HELENA SINGER ANALISA O PROJETO DE BOLSONARO PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA

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Em entrevista ao Brasil de Fato, a socióloga e integrante do grupo articulador do Movimento de Inovação na Educação, Helena Singer, comenta sobre o projeto do governo Jair #Bolsonaro (PSL) para a #educação básica.

Para ela, em nenhum momento o governo anunciou um projeto com foco na educação pública de qualidade. “O próprio Ministério da Educação não propõe políticas públicas, à exceção das escolas cívico-militares. Aí sim tem um projeto, uma proposta, recurso e entrega”, avalia.

A socióloga explica tratar-se de uma resposta a um diagnóstico “inconsistente e incoerente de que essas escolas teriam melhores resultados do ponto e vista da aprendizagem e do desempenho dos estudantes”.

 

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BOLSONARO TERÁ QUE ASSINAR DIPLOMA E PAGAR 50 MIL EUROS DE PRÊMIO A CHICO BUARQUE

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BOLSONARO TERÁ QUE ASSINAR DIPLOMA E PAGAR 50 MIL EUROS DE PRÊMIO A CHICO BUARQUE

Revista Fórum | Lula e Chico Buarque (Arquivo/Ricardo Stuckert) – Chico Buarque foi escolhido por unanimidade para receber o Prêmio Camões 2019, um dos maiores reconhecimentos da literatura em língua portuguesa. Diploma já está com o governo para assinatura de Bolsonaro.

Pouco afeito à literatura e à arte, Jair Bolsonaro terá que desembolsar 50 mil euros do governo e assinar o diploma do Prêmio Camões 2019, que tem como vencedor o escritor, cantor e compositor brasileiro Chico Buarque, amigo íntimo do ex-presidente Lula, com quem esteve nesta quinta-feira (19) na superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde o petista cumpre prisão política.

Bolsonaro não cumprimentou Chico pela conquista do prêmio, um dos maiores reconhecimentos da literatura em língua portuguesa,  quando foi divulgado o resultado, em maio.

O Prêmio Camões de Literatura foi instituído em 1988 pelos governos do Brasil e de Portugal com o objetivo de consagrar um autor de língua portuguesa que, pelo conjunto de sua obra, tenha contribuído para o enriquecimento do patrimônio literário e cultural de nossa língua comum.

Segundo reportagem da coluna Radar, da revista Veja, as três vias do diploma, assinadas pelo presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, já chegaram ao governo para o crivo de Bolsonaro, antes de retornarem a Lisboa. Estão com Osmar Terra, a quem a Cultura está subordinada.

Chico foi escolhido por unanimidade, pelo júri formado por representantes do Brasil, Portugal, Moçambique e Angola. A cerimônia de entrega ainda será marcada, em Lisboa.

Na semana passada, o Itamaraty vetou a exibição de um filme sobre o cantor, compositor e escritor numa mostra de filmes no Uruguai.

 

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ENTREVISTA | “ESTAMOS CRIANDO O CIBERPROLETARIADO, UMA GERAÇÃO SEM DADOS, SEM CONHECIMENTO E SEM LÉXICO”

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ENTREVISTA | “ESTAMOS CRIANDO O CIBERPROLETARIADO, UMA GERAÇÃO SEM DADOS, SEM CONHECIMENTO E SEM LÉXICO”
Andreu Navarra, professor e autor do livro ‘Devaluación Continua’. LORENA RUIZ

Andreu Navarra, professor do ensino médio, denuncia a ausência de debate sobre o futuro a que esta sociedade quer conduzir seus jovens.

EL PAÍS – BERNA GONZÁLEZ HARBOUR | Madri – O mundo da educação debate as horas de aulas, a avaliação dos professores e os maus resultados da Espanha nos testes do PISA, mas tudo isso é bastante secundário no universo de Andreu Navarra, um professor de língua e literatura no ensino médio que retrata desde as vísceras do ensino, da própria sala de aula, uma realidade de emergências mais prementes: da desnutrição de uma boa parte dos estudantes à incapacidade de se concentrar da nova geração do “ciberproletariado” ou a ausência de debate sobre o futuro a que esta sociedade quer conduzir seus jovens. Navarra não é um teórico, mas uma torrente de verdades que acaba de publicar Devaluación Continua (desvalorização contínua) pela editora Tusquets, uma chicotada contra a cegueira, um chamado emergencial diante da degradação do modelo educacional.

“Nós, professores, queremos criar cidadãos autônomos e críticos, mas, em vez disso, estamos criando o ciberproletariado, uma geração sem dados, sem conhecimento, sem léxico. Estamos vendo o triunfo de uma religião tecnocrática que evolui para menos conteúdo e alunos mais idiotas. Estamos servindo a tecnologia e não a tecnologia a nós”, diz Navarra. “O professor está exausto, devorado por uma burocracia para gerar estatísticas que lhe tiram a energia mental para dar aulas.”

O testemunho de Andreu Navarra (Barcelona, 1981), historiador, tem o valor de quem leciona há seis anos em escolas públicas e em subvencionadas, em áreas ricas e em degradadas, onde encontra por igual “professores heroicos” em um sistema educacional estressado pela própria sociedade da qual é espelho: há pais ausentes porque trabalham demais; há violência; há crianças sem comer ou tomar café da manhã; há muitos problemas mentais; e há uma geração ausente por causa de sua concentração nas redes sociais e sua identidade virtual.

“O audiovisual está criando uma nova Idade Média de pessoas dependentes de satisfazer o prazer aqui e agora, quando a vida é muito diferente. Na vida você precisa saber ler contratos, alugar apartamentos, cuidar dos idosos, criar filhos. Mas o ciberproletariado desmorona por qualquer problema. São pessoas que não serão capazes de trabalhar porque têm a concentração sequestrada pelas redes”, diz ele. Não que todos os jovens se encaixem em seu olhar crítico, mas ele vê o risco de exclusão de um quarto dos alunos em uma tempestade perfeita de precariedade e vida virtual.

Navarra descreve, por exemplo, uma turma de 20 alunos com dificuldades de aprendizado em que, depois de lhes perguntar, descobriu que nenhum havia tomado o café da manhã. “Estão pálidos e ficam inquietos. Há estudantes que não comem por causa de distúrbios alimentares, outros por negligência da família, outros por pura miséria.” No entanto, na ausência de professores de apoio e de especialistas, as patologias (teve classes em que 30% tinham algum diagnóstico) concentram a atenção dos professores nas reuniões de avaliação e os impedem de pensar nos conteúdos. O pedagogo se confunde com o terapeuta, diz ele. E no debate da inclusão se esquece, diz ele, que “o que realmente falta incluir é a instituição”. Navarra conta como ele e seus colegas se alegram quando encontram um livro didático de segunda mão dos anos 90 e o compram “como se fosse ouro”. “Nos livros de Lázaro Carreter há explicações, agora temos excertos, flipped classroom [um método participativo que ele considera inaplicável havendo excesso de alunos]. Explique Quevedo com uma flipped classroom! O que não pode haver é uma pedagogia indecente. Temos pessoas inteligentes, queremos uma sociedade inteligente, não a rebaixemos. Temos de distinguir o tempo da escola do tempo externo, e não reduzi-lo. Ser aluno é importante. Ser professor é importante. Vamos explicar quem é Quevedo! Tiramos a literatura do currículo e depois nos perguntamos por que a nação é fraca. É que a nação é isso! Temos que dar a eles a oportunidade de um debate crítico.”

Nem tudo é negativo, é claro. Seu livro tem tantos problemas detalhados como sinais de esperança em experiências possíveis, diz ele, quando a autonomia do professor é respeitada: oficinas de poesia, contos, recreio dedicado ao tempo de leitura, como em sua atual escola, em Collbató, onde os alunos leem e depois contam o que leram, com êxito. “A chave é a autonomia da instituição frente a um pensamento único, frente às teorias da panaceia. Quando Portugal concedeu 25% de autonomia às escolas, melhorou.”

O livro de Navarra recorre a Ortega y Gasset para apelar a um debate necessário antes de tudo o mais: para onde estamos indo. “Se você sabe para onde está indo, se abrirmos um debate sobre o modelo de futuro para o qual queremos avançar, você depois regulará a tecnologia, os horários ou o que for, mas antes de aumentar ou diminuir as horas é preciso pensar no que se quer fazer com elas”, argumenta. E o modelo de sociedade que transforma Pablo Escobar ou Jesús Gil em heróis carismáticos nas séries; o mau exemplo de alguns políticos malandros; a mentalidade Fraga do “turismo e populismo que continua em Salou, em Magaluf, em destroçar Barcelona” não ajuda. “Falta reflexão sobre a sociedade que queremos porque não apostamos em um MIT espanhol, em exportar literatura, engenharia patenteada aqui em vez de exportar engenheiros”.

Mas “o papel da educação de promover a ascensão social está fracassando e estamos criando bolsões de guetos, de pessoas sem futuro”. Menciona também a ação de “maquiar” a ignorância que as escolas praticam para melhorar as estatísticas. E insiste repetidamente na incapacidade de fixar a atenção, grande carência de uma nova geração com fotos nas redes, mas sem memória. “Conhecemos vários capitalismos e agora estamos no capitalismo da atenção, em uma economia de plataformas que mercantilizam a atenção. Se você estiver vendo algumas mensagens, alguém ganha dinheiro e, se vê outras, outro alguém ganha. Não podemos repensar a educação se não pensarmos em como devolver a atenção às salas de aula, o regresso do mundo virtual. Agora não podemos nos ensimesmar, como Ortega defendia, porque tudo é ruído, política é gritaria e slogans, ninguém pensa, ninguém escreve, tudo é bobagem e slogan e isso chegou às salas de aula: o simplista, o binário, o bem e o mal. Os Steve Jobs e Zuckerberg, lembre-se, receberam educação analógica. E os gurus da tecnologia mandam seus filhos para escolas analógicas. É por isso que, ele conclui, “enquanto não consertarmos a sociedade, não podemos consertar o sistema educacional”.

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EDUCAÇÃO | COMO OS CORTES DE BOLSAS AFETAM A VIDA DE MILHARES DE CIENTISTAS NO BRASIL

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EDUCAÇÃO | COMO OS CORTES DE BOLSAS AFETAM A VIDA DE MILHARES DE CIENTISTAS NO BRASIL
Doutorando do Instituto de Química da USP, Mateus Carneiro é um dos cientistas que esperam pela retomada das bolsas / Foto: Pedro Stropasolas.

Orçamento da Capes para 2020 não permite novas bolsas; 83 mil pesquisadores do CNPq podem ficar sem receber em outubro

Pedro Stropasolas | Brasil de Fato | São Paulo (SP) – Em sua cruzada contra a ciência e o conhecimento, o governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) tem um novo alvo estratégico: o fomento à pesquisa no Brasil.

Com os cortes de verbas anunciados ao longo dos últimos meses, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) podem interromper suas atividades.

No início do mês de setembro um corte de mais 5.613 bolsas de estudos para pesquisas de pós-graduação – referentes a trabalhos de mestrado, doutorado e pós-doutorado – foi anunciado pela Capes.

Na última quarta-feira (11), o Ministro da Educação, Abraham Weintraub, reduziu parcialmente o corte e anunciou que a Capes receberá R$ 600 milhões para a manutenção de 3.182 benefícios vigentes. O dinheiro, no entanto, abrange apenas os cursos com as melhores conceitos de acordo com a agência e será suficiente para bancar somente os atuais bolsistas.

Se nada mudar, a Capes terá, em 2020, pouco mais de R$ 3 bilhões para custear as cerca de 215 mil bolsas de formação de professores, graduação, pós-graduação e intercâmbio.

No total, a Capes já cortou 11.800 bolsas neste ano. Até o momento, 8.629 vagas em pós-graduações seguem travadas para novos alunos.

Sem sustento

“A partir do momento que não tem bolsa, não tem dinheiro, como eu vou me sustentar aqui, numa cidade como São Paulo?”, indaga Mateus Carneiro, doutorando no Instituto de Química, da Universidade de São Paulo (USP). A instituição é referência no estudo da História e Filosofia da Química.

Após um ano de estudo e um processo seletivo com provas em inglês e espanhol, Carneiro foi contemplado com uma bolsa da Capes para financiar os quatro anos de doutorado. Isso após 6 meses sem receber remuneração pela pesquisa – acumulando boletos e contas a pagar.

No dia 2 de setembro, após o comunicado do MEC, ele recebeu um e-mail do Programa de Pós-Graduação da USP comunicando que sua bolsa havia sido cortada.

Sem renda e com dedicação exclusiva à pesquisa – em função da qual passa mais de dozes horas diárias em seu laboratório –, o doutorando pretende fazer bicos como professor de química em escolas básicas. “Essas agências de fomento são importantes justamente para a gente conseguir sobreviver aqui”, argumenta.

Após a declaração de Weintraub, anunciando a retomada de uma parcela dos investimentos, Mateus espera a volta de sua bolsa, que ainda não foi confirmada pelo Programa. “Aqui dentro da instituição, da USP, a gente vê que a educação vem sendo corroída por dentro. O próprio Ministério da Educação está acabando com a pesquisa nas universidades públicas do Brasil”, desabafa.

Bolsas do Cnpq com futuro incerto 

No mês de agosto, o governo federal também anunciou que não fornecerá recursos para financiar 83,4 mil bolsas de estudos e pesquisas em andamento. Também ficam suspensas as assinaturas de novos contratos, previstos para este ano no Orçamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão ligado ao ministério da Ciência e Tecnologia.

O ministro de Ciência e Tecnologia Marcos Pontes prometeu um remanejamento interno no orçamento do órgão para pagar os R$ 82 milhões referentes às bolsas de pesquisa de setembro deste ano. Não há, porém, qualquer garantia de continuidade dessas bolsas até o fim do ano. O pagamento depende da liberação do recurso por parte do Ministério da Economia.

Com déficit de R$ 330 milhões previsto para este ano, o CNPq pretende remanejar a verba destinada ao fomento, para pagar as bolsas em outubro. A área de fomento é utilizada para custear equipamentos, insumos, manutenção dos laboratórios e materiais para as pesquisas.

A medida impõe outra problemática. Além da incerteza em relação ao pagamento das bolsas, a pesquisa sofre com os problemas estruturais das instituições públicas de ensino.

Marcos Gregnani é bolsista do CNPq e doutorando em Biologia Molecular pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Ele  pesquisa novas formas de prevenção para doenças metabólicas, como a obesidade e a diabetes.

O pesquisador relata as dificuldades com a manutenção dos biotérios no departamento de Biofísica, que vem sendo impactado pelo racionamento da ração para os animais e a falta de refrigeração adequada.

“Outras universidades com menos recursos que a nossa já interromperam o trabalho com animais. Você tem aí um trabalho de quatro gerações de pesquisadores. É uma parte da ciência que pode ser jogada no lixo”, desabafa.

Segundo o Painel dos Cortes, divulgado pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior no Brasil (Andifes), o MEC cortou o equivalente a 30% do orçamento destinado à USP.

São Paulo é o estado com o maior número de pesquisadores ameaçados pelos cortes no CNPq. Os 18.470 bolsistas representam 22% do total no país. Os cortes também afetam outra modalidade de bolsas da agência, as do Edital Universal 2018, que selecionou 5.572 projetos.  O cancelamento das bolsas, divulgado em abril, impediu 2.516 pesquisadores de contratarem técnicos especializados para o desenvolvimento de suas pesquisas.

Sem perspectiva de renda após outubro, Gregnani teme pelo fim ao fomento a pesquisa. “A educação não pode ser uma pauta de direita ou uma pauta de esquerda, ela tem que ser uma pauta do país. A população precisa entender que a gente é isso, que nós somos parte deles”, defende.

Confira a videorreportagem Cortes de Bolsas: ciência e educação em risco:

Edição: Rodrigo Chagas

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EDUCAÇÃO | MIGUEL ARROYO: ESCOLAS MILITARIZADAS CRIMINALIZAM INFÂNCIAS POPULARES

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EDUCAÇÃO | MIGUEL ARROYO: ESCOLAS MILITARIZADAS CRIMINALIZAM INFÂNCIAS POPULARES

Para o sociólogo e educador espanhol, governo aposta em discurso de medo, exceção e ameaça para questionar as escolas públicas

Carta Capital | Ana Luiza Basilio | ANA LUIZA BASILIO – O anúncio do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares apresentado pelo governo Bolsonaro no início do mês se apoia em duas narrativas principais: a de que, sob gestão dos militares, as escolas conseguirão resolver a questão da violência – motivo pelo qual o plano considera aplicar a militarização em territórios mais vulneráveis – e ainda produzir melhores resultados educacionais, a partir de mais regras e disciplinas no ambiente escolar.

As justificativas não convencem o sociólogo e educador espanhol Miguel Arroyo, que vê o modelo com preocupação. Para ele, há perguntas anteriores que devem ser feitas antes de substituir educadores e gestores educacionais por militares e levar a lógica da militarização a esses espaços. “Por que há violência nas escolas e qual ideal de educação temos?”, questiona.

Em entrevista a CartaCapital, o educador explica o modelo de escolas militarizadas como parte integrante de uma política vigente de “criminalização dos mais pobres”, que questiona as estruturas democráticas, sobretudo as escolas, a partir de um discurso de medo, exceção e ameaça.

CartaCapital: Como o senhor avalia a narrativa de que a militarização das escolas resolverá a questão da violência dos territórios mais vulneráveis?

Miguel Arroyo: Em relação à violência, eu destacaria o seguinte: quais escolas serão militarizadas? Não serão as privadas, mas as públicas, locais que recebem as infâncias populares das favelas, dos campos. Digo isso para que pensemos: que infâncias estão sendo pensadas como violentas? Estamos em um momento no qual se busca a criminalização das infâncias e adolescências populares, bem como dos movimentos sociais de luta por terra, teto, transporte, o que eu chamo de política criminalizante dos pobres. E isso me soa de uma brutalidade assustadora. Portanto, o que ao meu ver legitima a criação das escolas militarizadas é o discurso de que as infâncias são criminosas, mas não todas, só as populares, ou se criminaliza quem está na escolas privadas? Esse é um alerta político muito sério, mas que não acontece de agora.

Nós já vínhamos há uns dois, três anos, pressionando pelo rebaixamento da idade penal. E a ideia que sustenta essa tese é a mesma, a de que as infâncias e as adolescências são violentas. Então, em vez de entregá-las às escolas públicas, aos educadores e educadoras, se defendia encaminhá-las à justiça penal, um jeito de tirar esses estudantes da escola e colocá-los na prisão.

A novidade agora é que não vamos mais tirá-los das escolas, mas colocar as próprias unidades sob o controle da justiça penal, sob a lógica policial, militar, o que eu vejo com extrema gravidade. A ideia da militarização representa a condenação da infância e seu controle pela polícia. Preferem isso a colocar uma questão fundamental: por que há violência nas escolas?

Não são as infâncias que são violentas. Elas são sim violentadas pela sociedade, pela pobreza, pelas favelas, pelas desigualdades sociais, de raça, gênero e isso chega às escolas. Mas preferem ocultar isso, a olhar com seriedade. As infâncias são vítimas de violência e respondem da mesma maneira às violações que sofrem.

CC: Do ponto de vista da política educacional e do direito à educação, o que a militarização das escolas representa?

MA: Está se decretando a falência da escola pública e não só dela enquanto instituição, mas também dos educadores e dos gestores educacionais formados para atuar na área. Ao substituí-los por militares, damos um recado claro: vocês fracassaram. E isso é muito sério. A tentativa é de desconstruir toda a luta por uma educação pública de qualidade, tal como podemos ver com os ataques direcionado às universidades federais, às Ciências Humanas. Na visão dos conservadores, a escola pública foi longe demais e precisa ser combatida. E quando se destrói a ideia da escola pública, rui juntamente a ideia do Estado público, de direitos, de cidadanias. É uma radicalidade terrível.

Outra questão que destaco ainda sobre o direito à educação é a tentativa de validar a chamada educação familiar, no bojo da destruição do Estado. Veja, o que se diz é que quem deve educar é a família ou que, caso ela não tenha condições, que seja o Estado militar. Nesse contexto, a criança não é pensada como cidadã, como um sujeito de direitos que tem, entre eles, a garantia a uma educação pública de qualidade fornecida pelo Estado.

E essa lógica será perpetrada pela escola militarizada, porque lá as crianças não são cidadãs. O militar não é símbolo do Estado cidadão, mas da soberania da pátria, da regra, da disciplina, do controle, da ordem. Todo Estado militarizado é anti cidadania, ou seja, não se afirma enquanto símbolo dos direitos cidadãos.

CC: O senhor acredita que esse modelo, baseado em regras rígidas, pode impactar no desenvolvimento das crianças e adolescentes?

MA: Uma das formas das infâncias e adolescências se afirmarem é por meio de seus corpos. Eu costumo dizer que não temos corpos, somos corpos. Trazemos nele a marca do nosso tempo, o corpo é a marca de cada tempo, da identidade. O que eu quero dizer com isso é que quando o menino usa boné, ou quando meninos e meninas optam por usar adereços ou até por um tipo de corte de cabelo eles estão simbolizando suas identidades, os corpos passam a ser afirmação de identidade, entende? E aí vem a escola militar e diz: basta! Não existe cabelo, corpo, nada. Isso é terrível, porque não reconhece as mudanças e as lutas que se acumulam na infância, adolescência e juventude.

Até o século passado, tínhamos uma visão limitada sobre essas etapas da vida, agindo com crianças, adolescentes e jovens como se não tivessem direito à fala. A palavra infância, aliás, no seu sentido etimológico denota um sentido negativo, não-falante. A adolescência chamávamos de ‘aborrescência’ e a juventude era vista como uma fase preparatória para a vida adulta. Mas isso mudou radicalmente. Hoje a infância tem voz, a adolescência é o tempo da afirmação, da orientação sexual, das experiências que culminam, por exemplo, em tantos movimentos organizados pela juventude. E se estamos diante de novos tempos para esses indivíduos, a educação também deve ser outra. Ao tentar destruir identidades de corpos, raça, gênero, se destrói a identidade humana e isso não é pedagógico.

CC: Ainda assim, há famílias que endossam o modelo da militarização, justamente por acreditarem na solução da violência. Como o senhor vê esse movimento?

MA: Essa alternativa é validada à medida em que se cria e se fortalece a política de estado de medo, exceção e ameaça. Imagine só uma mãe que precisa trabalhar e deixar o filho na escola, claro que ela vai querer segurança. A questão é que se criou um clima de que a escola não dá conta de seu papel e isso é totalmente intencional e político, faz com que essas mulheres não confiem mais nas escolas e cedam à proposta da militarização. Veja, o caminho democrático é sempre melhor, mas quando se cria a ideia de que na democracia não há segurança, acabamos flertando com as regras, com as posturas ditatoriais e isso também chega às escolas.

CC: Outro ponto defendido pelo governo é a possibilidade das escolas militarizadas produzirem melhores resultados. Qual a análise do senhor?

MA: Quais resultados? As escolas militares têm bons resultados para formar militares, mas não são os melhores exemplos para formar cidadãos com valores de democracia, de igualdade, valores políticos. Eu me formei em uma escola militar na Espanha, na época do general Francisco Franco, e eu não aprendi nada disso, mas sim a marchar, bater continência, a ter meu corpo militarizado. Essa é a boa educação que queremos? Temos que nos colocar essa pergunta. Os resultados serão bons de acordo com o que temos como ideal, entende? E o que vejo é uma luta por uma educação para a cidadania, pautada em valores, em respeito aos outros, fraterna e participativa.

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EDUCAÇÃO | MEC E MINISTÉRIO DA DEFESA SE UNEM PARA TENTAR IMPOR MILITARIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

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EDUCAÇÃO | MEC E MINISTÉRIO DA DEFESA SE UNEM PARA TENTAR IMPOR MILITARIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO
Estudantes do Colégio da Polícia Militar de Ceilândia, no Distrito Federal / Agência Brasília/Divulgação

No Distrito Federal, onde o modelo foi aplicado no início do ano, houve recusa por parte de pais e professores

Cristiane Sampaio | Brasil de Fato | Brasília (DF) – O programa do governo federal que incentiva a criação de escolas cívico-militares em estados e municípios, lançado na última quinta-feira (5), provocou reações de trabalhadores, parlamentares e especialistas em educação. Anunciado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), o projeto pretende implantar 216 unidades com esse perfil em todo o país até 2023, com uma média de 54 escolas por ano.

Articulado pelos Ministérios da Educação (MEC) e da Defesa, o programa prevê que militares da reserva das Forças Armadas trabalhem em escolas públicas de ensino regular nas fases do Ensino Fundamental II e Ensino Médio. Quanto aos professores civis, o governo afirma que o objetivo do programa é mantê-los como responsáveis pela parte didática – toda a gestão das unidades ficaria sob cuidado de militares.

“Nós não queremos que essa garotada cresça e, no futuro, seja um dependente até morrer de programas sociais do governo”, disse Bolsonaro à imprensa durante o lançamento do projeto. O governo recebeu críticas de instituições como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).

“Quem emite uma opinião dessas não se preocupa e não tem compromisso em compreender o que é a demanda da educação num país que há 519 anos tem, sistematicamente, negado o direito à educação à maioria da população. É alguém que não conhece a história da educação no Brasil”, critica Gilmar Soares, secretário de Assuntos Educacionais da entidade.

Além de membros das Forças Armadas, o programa permite que estados e municípios desloquem bombeiros e policiais para atuarem na organização das instituições e auxiliarem na parte de “disciplina” nas unidades educacionais. Esse é outro aspecto que incendeia os debates em torno do tema.

“A existência de disciplina na escola advém de o próprio Estado garantir as condições para que o projeto educacional seja desenvolvido pelos sujeitos dentro da escola. É isso que apontam o Plano Nacional de Educação, a LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional], com as condições necessárias pra que seja desenvolvida a atividade educacional – profissionais efetivos, bem formados, bem pagos, condições de infraestrutura adequadas, etc. Até hoje a população cobra isso, mas os governos e a própria condição de Estado que temos hoje negam”, contrapõe Soares. “Não é a transformação em escolas cívico-militares que vai resolver o problema”.

Durante o lançamento do programa, o secretário de Educação Básica do MEC, Janio Carlos Endo Macedo, disse que os estes ficarão responsáveis pela “gestão comportamental” do espaço. O programa atuará em três eixos: educacional, didático-pedagógico e administrativo. Juntos, eles englobam atividades de supervisão, psicopedagogia, organização e fortalecimento de valores “humanos, éticos e morais”.

A iniciativa de expansão de escolas militares tem como cenário um avanço conservador no país, marcado, por exemplo, pela proximidade entre o chefe do Executivo e as Forças Armadas. Bolsonaro é conhecido pelas constantes referências elogiosas à doutrina militar e à tortura. Também é defensor de pautas como o Projeto de Lei (PL) Escola sem Partido, que encontra solo fértil em ambientes mais conservadores e preocupa especialistas da área educacional.

Para o deputado distrital Fábio Felix (Psol), que acompanha o tema das escolas cívico-militares no Distrito Federal (DF), onde unidades desse modelo já são uma realidade desde o início do ano, o governo Bolsonaro estaria tentando, com o novo programa, acirrar a disputa ideológica em torno da educação, área que vem sendo alvo de diferentes iniciativas conservadoras.

“É uma intervenção absolutamente equivocada na educação brasileira, porque ele a utiliza de forma bem ideológica, para tentar impor e enraizar o discurso da extrema direita no Brasil. Acho que tem um pouco esse significado. Ele quer impor um modelo de educação pra fazer uma espécie de guerra ideológica”, analisa o parlamentar.

Rigidez

Em unidades que seguem o modelo, a rigidez das normas internas é um dos pontos considerados críticos do sistema de ensino e convivência. Os estudantes costumam ser submetidos a regras que limitam, por exemplo, o corte de cabelo. Também é comum o hábito de cantar o hino nacional sob a orientação de um militar.

Por conta dessas e de outras práticas militares, o projeto do governo desperta preocupação principalmente entre educadores que conheceram de perto a atuação militar nas escolas na época da ditadura, como é o caso do professor Robson Eleutério. Ele acredita que a presença militar nas unidades tem um risco simbólico e tende a comprometer a formação dos estudantes.

“Não vai ter nenhuma melhora na parte da questão mais importante, que é a construção do conhecimento porque, aparentemente, tentam manter uma ordem que não pode ser reproduzida na construção do conhecimento do aluno. O estudante pode se sentir reprimido em algumas áreas, como história, artes e literatura, em algumas situações, podendo passar a ter uma visão fechada, retrógrada e não ter condições de acompanhar a sociedade atual de forma a entender plenamente os seus contextos”, avalia.

Imposição

De acordo com o governo, os estados e municípios que quiserem aderir ao modelo precisarão fazer um pedido formal junto ao governo federal até o dia 27 deste mês para indicar duas unidades que podem receber o projeto-piloto a partir de 2020. Segundo o MEC, estados e municípios serão que fazer consulta pública sobre a adesão. Apesar disso, o presidente Bolsonaro afirmou, durante o lançamento, por diversas vezes, que o modelo poderá ser imposto.

“Temos aqui a presença física do nosso governador do DF, Ibaneis. Parabéns, governador, com essa proposta. Vi que alguns bairros tiveram votação e não aceitaram. Me desculpa, não tem que aceitar, não. Tem que impor”, disse o chefe do Executivo ao aliado em um dos momentos em que mencionou a questão.

Um projeto-piloto lançado por Ibaneis Rocha (MDB) no início do ano inaugurou, em quatro escolas do DF, um modelo de gestão compartilhada com a Polícia Militar (PM). A ideia é expandir o número para 36 unidades, a depender dos resultados.

A medida encontra resistência entre pais, alunos, professores e servidores das instituições. No último dia 17, em uma votação, três unidades aprovaram o projeto e duas recusaram. Com isso, o governo desistiu temporariamente desses locais, mas gestores do DF têm afirmado que a consulta tende a ser repetida.

A votação envolve estudantes, pais, professores e funcionários. Na unidade Gisno da Asa Norte, uma das instituições onde houve recusa, a rejeição foi de 73%. Em entrevista ao Brasil de Fato, o diretor, Isley Marth, sublinha que o a rede educacional do DF segue uma norma legislativa segundo a qual diferentes ações educacionais precisam passar pelo crivo da comunidade escolar antes de serem implementadas.

“A comunidade escolar é que dá a pontuação do respirar de uma escola. A comunidade tem autonomia, tem o direito de escolha. O Brasil é assim. Nós não temos que trabalhar com imposição”, defende.

Edição: Daniel Giovanaz

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EXCLUSIVO |COTA NÃO É ESMOLA | CANTORA BIA FERREIRA FALA SOBRE MÚSICA COMO “ARTIVISMO”

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EXCLUSIVO |COTA NÃO É ESMOLA | CANTORA BIA FERREIRA FALA SOBRE MÚSICA COMO
Bia Ferreira lançará seu primeiro disco, “Igreja Lesbiteriana: um Chamado”, no dia 13 de setembro / Divulgação/Facebook

Feminismo, antirracismo, religião e arte como posição política são alguns dos temas abordados nesta entrevista exclusiva

Bruna Caetano e Marcos Hermanson | Brasil de Fato | São Paulo (SP) – Bia Ferreira tem 26 anos e vive da sua música há dez. Recentemente, estourou com canções como “Cota Não é Esmola“, “Diga Não” e “Não precisa ser Amélia”. A potência de sua voz e o conteúdo de suas letras são um soco no estômago de qualquer um.

Nascida em Carangola, Minas Gerais, passou boa parte da vida em Aracaju (Sergipe), e por isso costuma se apresentar como “cosmopolita”, e não como mineira. Antes de se fixar no Rio de Janeiro, morou em ocupações urbanas em São Paulo e fazia bicos para sobreviver. No Parque da Água Branca, onde foi entrevistada pelo Brasil de Fato, às vezes lavava os vasilhames da barraca de suco de uma feira de orgânicos para tirar 80 reais no final do dia.

Durante a conversa, ela se define como “artivista” e fala que não vai se calar, custe o que custar. A cantora aborda também o tema da música como uma forma de fazer a revolução e “ensinar tecnologias de sobrevivência” ao povo preto e LGBT.

O lançamento de seu novo disco, “Igreja Lesbiteriana: um Chamado“, ocorre no dia 13 de setembro nas plataformas digitais. No dia 21, ele será apresentado ao vivo em um show no SESC Pompéia, em São Paulo.

Confira a íntegra da entrevista abaixo:

Brasil de Fato: Muita coisa mudou desde que você escreveu “Cota Não é Esmola”, em 2011. Parece que esse pensamento que você tenta combater na sua música tomou outras proporções de lá para cá. Como você vê o fato de isso ainda ser uma luta, e que talvez tenha que ser travada até mais intensamente agora?

Bia Ferreira: Eu acho que esse posicionamento contra as cotas é fruto da desinformação e da falta de oportunidade. A informação é o que liberta mentes, faz com que as pessoas queiram a mudança, e querer a mudança é um problema muito grande para esses homens que detém o poder.

Fico triste de ainda precisar falar de cotas hoje em dia, mas entendo que o processo de descolonização de mentes pretas é muito recente. A abolição aconteceu há 132 anos. Quando penso nisso, lembro que meu bisavô era escravo. Não tive acesso ao nome dele, não tive acesso a quem foi o pai dele, os irmãos dele.

Meu avô está com noventa anos. Meu avô é fruto do ventre livre. Eu queria não falar sobre isso, mas se eu não falar as pessoas não vão ter acesso a informação, e eu acredito que a informação transforma.

Em algumas entrevistas você diz que, no começo, não se sentia representada pelo movimento feminista. Por quê? 

O feminismo não chegou na favela em que eu morava. Era uma parada da academia. Agora é moda estudar preto. É foda falar o que eu tô falando, mas é moda. Agora ninguém quer ser racista, ninguém quer ser branco. Imagino que deve ser horrível ser branco. Quando você é branco e entende como foi criada essa sociedade…é “escroto” você saber que foi o seu bisavô.

Por que, se uma mulher preta tiver apanhando na rua do marido, a galera fala assim “ah, deve ser briga de marido e mulher”? Se for uma menina loirinha e o cara deu um grito com ela, já tem cinco em cima dele. É porque o corpo da mulher preta não é enxergado na sociedade como o de uma mulher.

Quando eu vejo movimento de mulheres indo pra rua mostrar os peitos, eu não me sinto contemplada, porque o meu corpo sempre foi exposto, sempre foi mostrado como um pedaço de carne, e nu. Era assim que a gente era vendida. É assim que a gente é vendida. Esse ano foi o primeiro em que a Rede Globo colocou a Globeleza de roupa.

Quando eu entendi que existe muita mulher preta que já está pensando a revolução e tecnologias de sobrevivência para a vida e manutenção de mulheres pretas nessa sociedade, eu entendi que existe sim uma luta pela vida dessas mulheres.

É um feminismo sim, mas ele é interseccional. Não é um feminismo que fala só das mulheres brancas. Fala das mulheres brancas, pretas, indígenas, trans, travestis. É sobre a vida das mulheres. Por isso eu me sinto contemplada.

Tem quem diga: “a Bia Ferreira não gosta de branco”. Não é que eu não gosto de branco. Eu não gosto de um sistema chamado branquitude, que foi construído para acabar com a minha vida e com a vida dos meus. E o indivíduo reproduz o sistema e o sistema reproduz o indivíduo.

Não é contra as mulheres brancas, não é contra o feminismo. É a favor de um feminismo que não olha só para o seu umbigo. É um feminismo que pega seu carro e vai na favela buscar as manas que não tem a grana do busão.

Para eu segurar a mão de uma pessoa branca na luta comigo, eu preciso que ela sangre comigo. Porque eu sei que seu eu estiver segurando a mão dela, o tiro vem em mim, não vai nela. Você nunca vai saber o que é ser eu, mas se coloca no meu lugar. É sobre isso que eu falo em “De Dentro do Ap“.

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Qual é a sua compreensão do momento político atual?

Caos. As pessoas têm memória fraca, muito curta. Durante os anos do governo Lula, essas pessoas experimentaram o acesso à moto, casa própria, carro, conseguir pagar a creche do seu filho. A gente viu preto e pobre indo para fora do Brasil estudar.

Você sabe o que é você comer ovo todo dia e esperar chegar o domingo para comer frango? Você se formar em uma conjuntura política com vários acessos faz você achar que sempre foi assim. Faz você esquecer como a gente estava vivendo antes. Nesse momento, a gente achou que era rico.

A atual conjuntura é triste, é caótica, mas é necessária. Se a gente não tivesse nesse momento em que a gente está agora – metade da Amazônia devastada, um monte de direito tirado, você sabendo que não vai se aposentar, você vendo os ricos ficando mais ricos, as pessoas de classe média ficando pobres e os pobres ficando miseráveis – as pessoas não iam querer uma mudança.

Daqui dois anos, não vai ter ninguém que votou no Bolsonaro. Eu rezo para que o próximo governo seja de uma mulher, e que essa mulher consiga terminar o governo dela.

Recentemente você se apresentou no Festival Lula Livre, em São Paulo. Como você enxerga essa relação entre arte e política?

Existem muitos soldados do pão e circo, muitas pessoas dispostas a se venderem e produzirem conteúdo ruim. Eu entendo que existem pessoas com um pensamento exclusivamente capitalista, que pensam no dinheiro, e cuja produção é usada para cegar as pessoas.

Os artistas precisam se posicionar. Nós temos um papel importantíssimo, porque a gente fala com as pessoas. O “artivismo” deveria ser uma base para quem quer viver de arte. Não tem como você viver de arte se calando diante do que está acontecendo. Se você se cala, então o que você faz não é arte, é pão e circo.

Como foi crescer em uma família evangélica? Qual é a sua relação com a religião hoje em dia?

Meu pai e minha mãe são pessoas que lutaram durante a vida toda por uma coisa em que eles acreditavam: a transformação de vidas através da história de Jesus. Existem muitas pessoas evangélicas sérias. Existem muitas pessoas coerentes, que acreditam e vivem aquilo que pregam.

Só que existem muitas pessoas que tem um discurso preconceituoso e se escondem atrás da religião para manipular pessoas. Aí eu posso citar o pastor Edir Macedo, que é bilionário. Posso citar o R.R Soares, o Silas Malafaia, Valdemiro Santiago, e vários outros que abrem uma igrejinha em qualquer buraco para manipulação de mentes e recurso próprio.

Mataram Jesus porque ele era um cara preto e revolucionário que contestava os religiosos da época.

Como é o seu processo criativo? Quem te inspira a fazer as suas músicas?

Eu posso citar várias pessoas. Angela Davis, Sueli Carneiro, Audrey Lorde, Assata Shakur. Mas eu gosto de dizer que as minhas referências andam comigo. Tudo isso que eu falo até hoje foi construído pelas pessoas que andam comigo, e não pelas pessoas que eu li. As pessoas que eu li construíram a base teórica para o que eu falo. Mas as pessoas que andam comigo são as pessoas que constroem a base de vivência do que eu faço.

Então eu posso citar para você a Leci Brandão, que é uma mulher revolucionária. É uma senhora preta, compositora, instrumentista e sapatão. E tá viva. Dona Conceição Evaristo, que senta na mesa do bar para trocar ideia com a gente. Eu posso falar da Preta Rara, da Doralyce , da Manu Coutinho de Aracajú, da Jaêmia, Laine Almeida, Anaia, Débora Ambrosia, Bruna Amara, Luz Ribeiro, Eva Rap Diva, Érica Malunguinho, Dani Monteiro, Talíria Petrone.

A Luna me lembrou da Preta Ferreira. A Preta Ferreira, além de ser uma mulher preta que luta por moradia é uma mulher preta artivista, que faz arte para se comunicar com a sociedade. Ela não está presa porque participa de movimentos sociais na luta por moradia. Ela está presa porque é uma mulher preta que luta e fala o que pensa através da arte, e é isso que acontece com as mulheres pretas que falam. Ou elas são presas, ou são mortas.

Agora em setembro você vai lançar seu primeiro disco. Fale um pouco sobre ele.

Eu vivo de música desde os meus 16 anos, e eu tô com 26. São dez anos para lançar meu primeiro disco. São seis anos tentando lançar um disco. Mas a gente é mulher preta, e mulher preta falando de política não tem muita gente que abraça nossa ideia.

Esse disco tá saindo sem recursos. Todas as pessoas que trabalharam nesse disco dispuseram do seu amor pela arte. Acreditaram no trabalho que a gente faz, na revolução que a gente prega, e quiseram construir isso com a gente.

Esse disco se chama “Igreja Lesbiteriana: um Chamado”, porque recebi um chamado e fiz um compromisso: nunca me calar enquanto tiver alguém sendo oprimido. Enquanto tiver um preto com menos direitos, enquanto houver racismo, enquanto as cotas ainda forem negadas, eu não vou me calar. A gente não vai se calar. Esse disco está saindo por que pessoas decididas a não se calar estão construindo isso comigo.

Edição: Luiza Mançano

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GOVERNO PREVÊ 216 ESCOLAS MILITARES ATÉ 2023 E BOLSONARO DIZ QUE MODELO TEM DE SER IMPOSTO

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GOVERNO PREVÊ 216 ESCOLAS MILITARES ATÉ 2023 E BOLSONARO DIZ QUE MODELO TEM DE SER IMPOSTO

Folha Uol | Paulo Saldaña – O governo Jair Bolsonaro (PSL) ampliou o número de escolas que receberão apoio federal para migrarem para o modelo militar. O presidente afirmou que modelo deve ser imposto às escolas, embora o MEC (Ministério da Educação) indique que o projeto será implementado por adesão de governos e também da comunidade escolar.

“[Se o estudante] não sabe uma regra de 3, não sabe interpretar um texto, não responde pergunta básica de ciência? Absurdo. Não tem que perguntar para o pai irresponsável nessa questão se ele quer ou não uma escola com uma, de certa forma, militarização. Tem que impor, tem que mudar. Não queremos que essa garotada cresça e vai ser pelo resto da vida dependente de programas sociais do governo”, disse Bolsonaro na cerimônia de apresentação do projeto do governo para a modalidade.

Serão apoiadas agora 216 unidades, segundo anúncio nesta quinta-feira (5) no Palácio do Planalto. É o dobro do que havia sido previsto pelo MEC em julho. O país tem cerca de 140 mil escolas.

Serão gastos R$ 54 milhões só no próximo ano. Cada escola receberá R$ 1 milhão para adequações de infraestrutura.

O lançamento do Programa Nacional de Escolas-Cívico Militares é o primeiro evento da área de educação com participação do presidente Bolsonaro no ano –além da posse do ministro da Educação, Abraham Weintraub, em abril.

Em entrevista após o evento, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, disse que a determinação do presidente para impor o modelo será atendida. “Se o presidente falou, a palavra do presidente é a última palavra do Executivo. Então, está falado. Mas eu não estava sabendo que tinha [escolas que não querem o modelo], pelo contrário. Tem muito mais demanda do que capacidade de atender”, disse.

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Ao falar sobre o assunto, Bolsonaro citou o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), que decidiu impor o modelo a duas escolas na capital federal. Professores, alunos e pais haviam recusado a conversão —o episódio valeu a demissão do então secretário de Educação do Distrito Federal, Rafael Parente, em agosto, por ele discordar da posição do governo.

Weintraub disse esperar do governo que o modelo alcance 10% das unidades escolares do país. Mas tanto o presidente quanto o ministro disseram que essa seria uma meta que só poderia ser alcançada em um eventual segundo mandato.

Chamadas de escolas cívico-militares pelo MEC, o modelo prevê a atuação de equipe de militares da reserva no papel de tutores —diferente das escolas militares, que são totalmente geridas pelo Exército. Oficialmente, o programa prevê a adesão voluntária de estados e municípios

As redes de ensino terão do dia 6 a 27 de setembro para indicar duas escolas que poderão receber o projeto em formato piloto no próximo ano. São elegíveis ao modelo escolas do segundo ciclo do ensino fundamental (6º ao 9º ano) e de ensino médio com ao menos 500 alunos e no máximo 1.000.

Na abertura da cerimonia, Weintraub fez um discurso com alto teor ideológico, relacionando o modelo ao reforço à disciplina e valorização do patriotismo.

“[Que] nunca mais um regime totalitário tente ser implantado no Brasil. Nunca mais nós tenhamos uma ideologia externa tentando ser imposta aos brasileiros. Nunca mais o presidente de outro país questione a soberania deste país. Nunca mais a gente esqueça que essa bandeira jamais será vermelha”, disse.

“Independente da cor e do protetor solar, [o Brasil] só tem um povo, tentaram dividir a gente, e só temos um povo, é o povo brasileiro”.

Uma das críticas ao modelo é que as unidades escolhidas recebem investimentos e reforço de equipe, enquanto o restante das unidades públicas têm de trabalhar nas mesmas condições. Weintraub disse que serão contempladas somente escolas em áreas vulneráveis.

Bolsonaro, por outro lado, relacionou a democratização da educação com os maus resultados do país no setor. “O que nos tira da miséria e da pobreza, da ignorância, é o conhecimento. E o que aconteceu com o ensino no Brasil ao longo nas últimas décadas? Democratizou-se o ensino”, disse, também comparando o tema com a questão da segurança.

“Uma de suas bandeiras [de um dos candidatos à Procuradoria-Geral da República] era democratizar a Polícia Militar. Não dá, não dá. Queremos uma Polícia Militar eficiente e que realmente cumpra seu objetivo. Mas falar em democracia na PM. Como ele vai tratar um sequestrador, um narcotraficante”.

O objetivo é promover parcerias com a PM, com os bombeiros ou com o Exército. Escolas militares ganharam evidência nos últimos anos por causa de indicadores educacionais positivos e por atacarem o problema da indisciplina.

Por outro lado, educadores se opõem à militarização da educação e à priorização de investimentos no modelo. Reportagem da Folha mostrou que as escolas militares e institutos federais com o mesmo perfil de alunos têm desempenho similar.

O país tem 203 unidades nesse modelo com parcerias. São diferentes das 13 escolas geridas pelas Forças Armadas, que contam com maiores investimentos e maior nível de seleção de alunos —e também têm melhores resultados.

Os militares atuarão no apoio à gestão escolar e educacional, enquanto os professores e demais profissionais da educação continuarão responsáveis pelo trabalho na sala de aula. Não ocorrerão substituição de professores”, disse o secretário de Educação Básica do MEC, Jânio Macedo.

O governo Bolsonaro diz que a educação básica é a prioridade. Até agora, o projeto de escolas militares é a única medida nova que foi anunciada.

Em julho, o MEC lançou um programa estratégico para a etapa que, fora este programa, apenas anunciava a retomada de investimentos em programas que haviam sido esvaziados pelo próprio governo desde janeiro.

O MEC teve cerca de R$ 6 bilhões de orçamento contingenciado, atingindo ações que vão da creche à pós-graduação.

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EDUCAÇÃO | DORIA MANDA RECOLHER APOSTILAS COM UMA PÁGINA DE CONTEÚDO SOBRE DIVERSIDADE SEXUAL

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EDUCAÇÃO | DORIA MANDA RECOLHER APOSTILAS COM UMA PÁGINA DE CONTEÚDO SOBRE DIVERSIDADE SEXUAL
João Doria é governador de São Paulo desde 1º de janeiro de 2019 / Valter Campanato / Agência Brasil

Governador chamou de “erro inaceitável” o material distribuído para adolescentes da 8ª série da rede estadual de ensino

Redação | Brasil de Fato | São Paulo (SP) – O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), não quer que adolescentes de 14 anos tomem conhecimento ou sejam informadas sobre a diversidade sexual que existe nos relacionamentos entre seres humanos. Nesta terça-feira (3), ele mandou recolher apostilas oficiais de Ciências distribuídas a alunos da 8ª série da rede estadual porque elas continham uma página com o assunto, intitulada “A diversidade de manifestações e expressões da identidade humana”.

Esta e outras apostilas servem de material de apoio escolar e são regularmente distribuídas pela própria Secretaria Estadual de Educação, dentro do programa “São Paulo faz Escola”. Segundo nota da secretaria, o conteúdo didático segue, entre outras fontes abalizadas, o manual do Ministério da Educação.

Apesar disso, a inclusão da diversidade de gênero em um dos cadernos foi considerada “um erro inaceitável”, segundo afirmou Doria em uma postagem no Twitter.

xxxxxxx A página da apostila que irritou o governador. (Foto: Reprodução)

“Fomos alertados de um erro inaceitável no material escolar dos alunos do 8º ano da rede estadual. Solicitei ao Secretário de Educação o imediato recolhimento do material e apuração dos responsáveis. Não concordamos e nem aceitamos apologia à ideologia de gênero”, disse o governador.

O conteúdo do texto criticado não faz apologia a qualquer ideologia ou gênero específico, limitando-se a explicar as diferenças conceituais entre sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual.

Já a nota da secretaria afirma que o tema da identidade de gênero “está em desacordo com a Base Nacional Comum Curricular, aprovada em 2017 pelo Ministério da Educação, e também com o Novo Currículo Paulista, aprovado em agosto de 2019”.

A Base Nacional Comum Curricular deixou no tema em aberto – cabendo a estados e municípios decidirem o que fazer.

Direito ao conhecimento

A deputada estadual paulista professora Bebel (PT), presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), reagiu ao que chamou de “censura” por parte do governador.

“Inaceitável é um LGBT ser morto a cada 20 horas no Brasil. Inaceitável é a desigualdade entre homens e mulheres persistir. Inaceitável é o feminicídio, que no país tem um taxa 74% superior à média mundial. Discutir a diversidade é preparar gerações para um futuro sem ódio”, afirmou.

Ela lembra que nesta terça o presidente Jair Bolsonaro (PSL) anunciou que prepara um projeto de lei “que proíba ideologia de gênero no ensino fundamental”.

“A ideologia de gênero sequer existe”, rebateu Bebel. “Doria e seu ídolo Jair Bolsonaro utilizam essa expressão na tentativa de confundir a população e privá-la do direito ao conhecimento, ao debate e à vida em uma sociedade em que diversos grupos se relacionam de maneira respeitosa e na plenitude de seus direitos”, finalizou.

Edição: João Paulo Soares

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4 EM CADA 10 JOVENS NEGROS NÃO TERMINARAM O ENSINO MÉDIO

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4 EM CADA 10 JOVENS NEGROS NÃO TERMINARAM O ENSINO MÉDIO
Dados do IBGE mostram que abandono escolar atinge mais população negra

Por Paulo Saldaña, da Folha de São Paulo – Concluir a educação básica ainda é realidade distante para muitos jovens brasileiros, mas o problema atinge com maior intensidade a população negra.

Um terço dos brasileiros entre 19 e 24 anos não havia conseguido concluir o ensino médio em 2018. Apesar da média geral já ser alta (e cujo percentual é similar entre jovens brancos), o panorama entre os negros é ainda pior: quase metade (44,2%) dos negros homens dessa faixa etária não concluiu a etapa.

Os recortes por cor de pele e gênero revelam outros abismos: 33% das meninas negras nessa idade não têm ensino médio, enquanto o índice é de 18,8% entre as brancas.

O cenário relacionado ao ensino médio é só uma ponta do desafio, que começa mais cedo. Ser negro no Brasil aumenta a chance de exclusão escolar ao longo da educação básica, como mostram dados da mais recente PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), relacionado a 2018. As informações do IBGE foram tabuladas pelo Instituto Unibanco para a Folha.

O abandono escolar é um dos maiores entraves educacionais do país, o que tem forte relação com as altas taxas de reprovação. E desde o ensino fundamental essa conjectura incide de forma mais acentuada sobre a população negra.

Enquanto, na média, 13,1% dos jovens de 19 a 24 anos não haviam concluído o 9º ano do fundamental, entre os negros o percentual era de 19%.

Desigualdades raciais são identificadas também entre aqueles que estão na escola na idade indicada para o ensino médio, de 15 a 17 anos. Entre os brancos, 16,6% não tinham passado do 9º ano. Esse índice é de 25,5% entre pretos e pardos.

Também há mais negros dessa faixa etária que, atrasados, ingressaram em escolas para Jovens e Adultos, o EJA. Mais de seis em cada dez estudantes da modalidade são negros.

Os dados corroboram a existência de traços estruturais de discriminação. E os próprios jovens sentem na pele os reflexos das desigualdades de oportunidades.

Nascido em Cabeceiras (GO), Samuel Marques abandonou a escola na 8ª série. Precisava trabalhar e os horários do emprego, uma cafeteria em Brasília, eram incompatíveis com os da escola.

Só aos 19 anos retomou os estudos em uma escola de EJA e, aos 23, deve terminar o ensino médio neste ano. “É mais difícil para um negro arrumar emprego, ainda mais se você tiver cabelo grande, estilo afro, se fugir do padrãozinho. A gente sente uma cultura de racismo”, diz.

A mãe é varredora de rua e o pai, pedreiro. Marques mora numa cidade satélite da capital federal e leva uma hora pra chegar ao Plano Piloto, onde estuda. Perto da sua casa não havia vagas em EJA.

“Quem tem mais privilégios pode só estudar, fazer outros cursos junto com a escola, estuda perto de casa, enquanto muita gente ou trabalha ou passa fome”, diz.


Samuel Marques, 23, largou os estudos na 8ª série porque precisava trabalhar – Paulo Saldaña/Folhapress

Os dados mostram que o percentual de jovens de 15 a 17 anos que só trabalham e não estudam é maior entre os negros (5,7%), ainda que próximo à realidade dos brancos (4,9%).

O superintendente do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, diz que a definição das causas dessas desigualdades exige maiores estudos, mas a recorrência de evidências indica processos estigmatizantes e estruturais.

“Pode ser estigma dos professores [com relação aos jovens negros, como a indisciplina], práticas cotidianas de exclusão, ambientes autorreferidos que produzem preconceito, leituras pretéritas que não são educacionais, e provavelmente uma combinação de todos esses fatores”, diz.

“É necessário um olhar para a diversidade, que favoreça um cotidiano na sala de aula que reconheça as diferenças, que tenha missão de igualdade de oportunidade ao longo do processo. Dado que as características de exclusão são estruturais, não adianta achar que zera o jogo no primeiro dia de aula”, diz. “A missão da escola é entregar à sociedade uma situação de excelência com equidade”.

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