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Com mais de uma morte por minuto no Brasil e com a América do Sul como o epicentro da pandemia do coronavírus, a OMS (Organização Mundial da Saúde) faz um apelo aos governos da região: “encontrem o vírus”.
Margaret Harris, porta-voz da entidade, declarou nesta manhã em Genebra que a situação no Brasil e na região é “profundamente, profundamente preocupante”.
“Testar é crucial. Saber onde o vírus está e que tem potencialmente a possibilidade de ser afetado é a forma de parar a transmissão”, disse.
Outra recomendação da entidade é para que governos estabeleçam “parcerias com suas sociedades”. “Os países que tiveram êxito foram aqueles que estipularam parcerias com a população”, indicou Harris.
Segundo ela, “quando se rompe a cadeia de transmissão, é aí que o surto começa a cair”. Para isso, porém, governos precisam ampliar os testes.
Categoria: Sociedade
BRASIL PODE DEIXAR RANKING DOS DEZ MAIORES PAÍSES INDUSTRIAIS DO MUNDO
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A atividade nas fábricas brasileiras caiu 15% desde 2014, enquanto a indústria internacional cresceu 10% no mesmo período
Revista Fórum | Redação | Foto: Arquivo/Agência Brasil – A atividade nas fábricas brasileiras caiu 15% desde 2014 e, até então, não recuperou o patamar em que estava antes da recessão. Com este cenário, o Brasil corre o sério risco de deixar de estar entre os dez maiores países industriais do mundo. Cenário nacional contrasta com a produção industrial de outros países, que cresceu 10% desde 2014.
Para além dos efeitos negativos da recessão no Brasil, de 2015 a 2016, os diversos choques que a atividade industrial sofreu no país e os problemas estruturais que o setor enfrenta também ajudam a explicar a disparidade do desempenho local frente a países vizinhos, dizem especialistas.
Esses fatores ainda devem levar a indústria, que tem peso de cerca de 11% no Produto Interno Bruto (PIB), a uma nova retração no governo de Jair Bolsonaro (PSL), após registrar crescimento em 2017 e 2018, influenciada também pela desaceleração global.
Dentre os motivos que ajudam a explicar o desempenho mais fraco do Brasil em relação aos vizinhos, a economista Laura Karpuska, da BlueLine Asset, cita primeiro os diferentes choques que vêm impactando a economia do país. A queda nas exportações para a Argentina, que afeta os manufaturados, pode ter tirado até 0,7 ponto porcentual do PIB em 2017 e 2018. Também pesaram a tragédia o rompimento da barreira da Vale, em Brumadinho (MG) e a greve dos caminhoneiros, em maio do ano passado.
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BUROCRÁTICO / ATO INTER-RELIGIOSO SE SOLIDARIZA COM SÍNODO DA AMAZÔNIA, MAS NÃO CITA PERSEGUIÇÃO
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Representantes de diversas religiões estiveram presentes na Catedral da Sé, em São Paulo, para apoiar a realização do Sínodo da Amazônia / Foto: Luciney Martins/O São Paulo
Alvo de investigação de Bolsonaro, encontro no Vaticano que discute devastação ambiental na região, começa 6 de outubro
Igor Carvalho | Brasil de Fato | São Paulo – Diversas lideranças religiosas participaram de um encontro na Catedral da Sé, região central de São Paulo (SP), para declarar solidariedade ao Sínodo da Amazônia, que ocorrerá entre os dias 6 e 27 de outubro no Vaticano. Durante o ato, que aconteceu na noite desta segunda-feira (30), os líderes religiosos evitaram criticar o governo federal ou o presidente Jair Bolsonaro, que confirmou que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) monitora o Sínodo.
Lido antes do início do ato, um documento elaborado pelos representantes das religiões, sem citar políticos ou governos, criticou a perseguição ao encontro no Vaticano. “Não se sustenta a suspeita levantada em ambientes nacionalistas, de que o Sínodo atende a interesses internacionais na Amazônia.”
Relator do Sínodo da Amazônia, Dom Claudio Hummes citou os três eixos do encontro convocado pelo Papa Francisco. “Devemos levar Deus àquela religião e tratar da promoção dos direitos dos povos indígenas e da natureza”, explicou o religioso.
“Juntos vamos pensar as grandes causas da humanidade. O Sínodo não é fechado, não é exclusivo, ele é inclusivo. A crise amazônica é grave. Vivemos uma grande crise socioambiental”, explicou Hummes, dando o tom do encontro.
É justamente em relação às críticas à política brasileira para a Amazônia que teria despertado a curiosidade do governo federal, que por meio da Abin investiga os líderes católicos brasileiros. O episódio, no entanto, não foi comentado pelos religiosos.
Apoio ao Sínodo
Arcebispo Cardeal da Arquidiocese de São Paulo, Dom Odilo Sherer, falou sobre a disposição de diversos setores para debater as questões ligadas ao meio ambiente. “Esse interesse pela Amazônia já significa muita coisa. Algo está acontecendo com o povo brasileiro, com nossas consciências, com os governos.”
O Sheik Al Bukai citou o Setembro Amarelo, campanha de prevenção ao suicídio, para fazer um paralelo com o Sínodo. “A reunião de hoje trata de um suicídio coletivo que o ser humano comete contra a natureza. Eu quero desejar que o Sínodo da Amazônia seja uma luz que ilumine os corações dos governantes.”
Para o pastor Ariovaldo Ramos, o encontro no Vaticano pode indicar um caminho para a crise ambiental. “Quando o Criador colocou o homem no planeta, nos deu a tarefa de governar o planeta. Falhamos, mas há sempre esperança, o Sínodo é a esperança. Que tenha sucesso.”
Sacerdotisa do Candomblé, Adriana de Nanã lembrou que sua religião mantém uma relação estreita com a natureza. “Nossos orixás estão na natureza, na água, no ar, na terra. Eu peço a manutenção da natureza. Os povos originários são assassinados todos os dias, como a natureza. Que esse Sínodo permita que todos nós mudemos a nossa história”, declarou a religiosa.
Também estiveram presentes no ato, o rabino Alexandre Leone, o monge budista Ryozan e o professor kardecista Afonso Moreira Jr.
Edição: Vivian Fernandes
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DESIGUALDADE | DEZ MAIS RICOS DO BRASIL TÊM RIQUEZA IGUAL AO PIB DO EQUADOR
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Metade dos nomes na lista dos mais ricos está ligada ao mercado financeiro e lucra com os juros altos / EBC
Carga tributária e rentismo fazem milionários lucrarem ainda mais com aumento da pobreza e das desigualdades
Juca Guimarães | Brasil de Fato |São Paulo (SP) – A crise do capitalismo em escala global e a falta de um projeto nacional de recuperação econômica têm piorado a vida de milhões de brasileiros dia após dia nos últimos anos, mas não foram suficientes para ameaçar as fortunas dos milionários locais. Pelo contrário: de 2018 para 2019 eles até ficaram mais ricos.
Segundo ranking divulgado pela revista Forbes na semana passada, as soma das 10 maiores fortunas do Brasil saltou de R$ 400,08 bi para R$ 408,72 bi no período – o equivalente ao Produto Interno Bruto (PIB) total de países como o Equador, que tem quase 17 milhões de habitantes.
Muitos desses milionários não ficaram mais ricos “apesar da crise”, mas graças à ela. Eles faturam com o aumento da pobreza.
De acordo com o economista Marcelo Manzano, a lista dos dez mais ricos e o tipo de atividade que eles praticam é um exemplo do mecanismo que agrava a desigualdade e favorece os rentistas, aqueles que não,produzem nada e vivem de aplicações no mercado financeiro.
“Todos esses dez primeiros, e mais outros tantos outros, aplicam boa parte da sua riqueza em títulos do governo. Como o Brasil tem pago juros muito altos sobre a dívida pública, tem transferido bilhões de reais para essa camada. É um sistema extremamente injusto”, disse Manzano, que é professor de economia da Facamp (Faculdades de Campinas) e pós-doutorando do programa de Desenvolvimento Econômico no Instituto de Economia da Unicamp.
Entre os dez mais riscos, cinco estão diretamente atuando no mercado financeiro, ou como banqueiros ou como gestores de fundos de investimentos.
Além disso, o Brasil é muito generoso na hora de tributar os mais ricos. A transferência do lucro das empresas para os seus acionistas, na forma de dividendos, é isenta no Brasil. Em todo mundo, apenas o Brasil e a Eslovênia não cobram imposto sobre este tipo de operação.
A outra ponta da superacumulação de renda tem origem na propriedade de bens e terras, também favorecida pelo sistema tributário.
“O Brasil se consolida como o campeão mundial de desigualdade. O sistema tributário é regressivo, ou seja, retira dinheiro dos mais pobres, através de impostos sobre o consumo, e transfere para os mais ricos pelas operações de pagamento dos títulos da dívida pública”, disse Manzano.
A lógica da tributação no Brasil é mais pesada com salários e nos gastos de consumo. Por outro lado, é mais leve nos impostos sobre o capital e rendimentos. Deste modo, o trabalhador assalariado que não tem como separar dinheiro para investir paga mais impostos, proporcionalmente, que um bilionário.
Manzano explica que um trabalhador que ganha até dois salários mínimos e gasta com aluguel, alimentação, transportes, vestuário etc., paga o equivalente a 50% da renda em impostos. Já o empresário Joesley Batista, número 7 da lista dos mais ricos, pagou em 2017 o equivalente a 3% de sua renda em imposto. Proporcionalmente, o assalariado tem uma carga tributária 16 vezes maior que o bilionário do agronegócio.
Os grandes proprietários de terra, na avaliação de Manzano, são favorecidos tanto pela evasão tributária como pela política de isenções.
“O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) passou a ser cobrado pelos municípios a partir de 2003. Porém, muitas cidades não cobram. Além disso, por ter alíquotas pequenas ele não é um inibidor do acumulo de terras no Brasil pelo agronegócio, que também tira vantagens da lei Kandir, que isenta de impostos a produção dos grandes latifúndios de monocultura destinada para exportação”, disse Manzano.
O economista Gustavo Ferroni, assessor de políticas da Oxfam Brasil, que produz anualmente estudos e relatórios sobre a desigualdade, explica que a retomada de políticas públicas de distribuição de renda são essenciais para a diminuição da desigualdade, assim como um novo modelo de tributação menos injusto.
“A volta da política de valorização real do salário mínimo todo ano, isso faz uma diferença enorme. A maioria dos trabalhadores ganha um salário mínimo ou menos. Essas políticas vão ajudar a tirar as pessoas de perto da linha da pobreza, mas para combater a superacumulação de renda é preciso discutir a reforma tributária”, disse.
Para a questão do acúmulo de terras e de capital no agronegócio, a solução proposta pelo economista é a reforma agrária.
Confira a lista dos dez maiores bilionários brasileiros em 2019
1 – Jorge Lemann, R$ 104,71 bilhões no setor de investimentos e bebidas
2 – Joseph Safra, R$ 95,04 bilhões no setor bancário
3 – Marcel H. Telles, R$ 43,99 bilhões no setor de investimentos e bebidas
4 – Eduardo Saverin, R$ 43,16 bilhões no setor de internet
5 – Carlos A. Sicupira, R$ 37,35 bilhões no setor de investimentos e bebidas
6 – André Esteves, R$ 20,75 bilhões no setor bancário
7- Luiz Frias, R$ 20,34 bilhões no setor bancário e mídia
8 – Joesley Batista, R$ 14,78 bilhões no setor de alimentos
9 – Wesley Batista, R$ 14,78 bilhões no setor de alimentos
10 – Candido P. Koren, R$ 13,82 bilhões no setor de saúde
Edição: João Paulo Soares
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TRAILER “CARTA PARA ALÉM DOS MUROS”
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YouTube – Gay Blog Br – “Carta para Além dos Muros” reconstrói a trajetória do HIV e da AIDS, com foco no Brasil, por meio de entrevistas com médicos, ativistas, pacientes e outros atores, além de farto material de arquivo.
Do pavor inicial às campanhas de conscientização, passando pelo estigma imposto às pessoas vivendo com HIV, o documentário mostra como a sociedade encarou essa epidemia em sua fase mortífera ao longo de mais de duas décadas.
Com base nessa abordagem histórica, o filme trata do modo como o HIV é encarado na sociedade atual, revelando um quadro de desinformação e preconceitos persistentes, que atingem sobretudo as populações historicamente mais vulneráveis ao vírus.
Brasil, 2019, 85 min, classificação indicativa 12 ANOS
direção: André Canto
montagem: Ricardo Farias
roteiro: André Canto, Gabriel Estrela, Gustavo Menezes e Ricardo Farias
direção de fotografia: Carlos Baliú
trilha original: Roberto Prado
edição de som: Camila Mariga e Cauê Custódio
mixagem 5.1: Rodrigo Ferrante
som direto: Rafael Alves Ribeiro
motion design: Rafael Terpins
supervisão de pós-produção: José Francisco Neto, ABC
color grading: Ely Silva, ABC
consultoria técnica: Ricardo Vasconcelos
direção de produção: Larissa Barbosa
produção executiva: André Canto e Gustavo Menezes
coprodutores: Gabriel Miziara e Gustavo Menezes
produtor associado: Marcos Arzua Barbosa
produzido por: André Canto
PROACSP | produção CANTO PRODUÇÕES | patrocínio ÍTACA | coprodução MENEZES PRODUÇÕES E MIZI PRODUÇÕES | parceria institucional UNAIDS | apoio MERCURY PHOENIX TRUST; HI TECHNOLOGIES; DOT; INNSAEI; ESTÚDIOS QUANTA e DIGITAL 35 | realização GOVERNO DE SÃO PAULO; BRDE; FSA; ANCINE
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ALMA IMORAL (2015) – TRAILER
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História do Cinema Brasileiro – A transgressão é o elemento capaz de renovar a vida, de impulsioná-la a um novo horizonte de possibilidades. Essa transgressão está localizada na alma. A Alma Imortal é um projeto (longa e seriado) instigador, poético e filosófico, de Silvio Tendler, que tratará do best seller do Rabino Nilton Bonder, livro com 150 mil cópias vendidas no Brasil.
Bonder, personagem condutor, partirá em uma jornada em busca da Alma Imoral pelo Brasil, Estados Unidos e Israel, encontrando os mais destacados transgressores do pensamento e dos costumes na atualidade.
Adultério, ateísmo, homossexualidade, traição, passagens bíblicas, judaicas e histórias universais, tendo como foco a arte de transitar no território da interdição e da transgressão apresentando uma nova reflexão sobre o que é lícito e apropriado, o tabu e sua quebra, abordando a importância da transgressão como impulsionador da vida.
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“RONDONÓPOLIS” É UM DOS ASSUNTOS MAIS COMENTADOS DO TWITTER; SAIBA O MOTIVO
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Uma orgia entre “bolsominions” ocorrida na cidade do estado do Mato Grosso chamou a atenção de internautas
Revista Fórum | Foto: Reprodução –
O município de Rondonópolis, no Mato Grosso, acabou se tornando um dos assuntos mais comentados no Twitter, nesta segunda-feira (25). O motivo é que viralizou um vídeo que vazou nas redes, mostrando relação sexual entre homens e uma transexual, o que vem sendo chamado de “Surubão de Rondonópolis”.
Os participantes da orgia seriam conhecidos na cidade por suas posturas conservadoras e por serem apoiadores de Jair Bolsonaro, que se caracteriza por posicionamentos em defesa da moral e da família.
De acordo com o site Mixturando, a transexual, que trabalha como cabeleireira, afirmou estar sendo ameaçada pelos homens que participaram da orgia, em função da divulgação das imagens.
Ela, no entanto, garante que não fez a divulgação. Disse, ainda, que prefere não se identificar, mas assegura que participou de tudo. “Um deles é até conhecido na cidade por bater na namorada e agora eles estão me ameaçando”, declarou.
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CAMPEÕES DE DESMATAMENTO E QUEIMADAS NA AMAZÔNIA SÃO DOMINADOS PELO GADO E PELA SOJA
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Três dos dez municípios mais queimados em 2019 são do Pará: Altamira, Novo Progresso e São Félix do Xingu
Primeiro a derrubada, depois o fogo e tudo vira pasto. Saiba quais são os municípios líderes em desmatamento na região
Por Bruna Caetano | Brasil de Fato | São Paulo (SP) – O Brasil registrou 131.327 queimadas florestais até o mês de agosto em 2019. Só na Amazônia, foram registrados 43.573 focos, segundo o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe). A origem do fogo na floresta tem sido alvo de debate nas últimas semanas, repercutindo na imprensa nacional e internacional, aumentando ainda mais a pressão sobre o governo federal para soluções que freiem as chamas.
Uma nota técnica realizada pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), a relação entre as queimadas e o desmatamento da Amazônia torna-se evidente. O instituto comparou os municípios com maior índice de desmatamento com os de maior índice de queimadas — Altamira (PA), Porto Velho (RO), São Félix do Xingu (PA), Lábrea (PA), Colniza (MT) e Novo Progresso (PA) estão nas duas listas.
A relação entre queimadas e o desmatamento não é nova. As queimadas são uma prática primitiva de limpar terras desmatadas para torná-las agricultáveis. Ambas — queimadas e desmatamento — práticas bem conhecidas na dinâmica da agricultura extensiva do agronegócio.
Como se comporta o agronegócio nos municípios mais queimados da região amazônica? Qual o impacto da agropecuária extensiva e quais as alternativas sustentáveis para o desenvolvimento da floresta? Essas são algumas das perguntas que o Brasil de Fato pretende responder nesta reportagem.
CLIQUE AQUI E VEJA A REPORTABEM COMPLETA NO SITE BRASIL DE FATO.
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MÁQUINA DE MOER PRETO | TRÊS EX-INTERNOS CONTAM COMO O SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO RJ SE PARECE COM UM PRESÍDIO
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Três ex-internos contam como o sistema socioeducativo do RJ se parece com um presídio
The Intercept Brasil | Álec Silva@raxalec – Do lado de dentro do enorme muro pintado de bege, a piscina só serve de enfeite. Ninguém pode usar. Ali não há João, Pedro, Marcelo: os nomes de registro foram substituídos por números de identificação. Quem não decora o seu número corre o risco de apanhar, já que não atenderá quando for chamado. A solução é anotar os dígitos nas mãos e repetir a informação até decorar.
Estamos no Centro de Socioeducação Dom Bosco, na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro. É uma construção gelada cercada por um muro alto, longos corredores de concreto batido e grades robustas. O centro não deveria parecer uma cadeia – mas parece, assim como todas as outras unidades de internação do Departamento Geral de Ações Educativas, o Degase, órgão estadual do Rio de Janeiro responsável por aplicar medidas socioeducativas em adolescentes de 12 a 17 anos. A lei prevê que os centros como o Degase devem servir para orientar adolescentes que cometeram infrações a conviver melhor na sociedade e família.
Aconteceu o contrário com DG*, Vinícius* e Fernando*.
O Degase tem oito unidades de regime fechado e 16 de semiaberto que, juntas, receberam no mês de maio 2.153 adolescentes. Para entender o que acontece quando um menor de idade é apreendido pela polícia e precisa cumprir pena, conversamos com três jovens que deixaram o sistema e visitamos quatro unidades. Elas recebem adolescentes que cometeram, em sua maioria, roubos e tráfico de drogas, os atos infracionais mais frequentes no estado do Rio. Nessas unidades, o índice de reincidência é alto. Quase nove em cada dez jovens que saíram de lá foram detidos de novo.
O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo determina a aplicação de medidas mais leves em caso de falta de vagas, mas as unidades de regime fechado estão superlotadas – operam 67% acima da capacidade.
Segundo um levantamento do próprio Degase, 77% dos jovens não estudam – o que, em tese, seria obrigatório, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Como o número de agentes é insuficiente, não há quem leve os jovens dos alojamentos até as salas de aula, que funcionam em escolas dentro das instalações ou em prédios anexos. Faltam agentes até para levá-los para o atendimento médico fora das unidades. As poucas atividades lúdicas só são possíveis por conta da perseverança e investimento pessoal dos socioeducadores ou atuação de ONGs.
Desde o momento da apreensão pela polícia, o que acontece com os jovens detidos é uma série de violações muito diferente do que a lei prevê. Para Vinícius, Fernando e DG – que, por serem menores de idade, não serão identificados com seus nomes verdadeiros –, os termos técnicos “unidade”, “socioeducação” e “medida” são eufemismos para “cadeia”, “prisão” e “violência”.
Ilustração: Amanda Miranda/The Intercept Brasil
Vinícius passou 48 horas dentro do Degase. Foi o suficiente para sair com mais ódio.
Era para ser apenas um banho, daqueles bem relaxantes após o tradicional futebol com a rapaziada nas noites de sexta-feira. Mas não houve tempo para fechar o registro naquele julho de 2018. A água ainda jorrava quando Vinícius* se assustou com os gritos de agentes da Operação Lapa Presente, que invadiram sua casa no centro do Rio afirmando que lá funcionaria uma boca de fumo.
“Escutei uma correria e, poucos segundos depois, me tiraram do banheiro e botaram um saco de drogas na minha mão. Eu disse que não era meu, mas eles não queriam saber, disseram que era meu, sim, e me levaram”, disse. Vinícius conta que de nada valeram os protestos do padrasto e do irmão, que assistiam à televisão no momento da apreensão, tampouco da mãe, que largou as tarefas da cozinha na tentativa de comprovar, com a Carteira de Trabalho em punho, que o filho era jovem aprendiz numa rede de combustíveis.
O adolescente de 17 anos diz que saiu algemado da própria casa, no centro do Rio, e ficou duas horas na rua sob guarda dos agentes, à espera da detenção de um outro rapaz – a reportagem não teve acesso ao processo porque Vinícius é menor e tem sigilo protegido pela lei.
“Eu já tinha ido pra delegacia, mas foram procedimentos normais. Estava sem documento na rua, e eles me abordavam, viam que era limpo e liberava. Já fui diversas vezes abordado, diversas vezes humilhado, porque eles xingam, né, diversas vezes agredido, mas nunca tinha sido algemado na minha vida”, disse.
Na delegacia da Lapa, Vinícius falou que não sabia de quem era a droga. “Como é que eu vou afirmar uma coisa que eu não vi?”, disse. Decidiu falar a verdade: “o senhor que viu ele [um outro suspeito] correndo, então o senhor pode falar pro delegado que a droga é dele”.
Vinícius* foi detido enquanto tomava banho. Agentes da Operação Lapa Presente confundiram sua casa com uma boca de fumo.
Foto: Ellen Marques/Agência Narra
Diante da recusa, Vinícius foi fichado e alojado no “porquinho”, sala de aproximadamente três metros quadrados, sem iluminação nem água, onde um buraco de concreto no chão é usado como vaso sanitário. De cueca, os detentos pensavam formas de vencer o frio e os bichos. “Tinha muita barata lá. Tinha um rato que, sem brincadeira, era do tamanho do meu chinelo!”, disse o rapaz, apontando para as sandálias de número 44.
Depois de mais de seis horas, Vinicius foi encaminhado à Delegacia de Proteção à Criança e Adolescente onde recebeu orientação dos colegas de cela sobre as regras de convivência do Degase, para onde iria na manhã seguinte. “Eles explicaram como falar com os agentes. Se você fizer tal coisa é arriscado, se responder de tal jeito, é capaz de ser agredido”.
A primeira audiência, em um domingo, foi marcada pelo silêncio e falta de informação. Vinícius foi alojado temporariamente no Centro de Socioeducação Gelso de Carvalho, o Cense-GCA. Lá, se deparou com uma cela abarrotada, com mais de 15 jovens que tinham de se virar para caber em sete beliches de concreto. A porta tinha apenas uma pequena janela retangular cortada por duas grades. Os internos mais antigos, conta, deitavam em colchonetes azuis e finos, enquanto os novatos ficavam no chão. Um balcão de cimento funcionava como armário para itens de higiene, onde cada um depositava os produtos levados por familiares durante a visita.
Às seis da manhã, os internos formavam uma fila indiana e eram preparados para a contagem. A água, dividida em dois galões de cinco litros, acabava rápido por conta do calor causado pela superlotação. Para tomar banho, outro problema. “Era um minuto. Você entrava, se molhava, passava o sabão e saía. Ficava um minuto certinho, e aí chamavam: ‘acabou o banho’. Tem que voltar pro alojamento. E nem sabonete eles davam”, lembra.
Ilustração: Amanda Miranda/The Intercept Brasil
‘Eu sou a mesma pessoa de quando entrei, só que com um pouco mais de ódio do sistema’.
Foi menos de 48 horas até retornar ao Fórum. Na segunda-feira à tarde, Vinícius chegou à nova audiência e, dessa vez, conseguiu driblar o silêncio e apontar as contradições dos acusadores. Os agentes do Lapa Presente apresentaram versões divergentes quanto às circunstâncias da apreensão. “Um deles disse que me viu correr, o outro que não me viu correndo e nem com a droga. Também falou que joguei a droga no armário, mas na delegacia ele tinha dito que encontrou na minha porta.”
Ele disse que ainda indicou à juíza evidências omitidas. “Eu disse a ela que se ele tava afirmando que a droga era minha, ele poderia muito bem mostrar a filmagem, porque ele tava com a câmera na mão. Mas ele falou que a câmera ficou com outro agente, que não sabe aonde foi parar, que tava escuro, alegou isso aí”, contou.
Vinícius conseguiu apresentar a Carteira de Trabalho para comprovar que tinha emprego. Não adiantou. A juíza afirmou que não havia evidências para comprovar a inocência e o sentenciou à liberdade assistida. O jovem precisaria comparecer quinzenalmente a um dos Centros de Referência Especializado de Assistência Social, os Creas, para conversar com assistentes sociais e psicólogos e comprovar que está estudando ou trabalhando.
“Ela faz umas perguntas, se você sentiu o impacto [do ato infracional e da detenção], como tá agora, se quer cometer de novo”, ele explicou. “Mas na verdade eu não cometi, né?”
De volta ao trabalho, Vinícius procurou a assistente social, na expectativa de que a empresa pudesse reforçar o coro em prol de sua inocência. Contudo, a profissional o orientou a não comentar sobre a prisão para evitar o julgamento dos colegas. Apreensiva, a família se mudou da casa para uma ocupação, também no centro do Rio. A troca de CEP, no entanto, não o protegeu das falas hostis dos agentes do Lapa Presente. “Eu estava passando de triciclo, e eles começaram a gritar ‘já saiu? Já saiu, marginal?”, contou. Vinícius denunciou os agentes à Polícia Civil, mas o medo de se tornar alvo falou mais alto, e decidiu retirar a queixa.
Ele só terminou de cumprir sua medida socioeducativa em junho deste ano. “Basicamente não mudei nada”, diz Vinícius. “Eu sou a mesma pessoa de quando entrei, só que com um pouco mais de ódio do sistema”, diz o jovem, que hoje trabalha como camelô. Quando não está trabalhando, o adolescente cola na São Martinho para jogar futebol e tomar banho. É um dos poucos lugares em que sente seguro. Ali se permite conversar, tocar cuíca, sorrir e sonhar. Apesar de estar três anos atrasado na escola, ele já sabe o que quer estudar na faculdade: Direito — o criminal.
Ilustração: Amanda Miranda/The Intercept Brasil
Fernando ficou oito meses com uma bala encravada no ombro.
Na época do Carnaval, Fernando* costuma ser visto em meio aos carros alegóricos de uma escola de samba mirim. Pai de uma menina, o jovem de 21 anos concilia as tarefas no barracão com a jornada de trabalho em um depósito de gás. Cinco anos depois de passar pelo Degase, ele ainda se lembra da experiência que marcou sua vida.
Nascido e criado em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, Fernando disse estar na companhia de um adulto quando foi apreendido. Os dois tentavam fugir após roubar um carro e, durante a perseguição, o garoto acabou atingido no ombro. Por ser sua primeira passagem pelo sistema, havia expectativa por uma punição mais leve: a liberdade assistida. Contudo, a sentença determinou internação provisória. Depois de 45 dias na unidade provisória, a justiça o condenou a seis meses de internação no Centro de Atendimento Intensivo, o CAI Baixada, unidade de regime fechado no município de Belford Roxo.
O ECA determina que um jovem só pode ser privado de liberdade se cometer atos infracionais que representem “grave ameaça ou violência à pessoa” ou em casos de reincidência. Para os demais delitos, há cinco alternativas: advertência, reparação do dano, prestação de serviço à comunidade e liberdade assistida – todas elas de regime aberto – e ainda a semiliberdade. Mas os números indicam que a internação tem sido a pena favorita do Judiciário.
Segundo um relatório do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura no Rio de Janeiro, em 2011, o Degase tinha 900 internos nas unidades provisórias, de regime fechado e de semiliberdade. Em 2017, os centros superlotados contabilizavam 2075 jovens, a maioria apreendida por roubo e tráfico de drogas. Deste total, cerca de 3% respondiam por homicídio – crime considerado grave – o que representava aproximadamente 60 jovens, quantidade insuficiente para encher uma unidade de internação.
Durante os oito meses em que esteve internado, Fernando permaneceu com a bala alojada no corpo. Apesar da limitação que o projétil causava no movimento do braço, o impedindo de dormir ou mesmo vestir o uniforme e pentear o cabelo sozinho, o pedido por liberação para fazer uma cirurgia foi negado. “Conforme eu mexia o braço, a bala se movimentava, poderia agravar. A médica fazia curativo, falou para eu não fazer esforço. Ela queria que a minha liberdade saísse em três meses, fez o relatório e mandou para a juíza para que eu pudesse fazer a operação. Só que a juíza não liberou”.
Fernando* passou oito meses com uma bala alojada no ombo, limitando seus movimentos e o impedindo de se vestir sozinho.
Foto:Gabrielle Araujo/Agência Narra
Fernando ficou alojado em um setor individual que, segundo ele, reunia os adolescentes interessados em mudar de vida. “Na ala coletiva também tem quem quer sair da vida do crime, mas a maioria que fica lá pensa em voltar”. A tipificação não é formalizada pelo Degase, mas é comum em muitas unidades, como aponta o relatório do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro. Os funcionários tentam evitar que os veteranos, que já tiveram várias passagens pelo Degase, influenciem os novatos. Além das divisões por facção, acusados de homicídio e estupro e adolescentes homoafetivos costumam ficar em alas separadas.
Embora fosse chamado de individual, o alojamento onde Fernando ficou já enfrentava superlotação naquela época. Em 2018, a unidade, com capacidade para 120 pessoas, abrigava 281 adolescentes. “Eram no mínimo quatro, mas teve uma época que cheguei a ficar com mais sete [no alojamento]. Um colchão em cada cama, dois colchões no chão. Já ficaram cinco colchões no chão”, lembra.
Nem a debilidade física nem o tipo de alojamento o privaram da violência. De acordo com o jovem, um agente que tinha desavenças com seu pai – então guarda municipal – o agrediu fisicamente durante quatro meses. “Quando ele me viu, a primeira coisa que lembrou foi do meu pai. Aí tudo o que ele queria fazer para se vingar, ele fazia”, conta. Fernando lembra que durante as manhãs, a cada três dias, ele era retirado de seu alojamento para receber o castigo. “Eu acordava todo dia cedo por causa do plantão dele. Ele me tirava de dentro do alojamento só para me bater.”
O medo o impediu de denunciar os abusos, até que, em uma visita, o pai percebeu os hematomas e o pressionou a explicar o que havia acontecido. A direção da unidade conversou sobre o caso e decidiu pelo afastamento do funcionário, como nos confirmou um socioeducador que trabalha no local. “Tirando esse agente, com os outros funcionários eu sempre preferi levar na boa, para não acontecer justamente o que rolou com esse”.
Enquanto Fernando esteve internado, o CAI-Baixada foi palco de duas rebeliões de internos. Na primeira delas, os adolescentes questionavam uma punição coletiva que suspendeu o uso de rádio e TV. Na segunda, havia um boato sobre possibilidade de fuga da unidade e, por isso, o rapaz chegou a trancar o alojamento em que estava para evitar que os colegas participassem do motim. Fernando teve medo de represálias dos agentes caso o plano desse errado. Aqueles que conseguissem fugir ainda corriam o risco de serem pegos por integrantes da facção Terceiro Comando Puro (TCP), que atuam no bairro. Os funcionários, segundo ele, aprovaram a atitude, e passaram a tratá-lo como exemplo para os demais. “Um ou outro tem a cabeça avoada e já quer estourar uma rebelião e tudo mais… Então, na verdade, é uma cadeia. Todo mundo sabe, só que usam outro nome para passar como se fosse uma vaselina. Não tem essa que é socioeducativo. O que acontece lá é tu apanhar, tá entendendo?”
Ilustração: Amanda Miranda/The Intercept Brasil
‘Na verdade, é uma cadeia. Todo mundo sabe, só que usam outro nome para passar como se fosse uma vaselina’.
Atrás das grades, a loucura era iminente, lembra Fernando. Com o “psicológico abalado”, como ele próprio define, o jovem começou a fazer o máximo de atividades que conseguia. “Na cadeia, o que você tiver que fazer para sair do alojamento, nem que seja varrer o corredor, você vai fazer. Então, eu entrei para escola, para o teatro, entrei para tudo. Fiz curso de pintura, até um curso lá de pipa”.
Ele foi apresentado à magia dos bastidores do carnaval pelo socioeducador Jefferson Rocha, há quase 20 anos no CAI-Baixada, que com recursos próprios adquiriu os equipamentos e o figurino a que os jovens têm acesso nas aulas. “Não acho que o adolescente precisa só de punição, pois quem trouxe o garoto já o fez”, diz Rocha. “Temos que fazer com que ele volte para a escola, que aprenda a ler. Tem meninos de 17, 18 anos que não sabem [ler], que nunca foram ao teatro, a uma biblioteca… Queremos que se interessem por algo do que temos aqui — música, serigrafia –, para que enxerguem outras oportunidades e voltem ao convívio com uma cabeça melhor”.
Àquela época, o CAI-Baixada participava de projetos da ONG Rio Solidário, cuja presidente de honra é a esposa do ex-governador Sérgio Cabral, Adriana Ancelmo. Segundo funcionários da unidade, a ex-primeira-dama interveio na destinação de verbas para reformas que garantiram a construção do pequeno auditório. De lá pra cá, muita coisa mudou em relação à oferta de atividades no centro de Belford Roxo. Em 2018, nenhuma ONG de educação profissional realizava ações na unidade. Apenas grupos independentes ministravam aulas de artes marciais e outras atividades lúdicas.
Embora pequenas, as instalações na escola que integra o CAI-Baixada revelam o zelo dos professores e diretores – o que, como vimos, depende mais de ações individuais que das políticas de estado. Trabalhos feitos pelos alunos sobre temas como respeito à identidade, violência de gênero e consciência racial decoravam o corredor e as salas estreitas. Foi ali que Fernando concluiu o equivalente ao primeiro ano do Ensino Médio e cursou parte do segundo ano. Ao contrário do ensino regular, no qual cada série preenche o ano letivo, no sistema socioeducativo os conteúdos são distribuídos em módulos de poucos meses, e as provas e trabalhos em aula são mais frequentes, numa tentativa de dar conta da alta rotatividade de internos.
Fernando* encontrou no carnaval uma saída para a vida pós-internação.
Foto:Gabrielle Araujo/Agência Narra
Entre os jovens apreendidos, estudar é um privilégio. Quase 90% dos internos em regime provisório ou fechado não estudam, principalmente por causa da falta de vagas e da dificuldade de deslocamento, especialmente nas unidades superlotadas. O direito à educação, previsto no ECA, esbarra em poucas e pequenas salas e num efetivo insuficiente de agentes para a quantidade de adolescentes.
“Gostaria de atender mais alunos, trabalhar com um grupo bem grande, porém por mais que eles me respeitem, pode rolar um conflito que não vou saber controlar, então eu estaria sendo irresponsável com a segurança. Independente de onde eles estejam, são adolescentes, se desentendem, brigam. E aqui os nervos já são mais aflorados, dadas as condições”, desabafa uma bibliotecária de uma das unidades fluminenses, que pediu para não ser identificada por receio de represálias do governo.
Fernando deixou a unidade há pouco mais de cinco anos. A pena inicial, de seis meses, foi concluída após oito meses e 23 dias de internação, somando o período antes da sentença. Segundo o jovem, o relatório enviado pela unidade ficou cerca de um mês parado na justiça. Em liberdade e contrariando as estatísticas, ele conseguiu concluir os estudos à distância. Conseguir trabalho, porém, ainda é um problema.
“Tem praticamente seis anos que eu saí de lá e na maior parte desse tempo não consegui um trabalho de carteira assinada. Faz poucos meses que um amigo arrumou pra mim num depósito de gás”, analisa o jovem, que mora em Santa Cruz, um dos subúrbios mais distantes do centro da cidade do Rio, na zona oeste, com a esposa e a filha.
Hoje, Fernando acha que seu período em privação de liberdade influenciou sua formação como homem. Ele teve sorte. A aproximação com um agente socioeducador ligado ao teatro lhe fez pensar em novas possibilidades: trabalhar na escola de samba. “Quando você aprende a depender do outro, vê que precisa daquela pessoa, que o mundo não gira ao seu redor, percebe que dinheiro não é tudo. Se não receber visita, não vai ter um sabonete, uma roupa limpa. Antes eu não tinha tanta humildade que eu tenho hoje, não sabia o que é ser homem. Eu era um garoto”.
Ilustração: Amanda Miranda/The Intercept Brasil
DG saiu e não voltou mais. Ele não acreditou que o sistema melhoraria sua vida.
Pelas vielas do Jacarezinho, favela na zona norte do Rio, é possível ouvir de longe a chegada de DG*. O barulho do escapamento da moto acompanha o jovem de 16 anos como uma sombra. O veículo é uma de suas maiores paixões, ainda mais se for para “dar rolé com as novinha”.
Para a cria do ‘Jaca’, o procedimento da polícia seguiu o padrão – não aquele estabelecido pelo ECA, claro. Na cidade do Rio, os jovens apreendidos devem ser encaminhados primeiro à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente mais próxima. Num prazo de 24 horas, ele deve ser transferido para uma unidade de triagem, onde pode passar a noite, até ser levado ao Núcleo de Audiência de Apresentação da Defensoria Pública. Na Defensoria, profissionais da Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos e um defensor público devem entrevistá-lo, antes que ele seja apresentado à Vara da Infância, da Juventude e do Idoso.
Detido em flagrante por policiais da Delegacia de Combate às Drogas após roubar uma moto em outubro de 2018, DG conta que apanhou desde a apreensão até a transferência para uma unidade de internação, em um longo percurso de direitos ignorados. Ele foi mandado primeiro para a 23º delegacia regular do bairro do Méier, que alegou não operar com detenções em flagrante. De lá, o garoto foi levado à Cidade da Polícia, sede da Polícia Civil no Rio, onde passou 48 horas sem comer e na companhia de presos com mais de 18 anos – o que também é proibido pelo ECA. Só depois disso é que DG foi encaminhado à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente do bairro da Lapa. Não que a sua situação tenha mudado muito ao chegar na especializada. Lá, lembra, passou mais dois dias sem comida. “Os caras não dão nada, não. Só fui comer quando cheguei no Degase”, referindo-se ao anexo do departamento, onde dormiu após a maratona de quatro dias.
DG* roubou uma moto e que apanhou de policiais num périplo burocrata que durou quatro dias até a internação.
Foto:Patrick Mendes/Agência Narra
A audiência foi realizada no dia seguinte, no Fórum da Praça 15. O procedimento padrão prevê que o juiz avalie a denúncia feita pelo Ministério Público, ouça a Promotoria, a autoridade policial e o adolescente, a fim de decidir pela liberação ou não do jovem apreendido. Sem ter falado com ninguém, DG permaneceu de cabeça baixa, ouvidos atentos e mãos algemadas. Quando questionado pela juíza sobre as acusações, confirmou o roubo. A sentença determinou a transferência do garoto para o Centro de Socioeducação Gelso de Carvalho, o Cense-GCA, antigo CTR, como o local ainda é chamando tanto pelos jovens que passaram por lá quanto pelos agentes que trabalham no local, e o agendamento de uma nova visita ao tribunal dias depois.
Os adolescentes podem permanecer no Cense-GCA por até 72 horas enquanto aguardam pela audiência. Caso o juiz decida pela internação provisória enquanto corre o processo, o jovem deve ser transferido ao Centro de Socioeducação Dom Bosco, também na Ilha do Governador, onde pode permanecer por no máximo 45 dias. Foi no Gelso de Carvalho que DG conversou com profissionais e entendeu o que significava o Degase. “A gente só falava com o psicólogo quando chegava. A assistente social que perguntava teu nome, contato e pá. Ela explicava também o que ia acontecer com nós e das sentença que tinha, liberdade assistida, semiaberto…”. O ECA determina diferentes sentenças de acordo com a gravidade do ato infracional ou a quantidade de vezes em que o adolescente já passou pelo sistema. No caso de DG, a juíza determinou que ele ficasse internado seis meses em regime de semiliberdade, situação em que os jovens passam a noite nas unidades de internação e saem para ir à escola durante o dia e retornam para dormir no centro.
No Degase, como em uma penitenciária comum, os alojamentos são divididos em alas de acordo com as facções ligadas ao tráfico de drogas ou às regiões da cidade onde vivem. Por ser do Jacarezinho, DG ficou alojado numa ala do Comando Vermelho, onde encontrou muitos garotos negros como ele. As estatísticas apontam que as semelhanças não são coincidência. Mais de 70% dos jovens internos são negros e 81% tem entre 16 e 18 anos.
Ilustração: Amanda Miranda/The Intercept Brasil
‘Se alguém gritava de uma cela, todo mundo apanhava’.
DG se apresentou e recebeu instruções do adolescente há mais tempo na ala. “Lá tem o mais velho da cela, ele já te orienta sobre o esquema da cadeia. Não podia falar vacilação, não podia xingar e mandar sujeito homem tomar no cu. Na hora de usar o banheiro, tinha que colocar o chinelo na tampa do vaso e no banho não podia passar o sabonete nas partes íntimas”. DG explica que as regras são seguidas à risca para, segundo o adolescente que o orientou, manter a harmonia dentro da cadeia. “Com os amigos era tranquilo, geral era abraçado. Era todo mundo família”. A família do Comando Vermelho, facção que o acolheu na prisão.
Da família de sangue, tudo o que DG recebeu no período da detenção foram abraços bem rápidos. Segundo o jovem, os agentes faziam questão de encurtar as visitas, já tão breves. A unidade permite visitas apenas uma vez por semana. “Eles falavam que eram 10 minutos de visita, mas chegava lá e eu dava só um abraço na minha mãe, ela começava a chorar, e os cara já separava e mandava embora. Era isso com todas as mães”, lembra.
Para a violência, ao contrário, havia carta branca. “Qualquer coisinha, eles [os agentes] batiam. Não podia falar, conversar. Se alguém gritava de uma cela, todo mundo apanhava. Tipo, um faz todo mundo apanha, sabe…”
Os agentes não eram os únicos a maltratar os internos. “Com os funcionários a gente não falava. Não tinha nem bom dia e nem boa tarde, os cara só chegava e amassava nós, só vinham pra bater na gente. Os único que nós conversava um pouco era as assistentes sociais e os cara da limpeza”, conta.
De dentro da ala, que aprenderam a chamar de cela, os adolescentes namoravam a quadra esportiva à frente, o espaço mais silencioso da unidade. Não havia atividades de lazer nem banho de sol. “A gente não saía pra nada”. Por ser uma unidade de passagem, o Cense-GCA não oferece aulas e outras atividades. Contudo, os três dias de estadia máxima se multiplicam e viram 15, 20, 25. Foi o caso de DG. A segunda audiência ocorreu cerca de três semanas após sua chegada ao Degase. A justiça direcionou DG ao regime semiaberto, em um dos Centros de Recursos Integrados de Atendimento ao Adolescente, o Criaad. Lá, o interno cumpre atividades de segunda a sexta e pode visitar a família aos finais de semana, se autorizado. “Era mais tranquilo. A comida era melhor, as celas ficavam abertas, e a gente podia conversar com todo mundo da cadeia. Tinha futebol e igreja também”.
No primeiro final de semana em que voltou para casa, DG decidiu não retornar ao local. Ele não acredita que o sistema melhoraria sua vida. “Os caras falam que é pra educar, mas eu só desci mais revoltado. Eles mesmo cria os pitbull. Efetivo? Só me deixou com mais ódio na mente, só me piorou”. DG passou nove meses foragido. Pouco antes de publicarmos essa reportagem, descobrimos que ele voltou a ser apreendido.
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PM MATA CRIANÇA, DESSA VEZ EM SP: “PODE COMPRAR UM CAIXÃO PEQUENO PARA O SEU FILHO”
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Jornalistas Livres e SOS Racismo contam o caso do menino Miguel, de 12 anos, morto por um cabo da PM de São José dos Campos (SP)
Revista Fórum | PM de São Paulo (Foto: Reprodução) – Por Claudinho Silva, do SOS Racismo, e Laura Capriglione, dos Jornalistas Livres
O policial militar cabo Thiago Santos Sudré, de São José dos Campos (94 km de São Paulo), matou no dia 6 de setembro o menino Miguel Gustavo Lucena de Souza, de 12 anos, dentro de um parque de diversões da cidade. Segundo vizinhos, duas semanas antes, o mesmo cabo invadiu, sem mandado judicial, o apartamento familiar para ameaçar o menino e sua mãe, dizendo a ela: “Se eu pegar o Miguel na rua, pode comprar um caixão pequeno, porque ele não vai voltar mais”. Andréia, a mãe, ainda tentou explicar ao policial que o filho era “dependente químico”, ao que o PM respondeu: “Ele é uma sementinha do mal”. O diminutivo se explica: Miguel tinha apenas 1 metro e 33 centímetros de altura. Era um menininho negro, inteligente e sonhador.
A história do crime, contada pelo PM conhecido naquela quebrada como “Carioca” e na corporação como “Cabo T. Santos” foi a seguinte: o menino, em companhia de dois outros garotos, teria roubado um automóvel VW Fox vermelho por volta das 18 horas. Localizado o veículo, os policiais iniciaram uma perseguição pelas ruas da zona sul de São José dos Campos, que terminou quando os meninos entraram com o carro em um terreno descampado em que estava instalado um parquinho de diversões. Foi quando o carro colidiu com a grade do carrossel, pondo fim à aventura.
Do veículo saiu correndo o motorista, um adolescente de 17 anos. Dois meninos, de 13 e 14 anos também saíram do carro e jogaram-se no chão. Por fim, saiu Miguel, que estava no banco de trás do Fox. E aí a história contada pelo PM vira a mesma de sempre _“resistência seguida de morte”: Miguel teria tentado resistir à prisão, apontou uma arma para os policiais, ao que “Carioca” respondeu com dois disparos letais. Diz o boletim de ocorrência: “O óbito foi constatado pelo SAMU, viatura 11103, Dr. Leandro CRM 121002. Nada mais.”
O coronel PM José Eduardo Stanelis, comandante da tropa militar na região do Vale do Paraíba, disse que o garoto morto estava com um revólver INA calibre 32 nas mãos e escondia debaixo do tapete do veículo um simulacro de pistola da marca Smith & Wesson. “Então, provavelmente, eles estavam efetuando roubos na cidade”, raciocinou.
Trata-se de versão bem diferente da apresentada à reportagem dos Jornalistas Livres e do SOS Racismo por pessoas que estavam no parque de diversões na hora em que o garoto foi alvejado pelos tiros do PM. Nada menos do que 100 pessoas lotavam o local nos derradeiros minutos de vida do menino.
Confira a íntegra da reportagem no site dos Jornalistas Livres
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