“NÓS QUEREMOS NOS JUNTAR A ELES, ENTRAR PELA PORTA DA FRENTE”

“NÓS QUEREMOS NOS JUNTAR A ELES, ENTRAR PELA PORTA DA FRENTE”

diplomatique.org.br – Entrevista com Prof. Yara Frateschi (Unicamp) sobre desequilíbrio de gênero na Filosofia no Brasil. Mais um artigo do especial Família Verde.

Um breve olhar sobre os currículos de Filosofia no Brasil – e no mundo – e podemos ver que as mulheres filósofas são poucas ou ausentes nas bibliografias, o que não significa, contudo, que elas não existam ou existiram. É este o pano de fundo da I Conferência Internacional das Mulheres na Filosofia Moderna, que traz não apenas pesquisas de filósofas como Émilie du Châtelet e Anne Conway, mas discute a presença destas pensadoras no cânone filosófico. Um mesmo olhar para a presença das mulheres nas pós-graduações e corpo docente de departamentos de Filosofia no Brasil nos conduz a uma conclusão parecida: são minoria. Esta é a razão que levou a professora livre-docente do departamento de Filosofia da Unicamp, Yara Frateschi, a uma das mesas na conferência que aconteceu na última semana na UERJ, no Rio de Janeiro. Ainda que o trabalho acadêmico de Frateschi esteja voltado para filósofas políticas contemporâneas (como Seyla Benhabib e Hannah Arendt), a professora tem se dedicado a compreender os números que revelam esta baixa presença e se engajado em ações que possam transformá-los.

O fato das mulheres serem minoria nos programas de pós-graduação e docência em Filosofia no Brasil foi provado em 2017 numa pesquisa levada a cabo pela professora Carolina de Araújo (UFRJ). Os números que Araújo apresentou à comunidade acadêmica revelam a seguinte fotografia da área: entre os 3.652 estudantes de mestrado e doutorado, as matrículas de alunas respondiam por 28,45% do total em 2015. Já as docentes permanentes desses programas são 20,94% do total. O que Frateschi tem buscado compreender é por que o corredor é estreito para as mulheres na Filosofia no Brasil? Para isso, diz a professora, é preciso ouvir as estudantes e docentes da área para compreender quais são as barreiras que enfrentam na permanência da área. Ela tem se dedicado a este trabalho de pesquisar as razões que justificam esses números, entrevistando alunas e docentes e deve publicar no próximo ano resultado desta pesquisa. Nesta entrevista, a professora indica, por exemplo, a importância de se compreender o impacto das bibliografias de curso unanimemente dominadas por homens. Da mesma forma, diz Frateschi, é importante considerar que grande parte desses filósofos é misógina e dissemina o mito da precariedade racional, moral e política das mulheres.

Veja a entrevista completa AQUI.

‘NÓS VAMOS VER OS MILITARES NA POLÍTICA BRASILEIRA POR UM BOM TEMPO’, DIZ PESQUISADOR

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‘NÓS VAMOS VER OS MILITARES NA POLÍTICA BRASILEIRA POR UM BOM TEMPO’, DIZ PESQUISADOR

Rodrigo Lentz: “O ativismo está no DNA das Forças Armadas brasileiras desde o nascimento da República”. (Foto: Luiza Castro/Sul21)

Para militares, Estado não deve ser empresário, mas regulador, e o eixo da economia deve ser o mercado e a empresa privada.

SUL21 – Marco Weissheimer – O retorno dos militares à cena política brasileira, ocupando postos no primeiro escalão do governo Bolsonaro, não é um acontecimento casual e momentâneo. Desde o nascimento da República, os militares jamais abandonaram o papel de atuar como uma espécie de poder moderador. O ativismo está no DNA das Forças Armadas brasileiras desde o nascimento da República. Com a crise do sistema político brasileiro, especialmente a partir das manifestações de 2013, vistas como uma ameaça à estabilidade da sociedade, os militares colocaram em marcha a doutrina de ação política prevista em seus manuais. E não pretendem sair de cena tão cedo. A avaliação é do advogado Rodrigo Lentz, ex-coordenador da Comissão de Anistia e doutorando em ciência política da Universidade de Brasília com a tese “As relações de poder entre civis e militares no Brasil: o pensamento político da Escola Superior de Guerra pós-88”.

Em entrevista ao Sul21, Rodrigo Lentz fala de sua pesquisa sobre o pensamento militar brasileiro, suas manifestações mais recentes e sobre por que esse retorno dos militares à cena política não deve ser de curto prazo. “Eles identificaram fortes pressões ao sistema político e as consideraram como uma potencial e contundente ameaça à expressão política do poder nacional e, consequentemente, às outras expressões desse poder. Quando um juiz de primeiro grau quebra o sigilo de forma ilegal, torna público o diálogo do comandante em chefe das Forças Armadas e o comando das Forças Armadas não dá um único pio e depois disso ainda condecora esse juiz, ficou claro que, quem estava dando suporte a esse juiz, eram eles, o que vem se confirmando cada dia mais”, sustenta o pesquisador.

No método de ação política dos militares, acrescenta Lentz, aparece de modo muito claro o uso das instituições jurídicas e políticas para resolver os distúrbios funcionais do sistema político. Esse uso está previsto como uma das medidas preventivas que podem ser adotadas. O pesquisador também acredita que os militares estiveram por trás da guerra tecnológica na campanha eleitoral. “É praticamente impossível que não estivessem. É uma técnica (de guerra eletrônica) que eles dominam mais do que qualquer outro civil. Eles têm um batalhão de guerra eletrônica e formaram oficiais para atuar especialmente em redes sociais”.

Devemos nos preparar para ver os militares na vida política por um bom tempo, adverte. Um dos indicadores mais recentes disso é que não apenas generais da reserva estão ocupando postos no governo. A presença de Luiz Eduardo Ramos, um general da ativa, na Secretaria de Governo, leva mais ainda a política para dentro dos quarteis. “Não tenho dúvida nenhuma que eles estão estudando e planejando o que devem ser para os próximos anos. Não é uma entrada pueril. Nós vamos ver os militares na política por um bom tempo”.

Sul21: Qual o objeto central de sua pesquisa sobre o pensamento militar brasileiro?

Rodrigo Lentz: Muita gente foi pega de surpresa quando os militares vieram para o centro político nacional de uns anos para cá. Muitas pessoas não acreditavam nesta atuação política dos militares e hoje estão atrás de respostas prontas e conclusivas a respeito dessa atuação. Já te adianto que eu não tenho essas respostas. O trabalho que estou desenvolvendo é procurar enxergar uma tradição no pensamento militar brasileiro que, com o passar dos anos, vai sofrendo algumas mudanças conservadoras. A primeira versão de manual doutrinário da Escola Superior de Guerra, fundada formalmente em 1949, é de 1974. Eles demoraram, então, 25 anos para conseguir formatar um pensamento dos militares a respeito do Brasil. A partir de 1974, foram sendo feitas atualizações neste manual doutrinário básico que orienta o sistema de ensino das Forças Armadas. Apesar de haver uma relação de autonomia entre as escolas de Estado Maior das três forças, há uma integração em torno dos termos mais gerais desse pensamento.

Sul21: Qual é a matriz conceitual desse manual doutrinário? A que tradição suas ideias se filiam?

Rodrigo Lentz: Estou procurando fazer essa construção. Eu organizo esse conteúdo em três grandes grupos: um núcleo duro, um núcleo político e um núcleo operacional. No primeiro, que é o centro nervoso dessa doutrina, há uma forte presença do pensamento de Santo Tomás de Aquino. Eles afirmam claramente a existência de uma crença em Deus, em um princípio transcendental e na ideia de um bem comum. Há também a ideia de que o fim do ser humano é a felicidade e que ela jamais vai ser alcançada na terra, mas somente no reino dos céus. Quando a gente vê hoje os militares ou o próprio Bolsonaro falando em Deus é por que isso faz parte do tronco do pensamento deles. Além disso, há uma crença na natureza humana, que também vem um pouco de Tomás de Aquino, e uma noção orgânica da sociedade, baseada na Teoria dos Sistemas, segundo a qual a sociedade tem uma organização sistemática, esse sistema tem um objetivo e para ele ser atingido os seus órgãos, as partes que compõem o todo, devem ser preservados.

Sul21: A citação a Tomás de Aquino é explícita?

Rodrigo Lentz: Sim, é explícita nos manuais pré-1988. O que acontece pós-1988 é uma pasteurização do vocabulário, que vai inclusive alterar a nomenclatura utilizada. Não se fala mais, por exemplo, em segurança nacional, mas sim em defesa nacional, o que, na prática, é a mesma coisa, mesmo que teoricamente exista uma distinção entre defesa e segurança. A segurança é muito mais ampla que a defesa, que está mais voltada para a parte externa. ‘Segurança’ envolve segurança nacional e uma soma de várias outras coisas.

Sul21: O conceito do “inimigo interno” aparece neste núcleo duro da doutrina?

Rodrigo Lentz: Sim, mas isso vem muito mais da Teoria dos Sistemas. A ideia é que todo sistema recebe e faz incentivos e tem como pressuposto a própria sobrevivência e preservação. Isso é intrínseco ao conceito de sistema. Então, um sistema sempre vai estar suscetível a pressões, tanto do âmbito interno quanto do meio ambiente. No caso do sistema político, essas pressões podem ser antagônicas ou não antagônicas. O inimigo é o antagônico. Ainda estou trabalhando com esse tema, mas dá pra perceber nesta formulação do pensamento militar alguns traços de Carl Schmitt e a concepção de antagonismo como definidor da própria política, de que sem antagonismo a política não existe.

Sul21: Nos textos com os quais está trabalhando, há uma referência explícita a que inimigos seriam estes?

Rodrigo Lentz: Ainda não terminei de ler todos os manuais mais recentes, das décadas de 70 e de 80. No da década de 70 há uma referência explícita, no de 80 bem menos.

Sul21: E essa referência explícita é o comunismo…

Rodrigo Lentz: Sim, o comunismo. No de 70, isso aparece muito carregadamente. O de 80 bem menos, embora chegue a citar também. A partir dos anos 90, deixa de existir a nominação desse inimigo, desse poder antagônico; passa a ser uma referência mais pausterizada.

Sul21: Esses manuais tratam também de geopolítica, de uma visão sobre qual deve ser o papel no mundo, quais aliados e inimigos?

Rodrigo Lentz: Existe uma leitura, digamos, historicista, sobre o Brasil com base numa concepção geopolítica que tem o Golbery (do Couto e Silva) como principal referência. Essa visão de geopolítica coloca o Brasil alinhado, em razão do território e da história, com os Estados Unidos, a grande potência das Américas. As outras referências históricas e culturais são Inglaterra e França. Portugal é referido em outros termos. Há um caráter brasileiro que decorre da história nacional e essa história está estreitamente vinculada aos Estados Unidos. Cabe lembrar que a própria república brasileira recebe a denominação de Estados Unidos do Brasil. Então, há um alinhamento geopolítico com os Estados Unidos, mas em momento algum eles dizem que isso significa subordinação. A ideia é que, até por uma questão de segurança continental, o Brasil deve ter os Estados Unidos como amigo.

Sul21: Em certos momentos no período da ditadura, os militares brasileiros contrariaram interesses dos Estados Unidos, como no caso do acordo nuclear com a Alemanha. Além disso, a política externa teve uma aproximação com países não alinhados na África e em outras regiões. Aparentemente, havia um interesse nacional que justificava esses movimentos. Agora, no governo Bolsonaro, isso parece ter desaparecido com os militares abraçando esse alinhamento total com os EUA. Como entender essa posição atual que parece representar uma mudança importante?

Rodrigo Lentz: Essa é uma das grandes questões, mas antes de tentar responder tua pergunta, gostaria de fazer um retrospecto. As forças armadas brasileiras começam a se profissionalizar principalmente a partir da década de 1920. O serviço militar passa a ser obrigatório a partir de 1918. Até então, o pensamento militar estava associado à ideia de bacheralismo, algo, aliás, que aparece ainda hoje. Quando o general Villas Boas criticou Olavo de Carvalho pelo Twitter, ele foi acusado de ser um bacharelista, um papo que já tem mais de cem anos de idade.

Na década de 20 surgiram os chamados jovens turcos, militares brasileiros que participaram de missões na Alemanha e na França e tiveram contato com militares turcos que, na transição de século, estavam tomando as rédeas da construção de uma república a partir do fim do Império Otomano. Esses militares voltaram para o Brasil com uma concepção transformadora do Exército, que não era apenas de obediência ao poder civil. Foi daí que surgiu a doutrina do general Góes Monteiro, segundo a qual a questão militar não era mais somente militar, mas também envolvia a economia, a política e as questões sociais. O Exército passa a pensar o país a partir de uma visão mais ampla, não estritamente militar. Góes Monteiro participa da Revolução de 30, do governo Getúlio Vargas, do Estado Novo.

É neste contexto que surge a Escola Superior de Guerra, que começa a tentar formular um pensamento nacional que esteja acima dos partidos políticos, mas que tenha uma concepção ideológica e uma doutrina de ação política. Essa doutrina terá uma visão geopolítica, posições sobre as instituições políticas, sobre a cultura brasileira, questões psicossociais, além das questões estritamente militares. Eles desenvolverão uma concepção de poder nacional, que é a estratégia. Os fins são os objetivos nacionais e os meios são os poderes nacionais, ou o poder nacional que é composto por várias expressões. Quando conseguem consolidar esse pensamento, passam a ter uma expressão política, que envolve os três poderes constitucionais, o poder militar, que envolve as três armas e seus poderes auxiliares, a expressão econômica e a expressão psicossocial. Na década de 80, surge uma quinta expressão, que é a da ciência e tecnologia.

Desse emaranhado todo eles extraem também uma concepção sobre o papel do Estado na economia. Desde o início da consolidação dessa doutrina, está muito claro que defendem uma concepção de Estado regulador. O Estado não deve ser empresário, mas regulador, e o eixo da economia deve ser o mercado e a empresa privada. Ao Estado, nesta concepção, cabe agir como um ajustador das disfunções do capitalismo. Assim, a Petrobras é estatal não porque há uma convicção ideológica de que uma empresa desse tipo deve ser nacional e estatal. Nada disso. Não vi esse argumento nem na década de 70 nem na de 80.

Sul21: Não aparece a ideia da Petrobras como uma empresa estratégica para a soberania energética do país, que também é um elemento relacionado à segurança nacional?

Rodrigo Lentz: Mas isso não implica que ela seja estatal nem nacional. Há um histórico de disputa dentro das Forças Armadas, com a presença de grupos mais nacionalistas e estatistas que defendiam capital nacional e empresa nacional, com outra concepção sobre o papel do Estado. Mas com a limpa que aconteceu depois de 1964, essa disputa praticamente desapareceu. No início da ditadura, entre 1964 e 1967, o ministro da Economia era Roberto Campos, que é igual ao Paulo Guedes. Esses três primeiros anos foram super liberalizantes, de abertura total ao mercado e ao capital externo.

Mas essa orientação começou a dar errado. A minha hipótese de interpretação é que ocorre então uma intervenção do Estado na economia não por uma crença ideológica nacionalista, mas sim por uma questão de segurança. Em razão de um conjunto de ameaças e da insuficiência do setor privado para enfrentá-las, era necessária a intervenção do Estado. Isso está presente na doutrina militar. Ela tem um método de ação política onde eles vão identificando as ameaças e vão mobilizando todas as expressões, inclusive a econômica. Há cenários previstos na doutrina, por exemplo, onde é preciso estocar comida, estatizar certos setores de forma temporária, proibir o capital estrangeiro em determinadas áreas estratégicas. Mas tudo isso por uma questão de segurança nacional.

Então, se você me perguntar por que os militares não se opõem hoje à venda de empresas como Embraer, Petrobras ou Eletrobrás – e se a minha hipótese estiver certa – é porque eles não enxergam nestas operações uma ameaça à segurança nacional. Essa é a resposta que eu daria. Até bem pouco tempo era meio que proibido falar sobre segurança nacional, pois esse era um tema associado à ditadura. A própria esquerda interditou o debate sobre segurança nacional.

Sul21: O Livro Branco da Defesa Nacional, lançado em 2012, não faz esse debate?

Rodrigo Lentz: O Livro Branco propõe uma estratégia nacional do ponto de vista das relações externas e representa um grande avanço. Esse documento apresenta com transparência vários conceitos estratégicos e programáticos acerca do Estado nacional e da sociedade em geral, sob a perspectiva do Brasil para fora. Não fala nada do Brasil para dentro. E os maiores problemas políticos que estamos enfrentando dizem respeito ao Brasil para dentro.

Nós deixamos de conversar sobre esse conceito mais amplo de segurança e interditamos esse tipo de assunto. Fizemos de conta que ele deixou de existir dentro das forças armadas. Agora esse é o nosso grande problema. O sistema político não conseguiu responder à crise que o atingiu, especialmente a partir de 2013. Mais do que uma crise, na verdade, podemos falar de uma falência desse sistema que ruiu. O sistema de financiamento eleitoral ruiu, o modelo de representação política idem. E a resposta desse sistema não foi capaz de resolver os problemas que surgiram. Essa é uma das hipóteses que explicam por que os militares passaram a ser ativos nos acontecimentos a partir daí.

Sul21: As cenas de grandes multidões nas ruas protestando, em 2013, foi vista pelos militares como uma potencial ameaça à segurança nacional?

Rodrigo Lentz: Com certeza. Identificaram fortes pressões ao sistema político e as consideraram como uma potencial e contundente ameaça à expressão política do poder nacional e, consequentemente, às outras expressões desse poder. Não tenha dúvida disso. Quando um juiz de primeiro grau quebra o sigilo de forma ilegal, torna público o diálogo do comandante em chefe das Forças Armadas e o comando das Forças Armadas não dá um único pio e depois disso ainda condecora esse juiz, ficou claro que, quem estava dando suporte a esse juiz, eram eles, o que vem se confirmando cada dia mais.

No método de ação política dos militares aparece de modo muito claro o uso das instituições jurídicas e políticas para resolver os distúrbios funcionais do sistema político. Esse uso está previsto como uma das medidas preventivas que podem ser adotadas.

Sul21: Existe algum dissenso dentro das Forças Armadas em relação a essas questões ou esse pensamento é totalmente hegemônico?

Rodrigo Lentz: Sim. Tudo o que estou te dizendo compõem um quadro estrutural que vem formando o pensamento dos militares há mais de 70 anos. Nada se mexeu. O conteúdo desse quadro, sobre quais devem ser os objetivos nacionais, sobre como se interpreta a conjuntura política a partir das informações colhidas, quem faz essas interpretações, tudo isso é algo que muda. Há o fator humano aí que vai estar sujeito à ideologia, a preferências políticas, econômicas e profissionais. Dentro desse campo, há divergências.

Nosso grande problema é fazer um levantamento e conseguir entender todo esse quadro. Temos pouquíssimos contatos e pontos de diálogo e de comunicação. Posso dizer com segurança que os militares, em geral, sentem falta disso também. Eu sempre trabalhei com o tema da ditadura. Militar, para mim, era sinônimo de tortura, mortes, desaparecimentos, terrorismo de Estado. Essa era a imagem que eu tinha deles. Quando comecei a ter um contato mais direto com eles, por conta do meu trabalho em Brasília, conheci outra realidade. Há inclusive pessoas que podem ser consideradas de esquerda dentro das Forças Armadas. Existe um grupo de pesquisa no Rio que está fazendo um estudo, financiado pelo Ministério da Defesa, para pensar as forças armadas do século 21. Eles conseguiram aplicar um questionário para mais de nove mil oficiais e conseguiram fazer um perfil desses oficiais. O Exército tem uma boa distribuição em termos de classe social, mas não tanto em termos de raça. Mas dentro de suas fileiras há representantes de várias classes sociais.

Sul21: Em que medida os trabalhos da Comissão da Verdade impactaram a relação com os militares?

Rodrigo Lentz: A grande questão em relação, não só à Comissão Nacional da Verdade, mas à apuração do que aconteceu neste passado autoritário, é exigir que os militares façam uma auto-crítica, reconheçam seus erros e peçam desculpas quando várias instituições do Estado e da sociedade não fizeram isso. Isso causa uma certa indignação entre os militares, com razão eu diria. Nós vemos, por exemplo, a OAB, entidade da minha classe, se vangloriando como defensora da democracia e das liberdades individuais, quando ela apoiou o golpe de 1964. A CNBB apoiou o golpe de 64. Do mesmo modo o fizeram várias empresas de comunicação, a FIESP e o próprio STF para citar algumas instituições. Os militares pensam: tudo bem, nós somos os vilões da ditadura, fizemos o serviço sujo e vocês saem como os defensores da democracia. E nós temos que fazer a auto-crítica primeiro?

Sul21: Você referiu antes que o pensamento dos militares valoriza muito o princípio do realismo. Tendo esse princípio em mente, o que se pode dizer da relação dos militares com o presidente Jair Bolsonaro e figuras como Olavo de Carvalho? Uma relação que, em poucos meses de governo, vem sendo marcada por várias trombadas.

Rodrigo Lentz: Eu escrevi um artigo recentemente fazendo uma crítica a um ensaio do professor Costa Pinto, da Economia da UFRJ, que defendeu a existência de uma congruência ideológica dos olavistas com os militares a partir de uma doutrina do general Coutinho, um general da reserva que é muito ativo nas redes sociais. Ele faz uma série de críticas ao marxismo cultural e procura construir uma série de conceitos de algo que poderíamos chamar de anticomunismo do século 21. O comunismo e o marxismo não morreram com a queda do Muro de Berlim, diz ele, e desenvolveram uma roupagem nova com o politicamente correto, o marxismo cultural, a ideia de direitos humanos e por aí vai. Isso estaria quebrando a coesão dos valores tradicionais da sociedade. Costa Pinto tomou algumas declarações do Mourão e do Villas Boas dizendo que há um dissenso na sociedade que tem promovido a quebra da coesão nacional e que o politicamente correto está sendo usado contra essa coesão nacional.

No meu texto, eu sustento que não tem nada a ver uma coisa com outra. A ideia de coesão interna vem muito mais da visão orgânica de sociedade, baseada na teoria dos sistemas, do que de uma suposta congruência com a doutrina do general Coutinho. Os militares não endossam o olavismo. Já tivemos vários episódios demonstrando isso. A critica ao marxismo cultural não aparece no pensamento dos militares. Por serem realistas, eles não endossariam uma teoria dessas. O que eles têm em comum é a crítica ao sistema político em geral.

Há, é certo, uma certa convergência de valores conservadores. Os militares são uma instituição conservadora. O modelo de sociabilidade dos militares também desempenha um papel importante aí. O chefe da memória institucional da Escola Superior de Guerra, que é um tenente-coronel, está fazendo uma tese de doutorado em História onde sustenta que a ESG é uma maçonaria estatizada. Os militares caíram no colo do Bolsonaro muito mais por gravidade do que por convicção ideológica. O que eles têm em comum que não é trivial é uma mesma sociabilidade. Eles convivem em vilas militares, em casas de fraternidade da Maçonaria, da Rosa Cruz e outras organizações do tipo.

Sul21: Qual é o tamanho dessa presença da maçonaria?

Rodrigo Lentz: É fortíssima. Tanto entre os militares quanto no Judiciário. Eles têm um processo de sociabilidade muito comum que os aproxima. Eles consideram também que há um preconceito em relação aos militares em alguns setores da sociedade. Esse preconceito existe, em parte, porque o trauma da ditadura não foi enfrentado pela instituição militar e pelas instituições civis. Esse trauma e esse preconceito vão continuar até essa questão seja resolvida. A instituição militar precisa entender também que eles não precisam carregar esse fardo. Os militares se posicionaram fora do sistema político pós-1985. Essa turma do Bolsonaro, embora estivesse dentro, era um desvio do sistema. As próprias intervenções do Bolsonaro sempre foram à margem da Constituição de 1988.

Sul21: Essa aproximação parece ter se acentuado significativamente na campanha eleitoral de 2018, não?

Rodrigo Lentz: Eu acho que os militares estavam por trás da guerra tecnológica na campanha eleitoral. É praticamente impossível que não estivessem. É uma técnica (de guerra eletrônica) que eles dominam mais do que qualquer outro civil. Eles têm um batalhão de guerra eletrônica e formaram oficiais para atuar especialmente em redes sociais. Além disso, fazem operações psicológicas com base na tecnologia desde a década de 60. Desde 1966 o Exército brasileiro organiza cursos de operações psicológicas.  Em 2009, foi criado o Comando de Comunicações e Guerra Eletrônica do Exército (CCOMGEX), com um batalhão especializado em guerra eletrônica.

Sul21: Quando esteve em Porto Alegre, há alguns dias, o general Mourão disse que o Brasil estava sendo alvo de uma guerra cibernética, referindo-se às mensagens divulgadas pelo The Intercept envolvendo o ex-juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol.

Rodrigo Lentz: O Brasil sempre esteve em guerra, na visão dos militares. Os militares sempre estão em guerra, mesmo em tempos de paz. Quem é o inimigo objetivo hoje? O inimigo objetivo já existia, mesmo antes dos comunistas. Os métodos usados contra a oposição política, no período pós-64, já eram usados contra os presos comuns: os instrumentos de tortura, os esquadrões da morte, tudo isso já existia. A própria Lava Jato fez uso de métodos que eram largamente aplicados pelo direito penal brasileiro, especialmente contra negros pobres. Quem é do direito criminal sabe bem disso. Então, nem o sistema nem os instrumentos são novidades. A novidade é o alvo. Eu não sei as Forças Armadas têm hoje a Rússia e a China como inimigos como no tempo da Guerra Fria. Está tudo muito solto, não tem uma doutrina que afirme isso. Há um alinhamento geopolítico com os Estados Unidos que é doutrinário e tem uma longa tradição.

Como é que o campo democrático se posiciona diante desse cenário? Nosso grande problema é a falta de informação. Não temos um nível de informação minimamente razoável para definir nossa ação política nesta conjuntura. Especula-se demais, projeta-se muito mais do que o que realmente existe e, assim, a tendência de erro é gigantesca, como ficou demonstrado nos últimos cinco anos. O que se errou neste período foi uma barbaridade.

Sul21: Vários oficiais que desempenharam funções de comando na missão internacional chefiada pelo Brasil no Haiti assumiram postos no primeiro escalão do governo Bolsonaro. De que maneira, essa experiência no Haiti pode ter afetado a visão dos militares brasileiros sobre a situação interna do Brasil?

Rodrigo Lentz: Desde o nascimento da República, os militares jamais abandonaram o papel de atuar como uma espécie de poder moderador. No Haiti, e em outras missões internacionais, os militares foram chamados a se envolver na política. Os militares começaram a executar os planos dessas missões e a ver problemas que não eram resolvidos pelos civis. A área da segurança pública é um ótimo exemplo disso. Os militares foram chamados pelos civis para se envolver mais neste problema. Chega um ponto que eles se dizem: se os civis não conseguem resolver, nós temos que resolver. Os generais que foram para as missões externas passaram a desempenhar boa parte das funções do Poder Executivo. Eles eram os articuladores políticos e os donos da ordem.

Então, o Haiti foi um ótimo laboratório e eles voltaram para o Brasil com todos os problemas que o país tinha, com um sistema político desacreditado e uma estrutura de financiamento eleitoral falida, estimulando ativismo que está no DNA das forças armadas desde o nascimento da República. Não é à toa que são justamente esses oficiais que estão no governo Bolsonaro. É quem as Forças Armadas têm de melhor para desempenhar essas funções. Não tenho dúvida nenhuma que eles estão estudando e planejando o que devem fazer para os próximos anos. Não é uma entrada pueril. Nós vamos ver os militares na política por um bom tempo. O desafio é como integrá-los na política sem perder a soberania democrática, civil e popular, que está submetida às ruas e não a uma interpretação dos anseios populares definida na doutrina dos militares.

Editoria: Entrevistas, z_Areazero – Palavras-chave: Bolsonaro, Escola Superior de Guerra, Haiti, Lava Jato, Maçonaria, militares, pensamento militar, Rodrigo Lentz

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SOTERRAMENTO, QUEIMADURA E EXPLOSÃO: COMO MORRE O TRABALHADOR NO BRASIL

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Repórter Brasil – Por Piero Locatelli / Ilustrações: Vitor Flynn – Acidentes de trabalho geram morte de um trabalhador a cada 4 horas no país, em parte devido ao descumprimento de normas de segurança. Cenário pode se agravar com mudanças defendidas por Bolsonaro, que quer reduzir tais regras, por considerar que elas acarretam ‘custos absurdos’.

No começo deste ano, o Brasil se deparou com o maior acidente de trabalho de sua história – 270 pessoas morreram ou desapareceram no rompimento de uma barragem de rejeitos de minério da Vale em Brumadinho, Minas Gerais.

Tratado pela empresa e pelo governo como uma exceção, o caso de Brumadinho é, na verdade, só a parte mais visível de um problema maior: ao menos 2.096 trabalhadores morreram em acidentes de trabalho no Brasil em 2017, último ano com dados disponíveis, segundo informações do extinto Ministério da Previdência. Em média, um a cada 4 horas. Ou quase oito tragédias de Brumadinho em apenas um ano.

Por trás desses números, há mortes trágicas que poderiam ter sido evitadas. Com base na Lei de Acesso à Informação, a Repórter Brasil obteve relatórios onde os auditores fiscais do trabalho, ligados ao extinto Ministério do Trabalho (atualmente Ministério da Economia), descrevem em detalhes as causas de mais de 200  acidentes.

São mortes causadas por choques elétricos, desabamentos, afogamentos, explosões, contaminações, queimaduras, sufocamentos e quedas. São mortes que acontecem nas mais diversas profissões, do pedreiro ao agricultor. Mas todas têm algo em comum: o descumprimento das Normas Regulamentadoras do trabalho, as chamadas NRs, que garantem segurança aos trabalhadores.

Simplificar essas regras é uma das prioridades do governo de Jair Bolsonaro, que prometeu diminuir “em 90%” as normas de segurança do trabalho, alegando que “há custos absurdos (para as empresas) em função de uma normatização absolutamente bizantina, anacrônica e hostil”, segundo reportagem do jornal Valor Econômico.

Entre todas as normas, a primeira a ser modificada pelo governo será aquela que regula o funcionamento de máquinas e equipamentos, a NR-12. Não à toa, é também a mais descumprida nos casos dos acidentes fatais, segundo documentos inéditos obtidos pela Repórter Brasil.

Confira abaixo casos de mortes que poderiam ter sido evitadas caso as normas de proteção ao trabalhador tivessem sido cumpridas:

Fábrica de doces no Ceará

Mortes em ambientes de trabalho remetem a atividades pesadas, mas mesmo profissões aparentemente menos perigosas podem ter acidentes fatais quando regras básicas não são cumpridas. Três trabalhadores morreram e outros três ficaram gravemente feridos em uma fábrica de doces em Tabuleiro do Norte, Ceará, após a explosão de uma máquina de caldeira em 6 de agosto de 2015. Dessa máquina, vinha o vapor para cozinhar banana “in natura” e polpas de goiaba e de caju. A máquina, fabricada em 1965, não sofria a manutenção prevista na norma, e sua explosão derrubou o teto do local onde estavam os funcionários.

Construção em Minas Gerais

Um assistente de pedreiro morreu construindo o acesso para ambulâncias em um hospital de Caratinga, Minas Gerais. O trabalhador tentava fazer uma máquina voltar a funcionar quando, sem enxergá-lo, um operador de trator começou a escavar as rochas. O assistente morreu soterrado. Os trabalhadores não sabiam dos riscos que estavam correndo, já que não havia uma descrição de cada tarefa como prevê a NR-12. Não havia também qualquer sinalização e controle de acesso no local de demolição, como preveem outras normas de trabalho.

Olaria no Mato Grosso do Sul

Um pedaço de barro havia feito uma esteira parar de funcionar numa olaria em Brasilândia, no Mato Grosso do Sul. Quando o trabalhador tentou fazer a esteira voltar a funcionar, se desequilibrou e caiu vivo dentro do triturador de barro, morrendo imediatamente. A empresa havia descumprido 23 regras presentes da NR-12, incluindo a falta de uma parada de emergência e o isolamento da máquina.

‘Retrocesso inadmissível’

O governo tem mostrado pressa na simplificação das normas de segurança no trabalho. Não só da NR-12, mas de todas as 37 regras de proteção ao trabalhador. No último mês, o Ministério da Economia revelou um cronograma para discuti-las, o que tem gerado preocupação nos auditores fiscais do trabalho responsáveis pela sua aplicação.

“Em um país onde a cada 49 segundos ocorre um acidente de trabalho, a flexibilização das normas de segurança e saúde representa um retrocesso inadmissível e traz enorme preocupação,” diz uma carta assinada pelos chefes da fiscalização de trabalho de todos os estados do país.

Na carta, eles reclamam da falta de transparência desse processo de revisão das normas e afirmam que essas regras foram responsáveis por evitar, desde a sua vigência, “aproximadamente 8 milhões de acidentes e 46 mil mortes”.

A simplificação dessas normas, e especialmente da NR-12, é uma antiga demanda da principal entidade da indústria no país, a CNI (Confederação Nacional da Indústria). As reduções nessas regras estão na “pauta mínima” da agenda legislativa da entidade, que é extremamente crítica a sua atual redação. Segundo esse documento, “as normas são produzidas a partir de premissas equivocadas sobre a relação entre empregados e empregadores, com fundamentos técnicos contaminados ideologicamente, que se preocupam unicamente em impor obrigações para as empresas, sem qualquer preocupação com o impacto que a regulação do trabalho sobre a evolução de custos, a produtividade e até mesmo sobre a garantia de novos direitos e interesses dos trabalhadores”.

Até agora, essas normas eram elaboradas em comissões formadas por trabalhadores, empregadores e o governo, as chamadas comissões tripartites. Uma nova redação para a NR-12 havia sido, inclusive, aprovada por unanimidade neste ano pelas três categorias, em uma negociação que já vinha acontecendo desde a posse de Bolsonaro. Auditores fiscais do trabalho afirmaram à reportagem que a nova norma aprovada pela comissão simplifica a sua redação sem comprometer a segurança do trabalhador, mesma posição defendida pelo Ministério Público do Trabalho.

Segundo o procurador Leonardo Osório Mendonça, coordenador nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho (Codemat) do Ministério Público do Trabalho, essa versão simplifica a norma sem colocar em risco a saúde dos trabalhadores. “A NR-12 [na versão da comissão] continua sendo uma boa norma, protetiva, importante para a prevenção de acidentes de trabalho. Essa nova redação nem de longe tem o perfil de 90% da redução das normas de segurança [como havia prometido o governo]. Fizeram mudanças principalmente na redação, além dos anexos que não descaracterizam a norma,” diz o procurador.

O governo, porém, ainda precisa publicar o texto aprovado pela comissão, e não há nenhuma garantia do que ele fará isso. Auditores fiscais que conversaram com a reportagem temem que o governo descumpra o que foi discutido na comissão e que o texto aprovado seja distante do sugerido por ela, o que pode acabar causando mais mortes e acidentes.

Repórter Brasil procurou o Ministério da Economia para saber qual texto seria usado pelo ministério, mas não teve nenhuma resposta. A Fundacentro, instituição ligada ao ministério responsável por pesquisas e estudos sobre segurança do trabalho, não quis se pronunciar. A CNI também foi procurada, mas disse que não tinha um porta-voz disponível para conversar com a reportagem.

O FIM DOS BEATLES: COMO CAPRICHOS E RAIVA DESTRUÍRAM A MAIOR BANDA DE TODOS OS TEMPOS

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Os bastidores da saga dos Beatles – e as forças que esfacelaram a maior banda de todos os tempos

O FIM DOS BEATLES: COMO CAPRICHOS E RAIVA DESTRUÍRAM A MAIOR BANDA DE TODOS OS TEMPOS

MIKAL GILMORE, ROLLING STONE EUA* PUBLICADO EM 28/06/2019, ÀS 22H00 – Era um dia frio, em janeiro de 1969, e os Beatles estavam sentados em um grande (e ainda mais gelado) estúdio no Twickenham Film Studios, em Londres, acompanhados das piores pessoas com quem poderiam estar: os próprios Beatles.

A banda havia passado dias tentando escrever e ensaiar novo material para um show ao vivo já pré-agendado – o primeiro desde agosto de 1966 – mas as coisas não iam bem. O único entre eles a demonstrar algum tipo de senso de urgência era Paul McCartney.

“Não sei por que qualquer um de vocês se envolveu nisso se não há interesse”, disse aos outros Beatles. “Para quê? Não pode ser que seja pelo dinheiro. Por que vocês estão aqui? Eu estou porque quero fazer um show, mas não vejo nenhum tipo de apoio.”

Paul olhou para seus companheiros de banda, seus amigos de longa data – John LennonGeorge Harrison e Ringo Starr – e os olhares que recebeu de volta não tinham expressão alguma.

“Há duas opções: fazemos ou não fazemos; e eu quero uma decisão”, disse ele instantes depois. “Porque não estou nem um pouco interessado em perder a porra do meu tempo aqui, de bobeira, enquanto todo mundo tenta resolver o que quer fazer.”

Paul esperou, mas não teve resposta. De novo, os mesmos olhares vazios. E esse estava longe de ser o pior momento pelo qual o grupo viria a passar naquele período. Em seus últimos momentos de vida, os Beatles protagonizaram uma das mais misteriosas e complicadas histórias de fim de romance do século 20. E também a mais triste delas.

O começo do fim

Os Beatles não fizeram apenas música – eles influenciaram sua época com o mesmo peso de qualquer força política e com resultados mais benéficos que a maior parte delas. Por que, então, os Beatles se separaram? Muitos culpam as maquinações de Yoko Ono, lendária paixão de John Lennon, e a maléfica malícia de Allen Klein, então empresário da banda, queridinho de Lennon e desafeto de McCartney. Mas não era tão simples.

“Não acho que alguém seria capaz de abalar quatro pessoas fortes como eles”, declarou Yokomais tarde, “mesmo que tentasse. Acredito que outra coisa aconteceu. Tenho certeza de que não foi nenhuma força externa”.

De fato, as verdadeiras causas estavam mais próximas. Os quatro estavam juntos havia tempo, fazendo parte de uma história tão cheia de mágoas quanto de grandeza.

Aquelas sessões de gravação – para o que viria a ser o filme e o disco Let It Be – começaram inspiradas, mas havia muita coisa errada acontecendo quando McCartney finalmente fez seu apelo.

Ruído entre a maior parceria da música pop

Desde o ano anterior, o sentido de parceria da banda vinha se desgastando. A longa amizade de John e Paul, em particular, passava por mudanças radicais. Lennon, fundador da banda, tinha, de certa forma, aberto mão da liderança do grupo; mais que isso, começava a sentir que não queria mais ficar confinado nos limites dos BeatlesMcCartney, por sua vez, amava o grupo profundamente – era sua razão de viver.

Esses dois homens haviam sido a força motriz da banda – era deles a melhor parceria da história da música pop – mas, no fundo, a aventura dos Beatles era forjada pelo temperamento e pelas necessidades de Lennon: ele tinha formado a banda para diminuir a ansiedade e a dor depois que sua mãe, Julia, cedeu sua custódia para a irmã dela, ao mesmo tempo que o pai também se afastava de sua vida.

John de 16 anos encontrou o Paul de 15 no verão de 1957, enquanto tocava com sua banda, The Quarrymen, em uma igreja próxima a Liverpool, e se impressionou com a facilidade de Paul ao tocar as músicas de Eddie Cochran e Gene Vincent.

Tão importante quanto a afinidade musical, os dois também tinham em comum a dor da perda: a mãe de McCartney, Mary, morreu de câncer em outubro de 1956, enquanto a de Lennon sucumbiu após ser atropelada em julho de 1958. Trabalhando juntos, John e Paul encontraram um novo sentido para suas vidas.

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Por um bom tempo, os dois compuseram juntos, e, mesmo depois de começarem a escrever separadamente, um ainda contava com o outro para ajudar a aprimorar e concluir suas canções. Apesar disso, os dois tinham abordagens bem diferentes ao fazer música. McCartney era organizado, meticuloso e valorizava a habilidade; Lennon tinha poucas regras, era menos propenso a passar muito tempo em cima de uma única canção e, apesar da aparente autoconfiança, era menos seguro a respeito do próprio trabalho.

O contraste tornou-se mais nítido com os anos. Paul passou a compor mais narrativas sobre o homem comum e canções de celebração; John compunha a partir de um ponto de vista que ele achava mais autêntico, pessoal e atormentado. “Paul dizia ‘Come and see the show’ (‘Venha ver o show’)”, declarou Lennon. “Eu dizia ‘I read the news today, oh boy’ (‘Li as notícias de hoje, oh cara’).”

Como Lennon e McCartney dominavam tanto a composição quanto os vocais dos Beatles, eles, na prática, lideravam a banda – embora Lennon sempre tenha desfrutado de uma posição implícita de autoridade maior.

Mesmo assim, os Beatles seguiam a política de um voto por cada integrante, algo que teve papel significativo em 1966, quando após anos de turnês, JohnGeorge e Ringo persuadiram Paul a aceitar a ideia de que eles deveriam parar de se apresentar ao vivo.

A banda deixou de se apresentar ao vivo

Durante três meses, cada um seguiu um caminho distinto. Quando isso aconteceu, John ficou preocupado: “Pensei: ‘Bem, na verdade esse deve ser o fim. Não há mais turnês. Isso quer dizer que haverá um espaço vazio no futuro’ Foi então que comecei a pensar na possibilidade de uma vida sem os Beatles. E a partir daí foi plantada a semente da ideia de que eu de algum modo devia sair sem ser expulso pelos outros. Mas nunca consegui sair sozinho, porque era assustador demais”.

Pouco tempo depois, a banda se reuniu, dessa vez para seu trabalho mais marcante, o discoSgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band – mas foi também nessa época que os assuntos internos dos Beatles se tornaram estranhamente complexos, até mesmo obscuros. O conceito do álbum tinha sido ideia de McCartney, mas foi Lennon o responsável pela melhor canção do disco, “A Day in the Life”.

Mesmo assim, ele se referiu mais tarde às suas contribuições como reflexos velados do desespero: “Eu estava muito deprimido durante [as gravações de] Pepper, e sei que o Paul não estava. Ele estava se sentindo cheio de confiança. Eu estava na pior”.

De certa forma, era assim que Lennon funcionava – suas crises faziam com que ele subisse ou descesse – mas naquele momento estava passando por uma fase de mudanças importantes. John acreditava estar acorrentado a uma vida doméstica entediante e sem amor – aliás, sem amor da parte dele, já que sua esposa, Cynthia, o amava profundamente – e se sentia muito distante de Paul, um homem famoso e livre, vivendo em Londres, participando dos eventos culturais e tendo contato com uma vasta gama de arte de vanguarda.

Se Lennon não externou uma vida desse tipo, ele com certeza a viveu por dentro, tomando LSD diariamente, até chegar ao ponto em que alguns passaram a se preocupar com a hipótese de que ele pudesse estar apagando sua própria identidade. George Harrison disse posteriormente: “Assim como a psiquiatria, o ácido pode desfazer muita coisa – dava para ver o quão poderoso era. Mas acho que não percebemos o quanto John estava ferrado”.

A morte do empresário Brian Epstein

Em agosto de 1967, a liderança dos Beatles mudou de uma forma mais clara quando o empresário Brian Epstein foi encontrado morto, vítima de uma overdose acidental. Epstein passava por uma crise depressiva, mas continuava dedicado à banda. Muitos acreditavam que era ele quem os mantinha centrados e protegidos.

“Ali, eu soube que estávamos ferrados”, declarou Lennon. “Eu não tinha ilusão a respeito de nossa incapacidade em fazer outra coisa que não fosse tocar, e fiquei assustado. Pensei: ‘Fodeu’.” Paul, por outro lado, não tinha a mesma opinião.

Dias após a morte de Epstein, ele convenceu os outros a embarcarem em um novo projeto, o fantasioso Magical Mystery Tour. A banda passou meses filmando pirações visuais e gravando faixas que acompanhassem as cenas. Apesar de ser um esforço colaborativo e espontâneo feito pelos quatro, não havia dúvidas de que se tratava de uma criação de McCartney. O filme foi bombardeado pelos críticos. Dizem que John ficou, de certa forma, satisfeito em ver Paultropeçar pelo menos uma vez.

Em fevereiro de 1968, os Beatles foram estudar Meditação Transcendental no retiro de Maharishi Mahesh Yogi em Rishikesh, na Índia. A viagem foi, em parte, o resultado dos esforços de Harrison em ganhar mais influência na direção da banda – ele foi o primeiro dos Beatles a se interessar por música e filosofia indianas – embora, de cara, todos tenham sentido a necessidade de reavaliar o propósito do sucesso da banda.

“Acho que estávamos meio exaustos espiritualmente”, disse Paul. “Éramos os Beatles, o que era maravilhoso Mas acho que havia aquele sentimento de ‘É ótimo ser famoso, é incrível ser rico – mas qual o sentido disso?'” Entretanto, o incômodo logo se estabeleceu. Quando Harrison começou a achar que Lennon e McCartney poderiam estar usando o retiro como inspiração para compor, ele se indispôs. “Não estamos aqui para falar de música”, reclamou. “Estamos aqui para meditar!”

Ringo Starr e sua esposa, Maureen, desistiram duas semanas depois de chegarem (Starr, que tinha problemas estomacais, não aguentou a comida local) e McCartney, acompanhado da namorada, a atriz Jane Asher, foi embora duas semanas depois.

Harrison e Lennon ficaram até que o segundo percebesse que não estava chegando mais perto de resolver os problemas que atormentavam seu coração – a necessidade de reavaliar tanto seu casamento quanto sua carreira.

Após ouvir um boato de que Maharishi havia feito insinuações sexuais sobre uma jovem no retiro, John se irritou e exigiu que ele e George abandonassem o lugar.

John Lennon deixou Cynthia e se juntou a Yoko Ono

Alguma coisa naquela experiência transformou Lennon de um modo que ninguém conseguiu entender naquela época; depois da Índia, ele parecia estar sempre irritado. A verdade é que ele estava desesperado; a única arma que tinha para se salvar era sua arte, e mesmo ela não servia de alívio. “Estava meditando cerca de oito horas por dia e, mesmo assim, escrevia as músicas mais deprimentes da face da Terra”, contou, tempos depois.

De volta a Londres, Lennon abandonou Cynthia para mergulhar em uma relação séria com Yoko Ono, que ele havia conhecido em novembro de 1966. Embora Yoko seja geralmente descrita como uma mulher ambiciosa que perseguia John obstinadamente, ela também teve sua parcela de dor e decepção durante os tempos difíceis que viriam, perdendo contato com sua filha, Kyoko, e deixando de lado sua promissora carreira artística por causa de Lennon.

Como ela mesma contou mais tarde, “Sacrifiquei tudo por este homem”. A imprensa e os fãs a ridicularizavam: era chamada de “japa”, “china” e “amarela”, e Lennon às vezes precisava protegê-la de agressões físicas.

Esse julgamento alimentou a raiva de Lennon, mas pareceu pequeno quando comparado ao que aconteceu quando ele levou Yoko ao “mundo” dos Beatles. O grupo raramente permitia que convidados aparecessem no estúdio, e nunca tolerou que ninguém – além do produtor George Martin ou talvez um engenheiro de som, como Geoff Emerick – desse opiniões sobre um trabalho ainda em produção (certa vez, Epstein tentou dar sugestões para uma gravação e Lennon o humilhou de forma tão intensa que o empresário saiu chorando).

Mas Lennon não levou Yoko como convidada; levou-a como colaboradora. Em maio de 1968, quando os Beatles começaram a produção de seu primeiro disco desde Sgt. Pepper, ela ficava sentada com John no chão do estúdio; conversava com ele ao pé do ouvido e o acompanhava toda vez que ele saía da sala.

Na primeira vez em que ela falou no estúdio, dando conselhos sobre o vocal de John, o silêncio imperou. Paul disse: “Caralho! Alguém falou alguma coisa? Você falou, George? Seus lábios nem se mexeram!”

Lennon não era o tipo de pessoa que recuava. “Ele queria que eu fizesse parte do grupo”, contou Yoko depois. “John fundou a banda, por isso achava que os outros tinham de aceitar. Eu não fazia questão de fazer parte.”

Em vez disso, ela gravou seus próprios discos com Lennon, como o famoso Two Virgins – um álbum de música eletrônica experimental, contendo fotos do casal nu. Embora alguns achassem as colaborações de Lennon e Yoko indulgentes ou ridículas, McCartney percebeu que ela deixava Lennon mais confiante.

“Na verdade, ela queria sempre mais”, contou. “Faça mais coisas, faça o dobro, ouse mais, tire suas roupas. Ela sempre o persuadia a tentar coisas novas, e ele gostava. Ninguém nunca tinha feito isso com ele.” Mas McCartney provavelmente também entendia o verdadeiro significado de um disco como Two VirginsJohn Lennon tinha uma vontade irrefreável, uma força que poderia salvar ou destruir sua vida – e os Beatles – se não fosse controlada.

Quando o grupo percebeu que John e Yoko estavam usando heroína, nenhum deles soube o que fazer a respeito. “Foi um grande choque para nós”, disse Paul, “porque achávamos que éramos caras avançados para a época, mas meio que acabamos subentendendo que nunca iríamos tão longe assim.”

Álbum Branco mostrou o potencial individual dos Beatles

A nova parceria de Lennon com Ono significava que ele e McCartney raramente voltariam a compor juntos. Mesmo assim, enquanto a banda começava a produção de seu único álbum duplo, The Beatles (mais conhecido como Álbum Branco), os estilos vocais e de composição dos dois estavam mais fortes e variados do que nunca. O que era uma produção esporádica e inconsistente em 1967, agora vinha com força total – a criatividade de Lennon parecia revivida graças à relação dele com Yoko (músicas como “Dear Prudence”, “Julia”, “Happiness Is a Warm Gun” e “Revolution” estavam claramente entre os melhores trabalhos dele).

Harrison também havia florescido – até Ringo estava compondo -, mas nenhum estava disposto a deixar que os outros obscurecessem ou direcionassem seus esforços. Os quatro tinham tanto material para gravar – e tanta ojeriza um pelo outro – que chegaram a gravar em três estúdios diferentes, até doze horas por dia.

Cada um tratava os restantes como se fossem seus músicos de apoio – o que gerava performances espetaculares e momentos explosivos: Lennon abandonando o estúdio irritado com o tédio ao gravar “Ob-La-Di, Ob-La-Da”, de McCartneyRingo saindo da banda por quase duas semanas, após Paul ter criticado a bateria de “Back in the U.S.S.R.”; Harrison trazendo seu amigo guitarrista, Eric Clapton, só para ouvir merecidos elogios por “While My Guitar Gently Weeps”; McCartney dando uma bronca agressiva no produtor George Martin na frente da banda; e o engenheiro Geoff Emerick se demitindo por conta do comportamento ofensivo e turbulento do grupo.

Quando ficou pronto, o Álbum Branco foi considerado uma obra-prima desconjuntada, o som de uma banda no auge de sua forma, mas sem esperança alguma. Anos depois, Paul se referiria ao disco como “O Álbum Tenso”.

A desastrosa gravadora Apple

Nesse meio-tempo, os Beatles lançaram uma gravadora, a Apple. Na verdade, a Applecomeçou como um investimento, mas aos poucos se tornou algo mais: uma corporação que tinha divisões nos ramos do cinema, artigos eletrônicos, imobiliário, educacional, editorial e da música – e, mais interessante, era também um experimento socialista.

“Estamos na feliz posição de não precisar de mais dinheiro”, declarou Paul em maio de 1968. Na prática, a principal diretiva da companhia era cultivar novos talentos. A Apple de fato descobriu ou auxiliou músicos de valor – incluindo James TaylorBadfingerMary HopkinJackie LomaxBilly PrestonDoris Troy (o selo também quase assinou com os Rolling Stones, Bob Dylan e Queen), mas, uma vez que os próprios Beatles não eram exatamente artistas da Apple, a gravadora não recebia os benefícios completos do que eles lucravam.

Foi determinado que a estreia do selo seria em 11 de agosto de 1968, com quatro singles lançados naquele mesmo dia, incluindo “Those Were the Days”, de Mary Hopkin, e “Hey Jude”, dos BeatlesMcCartney tinha escrito a música como um hino dedicado ao filho de Lennon, Julian, por conta da separação de seus pais, mas a canção adquiriu outros significados também.

Paul havia se separado de sua namorada de longa data, Jane Asher, depois que ela o flagrou com outra, e ele agora ingressava em uma relação séria com a fotógrafa Linda Eastman, a quem conhecia desde 1967; para Paul, a música se tornou um hino de fé no amor, sobre correr riscos.

Lennon encarou “Hey Jude” como uma bênção de seu parceiro: “Na frase ‘go out and get her’ [vá lá e pegue-a], subconscientemente Paul estava dizendo: ‘Vá em frente, me deixe’. Em um nível consciente, ele não queria que eu fosse em frente”, John declarou, em uma entrevista pouco tempo antes de sua morte.

“O anjo dentro dele estava dizendo: ‘Deus o abençoe’. Já o demônio dentro dele não gostava de nada daquilo, porque não queria perder o parceiro.” E aí os Beatles tocaram “Hey Jude” no programa Frost on Sunday em setembro de 1968 – a primeira apresentação ao vivo deles em dois anos.

E conforme o público se juntava à banda cantando a última parte da música, “Hey Jude” tornou-se a expressão de algo maior, do que eles significavam em termos de união para o mundo lá fora.

A vontade de voltar aos palcos

Inspirados por esse momento, os Beatles perceberam que tinham vontade de voltar a fazer shows – Lennon parecia empolgado com a ideia – e marcaram uma série de datas para janeiro, na Roundhouse londrina, palco de vários dos mais extravagantes shows de rock alternativo no verão de 1967.

Também decidiram filmar os ensaios para o evento, a fim de exibi-lo na TV. Para isso, convidaram Michael Lindsay-Hogg, que já havia feito os vídeos de “Rain” e “Paperback Writer” com a banda, para ser o diretor.

Havia algo a mais na ideia: os Beatles viam a ocasião como uma oportunidade para descartar as técnicas que haviam atingido seu ápice em Sgt. Pepper (desde o sucesso do disco, Lennonprocurava um jeito de desaprovar o trabalho, já que o via como algo fútil, arquitetado por McCartney).

Essa nova música anunciaria o retorno ao formato mais simples que havia inspirado o amor deles pelo rock. A música feita pela The Band, banda que acompanhava Bob Dylan vez ou outra, tinha grande influência no que os Beatles queriam fazer.

Harrison tinha passado um tempo com Dylan e o grupo em Woodstock e voltou chapado com a espontaneidade e o espírito de coletividade que eles haviam alcançado nas gravações conhecidas como The Basement Tapes.

A versão crua dos Beatles

Em busca daquele mesmo espírito, Lennon teria dito a George Martin: “Não quero nada dessas suas merdas de produção. Queremos um álbum honesto nada de edição, overdubbing. Vamos gravar, e o que sair, saiu”.

Anos mais tarde, o repúdio de Lennon ainda incomodava Martin. “Eu achava que todos os álbuns deles haviam sido honestos”, comentou o produtor em The Beatles – A Biografia, livro de Bob Spitz.

McCartney trouxe um segundo produtor, Glyn Johns, o que foi um consolo a Martin: para alcançar o tipo de performance natural que os Beatles queriam, eram necessários ensaios infinitos para que as músicas pudessem ser gravadas em uma única tentativa.

Martin achava os ensaios tão entediantes que raramente comparecia. De cara, problemas atormentaram o projeto. Como a banda queria filmar os ensaios – que ficariam conhecidos posteriormente como “as sessões de ‘Get Back'”, nome original da ideia que seria lançada como Let It Be – a banda teve de se estabelecer no Twickenham Film Studios, o que significava que tinham de obedecer aos horários de trabalho determinados pelo sindicato (das 9h às 17h), que de maneira alguma coincidiam com o horário de trabalho dos Beatles.

Nada disso teria sido tão ruim se eles tivessem conseguido manter o entusiasmo, mas na manhã de 2 de janeiro de 1969, quando os ensaios começaram, ninguém além de Paul parecia se lembrar do motivo de eles estarem lá. Embora as sessões tenham sido surpreendentemente produtivas – os Beatles tocaram 52 músicas novas naquele mês, muitas das quais acabariam entrando em Abbey Road ou ficando entre o melhor material dos álbuns solo dos membros da banda -, toda a mágoa acumulada viria à tona.

As mágoas começam a aparecer

Paul tentava manter os outros no rumo certo, mas essa era uma tarefa ingrata. Seus companheiros achavam seus esforços ofensivos e condescendentes. Para eles, tudo aquilo havia se tornado apenas outro projeto de Paul McCartney, com o baixista e vocalista dizendo a todos quais notas (e em que tempo) deveriam tocar – e chegando até a orientar o trabalho do diretor.

Paul queria que trabalhássemos o tempo todo”, relatou Ringo, “porque ele é viciado em trabalho”. George Martin sentia que McCartney não tinha outra opção.

Paul era mandão, e os outros caras detestavam”, diz ele. “Mas era o único jeito de mantê-los juntos era um processo de desintegração generalizado.” Há uma cena famosa no filme Let It Be na qual Paul se preocupa com o fato de seus palpites musicais estarem irritando Georgemais do que deveriam, e o guitarrista responde que tocaria o que Paul quisesse, mesmo que isso significasse não tocar nada.

“Você não me aborrece mais”, diz Harrison, visivelmente aborrecido A cena representa o X do problema nos ensaios: McCartney era exigente e insensível demais, e Harrison se cansou daquilo tudo.

Claro, as reclamações e preocupações de George eram legítimas. Há tempos ele havia sido relegado à posição de coadjuvante por Lennon e McCartney. Mas ele estava perturbado com outras coisas. A ideia de shows ao vivo o desagradava – e quanto mais a data se aproximava, maior era a intensidade de seus protestos.

Àquela altura, a data marcada para os shows na Roundhouse já havia caído pelo caminho, e, quando o diretor Lindsay-Hogg sugeriu um cenário mais exótico ou maior para as apresentações – como um anfiteatro de Roma, por exemplo -, Harrison explodiu: “Ia ser muita sorte se conseguíssemos botar meia dúzia de imbecis lá dentro”, disse.

As piores tensões, porém, ocorreram entre George e John. Depois de ser deixado de lado por anos, Harrison achava que Yoko tinha uma voz de maior peso que a dele nas decisões da banda. Pior que isso, o casal estava praticando o que era conhecido como “percepção elevada” – baseada na crença de que a comunicação verbal era desnecessária entre pessoas “em sintonia” com as grandes verdades do universo.

Seu efeito prático era o de cessar qualquer interação prática ou significativa. Quando assuntos cruciais eram levantados, John não dizia nada, concordando com o que quer que Yoko achasse. McCartney terminou desenvolvendo certa tranquilidade sobre o assunto. Havia apenas duas opções: opor-se a Yoko e fazer com que os Beatles voltassem a ter quatro membros ou aceitá-la. Ele preferiu a segunda, porque não queria perder John.

Além disso, como chegou a declarar, não se sentia à vontade para exigir que John deixasse Yoko em casa. Ainda assim, Paul se incomodava quando Yoko se referia aos Beatles sem usar o artigo “os” – como em “Beatles isso, Beatles aquilo”. Paul tentava corrigi-la – “Na verdade, se diz os Beatles, querida” – mas sem sucesso.

George Harrison enfrenta John Lennon

Por fim, Harrison atingiu seu limite. Em 10 de janeiro, ele e Lennon começaram uma briga que teria chegado às vias de fato, apesar de negarem o ocorrido (já George Martin declarou ao biógrafo Phillip Norman que a discussão chegou ao nível físico, “com todo mundo se acalmando depois”).

O confronto foi um dos poucos que Lindsay-Hogg não capturou para a posteridade. Mas ele filmou George aparentemente saindo dos Beatles. “Estou fora”, disse, guardando a guitarra. “Ponham um anúncio e vejam se conseguem chamar alguém. A gente se vê por aí.”

Paul e Ringo ficaram chocados, mas John não se abateu e começou a tocar uma versão de “A Quick One, While He’s Away”, do The Who, tirando um barato da angústia de George. Naquele mesmo dia, Yoko sentou-se no lugar de George, pegou o microfone e começou a cantar um blues ininteligível, enquanto os outros a acompanhavam, sem saber o que fazer, com medo de que Lennon se irritasse e também partisse (curiosamente se trata de uma performance memorável). No mesmo dia, Lennon sugeriu que recrutassem EricClapton para substituir Harrison: “A questão é, queremos continuar a banda sem George? Eu com certeza quero.”

Em 12 de janeiro, os quatro Beatles se reuniram na casa de Ringo para tentar resolver suas diferenças. Mas, quando Yoko insistiu em falar por JohnGeorge foi embora de novo. Os Beatles chegaram a um acordo, dias depois, mas Harrison impôs limites rígidos: nada de shows grandes e nada de voltar a trabalhar nos estúdios Twickenham.

Yoko, entretanto, continuaria participando de todos os ensaios, ao lado de John. “Yoko só quer ser aceita”, disse Lennon. “Ela quer ser uma de nós.” Quando Ringo respondeu “Ela não é um Beatle, John, e nunca vai ser”, Lennon bateu o pé. “Yoko é parte de mim agora. Somos John e Yoko, estamos juntos.”

Quase duas semanas depois da saída de George, os Beatles voltaram a tocar, dessa vez em um estúdio improvisado no porão da sede da Apple. Harrison trouxe então o organista BillyPreston, que eles haviam conhecido em Hamburgo (Alemanha) em 1962.

Preston participou dos ensaios e sua habilidade no improviso trouxe a dignidade que eles tanto precisavam. Lennon achou a presença de Preston tão revitalizante que quis transformá-lo em membro fixo, um quinto Beatle. A resposta de Paul foi taxativa: “Já é ruim o suficiente com quatro”.

O prazo do projeto estava terminando. Ringo já estava comprometido com o filme Um Beatle no Paraíso, que começaria a ser filmado em questão de dias, e ao fim de janeiro já estava bem claro que não havia tempo para planejar um show, onde quer que fosse.

Ainda assim, os Beatles e o diretor Lindsay-Hogg queriam um final para o filme e, em 29 de janeiro, alguém – uns dizem que foi Ringo, outros dizem que foi Paul ou até Lindsay-Hogg – sugeriu que o show fosse feito na tarde do dia seguinte, no telhado do escritório da Apple.

O icônico último show

Na hora marcada, esperando na escada que dava para o telhado, George e Ringo de repente não tinham mais certeza se estavam a fim de embarcar, mas, no último instante, Lennondisse: “Ah, foda-se, vamos fazer” e os Beatles, acompanhados por Preston, subiram no palco improvisado.

Foi o primeiro show dos Beatles desde agosto de 1966 – e o último. Também foi o melhor, o que diz muito sobre o poder coletivo da afinidade musical e do carisma que os quatro cultivaram, e que nem suas desavenças mútuas seriam capazes de apagar.

Enquanto tocavam (por quase uma hora), triunfando graças a seus instintos incomparáveis, John e Paul trocando sorrisos a cada bom momento ou deslize, a verdade sobre eles ficou clara: os Beatles eram uma família com uma história em comum, com uma linguagem particular que nenhum deles jamais esqueceria. Aqueles momentos, no entanto, não seriam suficientes para evitar o que estava para acontecer – ou o que já havia acontecido, duas noites antes.

Oficialmente, a briga anterior de George e John começou com uma observação que o segundo fez em 10 de janeiro para um jornal, dizendo que se a Apple continuasse perdendo dinheiro, ele – e por consequência, os Beatles – estaria falido até o meio do ano.

Talvez tenha sido um exagero, mas era verdade que a Apple estava fora de controle, e tanto Harrison quanto McCartney não gostavam da ideia de Lennon espalhando a notícia. Como resultado das contratações de artistas, a compra do prédio na Savile Row e o pagamento de altos salários para amigos e executivos, as contas da Apple extrapolaram.

Como todos os BeatlesMcCartney era diretor da Apple, mas era também o único a se envolver diariamente com os negócios durante o primeiro (e crucial) ano do empreendimento (Harrison sempre o primeiro a se cansar de tudo, contou a alguns confidentes que odiava a Apple e suas “salas cheias de lunáticos e de todo o tipo de aproveitadores”).

Naqueles primeiros meses, Paul tentou controlar a situação da companhia, mas esbarrou na resistência dos outros Beatles; eles não tinham noção alguma de economia, uma vez que se preocupavam apenas em gastar e deixar as contas para que a Apple pagasse.

Paul os alertou, mas foi rebatido pela visão de que preocupações financeiras eram algo ultrapassado. “Era como se eu tivesse assumido uma postura de traidor”, contou. “Era algo totalmente não comunista… e tudo o que eu dizia soava errado.” McCartney tentou avisar a Lennon que ele, em particular, estava gastando demais. “Eu disse: ‘Olha, John, sei que estou certo’. E ele disse: ‘Claro que está! Você sempre está certo, não está?'”

“Suas finanças estão uma zona”

O assunto atingiu o ponto crítico quando um contador se demitiu, deixando apenas um memorando bem direto: “Suas finanças pessoais estão uma zona”. Depois disso, tanto Johnquanto Paul concluíram que a Apple precisava de uma mão firme para conduzi-la – talvez fosse hora de contratar um novo diretor.

Falaram com vários financistas e consultores, e McCartney logo decidiu qual seria a melhor e mais próxima opção: o pai de Linda EastmanLee, e seu irmão, John, eram advogados especializados em representações artísticas.

McCartney achava que os Eastman poderiam administrar a Apple e salvar a fortuna da banda, mas os outros ficaram reticentes. Os três achavam que Paul já tinha influência demais no destino do grupo e não queriam pessoas tão próximas a ele supervisionando os negócios. John, em particular, acreditava que não podia deixar tanto poder concentrado na mão do parceiro.

Durante anos, o advogado nova-iorquino AllenKlein procurou um meio de trabalhar com os Beatles. Homem rude e astuto, Klein era conhecido por ter resgatado os direitos de vários artistas. Mas também tinha a reputação de usar de táticas antiéticas e estava sob investigação do departamento fiscal norte-americano.

Ainda assim, queria os Beatles mais do que tudo. Ele já havia se oferecido para BrianEpstein, dizendo que podia aumentar a fortuna da banda, mas ele não quis sequer apertar sua mão.

Após ler os comentários de Lennon sobre o risco de falência dos BeatlesKlein conseguiu persuadir um relutante PeterBrown, um dos diretores da Apple, a marcar um encontro com Lennon.

Em 28 de janeiro de 1969, dois dias antes do show no telhado, Klein encontrou-se com John e Yoko em um hotel em Londres, e encantou ambos. Ele conhecia a música dos Beatles profundamente, e sabia como agradar a Lennon: elogiando suas contribuições em várias canções (a despeito de seu ego enorme, John sentia-se inseguro, e precisava sempre de alguém que validasse seu trabalho) e valorizando a capacidade artística de Yoko.

Tão importante quanto isso, Klein convenceu Lennon de que ambos partilhavam da mesma sensibilidade – eram homens das ruas que haviam vencido em um mundo cheio de dificuldades. No fim, o casal estava ganho: um acordo foi assinado pelas duas partes e Lennon informou a EMI e os Beatles: “Estou me lixando para o que vocês vão querer”, disse Lennon, “Mas eu escolhi Klein“.

Crise se agrava com a escolha do novo empresário

Esse foi o estopim para a morte dos BeatlesMcCartney ainda tentava colocar Lee e JohnEastman como representantes do grupo e marcou um encontro com eles. Mas Kleintransformou a reunião em uma armadilha, provocando e ofendendo LeeEastman, com a ajuda de Yoko.

No fim, Eastman explodiu enfurecido, chamando Klein de “rato”, e abandonou a reunião com Paul. Quanto mais Klein se comportava de maneira inadequada e mais Eastman questionava seu caráter, mais Lennon e Yoko o defendiam como salvador dos Beatles e logo Harrison e Starr concordaram.

“Por sermos todos de Liverpool”, disse George no meio dos anos 90, “preferíamos pessoas que fossem mais do povo. LeeEastman era o tipo de cara preocupado com sua classe social. Uma vez que John ficaria com Klein, era bem mais fácil ficar com ele também”. Embora MickJagger, que não confiava mais em Klein, tivesse tentado convencer os Beatles – “Evitem esse cara”, escreveu em um bilhete para Paul – de nada adiantou.

A discordância veio na pior hora possível. Em questão de meses, os Beatles perderiam a chance de comandar a ex-firma de gerenciamento de BrianEpstein, a NEMS (o que lhes custou uma fortuna), e, mais grave, Lennon e McCartney perderam seus direitos sobre a NorthernSongs, companhia que distribuía as músicas da banda.

McCartney se casou com Linda Eastman em 12 de março de 1969 e Lennon casou-se com Yoko em 20 de março, em Gibraltar. No dia do casamento de PaulGeorge e sua mulher, Pattie, foram detidos por posse de maconha (Lennon e Ono haviam sofrido a mesma acusação meses antes). Klein não havia resolvido nenhum dos problemas financeiros do grupo, apesar de suas promessas, e ainda assim JohnGeorge e Ringo continuavam apoiando-o.

A manobra genial de Paul McCartney

Na tarde de 9 de maio de 1969, durante uma sessão de gravação no Olympic Sound Studios, Klein esperava do lado de fora enquanto Lennon, Harrison e Starr, em seu nome, exigiam que McCartney assinasse um contrato de agenciamento de três anos com o empresário.

Paul não quis. Justificou-se dizendo que os 20% que Klein pedia era muita coisa, mas a verdade é que ele não conseguia encarar a ideia de tê-lo como empresário dos Beatles. Os outros três ficaram furiosos, mas McCartney resistiu. “No meu ponto de vista, eu tinha de salvar a fortuna dos Beatles“, disse. “Eles disseram ‘Vai se foder!’ e foram embora bravos, me largando lá no estúdio.”

Essa era uma batalha entre Lennon e McCartney; eram dois homens acostumados a vencer suas discussões, e ambos se recusavam a perder. McCartney acabou sucumbindo, mas não sem uma carta na manga: quando os Beatles assinaram seus contratos com KleinMcCartneyse recusou a fazer o mesmo.

Klein e os outros não acreditaram que aquilo faria alguma diferença – os três membros concordantes já completavam a maioria do grupo. Mas, naquele momento de dissidência, Paul se saiu com a única manobra genial na lamentável história do fim da banda: por não ter assinado o documento, ele mais tarde seria capaz de convencer a corte de que não estava mais contratualmente obrigado a permanecer com os Beatles e que nunca havia tido qualquer compromisso com Klein.

Na época, Paul já estava desgostoso com a Apple, a companhia que tinha surgido majoritariamente de sua visão. De fato, ele agora odiava aquele lugar e havia parado de frequentar os escritórios. Quando Paul tentava falar com Klein, o empresário dos Beatles se recusava a atender.

Apesar do suplício que haviam sido as sessões de “Get Back”, os Beatles se reuniram para fazer um novo álbum. Um mito criado mais tarde diz que o quarteto sabia que a banda estava terminando e por isso queria lançar um último disco à altura de sua reputação. Mas a verdade é que, a despeito de todos os seus problemas, os Beatles ainda gostavam da música que faziam juntos, mesmo não gostando mais uns dos outros.

Eles já haviam trabalhado intermitentemente desde as gravações de janeiro, tendo produzido “The Ballad of John and Yoko” (só com Lennon e McCartney) e “Old Brown Shoe” (de Harrison, com a banda toda).

Paul convenceu GeorgeMartin a voltar como produtor e também trouxe de volta GeoffEmerick, sob a promessa de que os Beatles se comportariam. Lennon teve de adiar sua presença nas gravações por conta de um acidente de carro envolvendo ele, YokoJulian e Kyoko, em 1º de julho de 1969. Quando Lennon chegou aos estúdios Abbey Road, pediu que fosse instalada uma cama para que sua mulher pudesse descansar e dar palpites. Nenhum dos Beatles ousou protestar.

“Os três estavam meio assustados com ele”, relembrou o engenheiro da EMI, PhilMcDonald. “John era uma figura poderosa, especialmente com Yoko – a força era dobrada.”

Ainda havia desavenças, como quando Lennon invadiu a casa de McCartney, que havia perdido um ensaio, e furiosamente quebrou um quadro que havia dado ao amigo. Em outra ocasião, John queria que as músicas dele e as de Paul ficassem em lados diferentes do vinil.

Fato ainda mais relevante: George finalmente teve sua importância reconhecida quando suas duas contribuições, “Something” e “Here Comes the Sun”, foram elogiadas como parte do melhor gravado pelos Beatles em 1969.

Abbey Road, o ‘último’ disco

O álbum resultante, Abbey Road, tornou-se não só uma amostra arrebatadora da maturidade da banda, mas também uma perspectiva sobre sua própria história, quer seus membros tenham tido essa intenção, quer não.

Lennon mais tarde renunciaria a Abbey Road, dizendo que o álbum foi resultado de “uma malandragem” arquitetada por McCartney “para preservar o mito”, mas era costume de Lennon não apreciar a profundidade de ninguém além de si mesmo.

Paul assistia aos Beatles se esfacelarem e se sentia mal com isso. Ao comentar os últimos segmentos da suíte do disco com BarryMiles no livro Paul McCartney: Many Years From Now, ele disse: “Sou bem-humorado e otimista, mas há certos momentos em que há coisas demais acontecendo e fica impossível me manter positivo. E aquele era um desses momentos. Carregar todo aquele peso por tanto tempo [citação à letra de “Carry That Weight”]: tipo, para sempre! Foi o que eu quis dizer”.

Quando Abbey Road foi lançado, em 26 de setembro, a irmandade dos Beatles já havia terminado. Em 13 de setembro, Lennon e Yoko tocaram no Toronto Rock & Roll Revival, com um grupo de convidados que incluía EricClapton, e a experiência convenceu John de que ele não conseguiria mais conviver dentro do confinamento de sua velha banda.

John Lennon deixa os Beatles

Uma semana mais tarde, durante uma reunião na Apple – com Klein, os Beatles e Yoko -, Paultentou mais uma vez convencer seus companheiros a fazer uma turnê. “Vamos voltar aos velhos tempos, relembrar por que estamos nessa”, ele disse. Lennon respondeu: “Acho que você está doido. Não ia falar nada, mas estou terminando a banda. E me sinto bem. É como um divórcio”.

As pessoas na sala não sabiam se ficavam chocadas ou se encaravam a afirmação como mais um dos surtos de Lennon. Ninguém – incluindo Yoko – sabia que aquilo aconteceria naquele dia.

“Ficamos de queixo caído”, conta McCartney. Pela primeira vez, ele e Klein concordaram em alguma coisa: os dois persuadiram Lennon a segurar qualquer tipo de anúncio por pelo menos alguns meses.

Klein tinha acabado de fechar um negócio que aumentaria substancialmente a porcentagem dos direitos autorais dos Beatles, e ele não queria assustar a EMI com a ideia de que a banda estava se separando.

Além disso, Klein e McCartney acreditavam que Lennon ainda poderia mudar de ideia; oscilar de um extremo ao outro não era algo incomum para John. Mas Yoko pressentia o que viria a acontecer e estava tão infeliz quanto qualquer um deles naquela hora. “Saímos de carro”, diria ela mais tarde a PhillipNorman, “e ele me disse: ‘Chega de Beatles. De agora em diante, somos eu e você. Ok?’ E eu pensei: ‘Meu Deus, esses três caras o mantinham entretido há tanto tempo. Agora sou eu quem vai ter que assumir essa função’.”

Lennon passou a deixar sinais antagônicos nos meses que se seguiram. Em comentários na Rolling Stone e na revista New Musical Express, no começo de 1970, Lennon disse que os Beatles poderiam voltar a gravar ou poderiam participar de um festival de verão no Canadá.

George também havia falado de uma possível turnê dos Beatles. “Seria provavelmente como um renascimento para todos nós”, declarou Lennon. Mas McCartney estava arrasado; a banda – a vida da qual ele havia feito parte desde os 15 anos – tinha sido tirada dele. “John está apaixonado por Yoko“, ele disse ao London Evening Standard, “e ao que parece não está mais apaixonado pelo resto da banda”.

Paul ficou em casa com Linda, sua filha mais velha, Heather, e a mais nova, Mary, e começou a beber de manhã e de tarde. Parou totalmente de compor e passou a explodir de raiva com frequência.

Enterrou-se em uma depressão paralisante, até o dia em que Linda percebeu que não suportava mais. “Aqui estou eu casada com um bêbado que não toma banho”, disse a um amigo, de acordo com Paul McCartney: A Life, de Peter Carlin.

“Você não tem de aguentar isso”, disse ela ao marido. “Você já é um adulto.” No Natal de 1969, McCartney seguiu o conselho da esposa e começou a trabalhar em seu primeiro álbum solo. Ele ligou para Lennon em março de 1970 e o informou que também estava deixando os Beatles. “Ótimo”, respondeu seu parceiro de longa data. “Com você, somos dois a aceitar o fato.”

O fim

Qualquer esperança de reconciliação foi demolida por uma série de tropeços cometidos por LennonKlein e Harrison nos primeiros meses de 1970. Os ensaios e as gravações de janeiro de 1969 já haviam sido editados, e Klein queria um álbum para acompanhar o filme, que agora se chamava Let It Be, título de uma música de Paul (embora Abbey Road tenha sido gravado depois de Let It Be, o álbum já havia sido lançado em setembro de 1969).

GlynJohns havia tentado juntar material para um álbum no ano anterior; Paul concordou, mas John odiou tudo o que ouviu. Ironicamente, o resultado havia chegado bem perto da crueza que Lennon havia originalmente insistido em atingir, e, no início de 1970, Klein queria algo com mais apelo comercial.

Em março, John entregou as fitas de janeiro de 1969 – que descreveu como “o pior monte de merda já gravado” – para o lendário produtor PhilSpector, que havia trabalhado com Lennonno single de “Instant Karma!”, em janeiro (Klein e Spector não queriam GeorgeMartinenvolvido. “Não acho que ele esteja no meu nível”, disse Spector. “Ele é um arranjador e não mais que isso”).

As mudanças que Spector trouxe para Let It Be foram, na melhor das hipóteses, desastrosas, engessando tanto a canção-título quanto a emocionante balada intimista “The Long and Winding Road” com camadas excessivas de orquestra (as modificações que Spector fez em “The Long…” soavam tão radicais que Ringo, que acompanhava o processo, arrastou o produtor pelo braço até a parte de fora do estúdio para repreendê-lo).

No período em que trabalhou, Spector jamais consultou McCartney sobre as mudanças que fazia, o que pode ter sido a intenção de Klein e de Lennon. Depois de ter acesso à nova mixagem, Paul solicitou algumas mudanças, mas Klein disse que era tarde demais (em 2003, Paul e Ringo lançariam uma versão chamada Let It Be Naked, livre dos arranjos de Spector).

A afronta final veio quando KleinHarrison e Lennon determinaram que McCartney não poderia lançar seu álbum de estreia em 17 de abril de 1970, como havia planejado originalmente, atrasando-o para 4 de junho para não atrapalhar o lançamento de Let It Be, previsto para 24 de abril.

Quando John e George enviaram Ringo como emissário para a casa de Paul, com uma carta contendo o comunicado, ele reagiu com uma raiva incomum; antes que a discussão acabasse em pancadaria, Paul expulsou Ringo de sua casa.

Quando o baterista reencontrou os outros, se sentiu mal pelo que haviam feito a Paul – “Ele é nosso amigo”, disse – e pediu que deixassem que McCartney mantivesse a data de lançamento planejada. Harrison e Lennon concordaram, adiando o lançamento do disco dos Beatles para maio, mas ficaram ressentidos com o ex-parceiro.

A autoentrevista de Paul McCartney

O sentimento era mútuo. “Estamos todos falando de paz e amor”, Paul declarou a um jornal na época, “mas na verdade não estamos nos sentindo nem um pouco pacíficos”. Nenhum deles, entretanto, imaginaria o que McCartney acabaria fazendo. “Não podia deixar que John controlasse a situação”, disse, tempos depois. Em abril, quando lançou seu primeiro trabalho solo, McCartney, Paul também liberou uma autoentrevista em que deixava algumas coisas bem claras:

P: Sente falta dos Beatles?

R: Não.

P:Planeja um novo álbum ou single com os Beatles?

R: Não.

Muito antes de John Lennon dizer ao mundo que “O sonho acabou”, Paul McCartney já tinha dado a notícia. Lennon encarou a declaração do parceiro como um ato de usurpação inaceitável.

“Era o que eu queria e deveria ter feito”, disse Lennon. “Fui idiota de não ter feito o que Paulfez, que foi usar o fato para vender discos.” Mas o ressentimento ia mais fundo. Os Beatleseram originalmente a banda de John, e, no fundo, ele achava que o futuro dela dependia dele. “Eu fundei a banda, eu terminei com ela”, disse.

Lennon, ao que parecia, estava bravo com McCartney porque dava-se a entender que era ele quem havia deixado Lennon, e não o contrário. “Acho que era só inveja”, Paul declarou a Barry Miles. Na época, Paul disse a um jornal: “Ringo saiu primeiro, depois George, então John. Eu fui o último a sair! Não fui eu!”

Mas o fim dos Beatles estava apenas entrando em uma nova e estranha fase, que duraria anos. McCartney não queria ter mais ligação alguma com a Apple – não queria que AllenKleintivesse envolvimento com sua música ou direito a parte dos lucros -, mas, quando ligou para Harrison procurando consentimento para abandonar o acordo, George respondeu: “Você vai ficar na porra do selo. Hare Krishna”.

Paul escreveu longas cartas a John, implorando para deixar a empresa dos Beatles, mas Lennon respondia em apenas uma ou duas linhas, sem tomar partido no caso (Klein mais tarde admitiria que ele havia sido pego totalmente desprevenido).

Os outros três deram a mesma resposta no tribunal: não havia necessidade de encerrar o grupo – as coisas não estavam tão ruins e eles ainda podiam fazer música juntos. O único problema era a mania que Paul tinha de querer controlar tudo.

O juiz decidiu que o pedido de dissolução feito por McCartney era válido, mantendo os lucros dos Beatles sob custódia até que todos os detalhes da separação – o divórcio que Lennonqueria – pudessem ser determinados.

Em 1973, o contrato dos Beatles remanescentes com Klein terminou e não foi renovado; eles tinham se cansado do empresário. Logo, GeorgeJohn e Ringo viriam a processá-lo (Lennonadmitiria em uma entrevista que talvez McCartney estivesse certo a respeito de Klein), e, em outro processo relacionado à Apple, Klein seria sentenciado a dois meses de prisão por fraude.

Quando o problema com Klein foi resolvido, Harrison disse que não se importaria em reunir os Beatles. Quando chegou o momento de o quarteto se juntar para assinar o documento de dissolução da parceria, Lennon se recusou a comparecer – ele temia ficar com menos dinheiro do que os outros, e alguém próximo a ele disse que o músico entrou em pânico, porque aquilo significava que os Beatles realmente haviam terminado. Talvez a intenção dele nunca tivesse sido acabar com o grupo, no fim das contas.

Caprichos e raiva acabaram com os Beatles

Apesar disso, foram seus caprichos e raiva que acabaram por destruir a banda. Na mesma reunião em que anunciou sua saída dos Beatles, Lennon também jogou na cara de McCartneyos anos de insegurança e descontentamento que guardava.

Ele sentia que Paul o havia eclipsado desde sempre, levando mais tempo para entender os sons que ele queria no estúdio, ganhando mais a aprovação de GeorgeMartin por fazer músicas de melodias fáceis.

Além disso, Paul tinha simplesmente composto demais, pela avaliação de John. Na época das gravações de Magical Mystery TourLennon disse: “Você já tinha cinco ou seis músicas, então eu pensava: ‘Foda-se, não consigo acompanhar esse ritmo’. Por isso não me importava mais se eu estava dentro ou não. Convenci a mim mesmo disso, e por certo tempo, se você não me convidasse para estar no disco, se vocês não chegassem e dissessem ‘Componha mais porque gostamos do seu trabalho’, eu não iria insistir”.

Mas Lennon completou: “Não havia sentido nenhum em compô-las – eu não tinha forças para compor e ainda tentar incluí-las no disco”.

Foi uma confissão notável. John Lennon – que até Abbey Road e Let It Be havia escrito a maior parte das obras-primas dos Beatles e definido a profundidade do trabalho da banda – não suportava mais dividir seu brilhantismo com PaulMcCartney.

Os Beatles seriam capazes de sobreviver a qualquer tensão que Yoko pudesse ter trazido. Sobreviveram a Klein. Mas os Beatles não conseguiram sobreviver a Lennon. Sua ansiedade era grande demais.

E então os Beatles terminaram. LennonHarrison e Starr tocaram juntos em várias formações no decorrer dos anos, embora raramente tenham gravado com McCartney; uma vez, quando EricClapton casou-se com a ex-esposa de HarrisonPattieBoydPaulGeorge e Ringo tocaram ao vivo por alguns minutos.

Uma vez, John e Paul também tocaram juntos, em 1974, no estúdio de alguém em Los Angeles. E Paul teve papel importante na reconciliação de John e Yoko quando os dois se separaram.

Lennon e McCartney, a dupla de compositores mais importante da história, reatou sua amizade no decorrer dos anos, embora tenham permanecido distantes e circunspectos e nunca tenham voltado a escrever juntos.

Lennon foi assassinado em 1980. PaulGeorge e Ringo voltaram a se reunir como os Beatlesno meio dos anos 90 para tocar em faixas inacabadas de John, lançadas na série AnthologyHarrison morreu de câncer do pulmão em 2001. PaulMcCartney, com a ajuda de Lee e JohnEastman, se tornou o homem mais rico do show business, e LindaMcCartney morreu de câncer de mama em 1998.

Tudo isso lembra uma história de amor? O amor perde todo o seu valor quando tudo termina? Talvez sim, embora finais não apaguem a história; em vez disso, a concluem. A história dos Beatles sempre foi, de certa forma, maior que os próprios Beatles, tanto a banda quanto os indivíduos que a formaram: foi a história de uma época, de uma geração que buscava novas possibilidades.

Foi a história do que acontece quando você encontra essas possibilidades, e o que acontece quando suas melhores esperanças vão por água abaixo. Sim, foi uma história de amor – e o amor quase nunca é uma bênção simples. Porque, por mais que os Beatles possam ter amado o que faziam juntos, o mundo em volta deles os amava ainda mais.

Foi esse amor que, mais do que qualquer outra coisa, exaltou os Beatles e os acorrentou juntos por tanto tempo. Algo que, por fim, nenhum deles conseguiu suportar. JohnLennon, em particular, sentia que precisava acabar com o romance, enquanto PaulMcCartney em especial odiava a ideia de vê-lo despedaçado. E, uma vez que estava feito, estava feito. Tudo o que eles criaram – cada uma das maravilhas – ainda reverbera, mas os corações responsáveis por tudo aquilo também foram responsáveis pelo seu fim, e nunca se recuperaram totalmente da experiência.

“Foi há tanto tempo”, George Harrison declarou anos mais tarde. “Às vezes, me pergunto se eu estava mesmo lá ou se foi tudo um sonho.” Eles estavam lá e foi tudo um sonho. Um sonho que nos elevou, que partiu nossos corações, que ainda perdura e que provavelmente jamais será igualado.


*A reportagem acima sobre o fim dos Beatles foi publicada pela Rolling Stone Brasil em setembro de 2009, na edição 36

 

 

 

 

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#VERIFICAMOS: É FALSO QUE SARGENTO PEGO COM 39 KG DE COCAÍNA É FILIADO AO PT

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Circula pelas redes sociais a “informação” de que o sargento da Aeronáutica Manoel Silva Rodrigues, preso na Espanha sob suspeita de entrar no país com 39 quilos de cocaína, é filiado ao PT. Ele integra o Grupo de Transporte Especial (GTE) da Força Aérea Brasileira (FAB) e viajava em um avião da Presidência. Por meio do projeto de verificação de notícias, usuários do Facebook solicitaram que esse material fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação da Lupa:

“Militar preso da FAB. O militar detido por drogas é filiado ao PT. Pronto! Resolvido o mistério.”

Legenda de post que, até as 12h de 27 de junho de 2019, tinha mais de 3,2 mil compartilhamentos no Facebook

FALSO

A informação analisada pela Lupa é falsa. De acordo com a Constituição, nenhum integrante das Forças Armadas que esteja na ativa pode integrar partidos políticos. Isso aparece no inciso V, parágrafo 3º, do artigo 142: “O militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos”.

Entenda o caso

Lupa também examinou as listas de filiados ao PT em todos os 26 estados e no Distrito Federal, disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para saber se em algum momento Rodrigues esteve ligado à legenda. O nome do sargento não apareceu nas consultas, o que indica que ele nunca foi filiado ao partido.

Uma checagem semelhante foi feita pelo Aos Fatos.

Nota: esta reportagem faz parte do projeto de verificação de notícias no Facebook. Dúvidas sobre o projeto? Entre em contato direto com o Facebook.

Editado por:Nathália Afonso

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‘TINHAM PROBLEMAS’, DIZ FLORDELIS SOBRE FILHO SUSPEITO DE MATAR SEU MARIDO

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‘TINHAM PROBLEMAS’, DIZ FLORDELIS SOBRE FILHO SUSPEITO DE MATAR SEU MARIDO

Revista Veja – Por Monica Weinberg e Jana Sampaio – Em entrevista exclusiva a VEJA, deputada comenta hipóteses levantadas sobre a motivação do crime, como denúncias de que marido a traiu e molestou filhas.

Prestes a completar duas semanas, o assassinato do pastor Anderson do Carmo, no Rio de Janeiro, segue pouco esclarecido. Sua própria mulher, a deputada federal e cantora Flordelis dos Santos Souza, é uma das investigadas, assim como alguns de seus 55 filhos, a maioria adotada.

Em entrevista exclusiva a VEJA, ela volta a se declarar inocente e admite que há motivos para desconfiar de Lucas, o filho de 18 anos que está em prisão temporária. A parlamentar considera estranho o jovem, que não viva com os pais, ter aparecido nas câmeras da rua na noite do crime. Flordelis diz ainda que Lucas e Anderson “tinham problemas”.

“Aos 14 anos, meu filho roubou uns relógios que o irmão colecionava, pôs para vender e nós descobrimos. Como a situação era grave, meu marido bateu nele como corretivo. Hoje está no tráfico.”

Na entrevista, a deputa também comenta algumas das hipóteses levantadas sobre a motivação do crime, como um possível adultério do marido e até uma denúncia de que ele teria molestado filhas. “Pensei por um instante, ‘será que fui casada com um homem que não conhecia?’”, questiona a deputada, que não acredita em nenhuma das conjecturas e ressalta: “Mesmo se ele fosse um monstro, mereceria a prisão, e nunca a morte”. A parlamentar responde, ainda, sobre o sumiço de seu próprio celular e do aparelho do marido – acontecimentos que levantam suspeitas da polícia.

Leia a entrevista completa em VEJA desta semana.

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NOTA DA REDAÇÃO

Um comunicado divulgado pela assessoria da deputada Flordelis dos Santos Souza levanta dúvida sobre o conteúdo desta entrevista no que se refere às declarações dela a respeito do filho Lucas dos Santos, que se encontra preso.

VEJA reitera o que publicou e divulga aqui o áudio.

A HISTÓRIA POR TRÁS DA FOTO QUE FEZ O MUNDO CHORAR NESTA SEMANA

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A HISTÓRIA POR TRÁS DA FOTO QUE FEZ O MUNDO CHORAR NESTA SEMANA

“Já vi muitas imagens de corpos, mas esta me sensibilizou. Você pode ver que o pai colocou a filha dentro da camisa dele para que ela não fosse carregada”, disse a autora da foto

A foto dos corpos sem vida de Óscar e Valeria Martínez afogados nas margens do Rio Grande, na fronteira entre México e Estados Unidos, abalou o mundo nesta semana.

Óscar, de 25 anos, e a filha de apenas 1 ano e 11 meses morreram no último domingo. A imagem dos corpos foi registrada pela jornalista Julia Le Duc e publicada inicialmente no jornal mexicano La Jornada.

A imagem é considerada forte e está publicada no final deste texto.

Óscar e a mulher, Tania Vanessa Ávalos, de 21 anos, decidiram deixar El Salvador no início de abril com a ideia de migrar para os Estados Unidos. O casal teria parentes em Dallas, no Texas, que teriam garantido que conseguiriam emprego por lá.

Sendo assim, Óscar largou o emprego na pizzaria em que trabalhava e foi com a família para o norte. “Implorei para eles não irem, mas ele queria juntar dinheiro para construir uma casa”, disse Rosa Ramírez, mãe de Óscar, à agência de notícias AP.

Segundo Rosa, os três passaram várias semanas no abrigo para migrantes em Tapachula, Chiapas, no sul do México, onde conseguiram um visto humanitário.

Em seguida, foram para o Estado de Tamaulipas, bem na fronteira com os EUA, e ficaram aguardando uma entrevista para pedir asilo político. Frustrados por não conseguirem ser atendidos, decidiram atravessar o rio no último domingo.

“Eles disseram que estavam com medo de como ficaria a situação dos imigrantes com a pressão de Trump”, contou Wendy, irmã de Óscar, ao jornal El Diario de Hoy.

De acordo com o relato de Vanessa, eles foram até as margens do Rio Grande, na altura da cidade de Matamoros, com a ideia de atravessar para a cidade de Brownsville, no estado do Texas. E procuraram um lugar calmo e tranquilo para fazer a travessia.

Óscar atravessou primeiro com a filha em seus braços. Depois de nadar um pouco, chegou à costa americana, onde deixou a menina. Em seguida, voltou para ajudar Vanessa a cruzar o rio. Mas quando estava na metade do trajeto, percebeu que a pequena Angie Valeria havia se jogado na água atrás dele.

Ele voltou então para resgatá-la, mas ambos foram arrastados pela correnteza do rio. Os corpos de Óscar e Angie Valeria foram encontrados na segunda-feira, no momento em que a foto foi tirada.

“O Rio Grande é muito forte. Parece um afluente suave, mas a verdade é que tem muitas correntes e redemoinhos”, disse Julia Le Duc, a fotógrafa que fez a imagem, ao jornal britânico The Guardian.

“Já vi muitas imagens de corpos, mas esta me sensibilizou. Você pode ver que o pai colocou a filha dentro da camisa dele para que ela não fosse carregada”, acrescentou.

A fotografia foi comparada a outras imagens que viraram ícones de tragédias ao redor do mundo – como a do menino Alan Kurdi, refugiado sírio de três anos cujo afogamento causou consternação internacional.

O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, afirmou em sua conta no Twitter que o governo vai assumir as despesas de repatriação dos corpos e custos do funeral.

“Um dia vamos terminar de construir um país em que a migração seja uma opção e não uma obrigação, enquanto isso vamos fazer o que pudermos. Deus nos ajude”, escreveu o presidente.


VÍDEO. BÊBADO, MOTORISTA É PRESO NO DF E CHORA: “SOU UM DESGRAÇADO”

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Segundo o Detran, o condutor de 20 anos tentou atropelar agentes e fugiu em alta velocidade depois de avistar uma blitz no Distrito Federal.

METRÓPOLES – Preso após fugir de uma blitz, um motorista bêbado chorou compulsivamente na presença de agentes do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) e integrantes da Polícia Militar do DF (PMDF). “Minha mãe sempre trabalhou para me dar tudo na vida”, relatou, aos prantos. “Me mata, por favor”, suplicou em seguida. De acordo com o Detran-DF, ele tem 20 anos e tirou a primeira habilitação há dois anos.

O Detran-DF disse que o condutor do Volkswagen Voyage de cor prata tentou atropelar os profissionais da autarquia e fugiu em alta velocidade depois de avistar uma blitz, por volta das 20h desse domingo (23/06/2019), em Brazlândia. Durante a perseguição, porém, perdeu o controle do veículo e bateu em um poste na altura da Quadra 7 do Setor Tradicional.

Nos vídeos que circulam nas redes sociais, ele nega que tenha tentado, intencionalmente, acertar servidores do Detran-DF com o carro. “Foi sem querer”, declarou.

VEJA O VÍDEO:

https://youtu.be/8NX6mE-LLG8

O teste do bafômetro apontou 0,72 mg de álcool por litro de ar expelido pelos pulmões, índice que configura crime de trânsito. O Detran-DF informou que o motorista foi encaminhado à 24ª Delegacia de Polícia (Setor O de Ceilândia) e vai responder por evasão de blitz, alcoolemia, direção perigosa e desacato.

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ESSES CRENTES  DÃO NÓ ATÉ EM DEUS … aff !!!

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ESSES CRENTES  DÃO NÓ ATÉ EM DEUS ... aff !!!

A deputada Flordelis (imagem: reprodução/correio24horas)

Pragmatismo – Deputada Flordelis colocava remédio na comida do marido, diz filho. Filho da deputada Flordelis diz que mãe e irmãs colocavam remédio na comida do pai, Anderson do Carmo. Segundo novo depoimento, 3 irmãs e a própria mãe podem estar envolvidas na morte de pastor. Velório do pai foi um “grande teatro”, conta o jovem.

A deputada Flordelis (PSD) e três de suas filhas estariam envolvidas no assassinato do pastor Anderson Carmo, morto a tiros no último domingo. As informações foram dadas em depoimento à polícia nesta quinta-feira (20) por um dos filhos do casal.

O jovem contou que uma das irmãs ofereceu R$ 10 mil ao irmão Lucas dos Santos para matar o pastor. Procurada, a deputada afirmou por meio da assessoria que não irá se pronunciar sobre o assunto.

A identidade do jovem que prestou depoimento foi mantida em sigilo pela polícia para não atrapalhar as investigações e para a proteção de sua própria integridade física.

Segundo os relatos, a mãe e três irmãs colocavam remédio na comida do pai e isso seria a causa de seus problemas de saúde. Ele contou também que o pai mostrou uma ameaça de morte que tinha recebido em fevereiro.

O filho disse ainda que não houve barulho, confusão e nem moto em fuga no momento da execução do pai. Ele afirmou que viu o irmão Flávio, que confessou ter dado seis tiros no pai, ao lado do corpo ensanguentado, recolhendo uma mochila de couro e o telefone celular do pastor. O aparelho foi entregue para a mãe Flordelis, segundo o depoimento.

Os policiais ainda não encontraram os celulares de Flordelis, do pastor e de Flavio. Também não acharam a mochila. Segundo o filho, Flordelis teria afirmado que “a hora do pai estava chegando”. Ele descreveu o comportamento desesperado dos parentes no velório como um “grande teatro”.

Até o momento, estão presos os filhos Lucas e Flávio. A deputada Flordelis tem 55 filhos, sendo que apenas três são biológicos.

Relembre o caso

Anderson e Flordelis voltavam de uma confraternização e teriam sido seguidos até a casa deles no último domingo. Segundo a deputada contou à polícia, depois que chegaram em casa, o marido voltou à garagem porque teria esquecido algo dentro do carro.

Nesse momento, a família ouviu o som dos disparos e desceu correndo. Anderson chegou a ser levado ao Hospital Niteroi D’Or, onde morreu. Os atiradores fugiram sem levar nada.

Testemunhas disseram que três homens encapuzados fizeram disparos. O cachorro da família teria sido dopado para não alertar sobre a presença de desconhecidos.

Em um primeiro momento, a deputada Flordelis contestou a hipótese de que seus filhos estariam envolvidos na execução. “Isso é ridículo, acusar alguém sem provas”, afirmou, durante o enterro de Souza.

Flordelis dizia acreditar que o marido foi morto durante uma tentativa de assalto, em um latrocínio. “É nisso que eu acredito: que foi um assalto e ele morreu defendendo a família”. Essa hipótese já está descartada pela polícia.

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UM PLAYBOY NO BNDES

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UM PLAYBOY NO BNDES

Valor Econômico – A nomeação, no entanto, é creditada à notória ligação com os filhos de Bolsonaro. Amigo pessoal do novo chefão do BNDES, Eduardo Bolsonaro inclusive estava presente num ruidoso episódio que escancara o estilo de vida do presidente recém-nomeado, sempre em concorridas baladas e rodeado por belas mulheres. É aí que pode morar o problema.

O novo presidente do BNDES, Gustavo Montezano , 38 anos, nomeado após a saída de Joaquim Levy no último domingo (16), certamente reúne predicados para a função. Engenheiro formado pelo IME, tem mestrado em economia pelo Ibmec-RJ, foi sócio do BTG Pactual e diretor de operações da antiga Pactual Commodities. Seu perfil de jovem banqueiro bem-sucedido combina com o de outros escolhidos pelo ministro Paulo Guedes, como o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e da CEF, Pedro Guimarães.
A nomeação, no entanto, é creditada à notória ligação com os filhos de Bolsonaro. Amigo pessoal do novo chefão do BNDES, Eduardo Bolsonaro inclusive estava presente num ruidoso episódio que escancara o estilo de vida do presidente recém-nomeado, sempre em concorridas baladas e rodeado por belas mulheres. É aí que pode morar o problema.

Foi em outubro de 2015, quando Montezano envolveu-se em uma briga no edifício em que morava no bairro do Itaim Bibi, em São Paulo. Ele desejava comemorar seu aniversário madrugada a dentro, sem ser importunado. Era a terceira festa de arromba em 80 dias como morador do local. Repreendido, ele discutiu com o zelador e arrombou portões do edifício. Câmaras de segurança registraram a confusão.

O condomínio registrou uma queixa-crime e processou o executivo por danos materiais e morais, numa ação em que foi condenado em duas instâncias. A defesa alegava que era uma reunião com parentes e amigos, e não uma festa. O juiz, na sentença, foi taxativo: a explicação não convencia. Em sua defesa, o executivo argumentou que “parece existir um preconceito velado de alguns condôminos contra seu estilo de vida e de seus amigos, o que é inaceitável, principalmente na moderna sociedade brasileira em que vivemos hoje em dia”. Ao fim, foi fechado um acordo e Montezano teve de desembolsar R$ 28 mil.

Reprodução – Ao se defender do incidente no condomínio, executivo criticou “preconceito velado contra seu estilo de vida”

O Ministério da Economia informa que o processo já está encerrado, com débitos quitados, mas profissionais experientes do mercado já questionam se o jovem executivo tem estatura para comandar o banco de fomento.

A pergunta que se faz é: escolhido por razões ideológicas, Montezano, afeito a noitadas regadas a festas sem hora para acabar, teria qualificação à altura do imenso desafio que encontrará pela frente? Além da excelência técnica, essa é uma função que exige grande experiência no trato político com as diferentes esferas de governo, órgãos de controle e com diferentes interesses empresariais.

Reprodução – Para comemorar aniversário, Montezano discutiu com zelador, arrombou portão e teve apoio de Eduardo Bolsonaro

A saída intempestiva de Levy pegou o mercado de surpresa. A crise foi motivada pela demora em trazer resultados e pela nomeação de um diretor que havia participado da gestão petista. “Acho que o diagnóstico está errado. As dificuldades que o Levy enfrentou são da burocracia estatal. O BNDES não é uma fintech, é um transatlântico. Tem regras. São temas tecnicamente desafiadores”, diz Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos.

“É uma cortina de fumaça para o que vai mal na economia”, criticou o economista Paulo Rabello de Castro, ex-presidente da instituição.

Desafios da gestão 

Entre as missões de Montezano estão a devolução ao Tesouro de empréstimos feitos para financiar projetos estimulados nos anos petistas. Outra cobrança se refere ao estímulo às privatizações. O novo presidente trabalhava exatamente nessa área, sob a chefia de Salim Mattar, mas o governo Bolsonaro até o momento tem tido grande dificuldade em fazer deslanchar as privatizações.

Parte dos obstáculos se devem a um problema que o próprio Montezano vai enfrentar na gestão do banco. Há um arcabouço legal e dificuldades burocráticas que dificultam as desestatizações e exigem habilidade e conhecimento da máquina pública. A venda acelerada de ações de empresas que o banco detém também pode gerar questionamentos legais.

Outra demanda tem a ver com uma promessa de campanha de Bolsonaro: a abertura da “caixa-preta” do BNDES. Nesse caso, a tarefa também não será trivial. O próprio Levy já havia iniciado o processo de aumentar a transparência do banco. Rabello de Castro nega enfaticamente que o BNDES tenha cometido irregularidades. “Como é que aqueles advogados do banco iriam entrar em conluio para declarar coisas ilegais? Só uma mente estúpida pode falar isso. O banco segue normas do Banco Central, da CVM”, diz.

Apesar de públicos, os dados dos empréstimos ainda geram dúvidas. Venezuela, Cuba e Moçambique já devem mais de R$ 2 bilhões. O presidente da CPI do BNDES, Vanderlei Macris (PSDB-SP), diz que já foram identificados US$ 3,3 bilhões em irregularidades, ou 47% do valor das operações auditadas (80% delas). “Descobrimos que países sem garantia para contratos, como a Venezuela, tiveram seu nível de risco de 7 — o pior do mundo —, modificado para 1, como se fosse igual aos EUA e o Canadá”.

Reprodução – Montezano tem missões bem definidas no comando do BNDES

Segundo ele, mesmo com o seguro e o BNDES registrando lucro, o contribuinte paga no final. Para a CPI, o BNDES foi agente financiador que não avaliava o que estava sendo financiado. Imagina a festa. Pelo menos de festa Montezano entende.

As missões de Montezano 

1 . “Caixa-preta” – Abertura dos dados de empréstimos da era petista a países como Venezuela, Cuba e Moçambique

2. Devoluções ao Tesouro – Acelerar o retorno de recursos emprestados ao banco de fomento nos governos do PT

3. Privatizações  – Aumentar investimentos em infraestrutura e apoiar a reestruturação de estados

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