CONGRESSO DESTINA 0,001% DAS EMENDAS PARLAMENTARES À AMAZÔNIA

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CONGRESSO DESTINA 0,001% DAS EMENDAS PARLAMENTARES À AMAZÔNIA

Brasil247 – (Foto: Câmara | Reuters) – Deputados e senadores da Amazônia Legal destinaram, nos últimos cinco anos, apenas 0,001% dos recursos de emendas parlamentares a projetos ligados à gestão ambiental da região. Em proporção, trata-se de quantia dez vezes menor do que os colegas do Sudeste repassaram para investimento em projetos do mesmo tipo nos seus estados. Também é 15 vezes menos do que o dinheiro enviado pela bancada do Nordeste nesta rubrica para seus redutos eleitorais.

Segundo o jornal O Estado de S.Paulo, do total de R$ 13,1 bilhões em emendas para a Amazônia Legal, R$ 23,9 milhões foram para projetos que tratam da preservação de unidades de conservação e controle de incêndios florestais.

O Brasil vive uma de suas maiores crises ambientais de sua história. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) havia alertado que o desmatamento cresceu 88% em junho e 278% em julho na comparação com iguais períodos de 2018

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VICE-PRESIDENTE DA FGV RECOMENDA A PROFESSORES E ALUNOS ARTIGO DE MOURÃO SOBRE A AMAZÔNIA QUE DIZ QUE O PRESIDENTE “NÃO MENTE”

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VICE-PRESIDENTE DA FGV RECOMENDA A PROFESSORES E ALUNOS ARTIGO DE MOURÃO SOBRE A AMAZÔNIA QUE DIZ QUE O PRESIDENTE “NÃO MENTE”

Mourão e Sergio Quintella (Montagem)

O artigo levanta supostas “infâmias” criadas sobre a região da floresta, como “maus tratos a índios”, e prega a “soberania brasileira sobre a Amazônia”.

O vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas, Sergio Quintella, escreveu uma carta aos professores e alunos da instituição recomendando a leitura de um artigo do general Hamilton Mourão intitulado “A nossa Amazônia“. O artigo foi publicado no jornal Estado de S.Paulo, no dia 28 de agosto, e em tom ufanista prega a “soberania brasileira sobre a Amazônia”, com o argumento de que a região “sofre com uma campanha internacional movida contra o Brasil”, mas que o governo e o presidente “não mentem”.

Entre a lista das supostas “infâmias” disseminadas sobre a Amazônia que o texto de Mourão cita estão “acusações de maus-tratos a indígenas, uso indevido do solo, desflorestamento descontrolado e inação governamental perante queimadas sazonais”. O general alega que “o Brasil não mente. E tampouco seu presidente, seu governo e suas instituições”.

Mourão ainda propõe uma recapitulação da “história da conquista da Amazônia”, alegando que “o Brasil jamais prescindiu da cooperação das nações condôminas desse patrimônio reunidas no Pacto Amazônico”. Em determinado momento do texto, o vice-presidente também manda uma provocação ao grupo do G7, em especial a Emmanuel Macron, mencionando “a velha ambição disfarçada por filantropia de fachada” como algo presente no debate internacional sobre a Amazônia.

O jornalista da revista Piauí, José Roberto de Toledo, publicou em seu Twitter a carta de Sergio Quintella aos corpos docente e discente da FVG. O jornalista também fez menção aos professores da instituição. “Se você for professor da FGV não precisa curtir o tuíte anterior mesmo que concorde. Minha solidariedade”, escreveu.

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ECONOMIA | DESNACIONALIZAÇÃO NÃO INCREMENTOU PRODUTIVIDADE, APONTA ESTUDO

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ECONOMIA | DESNACIONALIZAÇÃO NÃO INCREMENTOU PRODUTIVIDADE, APONTA ESTUDO
A CHESF, DA ELETROBRAS, NA MIRA DO GOVERNO MÃO FECHADA COM OS CIDADÃOS E GENEROSO COM O CAPITAL ESTRANGEIRO

A venda de empresas nacionais apenas reforçou um padrão de inserção externa frágil e subordinado

Carta Capital – CARLOS DRUMMOND – A alegação do governo de que algumas atividades podem parar por falta de dinheiro “é extremamente preocupante” e mostra que “ele está preso à armadilha que colocou: ao impor um teto real de gastos, mais regra de ouro do endividamento público, mais meta de superávit fiscal, impede o uso de instrumentos fiscais contracíclicos justamente quando são mais necessários”, afirma Luiz Fernando de Paula, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Não só tais instrumentos ficam impossibilitados de serem usados como o próprio funcionamento de programas de governo é inviabilizado. Isso em parte se deve ao fato de se usar política fiscal contracionista em um quadro em que as receitas fiscais estão praticamente estagnadas. Nessas condições, o ajuste fiscal acaba por se revelar extremamente danoso e mesmo contraproducente. É uma política autodestruidora.”

“Mas há algo além nesta política, que é a imposição de um Estado mínimo na economia brasileira, uma espécie de thatcherismo tupiniquim”, chama atenção o economista. Exemplo do caráter predatório do possível apagão em várias atividades do governo, diz, é o caso dos recursos para pesquisa e bolsas do CNPq. “É difícil e demorado construir programas e instituições, mas é fácil destruí-los.”

No quadro de governança da política macroeconômica vigente, prossegue, não há muito o que fazer. “O governo fica na dependência de recursos não recorrentes, como é o caso daqueles obtidos nos leilões de petróleo para poder afrouxar o arrocho fiscal. A alternativa é rever as metas fiscais para que se possa abrir espaço para o aumento dos investimentos públicos, que têm maior efeito sobre o crescimento, mas para isso teria não só que mudar a orientação ideológica do governo, como negociar com o Congresso. Estamos numa ‘sinuca de bico’”, resume o economista.

Os cortes e atrasos de liberação de recursos comandados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, afetam bolsas de estudos, compras de livros didáticos para escolas públicas, gastos da Polícia Federal, repasses do programa Minha Casa Minha Vida, Justiça do Trabalho e o governo acena com mais cortes.

Iniciativas tópicas e efeito acessório

Exemplo das limitações autoimpostas por uma concepção de política econômica voltada para o aumento da oferta e omissa em relação à necessidade de gerar demanda é o pacote em elaboração para combate ao desemprego. A decisão se restringirá ao estímulo ao primeiro trabalho para os jovens por meio da desoneração da folha de pagamento e da facilitação do acesso ao microcrédito aos pequenos empreendedores. Embora envolva parcelas significativas de trabalhadores, tem alcance limitado.

“São iniciativas tópicas com efeito acessório. Dependem de uma política de demanda, uma estratégia de retomada do investimento e do gasto público. É esse o nosso problema”, critica o diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, Clemente Ganz Lúcio. Há 4,38 milhões de desempregados com idade entre 20 e 29 anos, o equivalente a 18,4% da força de trabalho, acima dos 12% referentes à desocupação total. Dos desempregados nessa faixa etária, 28,96% procuram emprego há, no mínimo, dois anos, calcula o Dieese.

Há quatro décadas sem crescimento significativo e continuado, a situação só se agrava com a escalada de privatizações de empresas e recursos naturais que nem sequer deve poupar a Petrobras. As desestatizações são quase sempre desnacionalizações, mas é ilusão achar que a penetração do capital estrangeiro eleva a eficiência e a competitividade internacional do País. Ocorre o oposto, indica o trabalho “Internacionalização, desnacionalização e desenvolvimento”, de Fernando Sarti e Mariano Laplane, professores do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisadores do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia.

“O Brasil tem elevada presença de capital estrangeiro nas suas estruturas de produção e de comércio de bens e serviços. Essa participação ampliou-se substancialmente desde a crise financeira internacional, iniciada em 2008, e com a desaceleração em 2014 e posterior recessão econômica doméstica de 2015 a 2019. A participação estrangeira tem sido reforçada pelos elevados fluxos de Investimento Direto no País (IDP), sobretudo na forma de operações de Aquisição e Fusão (A&F) de empresas nacionais, promovendo um processo de desnacionalização da base produtiva. Portanto, aumenta a preocupação com a transferência de decisões e atividades estratégicas para fora”, descrevem os autores.

A VENDA DA EMBRAER RESULTOU NA TRANSFERÊNCIA DO COMANDO DA SUA CADEIA PRODUTIVA PARA OS EUA

O desenvolvimento econômico e social, sublinham, depende da diversificação e sofisticação de suas bases produtiva e tecnológica e o processo de desnacionalização em curso não tem colaborado para atingir esse objetivo. “Ao contrário, a desnacionalização, aprofundada pela globalização da economia, não promoveu as mudanças necessárias nas estruturas de produção e de comércio e apenas reforçou um padrão de inserção externa frágil e subordinado.” Longe de ser homogêneo e linear, o processo de globalização financeira, produtiva, comercial e tecnológica mostra-se “bastante assimétrico, seletivo e hierarquizado.

Isso significa que a geração e captura de valor e a distribuição de ganhos e perdas decorrentes da globalização são bastante desiguais entre países, empresas e setores de atividade econômica. As grandes corporações transnacionais controlam as cadeias regionais e globais de produção e valor. A partir da gestão de seus ativos financeiros, produtivos, tecnológicos e mercadológicos, decidem o posicionamento e a distribuição das atividades dentro da cadeia de valor, portanto, controlam a geração e captura de valor nas diferentes etapas da cadeia”.

A transferência do centro de decisão

O desmonte da Petrobras e a desnacionalização da Embraer, cabe acrescentar, têm em comum a transferência do centro de decisão das respectivas cadeias produtivas para o exterior. Trata-se de um aspecto crucial, mostra esta passagem do trabalho: “A origem do capital das corporações é um fator condicionante do perfil da base produtiva e tecnológica de um país e, por consequência, do seu padrão de inserção externa. Não é por outro motivo que os países-sede dessas grandes corporações têm adotado políticas de desenvolvimento produtivo e tecnológico com o objetivo de atraírem e reforçarem as atividades mais nobres e de maior valor agregado, incluindo pesquisa, desenvolvimento e inovação”.

Sarti e Laplane destacam, entre outros aspectos, o fato de que, do total de 1,02 trilhão de dólares de investimento direto no País que entraram em duas décadas, 75% ingressaram depois da crise internacional.

Segundo dados da Unctad, a relação entre o estoque de investimentos diretos e o PIB atingiu 37,8% em 2017 no Brasil, superando aquela da média dos países em desenvolvimento (32,6%), mas abaixo da média dos desenvolvidos (43,8%). A China, por exemplo, maior receptor desses investimentos dentre as economias em desenvolvimento, tem uma relação de 12,4%.

O Brasil é um dos espaços preferenciais de entrada de capital estrangeiro na forma de aquisições e fusões, mostra o estudo da Unicamp. Segundo a consultoria KPMG, as operações cresceram substancialmente nos últimos 25 anos e totalizaram no período 13,1 mil operações, das quais 5,9 mil (45% do total) envolveram apenas empresas domésticas e 7,2 mil (55% do total) foram operações cross-border, ou seja, consistiram na aquisição e/ou venda de ao menos uma empresa estrangeira. No período 2009-2018, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, as operações de empresas estrangeiras adquirindo companhias nacionais atingiram 781,8 bilhões de reais (39,5% do total de operações anunciadas), a preços de 2018, em um total de 310 operações.

De acordo com o Censo de Capital Estrangeiro do Banco Central, o valor do patrimônio líquido das empresas estrangeiras mais do que quadruplicou em relação a 1995 e atingiu 1,7 trilhão de reais em 2015. A receita bruta saltou de 890 bilhões para 3,5 trilhões. “Cabe destacar o aumento de receitas no período 2010-2015, com uma taxa de crescimento real de 63%. No mesmo período, o PIB aumentou em termos reais 13,8%”, ressaltam os autores do trabalho.

O Indicador de Competitividade Industrial da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial aponta que o Brasil perdeu competitividade entre as economias mais industrializadas. Em 1990, ocupava o 26º lugar no ranking de 150 países, em 2000 caiu para 30º, em 2010 para 31º e em 2017 para o 35º posto. A pior posição em 2017 foi no indicador de participação das exportações de manufaturados nas exportações totais (87ª posição dentre 150 países), refletindo o processo de reprimarização da pauta exportadora.


AS GRANDES CORPORAÇÕES ATRAEM E REFORÇAM AS ATIVIDADES MAIS NOBRES E DE MAIOR VALOR AGREGADO. RESTA AO BRASIL VENDER MINÉRIO DE FERRO E GRÃOS E LIQUIDAR ESTATAIS COMO OS CORREIOS

No indicador que avalia a qualidade das exportações, isto é, a participação dos setores de média e alta intensidade tecnológica nas exportações de manufaturados, o País ocupou a 60ª posição. No indicador de participação do Valor Agregado Manufatureiro no PIB (11% em 2017 contra 13% em 2010), um dos indicadores que mensuram a intensidade da industrialização, ficou na 83ª posição, sinalizando o aprofundamento desse processo. Quanto à participação dos setores de média e alta intensidade tecnológica no VAM, estacionou na 43ª posição.

“A acentuada desnacionalização da base produtiva torna o avanço do País mais problemático, uma vez que fragmenta o núcleo do sistema empresarial, transformando-o num arquipélago de filiais de empresas estrangeiras com pouca ou nenhuma autonomia para tomar decisões de investimento de maior escala e risco. Tende a reforçar, dessa forma, o predomínio de estratégias imitativas e de menor risco, tanto tecnológico quanto de mercado, tornando mais difícil a redução do hiato de produtividade em relação a outras economias”, alertam Sarti e Laplane.

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ESTADOS E CAPITAIS CORTAM INVESTIMENTO PELA METADE NO PRIMEIRO SEMESTRE

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ESTADOS E CAPITAIS CORTAM INVESTIMENTO PELA METADE NO PRIMEIRO SEMESTRE
Kleber Pacheco de Castro: “Reforma previdenciária é mais importante para os Estados e municípios que para a União”

Valor Econômico | Por Marta Watanabe | De São Paulo – Os investimentos públicos dos governos regionais caíram no primeiro semestre do ano em relação a igual período de 2015. Considerando o agregado de Estados e capitais, os gastos de capital caíram de R$ 19,49 bilhões no primeiro semestre de 2015 para R$ 9,21 bilhões em igual período deste ano, numa queda de 52,8%.

A comparação é feita com 2015 para considerar o mesmo período dentro do ciclo eleitoral para os dois níveis da administração pública. Assim como 2019, o ano de 2015 foi o primeiro de gestão dos governadores. Também foi o terceiro ano do mandato dos prefeitos eleitos em 2012. Os valores de 2015 estão atualizados pelo IPCA.

O levantamento do Valor considerou para todos os entes os investimentos liquidados informados nos relatórios de execução orçamentária. Os valores não incluem as inversões financeiras nem as despesas intra-orçamentárias. As informações contemplam 26 Estados, o Distrito Federal e 24 capitais que já enviaram os relatórios ao Tesouro.

Dentro dos R$ 9,21 bilhões investidos no primeiro semestre deste ano, a parte dos Estados soma R$ 6,97 bilhões, enquanto as 24 capitais participaram com R$ 2,24 bilhões. O tamanho do recuo em relação aos investimentos de quatro anos atrás foi praticamente o mesmo para os dois níveis de governo. Nos Estados a queda foi de 52,5%, e, nas capitais, de 53,4%.

Analistas indicam que a mudança na política de concessão de aval pelo Tesouro a partir de 2015 e o alto comprometimento das receitas estaduais com despesas correntes, sobretudo as de pessoal, estão entre os fatores que levaram à queda de investimentos. Diferentemente do governo federal, o teto de gastos não limita o nível de investimentos nos Estados. Isso porque a limitação à inflação para os gastos dos entes que renegociaram a dívida com a União é aplicada apenas às despesas primárias correntes. Os investimentos, portanto, não são afetados.

O quadro, dizem analistas, deixa claro como o reequilíbrio fiscal é importante para os governos regionais, principalmente nos Estados, tradicionalmente representativos nos investimentos públicos. “Não é por acaso que a atual taxa de investimento nacional é das mais baixas da história. Porque os governos derrubaram seus investimentos, com impacto forte na construção, derrubando por tabela o emprego e o crescimento econômico. O mais preocupante é como despencaram os investimentos estaduais e municipais que, historicamente, sempre investiram de forma mais representativa do que a União”, diz o economista José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

O efeito da reforma da Previdência como contribuição ao ajuste dos Estados é “indiscutível”, diz Kleber Pacheco de Castro, consultor em finanças públicas. “Caso Estados e municípios fiquem de fora da reforma, minha expectativa é pessimista em relação à melhora das contas desses entes”, diz. “A reforma previdenciária é mais importante para os Estados e municípios que para a União.”

Na chamada PEC paralela, os Estados poderão aderir à reforma previdenciária nos mesmos termos da União. Para isso, porém, terão de aprovar lei ordinária em suas respectivas Assembleias Legislativas. Caso o Estado aprove a mudança, a adesão de seus municípios será automática. Para Castro, a necessidade de os Estados submeterem a adesão à Assembleia representa grande desafio aos governadores. Para ele, o ideal seria que as novas regras previdenciárias se estendessem automaticamente ao servidores dos governos regionais

Os dados levantados mostram que a redução de investimentos não foi pontual nos governos regionais. Entre os 27 entes federados levantados, em 19 houve queda de investimentos liquidados de janeiro a junho de 2015 para iguais meses deste ano. Em 11 Estados – Acre, Amazonas, Goiás, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Roraima, Santa Catarina e Tocantins -, o recuo foi superior a 50%. O Rio de Janeiro puxou a queda no agregado. O investimento do Estado caiu de R$ 3 bilhões para R$ 107,4 milhões. No Estado de São Paulo a queda foi de R$ 3,4 bilhões no primeiro semestre de 2015 para R$ 1,8 bilhão em igual período deste ano – sempre com atualização pelo IPCA para os valores de 2015.

No consolidado, o desempenho das receitas não favoreceu os governos estaduais nos últimos quatro anos. A receitas corrente realizada dos 27 entes federados cresceu 0,6% em termos reais do primeiro semestre de 2015 para iguais meses deste ano. Os dados também mostraram que os governos, no agregado, desaceleram o crescimento de gastos correntes. A despesa com pessoal e encargos sociais cresceu em quatro anos 4,2% reais do primeiro semestre de 2015 para igual período deste ano.

Muitos Estados, segundo Castro, têm se esforçado para conter a despesa de pessoal. Mas há a necessidade, avalia, de uma mudança estrutural. Mesmo que haja algum auxílio por parte da União para os entes, via regime de recuperação fiscal ou plano de reequilíbrio financeiro, será uma ajuda pontual.

Os Estados, salienta, precisam de uma mudança na dinâmica da despesa de pessoal e nesse sentido a reforma previdenciária seria um avanço importante. “Sem isso a preocupação não será apenas em relação a investimentos. Os Estados deixarão de ter recursos para as despesas correntes.” Para o economista, a reforma da Previdência também é importante pelo seu efeito econômico, de tornar o ambiente mais propício à retomada de atividade.

No universo das 23 capitais, o recuo de investimentos também não foi pontual. De janeiro a junho de 2015 para iguais meses deste ano houve queda em 13 delas. Em oito – Rio Branco, Maceió, João Pessoa, Rio de Janeiro, Natal, Porto Alegre, São Paulo e Palmas – a queda ultrapassou os 50%.

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ÍNDIOS SE ALIAM A ANTIGOS INIMIGOS CONTRA PLANOS DE BOLSONARO NA AMAZÔNIA

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ÍNDIOS SE ALIAM A ANTIGOS INIMIGOS CONTRA PLANOS DE BOLSONARO NA AMAZÔNIA
João Fellet – @joaofellet – Enviado da BBC News Brasil à Terra Indígena Menkragnoti (PA)

Indígenas se apresentam durante encontro que reuniu representantes 14 etnias e de quatro reservas extrativistas na Terra Indígena Menkragnoti, no Pará Imagem: Lucas Landau/Rede Xingu.

Notícias Uol – Ribeirinhos e líderes de 14 etnias – várias das quais guerreavam entre si há poucas décadas – se reuniram pela primeira vez numa aldeia indígena no Xingu para selar a paz e elaborar estratégias comuns contra ameaças à região.

Quem visse na semana passada um grupo de indígenas dividindo peixes assados em folhas de bananeira numa aldeia à beira do rio Iriri, no sul do Pará, não poderia imaginar que, há algumas décadas, vários dos povos ali presentes viviam em guerra.

As rixas do passado – que quase levaram um desses grupos ao extermínio – foram abandonadas em nome de um objetivo maior: lutar contra o que eles consideram ameaças do governo Jair Bolsonaro à Amazônia.

A lista de preocupações inclui planos do governo para autorizar o arrendamento e a mineração em terras indígenas e atitudes que estariam incentivando invasões por garimpeiros e madeireiros em seus territórios, além da contaminação de rios locais por agrotóxicos.

Espécie de Assembleia Geral da ONU de povos da floresta, o encontro que ocorreu na última semana na aldeia Kubenkokre, da Terra Indígena Menkragnoti, dos kayapós, reuniu representantes de 14 etnias indígenas e de quatro reservas ribeirinhas da bacia do Xingu.

A região, que ocupa partes do Pará e de Mato Grosso, tem área equivalente à do Rio Grande do Sul e é um dos últimos trechos preservados da Amazônia em sua porção oriental. Dados do boletim Sirad-X, porém, indicam que a região perdeu 68,9 mil hectares de floresta – equivalente à área de Salvador – entre janeiro e junho deste ano. O boletim é produzido pela Rede Xingu+, que organizou a assembleia e agrega 24 organizações ambientalistas e indígenas da região.

‘Um só inimigo: o governo do Brasil’

“Hoje nós temos um só inimigo, que é o governo do Brasil, o presidente do Brasil, e as invasões de não indígenas”, diz à BBC News Brasil Mudjire Kayapó, um dos líderes presentes. “Temos brigas internas, mas, para lutar contra este governo, a gente se junta”, ele afirma.

A organização do encontro envolveu uma logística complexa. Indígenas deixaram suas aldeias rumo às cidades mais próximas, onde foram recolhidos por ônibus fretados.

Único veículo jornalístico não indígena a cobrir o evento, a BBC News Brasil iniciou a jornada em Sinop (MT). De lá, foram cerca de sete horas de ônibus pela BR-163 e outras sete numa estrada de terra em mata fechada até a aldeia, que tem cerca de 500 moradores.

Já no interior da terra indígena, uma vara de porcos-do-mato cruzou a pista à frente do ônibus. Avisados, caçadores kayapós foram ao local na manhã seguinte. Voltaram com três porcos, que acabaram assados e servidos aos visitantes junto com carne de paca.

O cardápio também oferecia arroz e feijão, incluídos para atender paladares mais sensíveis, além de peixes pescados no Iriri servidos em folhas de bananeira.

Os debates ocorreram na casa dos homens, construção no centro da aldeia, cercada por casas dispostas em um grande círculo. Conhecidas pelas delicadas pinturas corporais, as mulheres da aldeia raramente apareciam no encontro e passavam os dias entre as roças e suas casas – detalhe que gerou uma saia-justa com uma visitante ribeirinha (leia mais abaixo).

Missão de paz

Povo indígena mais numeroso do Xingu, com cerca de 12 mil integrantes, os kayapós – que se autodenominam mebêngôkre – fizeram questão de sediar o evento, o primeiro encontro da Rede Xingu+, numa aldeia indígena (as três assembleias bienais anteriores foram em cidades).

Ao sediar a reunião, eles queriam selar de vez a paz com os vizinhos. “Não vamos repetir o passado, vamos ter união daqui para a frente”, discursou Kadkure Kayapó, um dos caciques da aldeia.

Um dos resultados do evento foi a criação de um conselho entre as organizações participantes para unificar demandas e agilizar sua articulação política. Os kayapós também buscavam fortalecer alianças com outros grupos num momento em que o próprio povo está dividido.

Em duas das quatro terras indígenas da etnia, alguns líderes têm permitido a ação de garimpeiros e madeireiros. A situação é mais grave na Terra Indígena Kayapó, onde os rios Fresco e Branco foram contaminados por mercúrio e desfigurados por balsas e retroescavadeiras usadas pelos garimpeiros.

Em julho, uma reportagem da BBC News Brasil mostrou em imagens de satélite o avanço do garimpo na região desde o início do ano.

Assédio de garimpeiros

Para Doto Takakire, um dos anfitriões do evento, a proposta do governo de liberar a mineração em terras indígenas tornou alguns líderes mais suscetíveis ao assédio de garimpeiros, que oferecem dinheiro em troca da permissão para atuar nos territórios.

“Depois que eles (líderes indígenas) pegam o dinheiro fácil, viciam e não querem mais trabalhar. É algo humano: acontece com indígenas e não indígenas”, afirma.

O garimpo é hoje proibido em terras indígenas. A liberação da atividade, tratada pelo governo Bolsonaro como prioritária, depende da aprovação de uma lei pelo Congresso.

Outra causa para o aumento do garimpo, segundo Takakire, foi a diminuição nas multas aplicadas pelo Ibama, órgão responsável por combater crimes ambientais em terras indígenas. Até o meio de agosto, o número de autuações do órgão caiu 30% em relação à média dos últimos três anos para o mesmo período.

Em entrevista à BBC, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que a redução no número de multas não indica um afrouxamento do combate a ilícitos. Segundo Salles, o Ibama tem buscado embasar mais suas autuações para que os infratores não consigam se livrar das cobranças, priorizando a qualidade e não a quantidade de multas.

Divisões causadas pelo garimpo

Líderes indígenas favoráveis ao garimpo não foram convidados para o encontro, decisão que foi questionada por alguns dos presentes.

“Aqui só temos parentes que lutamos pelo meio ambiente, pela terra, pela água, mas não tem nenhum parente que quer o agronegócio ou o garimpo nas aldeias. Vamos ficar só debatendo entre nós?”, questionou Oé Kayapó, representante da Associação Floresta Protegida (AFP).

Ela cobrou dos participantes convencer os ausentes a abandonar atividades destrutivas. “Vamos continuar brigando pela preservação do território enquanto outros brigam para ter garimpo e arrendamento de terra? Isso nos enfraquece, não dá para continuar assim”, afirma.

Organizadores disseram que os grupos divergentes não foram convidados para evitar conflitos.

Tramitam na Câmara dos Deputados propostas legislativas que permitiriam atividades agropecuárias de larga escala em terras indígenas.

Defensores das iniciativas, que também têm o respaldo do governo Bolsonaro, dizem que as medidas buscam garantir melhores condições de vida às comunidades.

Já indígenas contrários temem que as medidas abram o caminho para o arrendamento de suas terras para grandes produtores rurais, o que ameaçaria seus modos de vida.

Eles debateram no encontro alternativas econômicas ao agronegócio e à mineração. Foram compartilhadas experiências bem-sucedidas e dificuldades de iniciativas que buscam gerar renda sem derrubar a floresta, como o artesanato e o processamento de frutos nativos.

Tradução simultânea

O encontro, que durou três dias, reuniu etnias com vários idiomas distintos e teve duas línguas oficiais. Todas as falas em kayapó eram traduzidas para o português, e vice-versa.

Alguns visitantes compreendiam o kayapó por falarem idiomas do mesmo tronco linguístico, o macro-jê, enquanto os demais recorriam ao português, que a maioria dos grupos fala como segunda língua. Além dos múltiplos idiomas, ouviam-se os cantos de araras domesticadas, que vez ou outra pousavam sobre a casa dos homens.

O discurso que causou mais comoção foi feito por Bepto Xikrin, liderança da Terra Indígena Trincheira Bacajá, no Pará.

Ele contou que, desde o início do ano, cerca de 400 garimpeiros e madeireiros estavam atuando no território. Bepto disse que as comunidades estavam assustadas e não sabiam como agir. De pronto, dois caciques kayapós se levantaram e prometeram enviar guerreiros para expulsar os invasores, recebendo aplausos de todos.

Outro momento simbólico foi a apresentação de cantos e danças dos convidados, no último dia. Para a primeira exibição, os kayapós convocaram representantes do povo panará: justamente um dos grupos com que eles guerrearam mais intensamente no passado.

Com os corpos pintados de jenipapo, os quatro panarás entoaram um canto gutural, saltando conforme o ritmo. Aplausos calorosos dos kayapós sugeriam que as rivalidades entre os grupos podem ter ficado para trás.

‘Morreu todo mundo’

No relatório que embasou a demarcação da Terra Indígena Panará, a Funai diz que o primeiro embate entre os dois povos ocorreu em 1922, quando os kayapós atacaram uma aldeia panará. Os panarás contra-atacaram no ano seguinte, alimentando um ciclo de revides que se estenderia até 1968, quando um massacre alterou o equilíbrio de forças na região.

O antropólogo americano Stephan Schwartzman, que viveu entre os panarás, narrou o episódio num artigo de 1992. Ele diz que, antes do grande ataque de 1968, os kayapós já vinham usando armas de fogo obtidas dos brancos na guerra contra os panarás, que, ainda sem contato com o mundo exterior, respondiam com flechas.

Naquele ano, conta Schwartzman, os kayapós “fizeram questão de juntar o maior número possível de armas e munição, inclusive obtendo munição com o missionário que morava com eles na época”. Os kayapós subiram o rio Iriri até a aldeia Sonkanasan, dos panarás, incendiando todas as casas e matando 26 pessoas.

Uma sobrevivente descreveu a chacina ao antropólogo. “Morreu todo mundo, meu pai e tios… Mataram meu marido… Mataram meu irmão mais velho, Peyati, meu filho Yosuri, meu irmão Kyotiswa, mataram minha mãe… Mataram meu sobrinho Nasu, era menino, mataram Sotare, que era adulto, mataram Kyititu… e o velho Kosu, mataram… Os Txurracamãe (kayapós) massacraram esse pessoal, por isso estou com raiva.”

Os sobreviventes deixaram a aldeia e se embrenharam na mata. Anos depois, outra tragédia se abateu sobre o grupo quando o território panará foi cortado pela BR-163, uma das estradas com que a ditadura militar pretendia integrar a Amazônia ao resto do país.

Para tirá-los do caminho e evitar conflitos ainda mais graves, o governo enviara à região uma missão chefiada pelos irmãos Cláudio e Orlando Villas Boas, que já tinham contatado vários grupos indígenas Brasil afora.

Tentativas infrutíferas de contato duraram vários anos, até que, em 1972, enquanto os operários se aproximavam da aldeia panará, uma epidemia de gripe se espalhou pela comunidade. “Morreram tantas pessoas que os sobreviventes não foram suficientes ou não tinham força suficiente para enterrá-las, e os urubus comeram os mortos apodrecendo no chão”, narra Schwartzman.

Famintos e doentes, os cerca de 200 remanescentes foram levados para o Parque Indígena do Xingu, ao sul. Em 1997, os panarás conseguiram regressar a uma parte de seu território original às margens da BR-163. Desde então, com a demarcação da área, a população do grupo triplicou.

Aliança contra os brancos e Bolsonaro

Dois líderes panarás presentes disseram à BBC que os conflitos com os kayapós foram superados.

“Nós matamos os kayapó, os kayapó nos mataram, nós brigamos com os kayabi, mas não sabíamos ainda o que estava acontecendo sobre o branco, não sabíamos dessa ameaça ainda”, diz Sinku Panará em sua língua, traduzido por João Paulo Denófrio, doutorando em Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“Então esfriamos a cabeça, nos reconciliamos, voltamos a conversar uns com os outros e não vamos mais brigar. Porque existe um interesse comum para que lutemos juntos, para que os não indígenas não matem a todos nós”, ele afirma. Sinku diz que a vitória de Bolsonaro encorajou uma aproximação ainda maior entre grupos indígenas que eram inimigos.

“Os outros presidentes tinham uma preocupação um pouco maior com as nossas terras (…). Este que chegou agora (Bolsonaro), ele não está preocupado com isso, ele está preocupado em acabar com o que a gente tem e acabar com a gente. Por isso estou com o coração cheio, por isso estamos conversando uns com os outros.”

Sinku diz estar preocupado “com as árvores, com a água, com o peixe, com os não indígenas que querem entrar na nossa terra em busca dessas coisas”. “Não quero estragar a água com garimpo, com mineração, não quero matar os peixes. Por isso que vim aqui: para fazer esta fala.”

Vários outros líderes expressaram receios semelhantes. Grupos que habitam áreas no sul da bacia, em Mato Grosso, disseram temer a contaminação dos rios por agrotóxicos usados em fazendas vizinhas.

“A soja está muito em cima do nosso limite (territorial)”, diz Winti Khisetje, um dos líderes da Terra Indígena Wawi. Ele diz que têm aumentado os casos de gripe, febre e coceiras na comunidade, o que ele atribui a agrotóxicos aplicados na região.

Segundo a ONG Greenpeace, nos sete primeiros meses de 2019, o Ministério da Agricultura liberou 290 novos tipos de agrotóxico. É o número mais alto para este período do ano em pelo menos uma década.

O Ministério da Agricultura diz que a liberação de mais agrotóxicos não tem provocado aumento no consumo. “Com a liberação de mais moléculas, o produtor vem usando menos, porque está usando produtos melhores”, disse em julho a ministra da Agricultura, Tereza Cristina.

Tema que dominou o noticiário nacional na semana do encontro, as queimadas na Amazônia não estiveram entre os assuntos principais do evento – em parte porque a maioria dos incêndios na região tem ocorrido fora de terras indígenas e reservas extrativistas. Nessas áreas, as matas estão mais preservadas e, portanto, menos sujeitas à expansão do fogo.

Indígenas e ribeirinhos

O encontro também serviu para aproximar os kayapós e os demais indígenas xinguanos de outra população com que se estranhavam no passado: os ribeirinhos.

Uma das representantes do grupo era a pescadora Rita Cavalcante da Silva, de 47 anos, que visitava uma terra indígena pela primeira vez.

“Eu imaginava, mas não tinha dimensão do que era realmente uma terra indígena. É muito bonito, muito organizado, muito tradicional”, ela disse à BBC.

Moradora das margens do lago formado pela hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira (PA), Silva afirmou que ribeirinhos e indígenas têm culturas parecidas.

“Vivemos do rio, temos aquele contato com a terra, necessitamos de estar na terra, sobrevivemos do peixe, da mata. Isso criou vínculos fortes entre as duas populações”, afirma.

Outra ribeirinha presente, Liliane Ferreira, 26 anos, da Reserva Extrativista Rio Iriri, diz que temia indígenas na infância.

Como muitos ribeirinhos, Ferreira tem sangue nordestino, bisneta de maranhenses que migraram para a Amazônia para trabalhar como seringueiros. Ela diz ter crescido ouvindo a avó contar histórias de índios que raptavam mulheres e crianças ribeirinhas.

“Uma vez ela estava caçando tatu e tentaram pegar ela”, conta Ferreira. “Quando diziam ‘tem índio solto aí’, eu ficava com medo.”

Ela afirma que a desconfiança se dissipou conforme passou a lutar ao lado de indígenas por causas comuns. Mas isso não a impediu de cutucar os anfitriões kayapós ao notar a fraca presença feminina no encontro.

“Eu perguntei: ‘vem cá, por que suas mulheres não participam das reuniões?’ Eles disseram que não pode, que só pode se os maridos permitirem. Achei curioso, porque, entre os ribeirinhos, nós estamos lá metidas no meio, não queremos sair da frente”, diz Ferreira.

No fim do evento, quando os kayapós convocaram os demais participantes a se agrupar para gravar um vídeo, Ferreira titubeou. Primeiro ficou dentro da casa dos homens, até ser chamada insistentemente pelos indígenas e outros ribeirinhos.

No fim, juntou-se ao grupo e até acompanhou a dança kayapó na festa de encerramento, que se esticaria até tarde da noite, agora com forró nordestino do repertório ribeirinho.

INAUGURADA ÀS PRESSAS POR TEMER E LULA, TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO JÁ DEFINHA

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INAUGURADA ÀS PRESSAS POR TEMER E LULA, TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO JÁ DEFINHA
 A bilionária transposição do São Francisco definha na região mais pobre do Brasil. O cenário é desolador.

Noticias Uol | João Valadares – O eixo leste, que corta Pernambuco e Paraíba, não resistiu à gambiarra oficial. O trecho foi inaugurado às pressas pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), em março de 2017, e logo em seguida, de maneira simbólica, pelo petistas Lula e Dilma Rousseff.

A água sumiu há cinco meses e parte da região, que vislumbrou o fim da indústria da seca, continua sendo abastecida por carros-pipas.

A transposição é a maior obra hídrica do Brasil. O eixo leste foi inaugurado às pressas e, o norte segue sem previsão para conclusão. O orçamento inicial de toda a obra saltou de R$ 4,5 bilhões para R$ 12 bilhões.

A obra, sempre apontada como a redenção do Nordeste a partir do beneficiamento de 12 milhões de pessoas e do impulsionamento de um novo modelo econômico, hoje apresenta sinais visíveis de deterioração: paredes de concreto rachadas, estações de bombeamento paralisadas, barreiras de proteção rompidas, sistema de drenagem obstruído e assoreamento do canal em alguns trechos.

Devido aos atropelos gerados pela conveniência do prazo político, o empreendimento hídrico não suportou entrar em funcionamento antes do tempo. Foi inaugurado sem nem sequer ter a drenagem completamente executada e o sistema operacional de controle implantado.

A conta chegou da pior maneira possível. Por recomendação da ANA (Agência Nacional de Águas), o bombeamento da água ao longo do canal de 217 km de extensão foi interrompido em razão de risco de rompimento no reservatório Cacimba Nova, em Custódia, Pernambuco.

E sem a água, que também serve para amenizar os efeitos das variações bruscas de temperatura no semiárido, o concreto rachou. A Folha percorreu 37 km pelas margens do canal que liga Sertânia, em Pernambuco, até Monteiro, na Paraíba.

Em vários pontos da obra, que entrou recentemente por decreto na lista de possíveis privatizações do presidente Jair Bolsonaro (PSL), as rachaduras são visíveis.

Em alguns trechos, a parede de concreto do canal não existe mais. É terra mesmo. A manta de impermeabilização, que impede que a água infiltre para evitar um rompimento, fica desprotegida.

O abandono é tamanho que as estradas de manutenção que margeiam todo o canal, essenciais para resolução de problemas ao longo da obra, têm vários pontos com acessos bloqueados. Em alguns deles, o mato e os entulhos tomaram conta e impedem a passagem dos veículos.

Não há nem sequer funcionários nas estações de bombeamento e nos imóveis construídos nas barragens nas proximidades das comportas. Está tudo vazio. A impressão é a de que a obra foi largada no meio do caminho. Para evitar roubo, as empresas que trabalhavam no local retiraram os equipamentos.

Um laudo técnico do Ministério Público Federal em Monteiro, emitido em julho passado, aponta rachaduras no revestimento de concreto de mais de 1,5 centímetro de espessura.

O perito Marcelo Pessoa de Aquino, que assina o documento, alega que os canais da transposição apresentam uma série de patologias que são incompatíveis com o tempo decorrido desde a construção.

Ele afirma que os problemas, no seu entendimento, estão associados a impropriedades na concepção ou execução da obra. Questiona, inclusive, a qualidade do material utilizado.

O professor da UFPB (Universidade Federal da Paraíba) Francisco Sarmento, que coordenou por 14 anos os estudos e planejamentos hidrográficos da transposição, é categórico ao afirmar que os problemas apresentados são em decorrência dos atropelos políticos.

Sarmento atesta que a obra foi inaugurada sem que estivesse completamente concluída. Para ele, uma temeridade. Recomendações da Procuradoria em Monteiro para que a transposição não entrasse em funcionamento foram ignoradas.

De acordo com ele, se o fluxo da água for normalizado sem a reparação dos danos causados, há um sério risco de rompimento do canal.

O eixo leste conta com seis estações de bombeamento. Cada estação deveria ter quatro bombas gigantes, fabricadas especificamente para a transposição. O projeto original não foi respeitado. Só há duas delas em cada local.

“Esse eixo foi projetado para operar com 24 bombas. Temos a metade. A vazão prevista nunca foi alcançada. Neste momento, nenhuma bomba está em operação”, comenta.

Outro ponto de alerta é que o projeto foi posto em funcionamento sem que o sistema operacional tivesse sido licitado. O mecanismo é essencial para a segurança porque informa em tempo real, por meio de fibra ótica, quais são os níveis dos reservatórios. “É uma temeridade o que foi feito. No dia da inauguração, ficaram apelando pelo celular”, diz.

Duas barragens chegaram a romper. Uma delas, a de Barreiros, em Sertânia, apresentou problemas três dias antes da inauguração do sistema. As obras de tomada d’água, uma espécie de comporta funda para que o fluxo que vem do canal passe sem que a barragem encha, não foram feitas.

“Tiveram que fazer uma gambiarra, um canal para desviar da barragem”, conta o professor.

Apesar de toda a precariedade e vulnerabilidade, o governador da Paraíba, João Azevêdo (PSB), diz que o funcionamento do projeto conseguiu salvar, em 2017, o abastecimento de água em Campina Grande e outros 18 municípios do entorno. Mais de 700 mil pessoas teriam sido beneficiadas.

Agora, mesmo sem água no canal, o abastecimento não foi comprometido devido ao período chuvoso rigoroso. A água que vem de Pernambuco segue pelo canal e deságua no rio Paraíba. De lá, vai até a barragem de Boqueirão, que abastece os municípios paraibanos.

Há comunidades próximas aos canais ainda sem água para irrigação porque o sistema não foi concluído. Na Vila Lafayete, na Paraíba, 61 famílias desalojadas de suas terras durante a construção esperam a água para irrigar a plantação.

Como o canal secou, o agricultor Francisco José da Silva, 74, precisa percorrer 3 km para pegar água numa das barragens da transposição. “Vou fazer o quê? A água sumiu. Antes, passava do lado de casa. Ainda bem que o meu burrinho está de pé e me salvando.”

A procuradora da República Janaína Andrade de Souza, que chegou a recomendar, em 2017, que o Ibama (órgão ambiental federal) não desse a licença de operação do empreendimento, diz que as condicionantes do contrato não foram cumpridas.

“E quem descumpre as condicionantes? Governo federal, estadual e municipal. Não houve revitalização do leito do rio Paraíba, proteção da nascente e implementação do esgotamento sanitário. Nada disso foi feito.”

As 56 cidades da bacia do Paraíba não são saneadas. “Posso elencar, nas eleições passadas, muitos candidatos assumindo a paternidade afetiva, consanguínea da transposição, mas me traga alguém hoje para me apresentar uma solução. Não existe”, diz a procuradora.

O eixo norte, que sai de Pernambuco e passa pela Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, apresenta 97% de conclusão. No ano passado, foi preciso realizar reparos no dique Negreiros, em Salgueiro, no interior de Pernambuco.

Nesta semana, foram iniciados os testes da terceira e última estação elevatória. Ainda não há previsão de quando o sistema vai entrar em funcionamento.

Outro lado

O governo federal informou que, após a interrupção no fluxo da água devido a um problema em um dos reservatórios, a barragem foi liberada para testes em julho e o bombeamento retomado.

No entanto, um alerta durante a fase de enchimento da barragem de Cacimba Nova fez com que o MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional), no dia 15 de agosto, suspendesse novamente o bombeamento.

O governo comunicou que a medida é preventiva e que não há risco de rompimento. O consórcio supervisor da obra realiza no momento estudo e perícia para identificar ajustes técnicos necessários à estrutura, bem como indicar ações preventivas e de reparos que precisam ser realizadas.

O ministério diz que a decisão do extinto Ministério da Integração Nacional foi priorizar a finalização dos serviços necessários ao caminho das águas para que chegasse em Campina Grande por existir a possibilidade de colapso hídrico.

O governo informa ainda que as avarias na obra não existiriam caso a empresa responsável tivesse cumprido o planejamento. Os serviços complementares no eixo leste estavam sendo realizados até dezembro de 2018. Em abril, o contrato foi rescindido pelo governo devido ao não cumprimento. Um nova licitação será realizada.

A empresa SA Paulista, que teve o contrato rescindido em abril pelo governo federal, não quis se pronunciar sobre o assunto.

A assessoria de imprensa do ex-presidente Michel Temer comunicou que a transposição só foi inaugurada após passar pelo aval técnico do Ministério da Integração Nacional. Disse também que havia problemas de execução anterior, incluindo a qualidade do material empregado.

A assessoria do ex-presidente Lula ressaltou que a inauguração é um ato oficial do governo Temer. Destacou que Lula deixou o governo em 2010 e Dilma Rousseff em 2016

Conforme a assessoria, a ida de Lula a Monteiro atendeu a um desejo da população local que é grata ao petista por retirar do papel uma obra cogitada desde o império. Por fim, salientou que os problemas novos que surgiram não são de responsabilidade do ex-presidente.

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MINERAÇÃO | PARA OBTER PERMISSÃO DE EXPLORAR OURO NO PARÁ, MINERADORA EXPÕE DADOS CONTRADITÓRIOS

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MINERAÇÃO | PARA OBTER PERMISSÃO DE EXPLORAR OURO NO PARÁ, MINERADORA EXPÕE DADOS CONTRADITÓRIOS
Garimpeiro aponta ouro em rocha, na Vila da Ressaca / Foto: Catarina Barbosa/BdF

A comunidades atingidas, empresa canadense promete dano ambiental até quatro vezes menor do que divulgado a investidores

Catarina Barbosa | Brasil de Fato | Altamira (PA) – O Projeto Volta Grande, da mineradora canadense Belo Sun, pretende instalar a maior mina de ouro do Brasil, no coração da Amazônia. Como parte do processo para conquistar a licença de instalação – concedida pela Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Semas) em 2017, mas atualmente suspensa pela Justiça –, a multinacional elaborou dois documentos para as autoridades e comunidades atingidas. Tratam-se do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA).

Contudo, um terceiro documento, divulgado em 2015, chamado Estudo de Viabilidade do Projeto Volta Grande e destinado a investidores, apresenta números bem diferentes.

A principal disparidade é quanto ao volume de rejeitos produzidos e a capacidade desses reservatórios. O fato preocupa a comunidade envolvida, porque o Brasil tem em sua história dois recentes crimes ambientais envolvendo barragens: Mariana, em novembro de 2015; e Brumadinho, em janeiro deste ano.

Qual o tamanho do impacto?

A mineradora Belo Sun afirma no EIA/Rima, elaborado pela empresa Brandt Meio Ambiente Ltda, em 2012, que produzirá 25,5 milhões de metros cúbicos de rejeitos. No estudo de viabilidade, porém, esse número praticamente quadruplica e salta para 92 milhões de m³.

Já a capacidade do reservatório projetada pula de 41,9 milhões de metros cúbicos no EIA/Rima para 116 milhões de m³ no estudo de viabilidade.

O estudo de viabilidade foi elaborado por consultores de dezesseis empresas. Uma delas é a VogBr, indiciada pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Polícia de Minas Gerais (MG) como uma das responsáveis pela barragem de Fundão, em Mariana.

Jackson Dias, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), diz que o fato das informações divergirem é intencional por parte de Belo Sun:

—O EIA/RIMA trata de uma limitação da extração de ouro, limitada a 50 toneladas em 12 anos. O estudo de viabilidade amplia essa reserva de ouro para quase 108 toneladas e o período de extração para 17 anos. O EIA/RIMA é um documento que está em português e é obrigatório a empresa apresentar para as comunidades atingidas. Então, ela sempre vai apresentar um volume menor de ouro e um período menor de extração, porque aí você produz menos rejeitos e menos estéril. Os dois estudos são para alvos diferentes: o EIA/RIMA é para as comunidades afetadas e o estudo de viabilidade ele é para os acionistas para dizer aqui tem muito ouro e vamos minerar por mais tempo —, explica.

A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com a assessoria da Belo Sun para esclarecer os dados, mas fomos indicados a consultar o blog do Projeto Volta Grande, no qual não constam informações do Estudo de Viabilidade, disponível apenas em inglês no site da mineradora canadense.

O EIA/RIMA, por sua vez, pode ser baixado no próprio site da Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Semas), que concedeu em maio de 2017, licença de instalação para a mineradora. A autorização foi suspensa sete meses depois, pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) por tempo indeterminado.

No site do Projeto Volta Grande, a Belo Sun diz que o tempo de extração mineral na Volta Grande do Xingu será de 12 anos. No EIA/RIMA, diz-se que serão 11 anos e, no Estudo de Viabilidade, esse número salta para 18 anos.

A extração de ouro no EIA/RIMA aponta o volume de 5 toneladas de ouro por ano, em duas cavas: Ouro Verde e Grota Seca. A vida útil da Ouro Verde seria de cinco anos e a da Grota Seca, de 7 anos, totalizando 11 anos de mineração.

A Semas confirmou em nota que emitiu licença prévia em 2014 para a mineradora e que a licença de instalação estava suspensa.

Disse ainda que duas audiências públicas foram realizadas sobre o empreendimento e que a secretaria promoveu oficinas para as comunidades direta e indiretamente afetadas. A última, de 2017, teria contado com a participação de 1.200 moradores dos municípios de Senador José Porfírio, Altamira e comunidades das Vilas da Ressaca, Galo, Ilha da Fazenda e Itata, outros na região Xingu.

Segundo a Semas, na ocasião os moradores foram ouvidos e trouxeram sugestões ao órgão. A audiência teve participação do Ministério Público Federal, Defensoria Pública Estadual, IBAMA, Ordem dos Advogados do Brasil, Federação das Indústrias do Pará (Fiepa) todos convidados pelo Estado.

Jackson Dias, lembra que o evento foi feito antes da Semas liberar a licença de instalação.

“Foi no início de 2017, mais ou menos 10 dias antes da Semas liberar a licença de instalação. Eles fizeram um grande evento na sede do município com vários órgãos e políticos. Por isso que eles falam que juntaram 1200 moradores, mas não foi tudo isso, até porque não tem esse número de pessoas morando na comunidade. Mas eles fizeram uma grande atividade lá justamente para criar um ambiente para liberação da licença”, afirma.

O solo rico dos garimpeiros artesanais

Quem caminha pelas ruas da comunidade da Vila da Ressaca, em Senador José Porfírio, onde Belo Sun quer se instalar, não tem dimensão da riqueza escondida em seu subsolo.

Segundo dados de um relatório apresentado pela empresa em 2017, intitulado Developing an Open Pir Gold Project in Brazil (Desenvolvento um Projeto de Mineração de Ouro a Céu Aberto no Brasil), a multinacional já conseguiu comprovar a existência 44,85 toneladas de ouro no subsolo da Volta Grande e especula que mais 78,96 existam na área do projeto.

Ou seja, a reserva é superior a 100 toneladas de ouro.

Na Vila da Ressaca a pesca e a caça reduziram depois da construção da hidrelétrica de Belo Monte (Foto: Catarina Barbosa) 

Mas as casas da Vila da Ressaca e a simplicidade dos moradores não condizem com o seu cobiçado solo. Com residências feitas com tábuas de madeira e comércio modesto, as pessoas são hospitaleiras e simples. As atividades econômicas da cidade são o garimpo, a pesca e a roça.

Os dois últimos sofreram grande redução com a perda de vazão do rio por conta da usina hidrelétrica de Belo Monte. O primeiro é taxado agora como atividade ilegal.

Ideglan Cunha nasceu no garimpo da Serra Pelada. Filho de garimpeiros, o homem diz que a atividade só é ilegal por má vontade das autoridades (Foto: Catarina Barbosa)

Aos 32 anos, Ideglan Cunha, é uma das pessoas que extrai ouro artesanalmente da região – atividade considerada ilegal. Ele nasceu dentro da Serra Pelada, um dos garimpos mais conhecidos do Brasil, que levou mais de 10 mil pessoas para Curionópolis, no sudeste do estado do Pará, na década de 1980, atrás de ouro.

Filho de garimpeiros, Ideglan conta que não se imagina fazendo outra coisa e que não é por falta de estudos, reforça. O garimpeiro tem o ensino médio e alguns cursos, mas prefere trabalhar na busca do ouro, segundo ele, porque ama o ofício.

O local onde ele trabalha hoje é onde Belo Sun pretende instalar a mina Grota Seca. O garimpeiro conta que já foram extraídos cerca de 80 quilos de ouro do local.

Antes, a extração era feita com explosivos em grutas. Hoje, eles reviram terra com a ajuda de uma máquina chamada de “chupadeira”. No local onde funciona o garimpo há quatro máquinas e 25 pessoas trabalhando.

A máquina chamada de “chupadeira” puxa terra de uma terra que contém ouro e ajuda na extração do minério.

Os garimpeiros trabalham, no mínimo, oito horas por dia no local e a máquina faz tanto barulho que mal se pode ouvir o que o outro fala no local.

O cano de plástico da chupadeira fica acoplado a uma máquina, que suga a terra. Ele é colocado na entrada da cava onde hoje os garimpeiros estão trabalhando. A terra sugada é filtrada.

O outro que for encontrado é enviado para um reservatório. Só então, ele é retirado para ser queimado com um maçarico. Esta etapa, para Ideglan, é comparável à magia, “porque um ouro procura o outro para ficarem unidos”.

Ele faz questão de dizer que não utiliza mais mercúrio no processo de extração do ouro. “Não se usa mais há tempos. Mas claro que há garimpeiros e garimpeiros. Os que têm consciência não usam mais o mercúrio”, afirma.

Cooperativa

Ideglan é membro da Cooperativa de garimpeiros da Volta Grande, que nasceu em 2006 para dar conta das ameaças que os moradores passaram a sofrer com a chegada da empresa canadense. Segundo ele, quem deveria ser chamado de ilegal é Belo Sun e não os garimpeiros.

A gente tá aqui nessa área da Grota Seca há 25 anos e estamos nos sentindo ameaçados por uma empresa canadense que está chegando de forma ilegal e tentando nos oprimir dentro da nossa legalidade”.

A cooperativa tenta desde 2013, sem sucesso,reaver a permissão de lavra garimpeira vencida naquele ano.

—Eu cheguei aqui com cinco anos de idade. Todo tempo o meu pai sempre trabalhou nessa terra. Aí a empresa chegou aqui dentro e deixou a gente vulnerável. Entraram com toda uma legislação e uma legalidade ilegal, porque isso aqui é dos brasileiros e somos nós que estamos aqui dentro. É riqueza contra a pobreza. Nós estamos do lado que não temos estrutura, dinheiro e conhecimento. Então, ficamos com medo e fomos orientados por pessoas competentes do MAB, do Movimento Xingu Vivo e desde 2008, a nossa cooperativa está andando de Brasília a Santarém e Belém e não querem dar os documentos para nos legalizar, depois ficam dizendo que somos ilegais. A gente quer contribuir, a gente é renda desse país — afirma.

Garimpo da Grota Seca, onde hoje trabalham cerca de 25 homens, que resistem a implantação de Belo Sun. (Foto: Catarina Barbosa)

Trabalhadores do garimpo e novos empregos

O Estudo de Viabilidade entregue aos acionistas aponta que ela começou com a colonização portuguesa, no século XVII.

O documento afirma que no Rio Xingu, a mineração se intensificou no século XX e desde 1950, “garimpeiros irregulares trabalham na área do projeto em pequenos depósitos”.

Sempre que cita os trabalhadores do garimpo, a nomenclatura reforça a ilegalidade. Quando reconhece a presença de pequenos assentamentos dentro do que considera ser de propriedade de Belo Sun, incluindo a Vila de Ressaca e a Vila de Itatá, diz-se: “ambos são predominantemente habitados por garimpeiros irregulares que realizam atividades ilegais de mineração na propriedade”.

Quanto aos empregos, Belo Sun divulga, oficialmente, que vai gerar durante a implantação, 2.100 novos postos de trabalho. Mas o estudo de viabilidade fala em somente 87 funcionários atuando na primeira fase. Na segunda fase, a ocupação média esperada será de 150 pessoas.

Quanto ao trabalho desempenhado nas minas, o documento aponta que serão 47 funcionários até o ano três, quando é concluída a primeira fase do projeto. Após o ano 12, a equipe será reduzida. Isso em regime de trabalho de 12 horas por dia.

A mão-de-obra especializada do projeto se divide nas seguintes áreas: gerenciamento, operações, metalurgia, laboratório e manutenção com um custo anual de US$ 2,36 milhões.

De fato, as informações apresentadas divergem substancialmente, mas o retorno financeiro para investidores é assegurado a partir de 3 anos e 9 meses da implantação e o lucro estimado é de R$ 3,3 bilhões.

Edição: Rodrigo Chagas

COMO ATUAM AS MILÍCIAS, POR DENTRO E POR FORA DO ESTADO

COMO ATUAM AS MILÍCIAS, POR DENTRO E POR FORA DO ESTADO
As milícias do Rio de Janeiro ganharam destaque na mídia nacional após o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), no dia 14 de março de 2018.

Antes disso, eram pouco discutidas pela imprensa, apesar de estarem presentes no dia-a-dia da população desde a década de 1970.

Brasil de Fato – FICHA TÉCNICA | Texto: Bruna Cetano | Edição: Rodrigo Chagas | Artes: Michele Gonçalves e Fernando Badharó | Versão para rádio: Katarine Flor | Coordenação: Daniel Giovanaz, Vivian Fernandes e José Bruno Lima | Coordenação de Rádio: Camila Salmazio

José Cláudio Alves pesquisa a atuação das milícias e grupos de extermínio há 26 anos e é autor do livro “Dos barões ao extermínio: uma história da violência na Baixada Fluminense”.

“Temos um defunto colocado na mesa da sala, que é o torturado, morto, assassinado pela milícia. Não sabemos como nos livrar dessa realidade, não sabemos o que fazer com isso, porque todos os mecanismos que nos deram são os que vão fortalecer esses caras. Eles estão eleitos e controlam o judiciário, o poder político, o legislativo, o executivo, num âmbito muito maior agora”, explica Alves.

Disque Denúncia

O crime que matou Marielle trouxe o tema aos noticiários, inicialmente pautados por novidades na investigação. Em seguida, porque as relações da família Bolsonaro com as milícias começaram a ficar explícitas.

Mãe e esposa do ex-capitão Adriano Magalhães da Nóbrega – apontado pelo Ministério Público como miliciano atuante no Rio das Pedras e um dos fundadores da organização Escritório do Crime –, trabalharam no gabinete do deputado estadual pelo Rio de Janairo Flávio Bolsonaropor intermediação do ex-assessor e ex-PM Fabrício Queiroz Magalhães também foi homenageado por Carlos Bolsonaro com a Medalha Tiradentes, a maior condecoração concedida pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). A organização chefiada por ele, Escritório do Crime, é a principal acusada de ter executado Marielle.

Ronnie Lessa, ex-sargento apontado como um dos assassinos, mantinha relação próxima com Adriano, além de ser vizinho de Jair Bolsonaro.

Os locais dominados pela milícia no Rio de Janeiro se tornaram um grande curral eleitoral de Bolsonaro, que venceu em todos os municípios da baixada fluminense. “Cinco décadas de grupos de extermínio na baixada, que é o grande laboratório nacional, nos deram 75% de votação no Bolsonaro naquela região”, conclui o pesquisador.

O nível de influência das milícias na região se dá também pela forma como ela se organiza e pelo poder advindo do Estado que têm nas mãos. “As milícias têm essa dupla face. A face legal e a ilegal. Você acha que vai pegar ela pelo legal, ela vem e te mata, que foi o caso da Marielle”.

O surgimento das milícias, nos anos 1970, está imbricado com o Estado brasileiro sequestrado pela ditadura militar. Desde então essa relação foi crescendo e se complexificando, na medida em que esses grupos expandiram suas áreas de atuação. Desde a década de 1990, os milicianos entraram de cabeça na política eleitoral. E seu poder não para de crescer.

Nos próximos parágrafos, José Cláudio Alves discorre sobre a forma como as milícias aparelharam o Estado e estão propagando a lógica miliciana em diversos componentes da sociedade brasileira, seu poderio militar, sua relação o tráfico de drogas. O pesquisador dá uma verdadeira aula sobre o tema e procura, ao final, apontar saídas possíveis. Leia a seguir:

Relação com o Estado

A base das milícias é o grupo de extermínio, cobrança de taxas de segurança para o comércio e para a população. Depois eles abrem para um leque de portfólio de tudo o que você pode imaginar. Vendem terras, terrenos, casas, aterro, água, gatonet, trabalham com transporte clandestino, gás, cigarro, drogas.

Inicialmente, existe todo um marketing. Vão dizer que eles vieram para impedir que o tráfico, de alguma forma, assuma aquele lugar, mas eles próprios, quando não passam eles mesmos a operarem com o tráfico, vão fazer acordos e parcerias com facções do tráfico, que vão vender e eles vão cobrar aluguel das áreas. Sempre rola esses acordos. É algo muito amplo e em evolução. A cada dia eles desenvolvem um novo tipo de mercado.

Dos anos 1960 até 1990, esses caras [chefes de milícias] se projetam politicamente. Um está morto e eu posso falar: Joca. José Júlio dos Santos. Foi prefeito de Belford Roxo, uma das cidades mais violentas da baixada. Ele se elege em 1993. Uma votação maciça, quase 70% dos votos da cidade. Ele era líder de um grupo de extermínio e se projetou a partir dessa imagem do matador, do cara que limpa, que protege a cidade. Aí já é um marco do campo político esses caras se projetando. Antes, o Joca era vereador, em Nova Iguaçu, quando luta pela emancipação de Belford Roxo, que deixa de ser distrito de Nova Iguaçu e vira uma cidade.

Hoje, eles podem apontar que o poder central no Brasil estabelece não só discursivamente – ‘bandido bom é bandido morto, tem que matar, distribuir armas’ –, tem toda uma política já desenvolvida para a liberação de acesso às armas.

território milícias

As milícias têm essa dupla face. A face legal e a ilegal. Você acha que vai pegar ela pelo legal, ela vem e te mata, que foi o caso da Marielle. Ela achava que pela dimensão legal do Estado, do poder legislativo, executivo e judiciário, através da CPI, ela tinha esse poder. Acho que foi isso que os ameaçou e os levou a matá-la. Se você ameaça eles vão te eliminar. Eles não pensaram duas vezes.

Eles sabem controlar esses mecanismos porque estão dentro do Estado. Eles têm informações privilegiadas, manipulam processos, apagam imagem de câmera, apagam qualquer prova.

Quando vão tratar eles como ilegais, como criminosos, eles te tratam pela legalidade e bloqueia a sua capacidade de os atingir, porque têm acesso à informação. Eles são o Estado. O judiciário depende da polícia.

Se o STF [Supremo Tribunal Federal] é a cabeça, os pés dessa estrutura judiciária estão calcados em agentes de segurança pública. Policiais militares, civis, que vão operar as decisões do judiciário, as investigações, os processos. Se esses pés são de barro, estão contaminados, o que você vai esperar dessa estrutura toda?

Ela é uma estrutura corroída. Começa a desabar. É o que acontece há muito tempo, mas agora eles ganham visibilidade, ganham poder, viram heróis. Bolsonaro se elege dizendo que vai colocar o nome desses caras num apotheon.

Flávio Bolsonaro homenageia os milicianos no Rio de Janeiro, dá cargo para mãe e esposa de miliciano no seu gabinete. Esses caras hoje ganharam uma projeção de poder político real, então isso que assusta muito. E o caso de Marielle ao meu ver é isso.

O cálculo é simples: quanto tempo esses caras vão levar para nos atingir? Para descobrir de fato o que rolou? Vão conseguir descobrir tudo? Joga aí os caras que vão ser o boi de piranha. Joga esse e esse, eles vão ficar presos, a gente vai ajudar a família deles, protegê-los de alguma forma.

Marielle Franco

Ao meu ver, o governo Witzel, no Rio de Janeiro, está lá para impedir qualquer aproximação do poder central dessas investigações. Ele já deslocou o primeiro delegado que estava investigando. E aí Deus sabe o que pode ser feito. Quase um ano e meio de investigação e você não tem resultados concretos. Quem é essa rede? Milícia não age com um ou outro. Dois caras agindo para matar? Isso não existe em uma milícia.

É uma rede muito grande, são vários donos dessas áreas. São decisões tomadas em grande estrutura. Tem muito comprometimento. Por isso que está tudo bloqueado. Você não consegue avançar, e parece que o STF também está ajudando nisso, e não quer que avance.

grupos de extermínio

Não adianta o cara ser vizinho, ter sido empregado no gabinete do fulano, não adianta estar no mesmo condomínio. Tem que ter provas, você não pode ter convicção. Infelizmente, essa estrutura do judiciário já está comprometida há muito tempo.

Enquanto você lidar como uma coisa individual, você não vai conseguir. É uma dimensão de rede coletiva, é uma organização com essas proporções, muito mais ampla do que se possa imaginar, muito mais articulada, com informações privilegiadas.

Se você não faz uma ação ao longo do tempo e do espaço, e por dentro do Estado – que é o mais difícil, porque eles estão operando o Judiciário –, se você não atingir esse leque todo você não desmonta, ela se reconfigura.

“Uma lógica miliciana que passa a dominar a sociedade brasileira”

Desde os anos 1980, com o final da ditadura, você tem um fosso social se alargando no Brasil. A ditadura manteve e aprofundou esse fosso. Tem um interregno dos governos petista, que tentou fazer alguma distribuição [de renda], mas no fundo, nós estamos aí há décadas com situações sociais muito precárias e difíceis. O que avançou para incorporar essas populações minimamente são dimensões muitas vezes ilegais. É isso que temos mesmo.

Na franja periférica como um todo, em São Paulo, com PCC (Primeiro Comando da Capital), e no Rio de Janeiro, com as facções do tráfico, esquemas de ilegalidades, roubos, esquemas que têm se expandido como alternativa real. Não é que a população é bandida, criminosa. São realidades que essas pessoas vivem e sobrevivem dessa forma. Não adianta achar que estão sendo incorporados economicamente que nunca foram, vem piorando.

Quando um cara desse [Jair Bolsonaro] se elege diante de uma realidade social degradada, destruída. O próprio traficante votou no matador, isso na baixada e no Brasil como um todo. O cara que elege “bandido bom é bandido morto” tá elegendo o cara que vai matar o filho dele. São pessoas que foram entregues ao desamparo, diante de uma realidade que não tem saída, não tem como sobreviver naquilo, não sabe por onde.

Ah, é o governo petista que vai te salvar? Não foi. É o governo Dória, César Maia, Sérgio Cabral. Quem são essas pessoas? No imaginário dessa massa desassistida são pessoas que deveriam salvá-los. Ninguém salvou. São pessoas que continuam em estados de tudo o que você possa imaginar. Saúde, educação, todas as formas sociais de interação nessas áreas são muito degradadas. Aí você começa a ter os heróis, que na verdade não são os heróis, são torturadores, carrascos.

Eles se projetam, criam seus centros sociais, vão ter grana que vai vir do crime. A milícia tem muito dinheiro. Os matadores também se projetaram ao se elegerem e vão fazer acordos com grandes empresas, na baixada como um todo. Empresas que degradam o meio ambiente, que não pagam os seus impostos, esquemas de licitações com parte do dinheiro público, ilegalidades a partir de falcatruas, coisas que são feitas de fato para retirar do erário público recursos e colocar na mão de algumas pessoas.

serviços do bairro

Muitos esquemas são montados por dentro da estrutura pública, esquemas de controle de serviços urbanos nessas áreas, máfias no campo da saúde, clínicas de aborto, de atendimento precário mas que recebem grana do SUS e cobram da população.

O mundo urbano é uma caixa de ilegalidade para dar dinheiro para aqueles que são os “espertos”, que vão fazer as conexões corretas com os grupos políticos dominantes. O mundo urbano é montado dessa forma, e essa população no meio de tudo isso vai acabar identificando nesses que têm projetos, que têm grana, que se impuseram, que mataram, que eliminaram seus rivais, que se colocaram como alternativa e que hoje defendem um discurso dessa violência como alternativa.

Essa população desembocou agora nessas pessoas. Já desembocava antes, a baixada sempre assistiu esses matadores tendo uma carreira de sucesso, e agora essas carreiras estão extrapolando o nível local e chegam à essa dimensão nacional. Mas, ao meu ver, isso foi construído. Poderia dizer que há uma lógica miliciana e uma concepção miliciana que passa a dominar a sociedade brasileira. Flávio é a ponta do relacionamento com a milícia. Eles próprios fazem parte de uma dimensão que interage com as milícias.

Relação e disputa com o tráfico: “Você não tem currículo, você tem o calibre”

A milícia é a superação de dois grandes capitais que se acumularam ao longo do tempo.

Um é o dos grupos de extermínio na baixada, um grande capital de relações econômicas, políticas, sociais, culturais. E o outro é da relação da polícia com o tráfico de drogas, na capital, nas favelas. É um conhecimento que é dado pelo espaço, pelas pessoas que estão no espaço, pelos grupos políticos que constituíram quem é o tráfico, quem é o dono do tráfico, quem é o político eleito, o prefeito, o vereador, quem são as associações de moradores.

Tudo isso é um super capital que não é qualquer grupo que tem, e ao longo do tempo isso é acumulado. Quando se chegou então nessa dimensão do tráfico, que se fortalece principalmente a partir dos anos 1980 em diante, o tráfico já estava mergulhado em uma lógica de tráfico de armas que sempre se operou por dentro da estrutura do Estado, exército, polícia militar.

Não haveria tráfico de drogas nas dimensões que têm no Brasil e no Rio de Janeiro se não fosse os agentes do Estado. Sem o arrego, sem o suborno, sem a licença para funcionar, sem essa máquina funcionando, dando dinheiro, sem um mercado superaquecido da droga. A milícia sabe disso, por isso também tem a base no tráfico de drogas. É a grande base desses grupos todos.

Esse tráfico dos anos 1980 já sabe que tem que se armar, porque a atuação da polícia começa a ser cada vez mais difícil. De matar mesmo, como sempre foi. A polícia mata porque eleva o mercado, aumenta o arrego, amplia o preço do mercado e constitui esses matadores todos com poder. É uma necropolítica, o poder a partir da morte.

A arma exerce um poder real, mas tem um poder fabuloso em termos de expressão social, de domínio, de decisão. Um cara armado é outra coisa nessas áreas, é um alguém que domina. Tem tudo isso associado a esse símbolo e ao poder que vai dar a essas pessoas. O mercado de armas sempre foi lá no topo.

Para dar esse tom, que é um tom razoável a mais, de liberar armas como solução, isso já é algo que vem ocorrendo dentro da política de segurança pública há décadas. A lógica da guerra, do confronto, do tráfico traficar e obter armas para se confrontar com a estrutura do Estado.

Hoje, você joga isso para um grande mercado. Quem tem mais armas se defende melhor, se protege melhor. Virou a grande política de segurança. Interesses desses todos de, quanto mais você fortalece o armamentismo, mais você fortalece os grupos que se armam, e o Estado é o principal comprador desse mercado. O mercado privado vai crescer agora, o aumento do número de mortes está crescendo. O feminicídio aumentou em quatro vezes, é uma explosão, não é um negócio simples, porque você está armando todo mundo em todos os lugares.

Nós viramos uma sociedade do culto à prática da violência, da solução pela morte, pelo confronto. Mais uma vez há uma classe dominante que vive essa dimensão e acredita nela. O jagunço, o matador, o capanga, a milícia particular da fazenda do fulano de tal. Isso sempre foi existente no Brasil.

Essa dimensão armada, violenta, de eliminar o outro, isso é uma prática da classe dominante brasileira sempre. A polícia é o capitão do mato oficializado, sempre cumpre esse papel. A milícia é desobrigar essa polícia de regulamentações, normas legais que pudessem prejudicá-lo. Agora, além da milícia você tem a tentativa de formalizar legalmente essa ilicitude. Você permite que eles façam isso.

O que nós assistimos hoje são facções do tráfico que têm espectro nacional: Comando Vermelho, PCC e a milícia. São os grupos que mais estão expandindo. Crescem por dentro da estrutura do sistema penitenciário, que agora bateu 800 mil presos. Essa estrutura está se fortalecendo, e essa vira a grande dimensão vetor de expansão econômica, de incorporação social, na lógica da violência mesmo.

A arma é decisiva nesse mercado. Você não tem currículo, você tem o calibre, o tamanho do seu fuzil e a quantidade de fuzis do seu lado.

Quarto do pânico

Tem gente defendendo que deveria haver uma investigação federal, em relação às milícias no Rio, o próprio Judiciário. Hoje ao meu ver o Rio de Janeiro é uma grande sinuca. Enquanto nós todos lidarmos com essa dimensão nos limites da lei do Estado e do legal nós vamos estar presos nisso porque eles controlam essa dimensão.

Hoje ao meu ver o Rio de Janeiro é uma grande sinuca. Enquanto nós todos lidarmos com essa dimensão nos limites da lei do Estado e do legal nós vamos estar presos nisso porque eles controlam essa dimensão. Nós estamos amarrados junto com todo mundo. É tipo quarto do pânico: os caras entraram, amarraram, sequestraram você e colocaram no meio do lugar. E agora, o que você vai fazer nessa estrutura? Estamos amarrados.

Teríamos que pensar, como sociedade como um todo outro Estado, outras dimensões do Estado, mas teria de falar de poder como um todo, dimensões econômicas, grupos sociais, como constituir uma nação de outra forma, um projeto de nação. Não adianta querer discutir a segurança pública nesse universo, nesse quarto do pânico.

Você tem um defunto colocado na mesa da sala, que é o torturado, morto, assassinado pela milícia, e você não sabe como se livrar disso e não sabe o que fazer com isso, porque todos os mecanismos que te deram são os que vão fortalecer esses caras. Eles estão eleitos e controlam o judiciário, o poder político, o legislativo, o executivo, num âmbito muito maior agora.

Todo mundo espera que ele vai terminar, vai ser cassado, os militares vão rachar. Nada disso acontece. Esse bloco se constituiu com uma amálgama de interesses da extrema direita, das famílias que mandam nesse país, dessa classe dominante que é sanguinária, que não vai abrir mão de nada, jamais. E se é preciso colocar um canalha assassino na porta de casa para impedir a perda de qualquer interesse deles, eles vão fazer isso. Vão colocar para matar e é para isso que a milícia serve, para manter os interesses deles.

A milícia é o Estado e o capital envolvido no crime diretamente. Não são grupos isolados, eles têm essa dimensão e começam a nos controlar. Quando tentam pensar em uma dimensão de saída para isso, tem que buscar uma saída real, não uma saída fictícia. Eu não faço discurso da academia que vai falar “vamos fazer treinamento de direitos humanos para a polícia, fazer mediação de conflitos.” A dimensão é muito mais dura e difícil, muito mais contaminadora.

Saídas

Primeira coisa: legalização das drogas. “Ah, não dá, todo mundo é conservador.” Eu sei. Um bando de conservador de extrema-direita está lá. Mas se você não for capaz de lutar para colocar gente que pense drogas não é guerra às drogas, é cultural, educacional, é saúde, é emocional. Não se lida com dependência química matando, matando traficante, matando consumidor. Essas comunidades são massacradas. É outra dimensão. Se você não esvaziar o mercado de drogas da mão de milícias e do tráfico, não tem saída. Esses caras vão continuar se fortalecendo. É possível? É uma luta.

Militarização da polícia: Tem que desmilitarizar, tem que desmontar essa polícia, não pode continuar hierarquizada. É possível um agente policial dialogar com você e construir uma política dele que não o transforme em alvo, de ele ser homicida e suicida, que é isso que ele é. Ele pode deixar de ser um miliciano, ou não querer ser um miliciano e ser alguém na construção de uma política real de segurança? Tem alguns ali que querem fazer isso?

Eu prefiro lidar com um policial politizado, em um sindicato que pode fazer uma greve geral no Brasil como um todo, do que com um policial com um fuzil na minha cara, um miliciano que vai me matar. Construir um outro modelo de polícia. Somos capazes de fazer isso? A conjuntura atual é um horror, são eles que estão no poder.

Outra questão, construção de políticas públicas no campo social, distribuição de renda. Não é com bolsa-família de 80 reais, o PT nunca disputou essa galera, nunca houve alteração de vida dessas pessoas com bolsa de 80 reais. O Maduro está se sustentando com população na rua porque mudou a vida daquelas pessoas. A vida das pessoas não foi alterada por uma tentativa de distribuição de verba, de renda no Brasil.

A esquerda fez conciliação, achou que todo mundo era amigo e se lascou. A gente está longe de um projeto de nação que possa trazer soluções, mas os caminhos estão dados, a gente sabe qual é. A questão é como construir. Hoje isso vai ser muito mais difícil que no passado.

 

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AMAZÔNIA | INVESTIGAÇÃO DO MPF INDICA QUE DESMATAMENTO E QUEIMADAS ENVOLVEM CRIME ORGANIZADO

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AMAZÔNIA | INVESTIGAÇÃO DO MPF INDICA QUE DESMATAMENTO E QUEIMADAS ENVOLVEM CRIME ORGANIZADO
Uma das áreas mapeadas por força-tarefa é no município de Boca do Acre (AM). / Foto: Divulgação

Trabalho escravo, violência e regularização fraudulenta são cometidos por quadrilhas, com apoio de órgãos públicos

Redação | Brasil de Fato | São Paulo (SP) – O desmatamento da Amazônia é resultado de uma série de crimes cometidos por grileiros. A constatação vem de investigação da força-tarefa Amazônia, do Ministério Público Federal (MPF), trazida em reportagem do jornal O Estado de SP.

“Não vou ignorar que existe sim o desmatamento da pobreza, que é para fins de subsistência, mas o que realmente dá volume, o desmatamento de grandes proporções, que é o objeto de preocupação, é outro. No sul do Amazonas vimos cortes de 200, 500, 1 mil hectares (cada hectare equivale a cerca de um campo de futebol) de uma só vez. E isso quem faz é o fazendeiro já com rebanho considerável que quer expandir para uma área que não é dele. É o grileiro que invade uma terra pública. Não tem nada a ver com pobreza”, disse o procurador Joel Bogo, no Amazonas, ao jornal.

Alto custo

De acordo com o procurador, o custo para fazer um desmatamento varia entre R$ 800 e R$ 2 mil por hectare. “Depende das condições. Se tem muitas motosserras, por exemplo, ou se usa correntão. Um trator esteira, para abrir os ramais (estradas), custa centenas de milhares de reais. Em um desmate no Acre de 180 hectares, o Ibama encontrou 35 pessoas trabalhando ao mesmo tempo. Em condições análogas à escravidão”, relata ao jornal.

Bogo afirma ainda que há um investimento de até R$ 2 milhões para conseguir uma regularização e utilizado mecanismos como o Cadastro Ambiental Rural para regularização fundiária. “Fazendeiros colocam as propriedades em nomes de ‘laranjas’, fazem processo de regularização fraudulenta, com alguma conivência de órgãos públicos. Ou seja, é uma estrutura muito sofisticada, desde a contratação de um profissional de georreferenciamento, até compra de 10, 20, 30 motosserras de uma vez. Só uma ação organizada poderia levar a cabo a prática desses crimes”, disse Bogo.

De tão escandalosa a ação e, provavelmente, temendo retaliações comerciais do mercado externo, um manifesto foi entregue ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) pedindo que o governo combata o desmatamento e as queimadas foi entregue por representantes do agronegócio, de entidades em defesa do meio ambiente, da academia e do setor financeiro.

Crime organizado

As queimadas e desmatamentos são parte de um conjunto volumoso de crimes. Os relatos constam de um ano de investigações da Força-Tarefa Amazônia, criada em agosto de 2018 e que conta hoje com 15 procuradores da República dos estados de Acre, Amapá, Amazonas, Pará e Rondônia.

Em um ano, a força-tarefa realizou seis operações que resultaram em ações penais ajuizadas. Só no Amazonas, 33 pessoas foram denunciadas criminalmente. Em 12 meses, foram identificados 3.180 hectares desmatados, ou o equivalente a 4.453 campos de futebol. Também foi revelado, nesse trabalho de investigação, como o desmatamento da Amazônia ocorre por grupos organizados, com altos investimentos e uma série de apoios locais.

Alguns dos casos investigados pela força-tarefa envolvem somas vultuosas para a concretização de variados crimes ambientais. Um dos relatos publicados refere-se à denúncia de uma família envolvida na extração ilegal de ouro ao longo de quase 10 anos no Amapá. A Polícia Federal estima que o grupo tenha lucrado cerca de R$ 19 milhões. Em outro caso, de extração de madeira na terra indígena Karipuna, em Rondônia, calcula-se um dano ambiental superior a R$ 22 milhões.

Segundo laudo da Polícia Federal nove pessoas e duas empresas foram denunciadas por invadir e lotear a terra indígena, sob a falsa promessa de regularização da área. A operação descreve que o desmate no local saltou de 1.195,34 hectares (de 2016 a 2017) para 4.191,37 hectares no ano seguinte.

Em outra operação – a Floresta Virtual – de extração ilegal de madeira na mesma região, citada pelo Estado, várias madeireiras investigadas teriam vínculos entre si na organização do crime. Somente uma delas é acusada de acobertar madeiras de origem ilegal no valor superior a R$ 12 milhões.

O procurador cita também a Operação Ojuara, como uma das mais emblemáticas, na qual o MPF denunciou 22 pessoas por corrupção, constituição de milícia privada, divulgação de informações sigilosas, lavagem de dinheiro e associação criminosa, em um processo que ocorria há anos no Acre e no Amazonas.

Segundo a publicação, para a realização do desmatamento e a grilagem (apropriação de terra pública e falsificação de documentos para, ilegalmente, tomar posse dessa terra), alguns fazendeiros contavam com apoio de órgãos públicos. Segundo Bogo, tratava-se de grupo organizado. “Havia toda uma divisão de tarefas que leva à conclusão de que se tratava de crime feito de modo organizado”, disse ao jornal.

Outra vertente do desmatamento é a especulação imobiliária. “Com floresta em pé, a terra vale pouco. O que valoriza é a derrubada. Área pronta para pasto é muito mais cara”, resume Bogo à reportagem.

Edição: Daniela Stefano

EM ENTREVISTA, DALLAGNOL ESCONDE INFORMAÇÕES SOBRE REMUNERAÇÃO DE PALESTRAS

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EM ENTREVISTA, DALLAGNOL ESCONDE INFORMAÇÕES SOBRE REMUNERAÇÃO DE PALESTRAS
Deltan Dallagnol em palestra na FIEC – Foto: Divulgação

Revista Fórum – “A atividade da Lava Jato não é rentável para os seus membros. Outros procuradores recebem verbas que a gente não recebe”, lamentou Dallagnol, que já teria recebido cerca de R$ 1 milhão com palestras sobre a operação.

Em entrevista concedida ao jornalista Ricardo Senra, da BBC Brasil, em que o procurador Deltan Dallagnol relativizou as mensagens ofensivas contra familiares do ex-presidente e admitiu adotar uma estratégia “fora da caixa”, o coordenador da Operação Lava Jato também se eximiu de comentar os ganhos que obteve com as palestras devido à projeção que ganhou com a operação. No entanto, fez questão de divulgar que fez 34 palestras gratuitas.

“O senhor disse que foram 34 palestras gratuitas de um ano para cá. Essa informação vai estar na nossa reportagem. E eu também queria saber quanto dinheiro o senhor ganhou em palestras pagas neste mesmo período”, questionou o jornalista. “Essa é uma informação privada, de novo. Essa atividade é legal, legítima e privada. É a mesma coisa que eu perguntar qual é o seu salário”, respondeu Dallagnol.

O jornalista então questionou se esse ocultamento não seria contraditório. “Não, não é contraditório. Essa é uma atividade privada, legítima, e eu não tenho nenhuma obrigação de oferecer essa informação, assim como você não é obrigado a fornecer o seu salário. O que eu posso dizer, em geral, só por uma questão de balanço geral, é que foram bem mais palestras gratuitas do que palestras remuneradas. Não só nesse período, mas se a gente somar todo o período desde 2015, 2016, o número de palestras gratuitas é bem maior que o de palestras remuneradas”, disse o procurador.

Ele ainda destacou que “a atividade da Lava Jato não é rentável para os seus membros” e que ele ganha menos que outros procuradores. “Outros procuradores recebem verbas que a gente não recebe”, lamentou, destacando que há processos movidos contra ele “pedindo mais de 1,2 milhão de reais nas costas” e que ele pode “vir a ser condenado”.

Dallagnol já teria ganho mais de R$ 1 milhão com palestras sobre sua atuação na Lava Jato. A arrecadação com essas atividades se tornou tão alta que o procurador chegou a cogitar abrir uma empresa e colocar sua esposa como “laranja”Em mensagem enviada a Moro, Dallagnol conta vantagem sobre suas atuações como palestrante e incentiva o ex-juiz a seguir pelo mesmo caminho, destacando um evento que participaria na FIEC que dava passagens e entradas no Beach Park para ele e sua família. “Eu pedi pra pagarem passagens pra mim e família e estadia no Beach Park. As crianças adoraram. Além disso, eles pagaram um valor significativo, perto de uns 30k [R$ 30 mil]. Fica para você avaliar”, disse.

Empresa

Dallagnol afirma na entrevista que cogitou abrir tal empresa, apesar de dizer não reconhecer as mensagens. “Cogitei inclusive abrir empresa antes, em razão das palestras que eu faço. […] Se fosse feito uma empresa dessas, a gente exerceria uma função pedagógica. A gente eventualmente convidaria outros professores para dar aulas, o que é completamente legal, legítimo. Mas de novo nunca aconteceu. Não aconteceu porque a gente não tem tempo na Lava Jato para fazer isso”, contou.

Ele ainda afirmou que há ilegalidade na abertura de uma empresa por parte de procuradores da República e que as esposas não seriam laranjas. “Vários [procuradores] são [sócios de empresa]. […] O que não pode é ser sócio administrador, você não pode ficar assinando cheque, fazendo contabilidade. […] Não tem nada de errado você abrir e estar na empresa, ter a esposa na empresa ou qualquer outra pessoa que exerça essa função de administração. Quando saiu essa matéria, eu vi gente escrevendo que seriam laranjas. Releia as supostas mensagens, ainda que você admita que elas sejam verdadeiras, não tem nada de laranja”, disse.

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