AVANÇO NEOLIBERAL FAZ FOME ATINGIR 42,5 MILHÕES DE PESSOAS NA AMÉRICA LATINA E CARIBE

.

AVANÇO NEOLIBERAL FAZ FOME ATINGIR 42,5 MILHÕES DE PESSOAS NA AMÉRICA LATINA E CARIBE

Biscoito feito de barro, água e manteiga para “enganar” a fome no Haiti / Marcello Casal Jr. | Agência Brasil

Relatório divulgado pela ONU critica paralisação dos investimentos em políticas sociais na região

Brasil de Fato | São Paulo (SP) – A fome associada à subnutrição atingiu 42,5 milhões de pessoas na América Latina e no Caribe em 2018, segundo relatório divulgado pela ONU nesta segunda-feira (15) sobre o estado da segurança alimentar no mundo.

:: Fome persiste e obesidade se tornou problema global, revela diretor-geral da FAO ::

O número equivale a 6,5% da população local e mantém a trajetória de crescimento iniciada com a crise econômica mundial e aumentada pelo avanço dos governos e ataques neoliberais na região.

“A tendência a implementar programas sociais, que vinham incidindo na redução da fome há até três anos, foi altamente afetada”, afirmou à agência espanhola EFE o diretor adjunto de Economia do Desenvolvimento Agrícola da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), Marco Sánchez Cantillo.

Na América do Sul, segundo nota divulgada pela FAO, a desnutrição saltou de 4,6% em 2013 para 5,5% em 2017, mantendo o índice em 2018. “Durante os primeiros 15 anos deste século, a América Latina e o Caribe cortaram a subnutrição pela metade. Mas, desde 2014, a fome vêm aumentando”, disse o Representante Regional da FAO, Julio Berdegué.

A nota diz ainda que o aumento da fome está “intimamente associado à desaceleração econômica”, principalmente nos países cujas economias têm muita dependência da exportação de matérias-primas, as chamadas commodities – cujos preços tiveram queda acentuada a partir de 2011.

“O declínio do PIB e o aumento do desemprego resultaram em menores rendimentos para as famílias. Após vários anos de reduções acentuadas na pobreza, o número de pessoas pobres subiu de 166 milhões para 175 milhões entre 2013 e 2015, aumentando de 28,1% para 29,2% da população”, diz a nota.

No mundo

Das mais de 820 milhões de pessoas com fome, 513,9 milhões estão na Ásia (11,3% da população), 256 milhões na África (19,9%) e 42,5 milhões (6,5%) na América Latina e no Caribe.

Na África, a subnutrição cresceu em quase todas as regiões. Em países do Oriente Médio, como Síria e Iêmen, não para de aumentar desde 2010.

Edição: João Paulo Soares

.

COMO O GOVERNO BOLSONARO EXCLUIU OS INDÍGENAS DA FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS DE SAÚDE

.

COMO O GOVERNO BOLSONARO EXCLUIU OS INDÍGENAS DA FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS DE SAÚDE

Atendimento de saúde indígena é de competência da União, por meio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) / Ministério da Saúde/Divulgação

Fórum que reunia representantes de conselhos de saúde foi extinto; comunidades se queixam de não terem sido ouvidas

Cristiane Sampaio | Brasil de Fato | Brasília (DF) – A extinção de conselhos representativos por parte do presidente Jair Bolsonaro (PSL) é um dos atuais pesadelos dos povos indígenas no país. No Decreto 9.759, editado em abril, o chefe do Executivo acabou oficialmente com todos os colegiados ligados à administração pública federal que foram criados por lei, via decreto ou por atos infralegais. A medida abrange conselhos, comitês, comissões, grupos, juntas, fóruns, entre outros. Com isso, atingiu o Fórum de Presidentes de Conselhos Distritais de Saúde Indígena (FPCondisi), instância que permite uma articulação entre os representantes do segmento.

“Todos os indígenas do Brasil têm no FPCondisi uma instância máxima de controle social e, junto à Sesai, [ele] faz a articulação de fiscalização, de planejamento, de monitoramento, avaliação [de políticas públicas] e orienta os conselhos locais nas suas ações. Com a extinção dele, tem um sentimento entre nós todos de uma perda irreparável”, conta o indígena Yssô Truká, membro do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Uma ação judicial movida pela oposição levou para o Supremo Tribunal Federal (STF) a problemática em torno do decreto de Bolsonaro. Em resposta à iniciativa, a Corte decidiu, em junho, pela suspensão parcial da medida, afirmando que o governo não poderia extinguir colegiados que têm respaldo legal. O entendimento protege 1,2% do total de 2.593 colegiados vinculados ao Poder Executivo federal, segundo levantamento feito pelo Ministério da Economia.

A decisão do STF deixou em alerta o movimento indígena. Além de oficializar o fim do FPCondisi, o entendimento da Corte colocou em xeque a situação dos Conselhos Locais de Saúde Indígena (CLSIs) e dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (Condisi), que não foram criados por lei, e sim por decreto. Tais entidades são utilizadas por representantes indígenas como canal de interação com o poder público e monitoramento das políticas direcionadas ao setor.

Segundo dados oficiais da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão do Ministério da Saúde (MS), os CLSIs representam mais de 5 mil comunidades e aglutinam 305 etnias. Já os Condisi são, ao todo, 34 no país e reúnem 1.390 conselheiros.

Os CLSIs e os Condisi figuram entre as exceções mantidas, até o momento, pelo Executivo diante da decisão do Supremo. Apesar disso, representantes dos conselhos contam que o vaivém que tem marcado a existência das entidades de controle social deixa os indígenas em um contexto de incertezas. É o que afirma Yssô Truká, que acumula a função de presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena de Pernambuco.

“A gente continua se reunindo, mas com a incerteza de não saber como vai ficar a questão da condução da política de atenção à saúde indígena. Vamos continuar nos mobilizando, buscando apoio na sociedade, na Justiça brasileira, na imprensa, pra que consigam fazer, junto com a gente, justiça”, acrescenta.

De acordo com Truká, que também é membro da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo (Apoinme), a entidade ingressou, nos últimos dias, com uma ação na Justiça Federal em Pernambuco pedindo a revogação dos atos do atual governo que impactam na saúde indígena, incluindo o Decreto 9759.

Ele também informou que lideranças do segmento estão se articulando com diferentes instituições do sistema de Justiça, como a Ordem dos Advogados no Brasil (OAB), a Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF), para que sejam tomadas outras iniciativas.

Escuta  

O Decreto 9.759 coleciona críticas de diferentes lados. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), principal entidade de atuação nacional do segmento, se queixa de não ter sido ouvida pelo governo a respeito do fim das atividades do FPCondisi.

“Sempre tivemos abertos ao diálogo pra tentar minimamente dialogar sobre as temáticas que regem a questão indígena. Infelizmente, nunca foi dada essa oportunidade”, conta Dinaman Tuxá, da coordenação nacional da entidade, acrescentando que a falta de um canal com o governo se dá desde o início da gestão.

O decreto é alvejado também pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que acompanha as políticas do setor. O secretário-adjunto, Gilberto Vieira, sublinha que a conduta do governo transgride a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Ratificado pelo Estado brasileiro em 2004, o tratado garante o direito de “consulta livre, prévia e informada” aos povos indígenas antes de medidas que possam afetar as comunidades.

“É um retrocesso [a falta de oitiva], porque tira das políticas públicas o espaço de participação, considerado essencial”, critica Vieira.

Atendimento

A Apib teme que o fim das ferramentas de controle social leve a uma maior fragilização da rede de saúde pública voltada às comunidades. Instituído em 1999 por meio de lei específica, o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena vive um contexto de acentuação dos problemas, com a saída de profissionais do Programa Mais Médicos, denúncias de corrupção, atraso no pagamento de salários, carência de recursos e remédios, entre outros.

Tuxá ressalta que esse conjunto de fatores deságua em quem está na ponta do problema: os pacientes. Em abril, por exemplo, três crianças do Parque Indígena do Xingu, no estado do Mato Grosso, morreram por falta de atendimento médico qualificado. As mortes se deram em um período de 11 dias e o caso foi denunciado pela ONG Repórter Brasil. O líder teme que a extinção do FPCondisi e a instabilidade que cerca os demais conselhos levem a uma maior precarização do atendimento de saúde.

“A partir do momento em que você não tem uma gestão com fiscalização, acompanhamento, controle social promovido principalmente pelos usuários do sistema, esse atendimento tende a ser feito de qualquer forma, já que não vai ter uma fiscalização mais aguçada, não vai ter um espaço de discussão pra debater essas situações”, argumenta.

Governo

Brasil de Fato procurou ouvir o Ministério da Saúde a respeito das críticas feitas pelas fontes ouvidas nesta matéria. Por meio de sua assessoria de imprensa, a pasta disse que os CLSIs e os Condisi seguem com as atividades mantidas, que “são as instâncias permanentes de diálogo da SESAI e assim continuarão”.

Quanto ao FPCondisi, o ministério afirmou que ele teve as atividades interrompidas por não ter “respaldo na legislação de controle social da Saúde Indígena”. Na visão da pasta, isso “não impede a realização de audiências e encontros com os presidentes de Condisis de todo o país, como vem acontecendo”.

A respeito da necessidade de consulta aos povos indígenas e das críticas feitas pelo movimento, o MS afirma que “a atual gestão faz questão de manter diálogo direto com os povos indígenas e o faz por meio de viagens nas quais a secretária, Silvia Waiãpi, realiza visitas tanto a unidades de saúde da SESAI quanto a aldeias para fiscalizar a prestação de serviço in loco”.

Edição: Daniel Giovanaz

.

OPOSIÇÃO APROVEITARÁ O RECESSO PARA TENTAR “REDUZIR DANOS” DA REFORMA DA PREVIDÊNCIA

.

OPOSIÇÃO APROVEITARÁ O RECESSO PARA TENTAR

Parlamentares no plenário da Câmara dos Deputados durante sessão que aprovou reforma da Previdência em primeiro turno / Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Governo espera que a votação da proposta em segundo turno ocorra no plenário da Câmara em 6 de agosto

Cristiane Sampaio | Brasil de Fato | Brasília (DF) – O adiamento da votação da reforma da Previdência para agosto deu aos parlamentares de oposição na Câmara dos Deputados mais tempo para tentar popularizar os debates sobre o tema. O movimento inclui membros das siglas PT, Psol, PCdoB e parte do PSB e do PDT, que vêm se articulando em conjunto contra a proposta do governo Bolsonaro (PSL).

Para a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), uma das vice-líderes da minoria, a mudança na data de votação em segundo turno, que ocorreu mais de uma vez ao longo dos últimos meses, resulta do trabalho de obstrução feito pelos opositores, que dificultaram as investidas do governo ao desacelerar as sessões que debateram a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 6/2019, nome oficial da reforma.

A parlamentar acredita que o intervalo do recesso parlamentar, que se inicia na próxima quarta (18) e segue até 1º de agosto, contribui para as articulações da oposição, mesmo diante da vantagem matemática obtida pelo governo – o texto-base da PEC foi aprovado por 379 votos favoráveis contra 131 rejeições, em um cenário de liberação de emendas e oferta de cargos pelo Planalto em troca de apoios à pauta.

“Nestes quinze dias, nós vamos trabalhar intensamente nas bases. Vamos fazer com que a sociedade saiba quem votou a favor e quem votou contra. Muitos dos deputados que votaram pela reforma juravam nos palanques eleitorais que jamais votariam a favor de uma reforma dessa natureza. Evidentemente, eles vão sentir na base o reflexo disso”, projeta.

Segundo Portugal, a oposição buscará o que chama de “redução de danos” e tentará excluir, por exemplo, a regra da PEC que reduz o valor da pensão por morte concedida a viúvas. Nas votações do plenário na semana passada, os deputados baixaram de 100% para 60% o percentual da aposentadoria destinada ao segmento.

Pelo regimento da Câmara, na votação de segundo turno, os parlamentares não conseguem mais modificar pontos da proposta aprovada, mas podem apresentar os chamados “destaques supressivos”, que são sugestões de retirada de trechos. “Vamos jogar com a opinião pública pra tentar reverter os elementos mais nocivos da reforma”, afirma.

Os governistas apostam que a votação ocorra a partir do dia 6 de agosto, para encaminhar a proposta ao Senado até o dia 9.

Período estratégico

Se, por um lado, o adiamento da votação de segundo turno mantém o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), principal articulador da PEC, sob os holofotes midiáticos como condutor da pauta da reforma, por outro, o intervalo traz riscos aos interesses do governo. Primeiro, porque um eventual novo escândalo da gestão Bolsonaro pode ajudar, em alguma medida, na pressão exercida por deputados sobre o Planalto.

Em busca de emendas, cargos e outros dividendos políticos, parlamentares de diferentes siglas, especialmente as do chamado “centrão”, investiram em barganhas de bastidor para negociar com o governo o apoio à reforma. Esse movimento de forças, aliado à rejeição popular à medida, foi o principal fator de desidratação do texto da proposta e poderia levar a novas perdas do governo na votação dos destaques supressivos.

O período do recesso é considerado estratégico no jogo político porque, com vistas às eleições municipais de 2020, os parlamentares tendem a buscar maior interação com os redutos eleitorais, o que contribui também para a pressão do campo popular sobre os deputados.

“Não é tão simples reverter [o placar], mas acho que isso pode ajudar a diminuir a diferença”, acredita o líder do Psol, Ivan Valente (SP), destacando ainda a necessidade de maior mobilização popular contra a PEC.

Em sintonia com a opinião do parlamentar, o militante Leidiano Farias, integrante da Frente Brasil Popular (FBP), aponta que o momento deverá contar com novas articulações do campo.

“É importante aproveitar o recesso pra seguir dialogando com a população no sentido de que a reforma significa retrocesso do ponto de vista dos direitos sociais, do direito à aposentadoria, porque ela vai restringir o acesso à aposentadoria no país. Esse intervalo é pra aprofundar e intensificar o diálogo e a comunicação com a classe trabalhadora”, afirma.

Segundo Farias, um novo calendário de mobilizações está em fase de debate entre as entidades que compõem a FBP.

Edição: Daniel Giovanaz

..

DESEMPREGO E INFLAÇÃO IMPULSIONAM INADIMPLÊNCIA DOS BRASILEIROS NO 1º SEMESTRE DE 2019

.

DESEMPREGO E INFLAÇÃO IMPULSIONAM INADIMPLÊNCIA DOS BRASILEIROS NO 1º SEMESTRE DE 2019

Dados revelam que valor médio da dívida do brasileiro é de R$ 3.252,70, equivalente a mais de três vezes o valor do salário mínimo no país (R$ 998)

Repórter Cintia Moreira – Agência do Rádio – Uma pesquisa feita pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) mostra que a inadimplência do consumidor cresceu 0,9% no primeiro semestre de 2019, se comparado com o fim do ano passado. Esta, no entanto, é a segunda menor variação desde 2012, quando a inadimplência cresceu 5,8% no primeiro semestre daquele ano.

A autônoma Suzana Elias Azar, de 48 anos, engrossa a lista de brasileiros que estão com contas atrasadas. Ela conta que o primeiro semestre deste ano foi complicado para conseguir emprego e afirmou que a inflação também foi um fator negativo.

“Tudo aumentou de preço. O supermercado está uma loucura; cada vez que eu vou, eu tomo um susto com algum produto, que eu pagava x, agora está x mais y. Eu senti melhora agora em julho, espero que continue, mas, de toda forma, infelizmente, acabei me enrolando com as minhas contas e estou com algumas delas, de consumo, em atraso. Com a grana curta, a gente acaba priorizando pagar o aluguel e alimentação”, disse.

Quem também tem enfrentando dificuldades para manter as contas em dia é a jornalista Fabiana Honorato, de 43 anos. Ela conta que se sente incomodada com a situação e espera que seja em breve possa regularizar os débitos atrasados.

“Confesso que não é uma rotina que me agrada. Me tira o sono, tira o sono do meu marido também, mas a gente tem que aprender a conviver e, na maneira do possível, conforme vai entrando, a gente vai saldando. A gente vive um dia de cada vez, um mês de cada vez, um boleto de cada vez. Acredito que seja momentâneo, porque a gente tem buscado cada vez mais trabalhos para a gente ter o mínimo para quitar as contas fixas”, afirmou.

Para o educador financeiro do SPC Brasil, José Vignoli, o desemprego e a estagnação da economia alavancam os números de inadimplência entre os brasileiros.

“O crescimento vem desacelerando, o que é um fator positivo. Apesar que o ideal, obviamente, é que nós tenhamos aí uma diminuição do número de inadimplentes. Mas temos que lembrar que temos um estoque alto de dívida e que as pessoas têm encontrado dificuldade para resolver por conta do desemprego, por conta da falta de renda”, ponderou.

Até abril deste ano, 62,6 milhões de pessoas se encontravam nessa situação, o que representa quase 41% da população adulta. A alta mais acentuada foi na região Sudeste, com 3,4% em junho frente ao mesmo período do ano passado, seguida pelo Norte e Sul do país.

Do total de consumidores que têm contas em atraso no país, um quarto (25%) está na casa dos 30 anos, fase da vida em que as pessoas tendem a assumir mais compromissos financeiros, como casamento, filhos e despesas domésticas.

Segundo o educador financeiro do SPC Brasil, José Vignoli, uma tendência observada no levantamento que chama atenção é o crescimento no atraso de contas entre população idosa, que varia de 65 aos 84 anos.

“Houve um aumento de 7,5%. Isso demonstra que os mais velhos, por possuírem uma renda provavelmente vinda da aposentadoria, estão aí assumindo compromissos para cobrir eventuais problemas de familiares, eventualmente desempregados ou que andaram desorganizados nas suas finanças. Isso não é um bom sinal, porque leva essas pessoas, que muitas vezes são o arrimo de família, a terem problemas”, conta.

Os dados apontam ainda que o valor médio da dívida do brasileiro é de R$ 3.252,70. O valor representa quase três vezes e meio o valor do salário mínimo no país, que é de R$ 998.

JUSTIÇA FEDERAL DETERMINA CANCELAMENTO DA CONCESSÃO DE RÁDIOS E TV CONTROLADAS PELO SENADOR FERNANDO COLLOR

.

Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado

Decisão proferida pela Justiça Federal em Alagoas é resultado de uma estratégia que se iniciou em 2015, a partir de representações públicas propostas por organizações sociais, dentre elas o Intervozes, ao MPF.

Por   – Nesta quarta-feira (10), a Justiça Federal em Alagoas determinou o cancelamento da concessão, permissão ou autorização do serviço de radiodifusão sonora ou de sons e imagens outorgado à TV Gazeta de Alagoas Ltda (afiliada à Rede Globo), à Radio Clube de Alagoas Ltda e à Radio Gazeta de Alagoas Ltda, por possuírem em seu quadro societário o senador Fernando Collor de Mello (PROS-AL). A decisão atende à ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) após denúncia de organizações da sociedade civil, dentre elas o Intervozes. Entretanto, as empresas continuarão prestando serviços até o trânsito em julgado da sentença.

A ação do MPF tem como base o artigo 54 da Constituição Federal, que proíbe parlamentares de “firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público”. Em outras palavras, políticos em cumprimento do mandato não podem ser donos de emissoras de rádio e TV. Além do cancelamento das concessões, a decisão da Justiça também condicionou à manutenção da sentença após o trânsito em julgado: a condenação da União a não renovar a outorga, bem como realizar nova licitação; a condenação das empresas concessionárias para não mais operarem os serviços nem pleitearem a renovação da outorga; e multa diária em caso de descumprimento da ordem judicial.

Para a associada do Intervozes em Alagoas, Élida Miranda, a decisão é importante e deve servir de exemplo para ampliar a fiscalização das concessionárias de radiodifusão. “Historicamente, o senador Fernando Collor vem descumprindo os dispositivos constitucionais em relação ao funcionamento da concessão pública de radiodifusão. A Justiça tem que ser efetiva na fiscalização, inclusive não permitindo que tenham brechas jurídicas para que a decisão seja desfeita em alguma medida. Também é preciso ampliar essa fiscalização para outras empresas, que assim como a do Collor descumprem as regras constitucionais e não respeitam a concessão pública. Para o movimento pela democratização da comunicação não é uma novidade esse debate, mas isso precisa despertar na sociedade”.

Representante do estado de Alagoas no Congresso, o deputado federal João Henrique Caldas (PSB-AL) também responde à ação civil pública pelas mesmas razões.

Coronéis da mídia

O fenômeno denominado “coronelismo eletrônico”, onde os antigos coronéis são substituídos pelos coronéis da mídia, não é novo, já foi objeto de inúmeras pesquisas e publicações e atualmente é alvo de ações no Supremo Tribunal Federal (STF). De acordo com o levantamento feito pelo Intervozes em 2015, que deu origem à denúncia ao MPF, 32 deputados e oito senadores eram donos ou sócios de empresas concessionárias de radiodifusão naquela legislatura.

Em 2018, o Intervozes fez um novo levantamento que identificou 20 deputados federais, seis senadores e um governador como proprietários de emissoras de rádio e TV. Além de outros que mantêm ligações familiares e/ou profissionais com grandes redes de comunicação.

..

A EMPRESA DE PALESTRAS DE ROSÂNGELA MORO

.

A EMPRESA DE PALESTRAS DE ROSÂNGELA MORO

A esposa do juiz federal Sérgio Moro, Rosângela Wolff Moro, abriu, em janeiro deste ano, uma empresa de cursos e palestras no mesmo endereço do escritório de Vicente Paula Santos (Henry Milleo/Agência Pública)

Nova sociedade de esposa de Sérgio Moro com advogado Carlos Zucolloto Jr. vai explorar ramo de atividade no qual juiz tem se destacado.

A PUBLICA – A advogada e esposa do juiz federal Sérgio Moro, Rosângela Wolff Moro, abriu, em janeiro deste ano, uma empresa de cursos e palestras no mesmo endereço do escritório de Vicente Paula Santos, listado como advogado dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato Carlos Fernando dos Santos Lima e Januário Paludo.

Rosângela possui três sócios na HZM2 Cursos e Palestras, incluindo um amigo antigo da família e padrinho de seu casamento, o advogado Carlos Zucolotto Júnior. O capital social é de R$ 20 mil. De acordo com dados da Receita Federal, na rua Nilo Peçanha, 897, no bairro Bom Retiro, em Curitiba, funcionam três empresas: HZM2 cursos e palestras , Zucolotto Sociedade de Advogados  e o escritório de advocacia Vicente Paula Santos Advogados Associados .

A nova sociedade entre Carlos Zucolotto Júnior e Rosângela Moro, que já foram parceiros no escritório Zucolotto Sociedade de Advogados, foi oficializada cerca de um mês depois de o ex-funcionário da Odebrecht Rodrigo Tacla Duran ter acusado o amigo dos Moro, em depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga a JBS, de ter cobrado propina para intermediar sua delação premiada na Operação Lava Jato. O advogado e o juiz Sérgio Moro negam. (Veja mais no box ao final da matéria).

Vicente Paula Santos aparece como advogado de Carlos Fernando dos Santos Lima em oito processos que tramitam e/ou tramitaram nos Tribunais de Justiça Estadual e Federal do Paraná, no TJ de São Paulo, no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O processo mais antigo localizado pela Agência Pública é uma ação popular com data do ano 2000. Ele foi encerrado no Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF4), com causa ganha para os réus. O autor dessa ação, com base em uma reportagem veiculada na imprensa informando o pagamento ilegal e irregular de diárias aos integrantes do Ministério Público Federal, solicita que os procuradores devolvam o dinheiro aos cofres públicos. Nesse mesmo processo, Vicente Paula Santos defendeu também Januário Paludo, no STJ e em uma causa no tribunal do Paraná.

Otavio Conci

Vicente Paula Santos aparece como advogado do procurador da força-tarefa da Lava Jato Carlos Fernando dos Santos Lima

Apesar de atualmente não constarem como sócios na Receita Federal, Vicente Paula Santos e Carlos Zucolotto Júnior dividem escritório na mesma casa – onde também foi registrada a HZM2 Cursos e Palestras. Os sites dos dois escritórios de advocacia, Zucolotto Sociedade de Advogados  e Vicente Paula Santos Advogados Associados, inclusive, divulgam o mesmo número de telefone. Além de Carlos Zucolotto e Rosângela Moro, participam do quadro societário da HZM2 o advogado Guilherme Henn, que trabalha no Zucolotto Sociedade de Advogados, e o professor de direito Fernando Mânica, que atua também no ramo de consultoria para celebração de parcerias público-privadas.

Os procuradores, por meio da assessoria de imprensa do Ministério Público Federal no Paraná, afirmaram à reportagem que o advogado Carlos Zucolotto compunha a sociedade de advogados com Vicente Paula Santos até 2012, atuando na área trabalhista, e nunca participando efetivamente de qualquer processo judicial que envolva os procuradores. Além disso, eles informaram que nenhum dos membros da força-tarefa da Lava Jato possui ou já possuiu relacionamento pessoal ou profissional com o advogado Carlos Zucolotto Jr.

A Agência Pública encaminhou algumas perguntas a Sérgio Moro através da assessoria do TRF em 5 de julho, para esclarecer a sua relação com a HZM2, uma vez que ele é muito requisitado como palestrante no Brasil e no exterior. O juiz reiterou sua negativa sobre as acusações de Tacla Duram e escreveu que “quanto as demais perguntas, são meramente especulativas e que partem de um pressuposto equivocado.” Afirmou ainda que não vai manifestar-se sobre o assunto.

Reprodução/ Instagram

Rosângela Moro com o marido, juiz do TRF4.

A reportagem tentou contato com a advogada Rosângela Moro em seu escritório de advocacia, mas ninguém atendeu. Também foi encaminhado e-mail, sem resposta. A Pública também enviou os questionamentos para o sócio de Rosângela, Guilherme Henn e pediu para que ele respondesse as perguntas e as encaminhasse à Rosângela. Por telefone, Guilherme disse que Rosângela estava viajando, mas iria tentar falar com ela. Guilherme e Rosângela não deram nenhum retorno até o fechamento desta edição. Também entramos em contato com o advogado Carlos Zucolotto por e-mail e no escritório de advocacia. No mesmo contato, a Pública procurou Vicente Paula Santos, mas a secretária pediu para que fosse encaminhado um e-mail ao advogado Zucolotto que ele enviaria também a Vicente. A Pública destinou a mensagem para os dois advogados, sem resposta até a publicação da reportagem.

Sérgio Moro, o palestrante

Entre janeiro de 2017 e julho de 2018, o juiz ministrou ao menos 22 cursos e palestras no Brasil e no exterior – um por mês, em média. O levantamento foi feito pela Pública com base em notícias veiculadas na imprensa nacional e internacional e com informações do portal da transparência do TRF4. A reportagem pediu ao órgão, via Lei de Acesso à Informação, dados de todos os cursos e palestras ministradas pelo juiz nos últimos cinco anos. Foram questionados: o honorário recebido, o contratante, local e data do evento. Em resposta, o tribunal disse que as informações estavam disponíveis no site e que a administração da corte havia solicitado aos magistrados que “atualizassem os registros sobre o exercício de docência eventual no sistema de recursos humanos”.

Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Entre janeiro de 2017 e julho de 2018, o juiz Sério Moro ministrou ao menos 22 cursos e palestras no Brasil e no exterior

Porém, além dos dez eventos que contaram com a participação de Moro desde 2017, divulgados no portal do órgão, a Pública encontrou outros 12 que ocorreram no mesmo período e não estão listados. Entre eles, as participações do juiz em congressos internacionais, como as palestras que ele deu este ano no Fórum do Grupo Lide – criado pelo ex-prefeito João Doria (PSDB) – em Nova York; no Brazil Fórum 2017, em Londres; e no Brazil Conference, nos Estados Unidos. Não está claro se houve pagamento por essas palestras.

O Lide Brazilian Investment Forum é realizado anualmente em Nova York e “reúne empresários e investidores nacionais e internacionais para debater relações bilaterais entre Brasil e Estados Unidos”. O evento contou este ano com patrocínio de quatro empresas: dois escritórios de advocacia; da empresa Cosan, que atua em setores como agronegócio, distribuição de combustíveis e gás natural; e da empresa de segurança Gocil Seguranças e Serviços. Já o Brazil Fórum é organizado por estudantes brasileiros no Reino Unido desde 2016, na London School of Economics and Political Science, na cidade de Londres, e na Universidade de Oxford, na cidade de Oxford. O evento foi patrocinado por escritórios de advocacia, embaixada brasileira em Londres, empresas como Uber e Latam e a Fundação Lemann. Assim como o Brazil Fórum, o Brasil Conference at Harvard & Mit é organizado por estudantes brasileiros e também contou com o patrocínio da Fundação Lemann e de escritórios de advocacia, além do apoio de empresas como a Azul, a Ambev, o grupo Boticário e o banco BTG Pactual.

A Resolução 226/2016 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determina que o exercício de qualquer atividade docente por magistrado “deverá ser comunicado formalmente ao órgão competente do Tribunal, mediante registro eletrônico em sistema por ele desenvolvido, com a indicação da instituição de ensino, do horário e da(s) disciplina(s) ministradas”. O CNJ reconhece cursos e palestras como atividade docente.

Além disso, o texto da resolução diz que o Conselho e a Corregedoria Nacional de Justiça promoverão o acompanhamento e a avaliação periódica das informações.

Ao ser questionado sobre o controle desses dados, no entanto, o CNJ, por meio da assessoria de imprensa, ressaltou que não possui as informações consolidadas sobre a participação dos magistrados em atividades de docência.

O órgão argumentou que atua mediante notícia ou denúncia de irregularidade, com abertura de processo próprio, “devendo os tribunais disporem das informações conforme previsto na resolução”.

“Quanto a punições de magistrados por infração a estas resoluções, ainda não houve casos de punição aplicada”, acrescentou o Conselho.

Apesar de não revelar o valor que cobra para dar aulas, cursos ou palestras, Sérgio Moro informou, entre os dez eventos listados no portal da Justiça Federal no Paraná, que recebeu cachê em quatro situações: nos cursos ministrados na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) sobre corrupção e negócios, no curso de Formação Inicial na Carreira da Magistratura da 4ª Região, em Porto Alegre, e no Curso Direito Penal e Processual – Temas Contemporâneos, em Curitiba.

A Pública entrou em contato com a PUCRS para saber o valor do pagamento ao juiz e se a empresa da sua mulher intermediou as negociações. A universidade informou que Moro é professor convidado do curso Finanças, Investimentos e Banking (FIB) do Pós PUCRS Online. “Nesta data, dia 10 de abril, ele foi convidado pela Universidade e ministrou a disciplina Direito e Crimes Financeiros deste curso. O FIB é uma parceria com a empresa UOL Edtech. Por políticas internas da PUCRS, os valores de pagamentos do corpo docente não são divulgados”, respondeu a assessoria de imprensa.

O TRF4 informou, por meio da assessoria de imprensa, que todos os valores recebidos pelos magistrados são “necessariamente informados na declaração de ajuste anual, a qual é submetida à Receita Federal e ao TCU” e que “o sistema para registro de docência eventual deste Tribunal, na forma da Resolução nº 34/2007 do CNJ, prevê a inserção de informações como data, tema, local e entidade promotora do evento (art. 4º-A, § 1º).” “No Portal da Transparência, para melhor visualização das informações mais relevantes, não aparece o campo da entidade promotora, que pode ser informada a qualquer tempo aos interessados, caso necessário”, disse o órgão. “Esta Corregedoria não possui registro da participação do Juiz Federal Sérgio Fernando Moro em evento no dia 16-05-2018. Cabe informar, em complementação, que no período de 11-05 a 19-05-2018 referido Juiz Federal esteve em férias”, acrescentou. Como o juiz Sérgio Moro está de férias, a assessoria do TRF4 não conseguiu responder o motivo das outras palestras levantadas pela reportagem não estarem listadas no portal da transparência.

Palestras e congressos aproximam empresas do Judiciário

Os juízes não são obrigados a dizer o valor que recebem pelos cursos e palestras nem quem as paga. Isso impede, no entanto, que a sociedade saiba quem são as empresas que desembolsam dinheiro nesses contratos, e a possível influência que elas poderiam ter sobre os magistrados, na hipótese de contratá-los por altos cachês. A Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh), uma rede nacional de organizações que lida com ações judiciais em temas de direitos humanos, entregou, em abril, ao relator especial das Nações Unidas sobre independência dos juízes, Diego García-Sayán, um documento denunciando o patrocínio empresarial de eventos e o pagamento de honorários como formas de captura corporativa do Judiciário. Uma denúncia com teor parecido já foi encaminhada pela entidade à presidente do CNJ, Cármen Lúcia.

Desde 2009, organizações que integram o JusDh alertam sobre essa prática. Naquele ano, eles denunciaram o XX Congresso da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que foi financiado pela Confederação Nacional da Agricultura e contou com palestra da então presidente, representante do agronegócio, Kátia Abreu. “Para nossas organizações, esse foi um alerta de que o Judiciário escolheu um lado para ouvir, e esse lado não foi o dos movimentos sociais que historicamente lutam pelo direito à terra”, afirmou a advogada e coordenadora da Terra de Direitos, Luciana Pivato.

Em 2009, o JusDh denunciaram o XX Congresso da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) que contou com palestra da então presidente, representante do agronegócio, Kátia Abreu

A JusDh destaca também o XXI Congresso da AMB, em 2012, financiado pela Norte Energia, responsável pela construção da hidrelétrica de Belo Monte. O congresso ocorreu em Belém, com participação de cerca de 1.500 juízes, no momento em que as organizações denunciavam as violações decorrentes da construção do megaempreendimento. Em 2015, a mineradora Anglo American, com denúncias de violações de direitos humanos, patrocinou o I Congresso Mineiro sobre Exploração Minerária, organizado pela Associação dos Magistrados de Minas Gerais. O diretor jurídico da mineradora, Gerson Ferreira do Rêgo, foi um dos palestrantes do painel com o tema “Exploração Minerária: Evolução e Perspectivas”. No mesmo ano, ocorreu o desastre ambiental de Mariana. “Nossas organizações estão preocupadas com a prática recorrente de patrocínio, aliada à presença de temas de interesse das empresas, conferidos muitas vezes por palestrantes que representam seus interesses”, acrescentou Luciana.

A AMB informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que os eventos organizados pela entidade seguem as orientações da Resolução 170/2013 do CNJ. A norma determina que os eventos promovidos por magistrados ou órgãos da magistratura podem contar com até 30% de recursos de entidades privadas.

Segundo a resolução, “a documentação relativa aos congressos, seminários, simpósios, encontros jurídicos e culturais e eventos similares, quando realizados por órgãos da Justiça submetidos ao Conselho Nacional de Justiça, inclusive as Escolas Oficiais da Magistratura, ficará à disposição do CNJ para controle, bem como de qualquer interessado”. O CNJ informou à Pública que também não possui a consolidação de dados sobre esse assunto e que nunca houve casos de punição aplicada.

Na avaliação da JusDh, a participação de empresas deveria ser proibida. “Sempre é importante lembrar que juízes e juízas são pessoas iguais a todo mundo e também podem sofrer influências da realidade que os cerca. Participar de eventos e seminários patrocinados por entidades com interesses judiciais, como os casos citados anteriormente, pode ter o mesmo efeito que participar de um ‘curso imersivo’ sobre por que tais entidades teriam razão nos processos”, compara o representante da Conectas Direitos Humanos, João Godoy.

Cobranças por palestras a partir de R$ 40 mil

Apesar da falta de transparência quando o assunto é o cachê, há casos em que os valores de contratos negociados com órgãos públicos acabaram vindo à tona.

Para justificar a regularidade e licitude da celebração de um contrato com a empresa Supercia Capacitação e Marketing, pelo qual estava previsto o pagamento de R$ 46,8 mil por uma palestra do ministro do STF Luís Roberto Barroso, a Escola Superior de Contas do Tribunal de Contas de Rondônia (TCE-RO) listou, em um documento ao qual a reportagem teve acesso, outros casos em que valores teriam sido negociados ou pagos para palestras de outros ministros do Supremo.

Um exemplo, segundo o documento, seria um pagamento ao ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, em palestra na Câmara dos Vereadores de Itajaí (SC), em 13 de abril de 2015, no valor de R$ 60 mil; outro, ao ministro Luiz Fux, em palestra contratada pelo governo de Minas Gerais, realizada em 8 de maio de 2015, por R$ 40 mil.

Carlos Humberto/ SCO/ STF – Segundo o documento, o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, teria recebido R$ 60 mil pela palestra na Câmara dos Vereadores de Itajaí (SC)

A Escola Superior de Contas coletou essas informações em reportagens publicadas na imprensa. Em uma delas, Joaquim Barbosa disse não saber que o recurso viria do órgão público. Já Fux pediu a suspensão do pagamento após ser informado pela reportagem da Folha de S Paulo.

O documento afirma ainda que a Escola Superior de Contas (ESCon), em 2017, pleiteou um contrato, não assinado, com Joaquim Barbosa e recebeu a proposta da empresa Supercia Capacitação e Marketing no valor de R$ 121 mil .

O documento, assinado pelo diretor-geral da Escola Superior de Contas, Raimundo Oliveira Filho, informa também sobre  a rescisão do contrato do órgão com a Supercia no caso da palestra de Luís Roberto Barroso orçada em R$ 46,8 mil.

O ministro receberia esse valor por uma hora de fala no VII Fórum de Direito Constitucional e Administrativo Aplicado aos Tribunais de Contas, marcada para o dia 18 de maio. “No que toca à contratação da empresa Supercia Capacitação e Marketing Ltda., pessoa jurídica de direito privado, com atuação de 22 anos nesse mercado específico, temos a dizer que esta se apresentou, conforme os documentos juntados aos autos, como ofertante da agenda para palestra do palestrante/doutrinador de renome nacional, Luís Roberto Barroso”, informa o documento.

O valor do contrato para a palestra do ministro foi divulgado na imprensa. O magistrado afirmou, à Folha de S.Paulo, na época, que foi convidado para falar na cidade, mas negou ter sido contratado pelo TCE e cobrado o valor anunciado por sua participação. Ao jornal, ele disse ainda que não firma contratos com órgãos públicos. “Não tenho a menor ideia de que valor é este. É um valor completamente fora do padrão, fora do que eu cobro”, ressaltou Barroso.

Após tamanha visibilidade, o contrato entre o TCE de Rondônia e a Supercia foi rescindido e o ministro acabou indo ao local para divulgar um livro, sem custos para o tribunal.

As acusações de Tacla Duran

Foragido na Espanha, Rodrigo Tacla Duran é apontado pela Justiça como o operador da Odebrecht no esquema de corrupção que desviou recursos da Petrobras. As suas declarações foram feitas por videoconferência a parlamentares em 30 de novembro do ano passado.

Segundo Tacla Duran, Carlos Zucolotto o procurou em 2016, com a proposta de fazer contatos com integrantes da força-tarefa para reduzir sua pena e a multa, no valor de US$ 15 milhões, para US$ 5 milhões, caso o ex-funcionário da Odebrecht firmasse o acordo. Em troca, no entanto, ele teria pedido US$ 5 milhões “por fora” para pagar pessoas que o ajudariam nessa empreitada. As conversas teriam ocorrido por meio de texto em um aplicativo de mensagens de celular e teriam sido fotografadas por Tacla Duran. À Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, o

advogado entregou as imagens do diálogo e uma perícia feita por autoridades espanholas – a pedido dele – referendando a veracidade da conversa. Tacla Duran disse que Zucolotto era representante de seu escritório de advocacia em Curitiba, por isso já o conhecia.

O sócio de Rosângela Moro negou as acusações. O juiz federal saiu em defesa do amigo e dos procuradores da Lava Jato. Moro divulgou uma nota em 27 de agosto dizendo que Zucolotto “é advogado sério e competente, atua na área trabalhista e não atua na área criminal”. Segundo Moro, o relato de que Zucolotto teria tratado com Tacla Duran sobre acordo de colaboração premiada é “absolutamente falso”. O juiz disse ainda que nenhum dos membros do Ministério Público Federal da força tarefa em Curitiba confirmou qualquer contato de Zucolotto sobre o referido assunto ou sobre qualquer outro. “Porque de fato não ocorreu qualquer contato”, acrescentou. Na nota, o juiz federal desqualificou as acusações de Tacla Duran ao reforçar seu envolvimento no esquema de desvio de dinheiro. “Rodrigo Tacla Duran é acusado de lavagem de dinheiro de milhões de dólares e teve a sua prisão preventiva decretada por este julgador, tendo se refugiado na Espanha para fugir da ação da Justiça”, disse.

…………………

.

DELTAN MONTOU PLANO PARA LUCRAR COM FAMA DA LAVA JATO, APONTAM MENSAGENS

.

DELTAN MONTOU PLANO PARA LUCRAR COM FAMA DA LAVA JATO, APONTAM MENSAGENS

Procurador discutiu criar empresa sem ser sócio e estratégia para arrecadar com palestras; ele diz promover cidadania

Folha UOL – ​O procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, montou um plano de negócios de eventos e palestras para lucrar com a fama e contatos obtidos durante as investigações do caso de corrupção, apontam mensagens obtidas pelo The Intercept Brasil e analisadas em conjunto com a Folha.

Em um chat sobre o tema criado no fim de 2018, Deltan e um colega da Lava Jato discutiram a constituição de uma empresa na qual eles não apareceriam formalmente como sócios, para evitar questionamentos legais e críticas.

A justificativa da iniciativa foi apresentada por Deltan em um diálogo com a mulher dele. “Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade”, escreveu.

O procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato, em palestra no 6º Congresso Internacional de Compliance – Jorge Araújo – 9.mai.2018/Folhapress

Os procuradores cogitaram ainda uma estratégia para criar um instituto e obter elevados cachês. “Se fizéssemos algo sem fins lucrativos e pagássemos valores altos de palestras pra nós, escaparíamos das críticas, mas teria que ver o quanto perderíamos em termos monetários”, comentou Deltan no grupo com o integrante da força-tarefa.

A realização de parcerias com uma firma organizadora de formaturas e outras duas empresas de eventos também foi debatida nessa conversa.

A lei proíbe que procuradores gerenciem empresas e permite que essas autoridades apenas sejam sócios ou acionistas de companhias.

Os diálogos examinados pela Folha e pelo Intercept indicam que Deltan ocupou os serviços de duas funcionárias da Procuradoria em Curitiba para organizar sua atividade pessoal de palestrante no decorrer da Lava Jato.

As mensagens mostram ainda que o procurador incentivava outras autoridades ligadas ao caso a realizar palestras remuneradas, entre eles o ex-juiz e atual ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro.

Os chats pelo aplicativo Telegram que envolvem a força-tarefa da Lava Jato foram enviados por uma fonte anônima ao Intercept, que divulgou a primeira reportagem em 9 de junho. Na última terça (9), o site publicou o primeiro áudio do material, no qual Deltan comemora uma proibição de entrevista do ex-presidente Lula (PT) à Folha.

Sempre que questionado sobre a sua atividade como palestrante, Deltan enfatiza que sua atuação neste campo tem como objetivo promover a cidadania e que grande parte dos recursos é destinada a entidades filantrópicas ou de combate à corrupção.

Pouco antes do primeiro aniversário da Lava Jato, em fevereiro de 2015, a dedicação de Deltan a cursos e viagens já gerava descontentamento entre os colegas da Procuradoria em Curitiba. Em uma conversa, o procurador buscou justificar suas atividades, dizendo que ela compensava um prejuízo financeiro decorrente da Lava Jato.

“Essas viagens são o que compensa a perda financeira do caso, pq fora eu fazia itinerancias [trabalho extraordinário em que, ao assumir tarefas de outro procurador, é possível engordar o contracheque] e agora faria substituições”, disse o procurador.

“Enfim, acho bem justo e se reclamar quero discutir isso porque acho errado reclamar disso. Acho que o crescimento é via de mão dupla. Não estamos em 100 metros livres. Esse caso já virou maratona. Devemos ter bom senso e respeitar o bom senso alheio”, completou Deltan.

A intensa atividade de Deltan como palestrante chamou a atenção da imprensa e levou os deputados federais Paulo Pimenta (PT-RS) e Wadih Damous (PT-RJ) a pedirem abertura de um procedimento disciplinar no Conselho Nacional do Ministério Público.

O requerimento, porém, foi arquivado, pois o órgão entendeu à época que as palestras se enquadravam como atividade docente, o que é permitido por lei, e ressaltou que grande parte dos recursos era destinada a instituições filantrópicas.

A ideia de criar uma empresa de eventos para aproveitar a repercussão da Lava Jato foi manifestada por Deltan em dezembro de 2018 em um diálogo com a mulher dele.

No mesmo mês, o procurador e o colega dele na força-tarefa da Lava Jato Roberson Pozzobon criaram um grupo de mensagens específico para discutir o tema, com a participação das esposas deles.

“Antes de darmos passos para abrir empresa, teríamos que ter um plano de negócios e ter claras as expectativas em relação a cada um. Para ter plano de negócios, seria bom ver os últimos eventos e preço”, afirmou Deltan no chat.

Pozzobon respondeu: “Temos que ver se o evento que vale mais a pena é: i) Mais gente, mais barato ii) Menos gente, mais caro. E um formato não exclui o outro”.

Após discussões sobre formatos do negócio, em 14 de fevereiro de 2019 Deltan propôs que a empresa fosse aberta em nome das mulheres deles, e que a organização dos eventos ficasse a cargo de Fernanda Cunha, dona da firma Star Palestras e Eventos.

Deltan detalhou então como seria a organização formal da empresa. “Só vamos ter que separar as tratativas de coordenação pedagógica do curso que podem ser minhas e do Robito [Pozzobon] e as tratativas gerenciais que precisam ser de Vcs duas, por questão legal.”

Em seguida, o procurador alertou para a possibilidade de a estratégia levantar suspeitas. “É bem possível que um dia ela [Fernanda Cunha, da Star Palestras] seja ouvida sobre isso pra nos pegarem por gerenciarmos empresa”, disse.

Pozzobon então comentou, em tom jocoso: “Se chegarem nesse grau de verificação é pq o negócio ficou lucrativo mesmo rsrsrs. Que veeeenham”.

O procurador Roberson Pozzobon, da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba – Theo Marques – 12.mar.2019/UOL

No dia seguinte, Deltan sugeriu também estabelecer uma parceria com uma empresa de eventos e formaturas de um tio dele chamada Polyndia.

“Eles [Polyndia] podem oferecer comissão pra aluno da comissão de formatura pelo número de vendas de ingressos que ele fizer. Isso alavancaria total o negócio. E nós faríamos contatos com os palestrantes pra convidar. Eles cuidariam de preparação e promoção, nós do conteúdo pedagógico e dividiríamos os lucros”, afirmou Deltan.

No último dia 3 de março, Deltan postou no diálogo detalhes sobre um evento organizado por uma entidade que se apresentava como um instituto. Ele comentou que esse formato jurídico também poderia servir para evitar questionamentos jurídicos e a repercussão negativa quanto à atividade deles.

“Deu o nome de instituto, que dá uma ideia de conhecimento… não me surpreenderia se não tiver fins lucrativos e pagar seu administrador via valor da palestra. Se fizéssemos algo sem fins lucrativos e pagássemos valores altos de palestras pra nós, escaparíamos das críticas, mas teria que ver o quanto perderíamos em termos monetários”, escreveu.

A Folha pesquisou registros na Junta Comercial do Paraná e em cartórios de Curitiba e as buscas indicaram que, por enquanto, não houve a constituição de empresa de palestras em nome das mulheres dos procuradores ou de um instituto em nome deles.

As mensagens no Telegram indicam a intenção dos procuradores de tocar o projeto mesmo sem que a empresa de eventos e palestras estivesse formalizada. “Podemos tentar alguma coisa agora em maio tvz. Ou fim de abril. Nem que o primeiro evento a empresa não esteja 100% fechada”, afirmou Pozzobon.

Em dezenas de conversas analisadas pela Folha e pelo Intercept, Deltan mostrou grande interesse quanto ao valor de cada palestra.

Cerca de três meses antes de iniciar o grupo para discutir a abertura da empresa, Deltan informou a esposa sobre a lucratividade das palestras apurada até setembro de 2018.

“As palestras e aulas já tabeladas neste ano estão dando líquido 232k [R$ 232 mil]. Ótimo… 23 aulas/palestras. Dá uma média de 10k [R$ 10 mil] limpo.”

No mês seguinte, o procurador manifestou a expectativa para o fechamento de 2018.

“Se tudo der certo nas palestras, vai entrar ainda uns 100k [R$ 100 mil] limpos até o fim do ano. Total líquido das palestras e livros daria uns 400k [R$ 400 mil]. Total de 40 aulas/palestras. Média de 10k limpo”, disse o procurador.

Caso tenha atingido a meta de faturamento líquido de R$ 400 mil em 2018, essa remuneração pode ter superado a soma dos salários de Deltan como procurador da República naquele ano.

Dados do Portal da Transparência do Ministério Público Federal mostram que ele recebeu cerca de R$ 300 mil em rendimentos líquidos em 2018, sem considerar valores de indenizações.

As mensagens apontam que Deltan usou os serviços de duas funcionárias da secretaria da Procuradoria, tendo realizado pedidos de registro de recibos e documentos relativos aos eventos, além de solicitações para que elas organizassem os convites que ele recebia.

As palestras remuneradas também são tema de muitas conversas de Deltan com autoridades. Um dos episódios em que ele encorajou interlocutores a atuar nessa área ocorreu em abril de 2017.

Na ocasião, o procurador antecipou um convite ao então juiz responsável pela Lava Jato, Sergio Moro, para participar de um evento em São Paulo e contou como estava cobrando pela atividade.

“Caro, o Edilson Mougenot [fundador da Escola de Altos Estudos em Ciências Criminais] vai te convidar nesta semana pra um curso interessante em agosto. Eles pagam para o palestrante 3 mil”, escreveu Deltan a Moro.

“Pedi 5 mil reais para dar aulas lá ou palestra, porque assim compenso um pouco o tempo que a família perde (esses valores menores recebo pra mim… é diferente das palestras pra grandes eventos que pagam cachê alto, caso em que estava doando e agora estou reservando contratualmente para custos decorrentes da Lava Jato ou destinação a entidades anticorrupção – explico melhor depois)…”, emendou.

O procurador ainda completou: “Achei bom te deixar saber para caso queira pedir algo mais, se achar que é o caso (Vc poderia pedir bem mais se quisesse, evidentemente, e aposto que pagam)”.

A princípio, Moro disse que já estava com a agenda cheia, mas posteriormente aceitou o convite e participou com Deltan em 26 de agosto de 2017 do 1º Congresso Brasileiro da Escola de Altos Estudos Criminais em São Paulo.

Em junho do ano passado, o chefe da Lava Jato em Curitiba convidou o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot para participar de um evento em São Paulo.

Depois de abordar o curso, ele comentou: “Tava aqui gerenciando msgs e vi que fui direto ao ponto kkkk Tudo bem com Vc? Espero que esteja aproveitando bastante, tomando muita água de coco e dormindo o sono dos justos rs Agora, vou te dizer, Vc faz uma faaaaaaaltaaaaa”.

“Oi amigo kkkkkk”, respondeu Janot. “Considero sim mas teremos que falar sobre cache. Grato pela lembra”.

Deltan perguntou se o cachê oficial do ex-chefe era de R$ 30 mil e sinalizou que faculdades normalmente “não pagam esse valor”¦ mas se pedir uns 15k [R$ 15 mil], acho que pagam”.

Em julho de 2016, Deltan trocou mensagens com a procuradora da República em São Paulo Thaméa Danelon sobre uma operação que ela estava coordenando contra o superfaturamento na aquisição de equipamentos para implante em doentes com mal de Parkinson.

Após comentar sobre a melhor forma de divulgar a operação, Deltan sugeriu que a procuradora aproveitasse o tema de fraude na área da saúde para montar uma palestra para a empresa de planos de saúde Unimed, uma das que mais contratou o procurador nos últimos anos.

“Vc podia até fazer palestra sobre esse caso mais tarde em unimeds. Eles fazem palestras remuneradas até”, disse Deltan no diálogo.

A procuradora informou por meio da assessoria de imprensa do Ministério Público Federal em São Paulo que jamais realizou palestra para a Unimed.

A exemplo de seus colegas da força-tarefa de Curitiba, Thaméa disse que “não reconhece o conteúdo das supostas mensagens que não foram submetidas a qualquer verificação de integridade” e por isso não iria comentá-las.

Na conversa sobre a empresa de palestras e eventos, os procuradores da Lava Jato discutiram também maneiras de sair da linha tradicional do ensino jurídico para conseguir clientes jovens e interessados em cursos motivacionais.

No dia 27 de dezembro de 2018, Deltan postou no diálogo: “Curiosidade não basta, até porque a maior parte dos jovens não têm interesse em Lava Jato. Para o modelo dar certo, teria que incluir coisas que envolvam como lucrar, como crescer na vida, como desenvolver habilidades de que precisa e não são ensinadas na faculdade. Exatamente na linha da Conquer”.

A firma Conquer mencionada pelo procurador organiza palestras na linha motivacional e se apresenta como uma escola “aceleradora de pessoas”. À época, Deltan já havia ministrado palestras em eventos da Conquer.

O procurador então sugeriu o desenvolvimento de um evento com o título “Turbine Sua Vida Profissional com Ferramentas Indispensáveis”.

Os temas do curso, segundo Deltan, seriam “Empreendedorismo e governança: seja dono do seu negócio e saiba como governá-lo”, “Negociação: domine essa habilidade ou ela vai dominar Você”, “Liderança: influencie e leve seu time ao topo”, “Ética nos Negócios e Lava Jato: prepare-se para o mundo que te espera lá fora”.

Deltan propôs ainda que o curso tivesse “uma pegada de pirotecnia” e servisse como ponte para faturar com outros eventos da Conquer.

“Todas as palestras deixariam um gostinho de quero mais (tempo limitado) e direcionariam pra Conquer, com retorno de percentual sobre cada aluno que se inscrever no curso da Conquer nos 4 meses seguintes”, planejou o procurador.

Um mês depois, Pozzobon voltou ao assunto propondo um curso jurídico mais tradicional sobre ética e combate à corrupção, com o objetivo de atrair clientes de alta renda.

“Curso de sexta a noite e sábado de manhã. E poderíamos cobrar bem. Tipo uns 3 ou 5 mil. Público alvo: empresários, advs e altos executivos.”

Deltan afirma que faz palestras para promover a cidadania 

O coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, afirma que realiza palestras para promover a cidadania e o combate à corrupção e que esse trabalho ocorre de maneira compatível com a atuação no Ministério Público Federal.

Deltan e o procurador Roberson Pozzobon informam que não abriram empresa ou instituto de palestras em nome deles ou de suas esposas e que não atuam como administradores de empresas.

Em nota enviada pela assessoria de imprensa da Procuradoria no Paraná, os integrantes da força-tarefa da Lava Jato declaram que “não reconhecem as mensagens que têm sido atribuídas a eles” e que “esse material é oriundo de crime cibernético e não pôde ter seu contexto e veracidade comprovado”.

Quanto ao tema das palestras, a nota afirma que “é lícito a qualquer procurador, como já decidido pelas corregedorias do Ministério Público Federal e do Conselho Nacional do Ministério Público, aceitar convites para ministrar cursos e palestras gratuitos ou remunerados”.

“Palestras remuneradas são prática comum no meio jurídico por parte de autoridades públicas e em outras profissões”, completa a nota.

Segundo a manifestação do Ministério Público Federal no Paraná, Deltan e Pozzobon “não têm empresa ou instituto de palestras em nome próprio nem de seus familiares. Tampouco eles atuam como administradores de empresas”.

Quanto à atividade específica de Deltan, a nota afirma que ele “realiza palestras para promover a cidadania e o combate à corrupção de modo sempre compatível com o trabalho. A maior parte delas é gratuita e, quando são remuneradas, são declaradas em imposto de renda e ele doa parte dos valores para fins beneficentes”.

Sobre o fato de as mensagens do aplicativo Telegram mostrarem a utilização de duas funcionárias da Procuradoria em tarefas de organização das atividades de palestrante de Deltan, a nota relata que “a secretaria da força-tarefa cuida da agenda do procurador quando há eventos gratuitos relacionados a pautas de interesse institucional”.

“Convites para palestras com remuneração ao procurador, quando recebidos pela secretaria, são redirecionados para pessoa de fora dos quadros do Ministério Público, a qual se encarrega de fazer a interlocução com os organizadores do evento”, segundo a nota enviada pela força-tarefa.

Esta é a quarta de uma série de reportagens que a Folha planeja produzir com base nas mensagens trocadas pelos procuradores da Operação Lava Jato nos últimos anos e obtidas pelo site The Intercept Brasil.

O site permitiu que a Folha tivesse acesso ao acervo, que diz ter recebido de uma fonte anônima há semanas.

Repórteres do jornal e do site trabalharam lado a lado, pesquisando as mensagens.

Ao examinar o material, a reportagem da Folha não detectou indícios de que ele possa ter sido adulterado.

A PF abriu inquéritos para apurar suspeitas de ataques de hackers a procuradores e ao ministro Sergio Moro (Justiça).

PARA ENTENDER AS CONVERSAS

O que são
Desde 9.jun, o site The Intercept Brasil vem divulgando um pacote de conversas envolvendo procuradores da República em Curitiba e Sergio Moro, na época juiz responsável pelos processos da Lava Jato

Período 
Os diálogos aconteceram no aplicativo Telegram entre 2014 e 2019

Fonte 
O site informou que obteve o material de uma fonte anônima, que procurou a reportagem há cerca de um mês. O vazamento, segundo o Intercept, não está ligado ao ataque ao celular de Moro, em 4.jun

Análise 
A Folha teve acesso ao material e não detectou nenhum indício de que ele possa ter sido adulterado. Os repórteres, por exemplo, encontraram diversas mensagens que eles próprios trocaram com a força-tarefa nos últimos anos

Conteúdo
As mensagens indicam troca de colaboração entre Moro e a força-tarefa da Lava Jato. Segundo a lei, o juiz não pode auxiliar ou aconselhar nenhuma das partes do processo.

UM EMOCIONANTE DESABAFO SOBRE A REFORMA APROVADA

.

Você precisa ver este vídeo. E, por favor, compartilhe-o depois com suas amigas e seus amigos. Nele, o excelente economista Eduardo Moreira faz um desabafo sobre a aprovação da reforma da Previdência, mostrando a construção de mentiras pelas elites e como os mais pobres são usados para isso. Eduardo Moreira chegou a ser sócio de um banco de investimento até 2009, foi eleito melhor aluno de Economia da Universidade da Califórnia e conhece como poucos o discurso e a prática das elites brasileiras.

 

COMO O FMI E O BANCO MUNDIAL ASSEGURAM O “IMPERIALISMO ALIMENTAR” DOS EUA

COMO O FMI E O BANCO MUNDIAL ASSEGURAM O

Pobreza e austeridade são uma solução econômica que está incorporada no modelo do Banco Mundial e do FMI, avalia Hudson / Foto: Eric Baradat/AFP

Análise do economista Michael Hudson pode ajudar a entender contexto brasileiro de subordinação à Casa Branca

Brasil de Fato | São Paulo – Desemprego em alta, privatizações, perda de direitos, reformas que privilegiam o sistema financeiro em detrimento da classe trabalhadora – incluindo a da Previdência – e alianças com forças conservadoras internacionais são algumas das marcas do governo de Jair Bolsonaro. O alinhamento com o neoliberalismo e a subserviência aos Estados Unidos também aparecem como uma preocupação de setores que defendem a soberania nacional. Mas como é possível entender o alcance da influência dos EUA no governo brasileiro e dentro de um processo internacional mais amplo?

Em entrevista recente concedida ao programa de rádio Guns and Butter, o economista e historiador estadunidense Michael Hudson analisa algumas formas como os EUA exploram economias do mundo e podem dar pistas para se entender um pouco o contexto nacional atual – mesmo que ele não se debruce especificamente sobre o Brasil. Uma das formas apontadas pelas quais os Estados Unidos mantêm o controle político e da estrutura de poder em outros países é estabelecendo alianças com grupos locais leais aos EUA, “oportunistas que agem contra os interesses do próprio país”. “Se você olhar para quem está no comando dos bancos centrais estrangeiros, quase todos estudaram nos Estados Unidos e receberam essencialmente uma lavagem cerebral”, afirma.

“Quando se tem uma teoria econômica desajustada, que é destrutiva em vez de produtiva, isso nunca acontece por acaso”, alerta. Hudson conta que já ouviu de funcionários do Tesouro americano que, muitas vezes, “basta encontrar pessoas corruptas e oportunistas” nos países e comprá-las para aceitarem as condições desse modelo econômico baseado na dependência do poder imperialista.

Imperialismo alimentar

Sem se debruçar especificamente sobre o caso do Brasil, mas traçando um panorama mais amplo da influência dos EUA na economia mundial, Hudson discute ideias de alguns de seus estudos, publicados em livros como Super Imperialism: The Origin and Fundamentals of U.S. World Dominance, lançado originalmente em 1972. Um dos pontos principais defendidos pelo economista é que o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) são instrumentos utilizados pelos Estados Unidos para promover a exploração de economias internacionais, impulsionando o imperialismo alimentar e mantendo os países na dependência do capital e da produção agrícola dos EUA.

Hudson explica que, desde sua criação nos anos 1940, o Banco Mundial e o FMI têm o objetivo de estabelecer uma ordem internacional que torne outros países dependentes dos Estados Unidos – único acionista com poder de veto nas duas organizações. A política dessas instituições, afirma, “é o neoliberalismo, que é basicamente a doutrina da supremacia americana e da dependência estrangeira”.

O imperialismo alimentar, explica o economista, tem o objetivo “de garantir os Estados Unidos como produtores de alimentos essenciais e os outros países, de monoculturas não essenciais, para mantê-los dependentes dos grãos, da soja e de alimentos básicos dos EUA”.

“Uma constante na política externa americana é garantir que os outros países sejam dependentes das exportações de grãos e alimentos dos EUA. O objetivo é sustentar o superávit da balança comercial do agronegócio americano”, explica o economista.

Empréstimo em moeda estrangeira

Hudson aponta que, ao não oferecer empréstimos em moeda local, mas apenas em moeda estrangeira, o Banco Mundial desfavorece a produção de alimentos e faz com que os países clientes privilegiem monoculturas de exportação, principalmente aquelas que não podem ser produzidas nos EUA. Isso, segundo o economista e analista financeiro de Wall Street, faz com que “os países clientes se tornem dependentes dos produtores americanos – e de sanções políticas”.

Enquanto um país seria capaz de pagar empréstimos em sua própria moeda, ele não pode imprimir dólares nem euros para pagar as dívidas feitas nessas moedas. “Tornar o dólar central força os outros países a se relacionarem com o sistema financeiro dos EUA”, critica. A interferência do sistema bancário permite que se impeçam os pagamentos da dívida de países que desviem das decisões estadunidenses.

“Quando você é um produtor no Brasil, na Argentina ou no Chile, seus negócios são feitos em moeda local. Não ajuda se oferecerem dólares para você, porque suas despesas são em moeda local. Então se o Banco Mundial e o FMI conseguem impedir os países de oferecer apoio em moeda local, isso faz com que eles não consigam estabelecer uma política de garantia de preços mínimos nem serviços de comercialização de produtos agrícolas no setor público”, avalia.

Embora apliquem uma política intervencionista e neoliberal ao redor do mundo, os EUA sempre buscaram para si a autossuficiência em bens essenciais, para que nenhum outro país possa usar sanções econômicas para pressionar o governo norte-americano, cortando o fornecimento de alimentos ou energia, por exemplo. “Mas os EUA podem utilizar o controle do petróleo para deixar outros países congelarem no escuro e morrerem de fome aplicando sanções na exportação de alimentos.”

Hudson destaca, na entrevista, a contradição entre a política econômica que os Estados Unidos impõem aos outros países e aquela que aplicam internamente. “Nosso governo sempre subsidiou a formação de capital na agricultura e na indústria, mas insiste em dizer que outros países são socialistas ou comunistas se fizerem o mesmo e usarem o próprio governo para dar apoio a economia. São dois pesos e duas medidas. Ninguém chama os EUA de socialistas por darem suporte aos agricultores, mas outros países são chamados de socialistas e os governos, derrubados se tentarem promover a reforma agrária ou garantir a alimentação da população.”

Golpes e assassinatos

Para forçar os outros países a aceitarem empréstimos em moeda estrangeira em condições praticamente impossíveis de serem quitadas, Hudson explica que os Estados Unidos interferem na política desses países, como na América Latina, “sempre impulsionando a direita”. “Por exemplo, quando o Departamento de Estado de Hillary [Clinton] derrubou o reformista de Honduras [Manuel Zelaya] que queria realizar uma reforma agrária e alimentar os hondurenhos, ela afirmou: ‘Essa pessoa precisa sair.’ É por isso que há tantos hondurenhos tentando entrar nos Estados Unidos hoje, porque não conseguem viver no próprio país”, avalia o economista na entrevista.

Hudson também compara os golpes no continente americano com a conjuntura na Síria e no Iraque, demonstrando que a população é forçada a migrar por não conseguir mais sobreviver “sob ditaduras brutais apoiadas pelos Estados Unidos para impor esse sistema de dependência internacional”.

O economista segue a reflexão mencionando a Teologia da Libertação, e como os Estados Unidos promoveram o assassinato de padres e freiras que defendiam a reforma agrária e a soberania alimentar da população na Guatemala e na América Central.

“A pobreza mundial é vista como solução, não como problema. O Banco Mundial vê a pobreza como mão de obra barata, criando uma vantagem competitiva para países que produzem bens que exigem muita mão de obra. Então pobreza e austeridade, para o Banco Mundial e o FMI, são uma solução econômica que está incorporada nos modelos deles”, avalia Hudson. “A pobreza faz parte da luta de classes: lucro contra pobreza.”

Michael Hudson é presidente do Instituto para o Estudo de Tendências Econômicas de Longo Prazo, analista financeiro de Wall Street e professor pesquisador de economia da Universidade do Missouri. É autor de obras como Super Imperialism: The Origin and Fundamentals of U.S. World DominanceJ is for Junk Economics: A Guide to Reality in an Age of Deception Killing the Host: How Financial Parasites and Debt Destroy the Global Economy, sem edição em português.

A transcrição da entrevista com o economista foi publicada em inglês no site CounterPunch.

Edição: Aline Scátola

.