pessoa que fará exatamente a mesma coisa. Este é um problema institucional profundo.

Não adianta falar sobre esses bandidos que fazem isso e aquilo. Na estrutura institucional, eles simplesmente não têm escolha, o que nos diz para onde devíamos estar a apontar: a estrutura institucional. É uma daquelas coisas das quais não quer ser desviado. Então, lê o New York Times, aprende muito. Lê a imprensa de negócios, o Wall Street Journal.

JN – Aos noventa anos de idade parece que ainda está a ler tudo, a absorver tudo, a tentar influenciar o debate atual. Estamos a falar de aproximadamente cinquenta anos depois da publicação do seu ensaio sobre o papel de um intelectual na sociedade. Foi republicado pela New Press como “It is the Responsibility of Intellectuals to speak the truth to expose lies”.

Nesse ensaio, escreveu: “No que diz respeito às responsabilidades dos intelectuais, existem outras questões igualmente perturbadoras. Os intelectuais estão em posição de expor as mentiras dos governos, de analisar as ações de acordo com as suas causas e motivos e, muitas vezes, com intenções ocultas. No mundo ocidental, pelo menos, têm o poder que vem da liberdade política, do acesso à informação e da liberdade de expressão. Para uma minoria privilegiada, a democracia ocidental proporciona o lazer, as facilidades e a formação para procurar a verdade oculta por trás do véu da distorção e deturpação, ideologia e interesses de classe, através dos quais os eventos da história atual nos são apresentados. As responsabilidades dos intelectuais são muito mais profundas do que o que foi sugerido e o que eles chamam de responsabilidade das pessoas, dados os privilégios exclusivos dos intelectuais”. 

Parece-me que em toda a sua vida se esforçou muito para cumprir esse dever. E acho que tem que haver um elemento de otimismo nisso.

NC – Bem, se quiser ser otimista, pense no período em que isso foi escrito. Foi em 1966 numa palestra para a Hillel Foundation, na Universidade de Harvard. Foi publicado pela New York Review of Books.

Como foi esse momento em 1966? Apenas pense no que foi. Primeiro de tudo, uma das piores guerras da história estava a acontecer. Neste ponto, os Estados Unidos tinham praticamente acabado com o Vietname do Sul. O principal historiador do Vietname, Bernard Fall, altamente respeitado pelo governo, escreveu na época que não sabia se era um estudioso vietnamita. Ele não sabia se o Vietname sobreviveria como uma entidade cultural e histórica depois do pior e mais cruel ataque que já havia sido lançado contra uma área daquele tamanho.

Quase não houve protestos nos Estados Unidos. Eu morava em Boston, uma cidade liberal. Em Outubro de 1965 deu-se o primeiro dia internacional de protesto. Então, tentámos fazer uma marcha em Boston, ir ao Cambridge Common, o lugar onde você dá palestras. Eu deveria ser um dos oradores. O espaço foi dividido pelos contramanifestantes, a maioria estudantes que não queriam ouvir esse tipo de discurso sobre o Vietname. O próximo dia internacional de protesto foi em março de 1966, pouco antes de isto ter sido escrito, incidentalmente, logo antes de a palestra ter ocorrido. Sabíamos que não poderíamos tê-la no Boston Common. Queríamos ter a reunião numa igreja. Na igreja de Arlington Street. A igreja foi atacada. Tomates, latas, contramanifestantes, policias do lado de fora. Isso é o que estava a acontecer em 1966.

E o que mais estava a acontecer no país? Bem, ainda tínhamos leis federais de habitação que exigiam segregação, exigiam habitação federal branca pura. E tínhamos leis de miscigenação e leis antimiscigenação tão severas que os nazistas se recusaram a aceitá-las. Quando os nazis procuravam modelos para as Leis de Nuremberg, as leis racistas, olhavam ao redor do mundo. Os únicos que eles poderiam encontrar residia nas leis americanas. Mas as leis dos EUA eram severas demais para os nazis. As leis dos EUA foram baseadas no que foi chamado de “Uma Gota de Sangue”. Então, se a sua bisavó era negra, você é negro. Isso foi demais para os nazis. [Essas leis] ainda estavam em vigor no final dos anos 1960. Leis anti sodomia, claro.

Não havia movimento de mulheres. As mulheres ainda não tinham sido reconhecidas pelo Supremo Tribunal como pares legais, como pessoas. Isso não aconteceu até 1975, quando [o tribunal] concedeu o direito de servir em júris federais como iguais. Podemos continuar…. Mas quero dizer, que o país estava muito pior do que é agora.

O que mudou? Não haviam presentes dos céus. O que mudou é que muitas pessoas, principalmente jovens, começaram a organizar-se, começaram a manter-se ativos, lutaram, tornaram o país muito melhor.

JN – E acredita que isso está a acontecer de novo agora?

NC – Veja o Green New Deal da Ocasio-Cortez, que agora é uma proposta muito séria. Hoje essa proposta está bem no centro da agenda. Um ano atrás, talvez, foi ridicularizada. Como isso aconteceu? Como essa mudança aconteceu? Bem, um grupo de jovens do Sunrise Moviment sentou-se no gabinete da [Presidente da Câmara] Nancy Pelosi, [e a sua questão foi] ouvida por um par de legisladores. Logo se tornou numa grande questão. [O governador de Washington] Jay Inslee acaba de anunciar a sua candidatura à nomeação presidencial democrata, com a sua principal prioridade a ser o perigo das alterações climáticas. Este é agora um assunto sobre o qual você pode falar, pode fazer algo a respeito. Não temos muito tempo. Bem, todos esses são motivos de otimismo. Muitas coisas melhoraram e foram aprimoradas por pessoas ativas, organizadas e comprometidas que trabalharam e mudaram o mundo. Esse é um motivo para ser otimista.

*Publicado originalmente em esquerda.net

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BOLSONARO: EDUARDO NA EMBAIXADA DOS EUA É ESTRATÉGICO PARA EXPLORAR MINERAIS EM TERRAS INDÍGENAS

BOLSONARO: EDUARDO NA EMBAIXADA DOS EUA É ESTRATÉGICO PARA EXPLORAR MINERAIS EM TERRAS INDÍGENAS

Foto: Alan Santos/Presidência

Declaração de Bolsonaro ocorreu no mesmo dia em que garimpeiros invadiram área demarcada no Amapá e mataram liderança indígena

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) fez mais uma comentário sobre a indicação de seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para a embaixada do Brasil nos EUA. A estratégia, segundo o presidente, é explorar minerais em comunidades indígenas em parceria com os estadunidenses. Sua fala ocorreu em evento da formatura anual dos novos paraquedistas das Forças Armadas, na Vila Militar, Zona Oeste do Rio, neste sábado (26).

“Terra riquíssima (reserva indígena Ianomami). Se junta com a Raposa Serra do Sol, é um absurdo o que temos de minerais ali. Estou procurando o primeiro mundo para explorar essas áreas em parceria e agregando valor. Por isso, eu quero uma pessoa de confiança minha na embaixada dos EUA”, falou Bolsonaro sobre a indicação do filho, conforme reportagem apurada por Juliana Dal Piva, d’O Globo.

Nos últimos dias, garimpeiros invadiram terras indígenas Wajãpi, em Pedra Branca do Amapari, no Amapá. Segundo informações do Diário do Amapá, cerca de 50 garimpeiros invadiram a aldeia Marirí e mataram uma das lideranças há três dias. Desde então, o grupo continua no local.

“Nós fomos atacados pelos garimpeiros, eles mataram uma liderança Wajãpi. Eles estão no centro da nossa terra, armados, com arma de fogo pesada”, disse à Fórum o cacique da aldeia Viseni Wajãpi.

Vexame
Na entrevista, o presidente ainda disse que não colocaria o próprio filho em um posto de destaque para “passar vexame” e que quer contato rápido e imediato com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O pedido para Eduardo ser embaixador já está em Washington.

Bolsonaro também comentou sobre novos dados do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe) que deve sair semana que vem. “Vocês vão ter uma surpresa”, falou o presidente. Ele já criticou o instituto por revelar dados sobre o aumento do desmatamento na Amazônia.

 

PROCURADOR NÃO VÊ INDÍCIOS DE INVASÃO NO TERRITÓRIO WAJÃPI, MAS NÃO DESCARTA LINHAS DE INVESTIGAÇÃO

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PROCURADOR NÃO VÊ INDÍCIOS DE INVASÃO NO TERRITÓRIO WAJÃPI, MAS NÃO DESCARTA LINHAS DE INVESTIGAÇÃO

Os indígenas Wajãpi.IPHAN/AGÊNCIA BRASIL

Indígenas wajãpi denunciaram no sábado que um de seus líderes havia sido esfaqueado por garimpeiros no meio da mata. PF tem até sexta para encerrar inquérito sobre o caso.

El País – JOANA OLIVEIRA – São Paulo – Não há indícios de uma invasão de garimpeiros nas áreas próximas à aldeia Mariry, no oeste do Amapá, onde indígenas da etnia Wajãpi denunciaram o assassinato a facadas do cacique Emyra Wajãpi, de 68 anos, informou o Ministério Público Federal (MPF) nesta segunda-feira. “Não temos como confirmar que foi um homicídio”, acrescentou o procurador da República Rodolfo Lopes a jornalistas. O MPF também explicou que “não descarta a possibilidade de invasão” em outras áreas da terra indígena de 6.000 quilômetros quadrados, uma zona rica em ouro e cobiçada por garimpeiros, e que “todas as linhas de investigação” estão abertas. “A PF deve concluir seu relatório até o final desta semana, mas as investigações continuarão”, disse Lopes.

“O trabalho foi feito em permanente contato com as lideranças indígenas e toda a comunidade. Como é um local de difícil acesso, e a Polícia Federal infelizmente não dispõe de todos os recursos no Amapá, [a corporação] contou com a ajuda dos indígenas”, relatou Rodolfo Lopes. Segundo ele, a comunidade wajãpi chegou a fornecer duas embarcações para o deslocamento dos policiais —25 agentes da PF e do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) que se deslocaram à região no domingo.

A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) confirmou a morte de Emyra Wajãpi, que teria ocorrido entre segunda e terça-feira passadas, no próprio domingo e, em um documento interno obtido pela Folha de S. Paulo, concluía que “a presença de invasores é real e que o clima de tensão e exaltação na região é alto”. Nesta segunda-feira, no entanto, a Funai retificou a nota dirigida à imprensa, referenciando o último relatório da PF em campo (registrado por volta das 23h do domingo), no qual os agentes afirmam “não haver nenhum indício, até o momento, da presença de grupo (s) armado (s) no local”. De acordo com a equipe, “será feito um relatório pormenorizado, contendo até os pontos georreferenciados”. Fontes da Funai informaram ao EL PAÍS que a diferença narrativa entre os documentos deu-se porque “os relatos iniciais foram passados pelos indígenas”, e a entidade “apenas veiculou a preocupação das comunidades”.

No sábado, dia 27, indígenas wajãpi denunciaram que um de seus líderes havia sido esfaqueado no meio da mata no momento em que se deslocava até sua aldeia, depois de ter ido visitar a filha. Seu corpo foi jogado no rio e encontrado por sua mulher. “Nós não queremos mais a morte das nossas lideranças indígenas. Estamos pedindo socorro para as autoridades competentes do Estado do Amapá”, disse um morador da comunidade em vídeo recebido pelo EL PAÍS no fim de semana. Os indígenas relatam que garimpeiros estão invadindo aldeias durante a noite e agredindo mulheres crianças. Também estariam realizando disparos com armas de fogo para intimidar as comunidades locais. Em nota na segunda, a Apina (Organização das Aldeias Wajãpi) informou que os indígenas continuam “muito preocupados com os invasores”. “Nas aldeias desta região, as famílias estão com muito medo de sair para as roças ou para caçar. Algumas comunidades saíram de suas aldeias para se juntar com famílias de outras aldeias para se sentirem mais seguras”, diz a nota.

Bolsonaro e corrida do ouro na reserva

Antes mesmo do pronunciamento do MPF, o presidente Jair Bolsonaro disse, durante a manhã desta segunda, ao comentar o caso pela primeira vez, que não havia “indício forte de que esse índio foi assassinado lá”. Bolsonaro tem afirmado que vai apresentar um projeto para legalizar o garimpo em terras indígenas e no Pará.

O território Wajãpi é lar de 1.300 indígenas. Demarcado em 1996 pelo Governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), abrange uma área de 6.000 quilômetros quadrados ricos em ouro, muito cobiçado por garimpeiros e mineradoras. Somente os indígenas possuem autorização para, de forma artesanal, explorar o minério. Metade do território está dentro da Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), que o Governo Michel Temer tentou extinguir em setembro de 2017 via decreto presidencial, mas acabou recuando após pressão de ativistas e da sociedade civil. A reserva abarca 4,6 milhões de hectares de floresta amazônica entre os Estados do Pará e Amapá e representa um empecilho para a atuação empresas mineradoras na região.

No sábado, Bolsonaro havia dito que buscará parcerias com os Estados Unidos para explorar minérios em terras indígenas, motivo pelo qual pretende colocar seu filho, Eduardo, na embaixada dos Estados Unidos. Sobre a reserva Yanomami, o presidente argumentou: “Terra riquíssima. Se junta com a Raposa Serra do Sol, é um absurdo o que temos de minerais ali. Estou procurando o primeiro mundo para explorar essas áreas em parceria e agregando valor. Por isso, a minha aproximação com os Estados Unidos”. Atualmente, há 534 pedidos de exploração de minérios registrados na Agência Nacional da Mineração (ANM) em áreas próximas ao território Yanomami, de acordo com dados do Instituto Socioambiental (ISA).

DISCURSO DE BOLSONARO DÁ “CARTA BRANCA”, DIZ INDÍGENA SOBRE MORTE DE CACIQUE NO AMAPÁ

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DISCURSO DE BOLSONARO DÁ

Terra Indígena Waiãpi (TIW), no Oeste do Amapá, é reconhecida oficialmente desde a década de 1990 / Divulgação Portal IPHAN

Entidades locais e internacionais demonstram preocupação com assassinato e pedem providências

Cristiane Sampaio – Brasil de Fato | Brasília (DF) – Lideranças indígenas ouvidas pelo Brasil de Fato criticaram, na tarde desta segunda (29), as declarações do presidente Jair Bolsonaro (PSL) sobre a morte do cacique Emyra Wãiapi, de 68 anos, da terra Indígena Waiãpi, no oeste do Amapá. O caso está sob investigação do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal (PF).

Ao comentar o assunto junto à imprensa, o chefe do Executivo disse, na manhã desta segunda-feira (29), que não há “nenhum indício forte” de que o líder tenha sido assassinado: “Chegaram várias possibilidades. A PF está lá, quem nós pudermos mandar para lá já mandamos para buscar desvendar o caso e buscar a verdade sobre isso aí”.

Kleber Karipuna, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileria (Coiab), uma das entidades que integram a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), criticou a manifestação do presidente e destacou que a morte do cacique surge em um contexto de avanço da violência contra as comunidades tradicionais.

Em entrevista ao Brasil de Fato, ele ressaltou ainda que o presidente tem histórico de discursos racistas contra os povos indígenas e que tais manifestações são “agressivas” e “vão contra a legislação brasileira, incentivando conflitos no campo”.

“Isso [a morte do cacique] vem à tona de forma muito negativa, porque retoma o acirramento de conflitos que já existiam no passado em várias regiões de áreas indígenas, como é o caso dos waiãpu, e [vem] com o aval do governo federal, da autoridade máxima do país. Isso é muito delicado e problemático”, afirmou Karipuna.

Nesta segunda, Bolsonaro também voltou a defender a mineração em terras indígenas. A prática é legalmente proibida no país e a norma só pode ser revista por meio de autorização do Congresso Nacional.

Em sintonia com o discurso de latifundiários, mineradores e outros grupos econômicos, o presidente tem tentado encampar o tema da liberação do garimpo em territórios de povos tradicionais. Apesar de terem suas áreas protegidas por determinação constitucional, tais comunidades são alvo frequente de conflitos de interesse envolvendo diferentes atores ligados à especulação agrária.

A defesa de Bolsonaro se coaduna ainda com o discurso de críticas às demarcações de terras indígenas, que ele voltou a repetir nesta segunda, ao dizer que elas estariam “inviabilizando o negócio” no país.

“O Brasil vive de commodities, daqui a pouco o homem do campo vai perder a paciência e vai cuidar da vida dele. Vai vender a terra, aplicar aqui ou lá fora, e cuidar da vida dele. A gente vai viver do quê? O que nós temos aqui além de commodities? Será que o pessoal não acorda para isso? Se esse negócio quebrar, todo mundo vai para o barro, acabou o Brasil”, afirmou Bolsonaro.

Em nota publicada nesta segunda, a Coiab se refere ao presidente como “o maior inimigo atualmente dos povos indígenas” e afirma que as ações do atual governo teriam “o intuito único e exclusivo de privilegiar os históricos invasores das terras indígenas”.

Kleber Karipuna conta que as comunidades temem o risco de uma maior escalada da violência a partir da conduta da gestão Bolsonaro.

“Ele vive produzindo esse tipo de discurso e isso, quando chega lá na ponta, onde tem uma região com determinado conflito, as pessoas que estão em conflito com os povos indígenas lá entendem isso como um sinal positivo de que podem fazer tudo o que for possível pra explorar os territórios, de que, se for necessário matar, que mate, que é o discurso dele também [em defesa] do armamento. As pessoas recebem isso como um sinal positivo, uma carta branca pra fazerem o que quiserem”, desabafa Karipuna.

Repercussão

Outras entidades da sociedade civil também se manifestaram nesta segunda. As Pastorais do Campo e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), afirmaram, por meio de nota, que receberam a notícia de ataque de garimpeiros e assassinato do cacique Emyra Wãiapi “com imensa preocupação”.

Ao cobrarem medidas urgentes para o caso, as entidades afirmaram que “os discursos de ódio e agressão do presidente Bolsonaro e demais representantes de seu governo servem de combustível e estimulam a invasão, o esbulho territorial e ações violentas contra os povos indígenas”.

O caso também teve alcance internacional. A alta comissária da ONU para os direitos humanos, Michelle Bachelet, afirmou que o assassinato é “também um sintoma perturbador do crescente problema de invasão de terras indígenas, especialmente florestas, por mineiros, madeireiros e agricultores” no Brasil. Ela fez ainda um alerta sobre a intenção do governo de liberar mais áreas de terras amazônicas para a mineração, afirmando que a iniciativa “pode levar a incidentes de violência, intimidação e assassinatos do tipo infligido ao povo Wajãpi na semana passada”.

O caso

No sábado (27), indígenas do território Waiãpi denunciaram junto à imprensa, por meio de interlocutores, que haviam sofrido uma invasão na área nos dias anteriores. A suspeita inicial era da presença de garimpeiros ilegais na região, que tem histórico de conflitos agrários. A denúncia sucedeu a morte do indígena Emyra Waiãpi, que teria sido assassinado na segunda (22), mas teve o corpo localizado somente no dia seguinte.

No domingo (28), a Polícia Militar afirmou que o corpo do cacique continha sinais de perfurações e cortes na região pélvica e o caso ainda está sob investigação. Após diligências feitas na região durante o final de semana, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal (MPF) abriram inquéritos para apurar a suspeita de invasão e a morte do cacique, que é acompanhada também pela Funai.

Por meio de uma nota oficial, o Conselho das Aldeias Wajãpi-Apina disse que a situação deixou as comunidades locais em estado de vigilância e tensão permanente.

“Continuamos muito preocupados com os invasores que estão na região norte da nossa terra indígena. Nas aldeias desta região, as famílias estão com muito medo de sair para as roças ou para caçar. Algumas comunidades saíram de suas aldeias para se juntar com famílias de outras aldeias para se sentirem mais seguras. Por isso nossos guerreiros de todas as regiões da TIW estão se organizando para ajudar os guerreiros da região do Mariry, que continuam procurando os invasores, e pedimos apoio da Funai para isso”, afirma a entidade.

Em coletiva de imprensa na tarde desta segunda (29), o procurador da República Rodolfo Lopes, que atua pelo Ministério Público Federal (MPF) no Amapá, disse que ainda não é possível afirmar que tenha havido homicídio. Ele também informou que não foram encontrados, até o momento, vestígios de uma invasão de garimpeiros no local do crime.

“Não há indícios de garimpo na área e nem qualquer resquício de não indígenas. Nessa área, não há registro de conflito. Não há resquícios de pegadas, marcas de fogueira ou restos deixados”, acrescentou o procurador, afirmando ainda que acredita que o relatório da PF sobre o caso seja concluído até o final desta semana.

Brasil de Fato tentou ouvir a PF, mas o órgão disse que ainda não está se manifestando oficialmente sobre o inquérito e que, até o momento, a Funai seria a responsável por pronunciamentos sobre o caso.

Por meio de nota, a Fundação informou, nesta segunda, que mantém servidores no local para o acompanhamento do trabalho da polícia.

Edição: Rodrigo Chagas

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HADDAD, BOULOS, DINO E OUTRAS LIDERANÇAS DE ESQUERDA SE UNEM CONTRA MORO

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HADDAD, BOULOS, DINO E OUTRAS LIDERANÇAS DE ESQUERDA SE UNEM CONTRA MORO

Carta Capital – Alexandre Putti – ALEXANDRE PUTTI – Líderes da esquerda divulgaram, nesta segunda-feira 29, uma nota repudiando as recentes atitudes do ministro da Justiça, Sérgio Moro, e pedindo seu imediato afastamento. Assinam o documento Fernando Haddad, o governador do Maranhão, Flávio Dino,, Guilherme Boulos, Ricardo Coutinho, Roberto Requião e Sonia Guajajara.

“Não queremos mais justiça seletiva e parcial. Queremos justiça para todos”, diz a nota que enumera recentes decisões adotadas para enfraquecer o conteúdo das conversas vazadas entre Moro e integrantes da Lava Jato, que mostram ilegalidades enquanto ele era o juiz responsável pela operação, em, Curitiba.

Os líderes dizem que apoiam todas as investigações contra atos de invasão à privacidade, mas defendem a atuação do jornalista Glenn Greenwald, editor do site The Intercept Brasil, veículo de comunicação que divulgou as conversas hackeadas. “São absurdas as ameaças contra o jornalista Glenn Greenwald, seja por palavras do presidente da República ou por atos ilegais, a exemplo da Portaria 666, do Ministério da Justiça”, diz a nota.

Leia a manifestação na íntegra:

Em face dos graves acontecimentos que marcaram os últimos dias no Brasil, vimos a público para:

1. Manifestar a nossa defesa firme e enfática das liberdades de imprensa e de expressão, das quais é consectário o direito ao sigilo da fonte, conforme dispõe a nossa Constituição Federal. Assim sendo, são absurdas as ameaças contra o jornalista Glenn Greenwald, seja por palavras do presidente da República ou por atos ilegais, a exemplo da Portaria 666, do Ministério da Justiça. Do mesmo modo, estamos solidários à jornalista Manuela D’Avila, que não praticou nenhum ato ilegal, tanto é que colocou seu telefone à disposição para perícia, pois nada tem a esconder.

2. Registrar que apoiamos todas as investigações contra atos de invasão à privacidade. Contudo, desejamos que todo esse estranho episódio seja elucidado tecnicamente e nos termos da lei, sem interferências indevidas, como a praticada pelo ministro Sérgio Moro. Este agente público insiste em acumular funções que não lhe pertencem. Em Curitiba, comandava acusações que ele próprio julgaria em seguida. Agora, no ministério, embora seja parte diretamente interessada e suspeita, demonstra ter o comando das investigações, inclusive revelando atos sigilosos em telefonemas a autoridades da República.

3. Postular que haja o imediato afastamento do ministro Sérgio Moro, pelos motivos já indicados. Em qualquer outro país democrático do mundo isso já teria ocorrido, pois está evidente que Moro não se comporta de acordo com a legalidade, insistindo em espantosos abusos de poder. Do mesmo modo, a Lava Jato em Curitiba não pode prosseguir com a atuação do procurador Deltan Dallagnol, à vista do escandaloso acervo de atos ilícitos, a exemplo do comércio de palestras secretas e do conluio ilegal com o então juiz Moro.

4. Sustentar que é descabida qualquer “queima de arquivo” neste momento. Estamos diante de fatos gravíssimos, que merecem apuração até mesmo junto ao Supremo Tribunal Federal e ao Congresso Nacional, neste último caso por intermédio de Comissão Parlamentar de Inquérito. A República exige transparência e igualdade de todos perante a lei. Altas autoridades que estão defendendo a “queima de arquivo” parecem ter algo a temer. Por isso mesmo, nada podem opinar ou decidir sobre isso. A lei tem que ser para todos, de verdade.

5. Sublinhar que somos a favor da continuidade de todos os processos contra atos de corrupção ou contra atuação de hackers, e que todos os culpados sejam punidos. Mas que tudo seja feito em estrita obediência à Constituição e às leis. Neste sentido, reiteramos a defesa da liberdade imediata do ex-presidente Lula, que não teve direito a um julgamento justo, sendo vítima de um processo nulo. A nulidade decorre da parcialidade do então juiz Moro, já que os diálogos revelados pela imprensa mostram que ele comandava a acusação e hostilizava os advogados de defesa, o que se configura uma grave ilegalidade.

6. Por fim, lembramos que quando os governantes dão mostras de autoritarismo, esse exemplo contamina toda a sociedade e estimula violências, como a praticada contra os indígenas wajãpis, no Amapá, com o assassinato de uma liderança após a invasão do seu território. Cobramos do governo federal, especialmente do Ministério da Justiça, providências imediatas para garantia da terra dos wajãpis e punição dos assassinos.

Chega de “vale-tudo”, ilegalidades e abusos. Não queremos mais justiça seletiva e parcial. Queremos justiça para todos.

Assinam:

Fernando Haddad, Flávio Dino, Guilherme Boulos, Ricardo Coutinho, Roberto Requião e Sonia Guajajara.

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NEM NA DITADURA PRESIDENTES ELOGIAVAM TORTURA PUBLICAMENTE

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NEM NA DITADURA PRESIDENTES ELOGIAVAM TORTURA PUBLICAMENTE

Garrastzu Médici, que usou a seleção de futebol para melhorar imagem, chegou a cancelar compromisso externo para não ser cobrado sobre tortura sob seu governo

Rede Brasil Atual – Publicado por Antonio Alonso, da Fundação Perseu Abramo  – Regime militar atribuía denúncias de tortura a uma “campanha para denegrir” a imagem do Brasil no exterior. “Não há tortura em nossas prisões. Também não há presos políticos. Os elogios públicos velados e diretos que o presidente Jair Bolsonaro faz a tortura e torturadores contrariam a postura que os próprios generais-presidentes tiveram durante a ditadura. A existência de tortura nas prisões foi oficialmente negada durante todo o regime militar. O tema incomodava até mesmo o general Emílio Garrastazu Médici, considerado o mais “linha-dura” de todo o período.

Na viagem de três dias que fez aos Estados Unidos, em 1971, o general-presidente cancelou o tradicional encontro de chefes de Estado estrangeiros com o Clube de Imprensa de Washington. O general não queria enfrentar as inevitáveis perguntas sobre tortura e repressão no Brasil, denunciadas pelo senador democrata norte-americano Edward Kennedy, entre outros.

Jair Bolsonaro afirmou nesta segunda-feira, 29 de julho, que “se o presidente da OAB quiser saber como o pai desapareceu no período militar, eu conto para ele”. Felipe Santa Cruz, presidente da Organização dos Advogados do Brasil (OAB), é filho de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, que desapareceu na ditadura. O presidente acrescentou ainda que o advogado não terá interesse em saber a “verdade”.

Embaraço internacional

Há 49 anos, em julho de 1970, a Comissão Internacional de Juristas, em Genebra, fez uma denúncia junto à Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre a prática de torturas pela ditadura brasileira. Em um documento preparado a partir de relatos de vítimas de violações de direitos humanos, a organização registrou a existência de esquadrões da morte e classificou a situação no Brasil como de “guerra civil”.

O governo militar proibira a entrada da entidade nas prisões do país. As denúncias de torturas constituíam o maior problema da diplomacia brasileira sob a ditadura. Autoridades em viagem ao exterior eram alvo frequente de manifestações, como ocorreu com o presidente da Câmara, Flávio Marcílio (Arena), no Congresso da União Parlamentar Internacional, na Holanda. No jantar oficial do encontro, Marcílio e comitiva foram confrontados por uma jovem que denunciou torturas no país. “Não há presos políticos no Brasil, apenas criminosos comuns”, disse o deputado, repetindo o discurso oficial.

O governo atribuía as denúncias a uma “campanha para denegrir a imagem do Brasil no exterior”. Em 9 de maio, a Presidência da República divulgou nota, afirmando: “Não há tortura em nossas prisões. Também não há presos políticos. (…) Essa intriga, na sua desfaçatez, busca gerar discórdia entre nações democráticas, amigas e aliadas (…) Provêm, inequivocamente, de grupos esquerdistas”.

A ditadura assassinou mais de 400 cidadãos brasileiros entre 1964 e 1985. Muitos deles continuam desaparecidos até hoje, como é o caso de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, pai do atual presidente da OAB. Fernando desapareceu no Rio de Janeiro, em 1974. Segundo o livro Direito à Memória e à Verdade, produzido pelo governo federal, Fernando foi preso junto com um colega em Copacabana por agentes do DOI-Codi-RJ em 23 de fevereiro daquele ano.

ALA DO CONGRESSO QUER DERRUBAR PORTARIA QUE PREVÊ EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO ‘PERIGOSO’

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ALA DO CONGRESSO QUER DERRUBAR PORTARIA QUE PREVÊ EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO ‘PERIGOSO’

Foto : Agência Brasil – Por Juliana Rodrigues

METRO1 – Segundo a coluna Painel, da Folha, parlamentares consideram a medida como autoritária e sintomática de falta de sensibilidade política do ministro da Justiça, Sérgio Moro.

Às vésperas da retomada dos trabalhos no Congresso Nacional, um grupo de parlamentares se articula para derrubar, por meio de um decreto legislativo, a portaria editada pelo ministro da Justiça Sergio Moro que prevê a deportação sumária de estrangeiros considerados “perigosos”.

De acordo com a coluna Painel, da Folha, aliados do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que estão na linha de frente da articulação, classificam a medida como autoritária e sintomática de falta de sensibilidade política do ministro da Justiça.

Na avaliação desses parlamentares, Moro usurpou da competência de ministro ao estabelecer rito sumário de deportação alterando a Lei de Migração. Hoje, o deportando tem prazo de até 60 dias para regularizar a situação migratória. Eles afirmam que essa mudança só pode ser feita pelo Legislativo.

Ainda segundo a coluna, líderes de partidos de centro e centro-direita também apontam inconstitucionalidades na portaria. Dizem, em tom de ironia, que a medida abre brecha para a expulsão de um estrangeiro só pelo fato de Moro não gostar dele.

A derrubada da portaria é articulada em meio ao crescimento da pressão por uma resposta do Congresso à atuação de Moro no caso dos hackers.