VAZA JATO: ESTÃO ELIMINANDO AS TESTEMUNHAS, DISSE PROCURADOR QUANDO SOUBE DE MORTE DE MARISA

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VAZA JATO: ESTÃO ELIMINANDO AS TESTEMUNHAS, DISSE PROCURADOR QUANDO SOUBE DE MORTE DE MARISA

Revista Fórum | Redação – Vaza Jato revela diálogos entre procuradores nos dias das mortes de Marisa Letícia, ex-esposa de Lula, e de Vavá, seu irmão.

Em novos diálogos de procuradores da Lava Jato revelados pelo site The Intercept em parceria com o Uol, os integrantes da força-tarefa ironizaram a morte da ex-primeira-dama Marisa Letícia. “Estão eliminando as testemunhas…”, disse o procurador Januário Paludo. Nas mensagens privadas do Telegram, obtidas por uma fonte anônima, eles dizem que Lula “faria uso político” da morte de sua esposa e ainda questionam a causa da morte de Marisa.

A procuradora Laura Tessler, aquela que foi criticada por Sergio Moro e depois afastada de audiência de Lula, disparou contra uma matéria da Monica Bergamo que relatava a agonia de Marisa com os abusos da Lava Jato, como a condução coercitiva de Lula, e como essa situação havia afetado o quadro de saúde da ex-primeira-dama.

“Ridículo… Uma carne mais salgada já seria suficiente para subir a pressão… ou a descoberta de um dos milhares de humilhantes pulos de cerca do Lula”, afirmou Tessler.

Os procuradores também mostram sua frieza em outra entrevista que o ex-presidente Lula concedeu ao El País. “Marisa morreu por conta do que fizeram com ela e com os filhos dela. Dona Marisa perdeu motivação de vida, não saía mais de casa, não queria mais conversar nada”, disse Lula à época.

“A propósito, sempre tive uma pulga atrás da orelha com esse aneurisma. Não me cheirou bem. E a segunda morte em sequência”, escreveu o procurador Januário Paludo.

Nos diálogos, os procuradores ainda falam da morte do irmão do ex-presidente Lula, Vavá, e de seu neto Arthur. No caso da morte de Vavá, agiram para que o ex-presidente não fosse ao enterro. No chat, Antônio Carlos Welter diz acreditar que Lula tinha o direito de ir ao enterro do irmão. “Eu acho que ele tem direito a ir. Mas não tem como.” Januário Paludo responde: “O safado só queria passear e o Welter com pena”. Laura Tessler comentou: “O foco tá em Brumadinho…logo passa…muito mimimi”. “O safado só queria ir passear”, escreveu Paludo.

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CITADO EM CONVERSAS DO VAZA JATO, REINALDO AZEVEDO PROVOCA DEFENSORES DA LAVA JATO

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CITADO EM CONVERSAS DO VAZA JATO, REINALDO AZEVEDO PROVOCA DEFENSORES DA LAVA JATO

Revista Fórum | Redação – O jornalista Reinaldo Azevedo, citado em conversa da #VazaJato entre Sérgio Moro e Deltan Dallagnol por ter criticado abertamente a condenação de Lula, usou as redes sociais para comentar o caso Vaza Jato e provocar bolsonaristas.

O jornalista Reinaldo Azevedo usou as redes sociais para comentar o caso Vaza Jato. Liberal convicto, Azevedo há tempos vem sendo atacado por “moristas” e bolsonaristas por criticar a atuação do Judiciário na condenação do ex-presidente Lula e foi citado em conversa vazada entre Sérgio Moro e Deltan Dallagnol.

Usando a hashtag #EuApoioALavaJato, usada por denominados apoiadores do ministro da Justiça após o vazamento de conversas ilegais, Reinaldo fez uma sequência de mais de 10 tuítes provocando a rede bolsonarista: “Ah, eu também apoio a Lava Jato. Só não apoio crimes para combater crimes. Agressão à Constituição. Agressão à Lei da Magistratura. Agressão ao Código de Ética do Ministério Público”.

O jornalista também destacou trechos da conversa entre os “colegas”: “algum morista ou algum bolsonarista poderia dizer em que página da sentença está o vínculo entre o tríplex e os contratos OAS-Petrobras? Se vocês acharem, é mentira. Moro já disse que não há”.

Confira algumas das publicações de Reinaldo Azevado:

O jornalista também destacou o fato de ter sido citado no diálogo como “jurista” (entre aspas) que estaria criticando o processo: “Deltan Dallagnol,o “procurador isento”, me chama de “jurista” nas suas fofocas perigosas com Sérgio Moro. Orgulho! Sou jurista com aspas porque jurista não sou. Deltan é “procurador isento” sendo procurador…”

Nas conversas divugadas pelo The Intercept Brasil, o jornalista aparece em trecho que Dallagnol e Moro comentam sobre repercussão da apresentação de power point feita pelo procurador contra Lula: “Ainda, como a prova é indireta, ‘juristas’ como Lenio Streck e Reinaldo Azevedo falam de falta de provas. Creio que isso vai passar só quando eventualmente a página for virada para a próxima fase, com o eventual recebimento da denúncia, em que talvez caiba, se entender pertinente no contexto da decisão, abordar esses pontos”, escreveu Dallagnol a Moro.

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“HACKERS” NÃO MINARAM CREDIBILIDADE DE CONVERSAS DA VAZA JATO, APONTA PESQUISA

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“HACKERS” NÃO MINARAM CREDIBILIDADE DE CONVERSAS DA VAZA JATO, APONTA PESQUISA
Revista Fórum | Por Lucas Rocha – 47% defendem que Moro e Dallagnol devem ser questionados com base no conteúdo exposto pela série de reportagens Vaza Jato, ainda que as conversas tenham sido adquiridas de forma ilegal por hackers.

Depois de mais de dois meses e 17 dias de Vaza Jato, 47,2% da população acredita que o conteúdo exposto pela Vaza Jato, que aponta corrupção e ilicitude nos atos de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol à frente da Operação Lava Jato, deve ser levado em conta independentemente da origem. A pesquisa, divulgada pela CNT/MDA, é a mesma que aponta que a avaliação negativa do governo Bolsonaro subiu de 19% para 39,5% e a desaprovação foi de 28,2% para 53,7%.

Como mostra a pesquisa, a prisão dos supostos hackers de Araraquara não trouxe a influência pretendida pelo ministro Sérgio Moro na Vaza Jato. As denúncias continuaram a surgir, passaram a envolver até ministros do STF, e a opinião pública foi se consolidando no sentido de ver com cautela alguns dos processos tocados pela Lava Jato.

47,2% dos entrevistados apontaram que as conversas divulgadas na Vaza Jato deveriam ser usadas para questionar Sérgio Moro e Deltan Dallagnol mesmo em caso de obtenção ilegal, porque o mais importante é o conteúdo. Apenas 34,6% acreditam que a suposta ilegalidade compromete o que está exposto nas mensagens, enquanto 18,2% não responderam.

Pesquisa CNT/MDA

Além disso, 42,2% hoje enxergam que se as ações da dupla forem comprovadas, elas comprometem a operação Lava Jato. Outros 41,7% discordaram, enquanto 16,1% não opinaram. Na visão da maioria dos entrevistados (51%), a Lava Jato está beneficiando o Brasil, 16,8% crê que está prejudicando e outros 20,3% avaliam que nem beneficiou e nem prejudicou. Outros 11,9% não opinaram.

Pesquisa CNT/MDA

A pesquisa ainda questionou os entrevistados sobre a permanência de Sérgio Moro no Ministério da Justiça: 35,3% acreditam que ele deve deixar enquanto 52% acreditam que não. 12,7% não sabem ou não opinaram.

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GIUSEPPE ARAGNO: HISTORIADOR ITALIANO ANALISA O CONCEITO DE FASCISMO E AS SEMELHANÇAS ENTRE BOLSONARO E SALVINI

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GIUSEPPE ARAGNO: HISTORIADOR ITALIANO ANALISA O CONCEITO DE FASCISMO E AS SEMELHANÇAS ENTRE BOLSONARO E SALVINI
Nascido em Nápoles, comunista libertário por convicção, professor e escritor, Giuseppe Aragno (foto) diz que “ensina para viver, mas aprendeu e vive aprendendo”.

Esquerda Online | Por Rogério Freitas – Foi professor de História Contemporânea na Universitá Degli Studi di Napoli Federico II. Em 1995 ganhou o Prêmio Laterza por uma coletânea de poemas. Seu coração pulsa mesmo quando o tema é antifascismo. Entre suas principais obras estão “I compagni mi vendicheranno: lettere di condannati a morte della resistenza italiana” (2006), “Antifacismo popolare: storia di storie” (2009), e “Le quattro Giornate di Napoli: storie di antifacisti” (2017). A entrevista que segue foi conduzida por Rogério Freitas para o Esquerda Online. Aragno conversa sobre a resistência italiana, revoltas populares, crescimento da extrema direita no mundo, atualidade política italiana e similaridades entre governos neo-fascistas de Salvini e Bolsonaro. Destaca que a história das lutas dos trabalhadores, do antifascismo e da resistência agora fazem parte do nosso DNA.

Esquerda Online – Todo mundo conhece Nápoles como a cidade italiana da boa comida. Lugar onde a pizza margherita foi inventada. Poucos sabem, porém, que em 1943 ocorreu uma revolta popular de libertação de Nápoles dos nazifascistas. A insurreição ficou conhecida na história como os “Quatro dias de Nápoles”. Um dos seus últimos livros foi justamente sobre esse tema. Quais foram as motivações para escrever esse livro? Que histórias antifascistas você conta e qual a importância deste evento para a memória coletiva? 

Giuseppe Aragno – O poder não ama histórias vitoriosas de povos em luta: são exemplos perigosos. Para os “Quatro Dias de Nápoles”, o vestido foi feito sob medida pela história oficial: revolta espontânea, apolítica, isolada da “história nacional”, populares inconscientes em busca de heroísmo. Um conto de fadas tão confiável que quando Nanni Loy reconstrói a insurreição em um filme que segue o rastro da luta popular e espontânea, mas menciona um líder antifascista, o alemão Steinmayr, diretor do “Stern”, responde a partir de uma raça superior: “uma revolta contra o estrangeiro opressor, na cidade de bandolins e pizzas” só pode ser “uma confusão entre famintos e prostitutas”. Anos mais tarde, em 1992, Claudio Pavone, um historiador da Resistência italiana, insiste nos “lazzari” (1) dos “Quatro Dias” que – diz ele – estão do lado certo, mas ele não percebe que seus “heróis apolíticos por acaso” retornam a imagem deformada de combatentes civis napolitanos vistos pelos nazistas atacados, que os chamam de “desonestos”. Um “ladino (dialeto)” que, com mais sentido histórico de nossos historiadores, é muito sensível à propaganda “subversiva”.

No imaginário coletivo, Nápoles, prisioneira do clichê da “cidade de plebe”, um símbolo de negligência política e chantagem nunca foi a primeira grande cidade européia a impor a rendição aos nazi-fascistas. Houve de fato confrontos armados esporádicos, mas houve confrontos entre a retaguarda nazista defendendo as rotas de fuga para o norte, e bandos de “lazzari” que atiravam das esquinas das vielas.

Para apagar essa falsa imagem e dar uma cara política à revolta, eu tentei reconstruir a resistência à ocupação nazista e devolver a palavra aos antifascistas: verdadeiro motor da revolta. Assim, surgiram histórias esquecidas de políticos perseguidos, o papel que desempenharam durante a ditadura e depois no laboratório político que foi a cidade libertada, quando começou a projetar a República. Reconstruir os caminhos humanos e políticos dos combatentes, alguns dos quais fazem então a guerra de libertação foi decisivo em demonstrar que o mito da cidade do sol, mar e pizza, que surge, então retorna indiferente, não ingênuo: ofusca o confronto de classes e diminue a fidedignidade dos fatos.

EOL – Em 2013 eu tive a oportunidade de ouvi-lo durante um discurso na Biblioteca Brau da Universidade Federico II ocupada, naquela época, por alunos e pesquisadores devido a uma reivindicação pelo direito ao estudo. Você falou de autoritarismo e disse que o fascismo nunca realmente desapareceu. Em tempos de ameaça democrática por governos autoritários como Salvini na Itália, Trump nos Estados Unidos e Bolsonaro no Brasil, que paralelos podem ser traçados hoje com o que fora o nazi-fascismo de outrora?

Depois dos acontecimentos dos últimos seis anos, o conceito de “autoritarismo”, usado na conferência que você se lembra já não é suficiente para descrever a realidade que eu, você e milhões de cidadãos como nós, vivemos em contextos sociais e políticos distantes uns dos outros, mas, somos unidos por um fato muito preocupante: a relação cada vez mais desequilibrada entre o poder e as regras que estabelecem seus limites. Uma relação que, no que diz respeito ao poder, não é apenas desdenhosa da democracia, mas assume cada vez mais conotações parafascistas.

Tomemos, por exemplo, o caso de Dilma Rousseff. Sem entrar nos méritos da história, acho que posso dizer que há seis anos nenhum político, votando a favor do impeachment da primeira mulher presidente do Brasil, ex-guerrilheira contra a ditadura, diria que votaria pela queda dela em nome daqueles que lhe haviam torturado durante os anos de sua militância. Para não se limitar apenas no Brasil, seis anos atrás, na Itália, o ex-combatente comunista Cesare Battisti não teria sido objeto de troca e prova de amizade entre Bolsonaro e Salvini e acima de tudo, quaisquer que fossem suas responsabilidades, após a extradição, ele não encontraria os ministros Bonafede e Salvini no aeroporto, prontos para se apresentar diante de câmeras complacentes e expor o prisioneiro como um troféu de caça.

De maneiras diferentes, mas em ambos os casos, o ódio aos militantes de esquerda tem sido tão forte e tão deliberadamente demonstrado que é impossível falar de competição política. Tudo aponta para um comportamento vingativo de natureza reacionária. Em muitos aspectos fascista. Digo fascista por um bom motivo: porque seis anos atrás, na Itália, nenhum ministro de centro-esquerda e ou do Partido Democrático-PD teria ousado tratar a questão de imigrantes como Marco Minniti, o antecessor de Salvini. Um ministro, a dizer, forçou a ONU a definir a política adotada contra os imigrantes como “desumana” e assinou um decreto de segurança que contém numerosos elementos presentes em um documento fascista de 1934.

Seis anos atrás, não falaríamos sobre Salvini, Bolsonaro, Trump, Orban e Le Pen, como um grupo de líderes que compartilha tanto um ponto de vista teórico quanto um ponto de vista prático.

Seis anos atrás, não falaríamos sobre Salvini, Bolsonaro, Trump, Orban e Le Pen, como um grupo de líderes que compartilha tanto um ponto de vista teórico quanto um ponto de vista prático. Inevitavelmente, uma degeneração tão rápida do autoritarismo em direção a posições abertamente reacionárias questiona as consciências. É possível identificar as características de um moderno nazi-fascismo na formação desse bloco de direita aparentemente heterogêneo? Bem, de onde eu venho, e partir de sua pergunta, acredito que é mostrado frequentemente que o fascismo e o nazismo são fenômenos históricos definitivamente parte do passado. Morto e enterrado. É um argumento forte, que no entanto ignora fatos indiscutíveis. A Itália, por exemplo, que preservou o Código Rocco, um exemplo insuperável da concepção fascista do Estado, não realizou uma “desfastização” séria e de fato reciclou parte do pessoal político e da burocracia fascista.

A República autorizou Gaetano Azzariti, ex-presidente da corte fascista da corrida, a presidir o Tribunal Constitucional e confiou o treinamento técnico da Polícia Republicana a Guido Leto, ex-chefe da OVRA, a infame polícia política fascista. A lista seria interminável e nem teríamos nem espaço nem tempo para fazê-lo. No entanto, pelo menos alguns dos casos mais significativos merecem ser mencionados. Vincenzo Eula, promotor público no julgamento que condenou Ferruccio Parri, Sandro Pertini e Carlo Rosselli, então procurador-geral da Cassação; Luigi Oggioni, ex-Procurador Geral da República Social Italiana, chegou à presidência do Tribunal de Cassação e foi finalmente juiz do Tribunal Constitucional; Carlo Alliney, um líder na legislação anti-judaica na República Social Italiana, continuou sua carreira sem problemas na Suprema Corte. Nenhum dos cientistas facistas que assinaram o Manifesto da raça pagaram por suas escolhas.

Não é surpreendente que, ignorando a Constituição, Marco Minnitti, Ministro da defesa, tenha admitido os fascistas de “Casa Pound” (organização neofacista de hoje na Itália, NdT) nas eleições políticas de 2018 e Salvini, seu sucessor, de participar dos congressos desta organização neofascista. É necessário notar que é aí, nessa cultura, que se deve buscar as raízes dos elementos de forte racismo presentes na feroz política de imigração desejada pelo Ministério da defesa da Liga do Norte. Salvini não está sozinho em suas escolhas no cenário internacional. Ao propor eliminar a esquerda da vida política do Brasil, Bolsonaro não pretende, sobretudo, cancelar a temporada da experiência integracionista? Por que ele faz isso? A impressão é que pretende trazer de volta às terras latino-americanas a antiga condição de subordinação. Nesta escolha não parece distante do antimeridionalismo, do separatismo disfarçado de autonomismo, da guerra aos imigrantes e aos ciganos que são a substância da concepção política de Salvini e de outros líderes da nebulosa em que a extrema direita atual é colocada dentro e fora da Itália e do Brasil.

Não podemos deixar de temer que o espectro do nazi-fascismo esteja emergindo em um horizonte cada vez mais sombrio.

É claro que Bolsonaro leva ao extremo o populismo machista, homofóbico e racista das classes médias brancas e de direita mais moderadas e “civilizadas”. Todavia sua campanha de ódio, de exaltação da mão dura, que chega a torturar, não liga somente o Brasil à Itália de Gênova em 2001 (durante a reunião do G8 em Gênova centenas de manifestantes foram brutalmente torturados pela polícia, o jovem manifestante Carlo Giuliani foi executado, NdT) mas todos os países onde a polícia colocou as mãos em armas mesmo quando não deveria. Começando nos EUA de Trump. Uma vitória da direita sobre à esquerda neste ou naquele país é fisiológica. Mas quando é agravada simultaneamente em vários países e continentes e nasce em toda parte da longa onda de uma visão hierárquica idêntica da sociedade e das relações entre os povos, na exaltação da homofobia, do misoginismo, do nacionalismo, do racismo e do anti-socialismo, o ambientalismo, baseado no profundo desprezo pela democracia, então sim, então não podemos deixar de temer que o espectro do nazi-fascismo esteja emergindo em um horizonte cada vez mais sombrio.

EOL –  Bolsonaro ganhou as últimas eleições no Brasil. O clima obscuro e pesado atual no país se assemelha somente com a ditadura militar nos anos 1960. O discurso de ódio tem sido uma arma de Bolsonaro para a gestão do país. Discursos políticos, redes sociais, televisão e meios de comunicação de alguma forma têm moldado e potencializado cada vez mais a “palavra como expressão”.  Na sua opinião, a “palavra” tem se tornado mais fascista ou tem sido um instrumento antifascista nos dias de hoje? E como Bolsonaro é visto na Itália e Europa? 

Não tenho uma experiência direta para relatar, mas tenho boas razões para acreditar que o clima pesado que está se desenvolvendo no Brasil é semelhante ao dos tempos da ditadura militar em um contexto internacional. Não me atrevo a previsões, mas parece claro para mim que, com Bolsonaro, o anti-sistema levou um golpe, elementos da “barbárie local” foram inseridos em uma crise do capitalismo que é, antes de tudo, uma crise de civilização.

Nesta situação, um discurso sobre o valor da “palavra” deve ser feito, porque, se o fascismo entendeu o valor estratégico da comunicação e de uma linguagem imediata que expressa uma visão do mundo em formas sintéticas e curtas como slogans, Salvini e Trump também usam uma linguagem imediata, buscando contato direto e as formas e tons de diálogo pessoal. Esta característica “técnica” nos discursos dos líderes atuais está unida – e isso também era típico da linguagem fascista – uma tendência constante para forçar o significado da palavra em um sentido pejorativo.

No ataque ao oponente, por exemplo, frequente, quase sistemático é a nota ofensiva. Virilidade – um ponto fixo no modo de ser da direita – quase não faz sentido se não evoca violência e agressão. Nenhum grande esforço é necessário para compreender outras afinidades significativas. A distância que separa a expressão “foda-se” de Grillo do Movimento 5 Estrelas e do fascismo “me ne frego!” (expressão que significa ‘pouco me importa’ que traduziu um experimento linguístico de manipulação fascista para uniformizar a língua italiana, desprezando os dialetos existentes no país, NdT) é mínima e a acusação de desprezo pelas instituições presentes na descrição de um Parlamento que “deve ser aberto como uma lata de atum” é igual, senão superior, ao encontrado no “salão surdo e cinzento” da memória de Mussolini.

Onde está escrito que um fenômeno histórico não deixe como herança um pensamento e uma linguagem?

Quando na Itália estudiosos como Emilio Gentile insistem no valor histórico definitivo da palavra “fascismo”, esquecem-se de nos dizer onde está escrito que um fenômeno histórico não deixe como herança um pensamento e uma linguagem. Se se refletir sobre as expressões utilizadas por líderes como Salvini e Di Maio, um do Partido da Liga do Norte, e outro do Movimento 5 estrelas, ambos ministros do atual governo italiano, evidencia-se a continuidade entre a linguagem da extrema direita e a fascista torna-se evidente: como os fascistas constantemente questionam as pessoas, muitas vezes em conflito com as elites sistematicamente atacadas. Por outro lado, até mesmo os corpos do Estado sugerem uma reviravolta no sentido fascista de sua função.

Na Itália, há alguns dias, Conte, Presidente do Conselho de Ministros, convocou sindicatos (partes sociais) para uma reunião. Um dia depois, os sindicatos foram convidados por Salvini e pelo ministro da Defesa. O comportamento aparentemente anômalo das partes sociais é outro sem um interlocutor institucional e quando a discussão tem interesses pessoais, sua função muda. Claro, continuamos a chamá-los de sindicatos, mas fingimos ignorar que, em vez disso, eles estão se comportando como corporações. Nesse caso, “a palavra”, por mais silenciosa que seja, é inquestionavelmente fascista. Agora, junto com o valor aparente da palavra, é necessário entender o que se escondem por trás dela.

“Vamos mudar o destino do Brasil juntos. Vamos oferecer-lhe um governo digno, que funcionará para todos os brasileiros, trabalharemos para transformar o Brasil num país democrático!”. Isso foi prometido por Bolsonaro, usando palavras que não parecem de modo algum fascistas. Bolsonaro limitou-se a dizer que a esquerda não havia funcionado para todos os brasileiros. O país foi prejudicado e adulterada a alma democrática. Compartilhada ou não, foi um julgamento político. Fascistas, por outro lado, na tentativa de clarificações, eram, em vez disso, as palavras usadas para se chamarem admiradores da ditadura em seu comportamento mais sangrento. O fascista é – pior ainda – o que Bolsonaro não diz, mas lemos por trás de todas as suas afirmações: a tendência inata de uma violência que se assemelha a sangue, quartéis e soluções de força.

Como você vê Bolsonaro na Europa? Depende. Muitos estão tão longe da política que não sabem quem ele é. A extrema direita olha para ele com admiração e esperança, enquanto o que resta da esquerda o considera um risco mortal. Uma questão, no entanto, é que não há resposta: o que pensarão dele e de que lado aqueles que hoje estão entre os indiferentes estarão no final?

Recentemente Bolsonaro criticou o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Especiais) sobre os dados relativos ao desmatamento na Amazônia. Ele afirmou que os dados do Instituto não eram verdadeiros. Baseado em satélites e alta tecnologia, o INPE mostrou que mais de 1000 km² de floresta amazônica foram derrubadas nos primeiros quinze dias do mês de Julho. Bolsonaro diz que esses dados “atrapalham a imagem do Brasil no exterior”, pois assim não se atrai investimentos de empresários para explorar a amazônia. Na Itália existem lutas em curso como aquela contra os trens de alta velocidade em Val de Susa e o mundo assiste com grande preocupação os perigos das variações climáticas da terra. A pauta ambiental tem se tornado central na esquerda mundial. A reivindicação ambientalista é promissora em termos de resistência global ao capitalismo? 

Infelizmente, quando se trata da relação entre questões ambientais e políticas é preciso lidar com blackouts surpreendentes. Isso acontece especialmente no campo de uma “esquerda” hoje auto-estilizada, reduzida à posição humilhante de pai e guardião do pensamento único neoliberal. Na Itália, por exemplo, o Partido Democrático-PD, que cientistas políticos e formadores de opinião obstinadamente colocam no campo da esquerda, fala há algum tempo – e às vezes se sobrepõe – sobre as variações climáticas, um planeta doente e uma necessidade urgente de lançar políticas ambientais que tenham a força de uma terapia de choque. Isso acontece principalmente durante as freqüentes campanhas eleitorais, quando se está caçando votos e sistematicamente promete-se tudo o que não fará em seguida.

Quando se trata, no entanto, de passar para os fatos, a cena muda e começa o refrão que segue os discursos dos corretos sobre as necessidades do mercado e sobre o risco de desestimular os investidores. Nesse ponto, a montanha dá à luz a um rato. Poucos dias atrás, com o seu voto decisivo, o PD manteve vivo o projeto devastador que traz o trem de alta velocidade para Val di Susa, ignorando completamente a longa luta dos habitantes da área afetada. Por muito tempo, infelizmente, na Itália, fomos adiante com esse equívoco, artisticamente construído, de maneira completamente instrumental por aqueles que “ fazem opinião”: o PD, repetido quase obsessivamente, é o maior partido da esquerda moderada. Isso permite que os fortes poderes que são agora os verdadeiros protagonistas da vida política italiana alcancem dois objetivos com um golpe: por um lado, a esquerda é desacreditada, atribuindo a ela um líder muito mais à direita do que a maioria da direita, por outro cobrem-se suas costas para os investidores especuladores que deveria ser seu pior inimigo.

Antes de política, a derrota da esquerda é cultural.

Não sei como as coisas funcionam para você, mas acredito que as diferenças nem sempre são fortes. Quando Bolsonaro questiona os dados do INPE, é baseado em uma certeza que também se aplica à direita italiana; ele sabe que pode fazê-lo, porque está ciente de desfrutar de uma vantagem decisiva por enquanto, da qual a esquerda está lutando para se tornar consciente: ele sabe, isto é, que antes de política, a derrota da esquerda é cultural. E quando este é o caso, por exemplo, quando você é golpeado em nível cultural, não é fácil remediar o político. Para melhor esclarecer esse conceito, não é diferente passar da realidade do Brasil de Bolsonaro para aquela italiana.

Na Itália, uma grande parte da população não só não é capaz de perceber a gravidade das fontes, mas, por mais grave que seja, não está interessada em conhecer a questão. Segundo uma pesquisa internacional – o PIAAC, Programa Internacional de Avaliação de Competências de Adultos – sobre analfabetos funcionais, dos 33 países analisados, a Itália é a penúltima na Europa – precedida apenas pela Turquia – e a quarta última do mundo. Estamos falando de uma enorme massa de pessoas capazes de ler e escrever, mas não de entender facilmente textos simples. Pessoas que não têm muitas habilidades úteis na vida cotidiana, que não conseguem localizar um número de telefone em uma página da Web quando estão no link “Fale conosco” e não conseguem ler o manual de instruções de um celular.

Todavia, nestas condições, às vezes é possível perceber movimentos fortes e até mesmo vitoriosos. Você mencionou o movimento No TAV, e posso confirmar que é uma realidade forte, capaz de constituir um modelo. Falo com o conhecimento dos fatos porque conheço a realidade do movimento e Nicoletta Dosio, sua líder mais representativa, atua como eu em um movimento jovem, mas particularmente ativo e rico em recursos humanos e políticos, o Potere al Popolo. Eu poderia dizer as mesmas coisas para o movimento que surgiu em defesa da água pública e para o que surgiu na Puglia (Sul da Itália) contra um oleoduto devastador. Essas são realidades de combate muito significativas. Ao mesmo tempo, porém, devo reconhecer que estes são movimentos territoriais relativamente pequenos, nem sempre ligados de uma maneira orgânica, que sofrem constantemente de um aperto repressivo severo e que, após a recente aprovação de um decreto sobre segurança, que tem um caráter verdadeiramente fascista, eles correm o risco de pagar caro por sua resistência corajosa.

Há também realidades institucionais lideradas por homens corajosos, como o prefeito de Riace e pelo prefeito de Nápoles, Luigi De Magistris. Quanto ao Potere al Popolo, o movimento de esquerda mais jovem e original nascido na Itália, demonstramos até agora qualidades inovadoras muito significativas e uma grande capacidade de tecer relações com realidades de outros países, desde a Venezuela de Maduro até a “França Insoumise” de Melenchon. Uma nova esquerda certamente pode nascer em torno da agenda que você indica e eu acredito que esse processo é de alguma forma inevitável e já está a caminho. Alguns de nossos jovens mais capazes estão engajados nisso, engajados em uma atividade política internacionalista que constitui em si mesma uma realidade que inicialmente era esperança e hoje eu acho que é um modelo. O tempo dirá para onde podemos ir, mas não tenho dúvidas: é nessa frente que a resistência global ao capitalismo contemporâneo pode e deve surgir.

EOL – No início deste ano a professora de literatura do ensino básico, Rosa Maria Dell’Aria, da cidade de Palermo, foi suspensa por 15 dias por permitir que seus alunos comparassem as leis raciais de 1938 com o atual decreto de segurança de Salvini. Essa fotografia é muita parecida com que vem ocorrendo no Brasil. O presidente, Bolsonaro, e o ministro da Educação, Abraham Weintraub, acreditam que existe um “marxismo cultural” no espaço educativo brasileiro e que isso precisa ser destruído. Uma das várias propostas de Bolsonaro é a criação de escolas militares. Além disso, ambos pretendem tirar o status do pedagogo brasileiro reconhecido internacionalmente, Paulo Freire, de patrono da educação do Brasil. Há alguns anos os Organismos Internacionais como a OCDE e Banco Mundial têm regulado a educação mundial através de mecanismos mais “softs” em termos de políticas educacionais neoliberais como: avaliações, recomendações etc. Não há uma incongruência entre esses governos autoritários e instituições e organizações internacionais que optam por um outro tipo de governança global como a procura pelo consenso?  

Não é de surpreender que, tão logo chegue ao poder, a extrema direita se concentre na escola. A antiga história da repressão ensinou os exploradores de todo o mundo que o trabalhador muito ignorante vem agradecer ao empregador que lhe dá trabalho e sofre a demissão como se fosse uma espécie de desastre natural. No entanto, o movimento dos trabalhadores e dos socialistas tem uma história antiga que ainda é rica em ensinamentos. Um deles é, sem dúvida, o valor revolucionário da formação em certos aspectos. O trabalhador que estuda distingue entre o que é concedido a ele e o que é devido a ele. Enquanto o ignorante se curva, o outro luta. Por isso, é natural que um dos pontos mais duros e decisivos de conflito na luta de classes seja a escola, o direito ao estudo e à liberdade de ensino.

Em termos de autonomia de pensamento e espírito crítico, uma escola livre descobriu o czar Alexandre II, que enviou crianças camponesas à escola gratuitamente em 1861, permitiu que estudantes universitários administrassem bibliotecas e alguns anos depois ele foi forçado a fazer retrocesso na frente de uma juventude crítica e consciente. Duvido que Bolsonaro conheça a história da escola, mas acredito que a desconfiança da escola livre, na qual os professores da esquerda ensinam livremente, é instintivamente desaprovada por qualquer político reacionário. Não me surpreende, portanto, que, depois de prometer ao país um governo que funcionaria para todos os brasileiros, hoje ameace os professores de esquerda e, portanto, a liberdade de educação.

Além do gesto sério em si, parece-me particularmente significativo que não nos deparemos com uma linha de conduta exclusivamente brasileira. Berlusconi, na Itália, desencadeou a ira de Deus contra os professores de esquerda. Recentemente, como você lembra em sua pergunta, como prova das tendências fascistas que caracterizam o atual governo italiano, uma professora foi suspensa por não ter impedido seus alunos de concluírem uma pesquisa sobre racismo, expressando a opinião de que Salvini segue o caminho de Mussolini. Acredito, porém, que o caso mais significativo foi o de Lavinia Flávia Cassaro, professora que foi demitida por ter criticado duramente os policiais que defendiam militantes da “CasaPound” – os “fascistas do terceiro milênio” – que batiam em manifestantes antifascistas.

O ataque à escola democrática é realmente revelador neste caso, porque está ligado a uma escolha inaceitável do governo do PD e seu ministro da Defesa, Marco Minniti, que pela primeira vez na história da República, ignorando uma proibição aberta a Constituição, permitiu que um movimento abertamente fascista participasse nas eleições. A professora foi essencialmente demitida porque – não na escola, mas durante uma manifestação – ela expressou seu desdém pela decisão vergonhosa de Minniti, que liderou o caminho para seu sucessor, Matteo Salvini, da Liga do Norte.

O caso brasileiro é muito parecido com o italiano: filmar os professores da esquerda enquanto estão ensinando significa o cancelamento da liberdade de ensinar e a imposição de uma cultura de Estado.

Como você observa corretamente, o caso brasileiro é muito parecido com o italiano: filmar os professores da esquerda enquanto estão ensinando significa o cancelamento da liberdade de ensinar e a imposição de uma cultura de Estado. Uma decisão que obviamente ocorreu no fascismo. Na Itália tudo foi feito para eliminar a escola nascida das lutas de 1968 além de Don Milani, uma referência muito forte para a escola democrática. Nesse caso, não são necessárias meias palavras: quando a política decide atacar o pensamento ou tenta banir um pedagogo, nos deparamos com um processo de fascistização da formação. Não só as operações abertamente repressivas atestam isso. Testemunhar as intervenções externas das agências que reportam aos governos nos processos de avaliação, a imposição de testes que não levam em conta as diferentes realidades territoriais e sociais nas quais os professores atuam, as horas de trabalho livre dadas às empresas e impostas ao governo, os alunos como ferramenta de treinamento, a entrada de particulares em escolas públicas como financiadores. É assim que substancialmente na Itália a escola e a universidade estão sendo privatizadas.

Não sei como funciona a avaliação de pesquisas no Brasil. Na Itália, foi criada uma agência, a Anvur, que não pede à Comissão que leia o trabalho dos estudiosos, mas os classifica de acordo com a importância da editora e as citações de estudiosos estrangeiros, especialmente anglo-saxões. Citações que são obtidas somente se você participar de congressos internacionais; congressos que só podem ser acessados se você estiver em bons termos com os chamados “barões”; bons relacionamentos que são construídos apenas seguindo o caminho do servilismo absoluto. Inútil dizer que um editor grande não publica por exemplo, livros sobre a história do anarquismo ou do socialismo, de modo que o acadêmico que quer fazer uma carreira precisa abandonar os ramos de pesquisa que são impopulares com o poder. O que, na prática, significa impor um controle rigoroso sobre a pesquisa.

EOL – Sobre a luta politica. Você foi um candidato da esquerda nas últimas eleições pelo Potere al Popolo. Qual o panorama da esquerda italiana e quais foram as propostas que você defendia? 

A esquerda na Itália é extremamente fragmentada. Antes das eleições políticas de 2018 no Parlamento, o maior partido de “esquerda” era o Partido Democrático- PD, nascido de uma fusão fria entre católicos e ex-comunistas, por anos com posições neoliberais. Considerado de esquerda, foi o Partido que realmente realizou todos os fatos que a direita berlusconiana não pôde fazer ou poderia ter feito em termos de privatização, meio ambiente, grandes obras, ataques aos direitos dos trabalhadores e distorção da constituição antifascista. O PD criou, assim, uma profunda ruptura com as pessoas de esquerda e com os valores em que essas pessoas se reconheciam. Do PD saíram, dando vida a assuntos políticos efêmeros, pequenos grupos de dirigentes e deputados que nunca romperam com o neoliberalismo e não assumiram uma posição clara sobre a União Européia. Entre essas formações, a “esquerda”, liderada por Fratoianni teve algum peso, mas mostrou-se substancialmente subordinada ao PD. Fora do Parlamento, existem pequenas formações comunistas que carecem de seguidores entre a população; um peso tinha até as recentes eleições políticas, o “Partido Comunista da Refundação”, que contava com uma representação mínima no Parlamento Europeu mas, esclerotizado nos grupos de liderança, estava eternamente dividido sobre o tema decisivo das relações com o PD. Todas essas formações políticas tem o descrédito da esquerda entre a população.

Neste clima, nasceu Potere al Popolo, do qual fui o primeiro candidato e hoje presidente da Comissão de Garantia. Nasceu para criar um movimento no qual todos tinham o direito real de falar e escolher, de dar uma referência àqueles que não se sentiam representados, para finalmente passar por um programa autenticamente anti-capitalista e criar uma rede de relações internacionais que existe hoje. Nós não entramos no Parlamento, mas não desaparecemos da vida política porque um projeto político tem futuro quando atende a uma necessidade na história.

A existência de uma esquerda de classe, alternativa ao pensamento único, é hoje uma necessidade profunda da história.

Não estávamos errados: a existência de uma esquerda de classe, alternativa ao pensamento único, é hoje uma necessidade profunda da história. Nosso programa era simples, mas continha opções realmente alternativas. Propusemos a abolição da Constituição do “pacto fiscal” e o orçamento equilibrado, que distorce os princípios sobre os quais a República repousa; a reintegração do Estatuto dos Trabalhadores e o cancelamento da desastrosa “lei do emprego”, que permite o patrão descartar o trabalhador a hora que desejar. Também propusemos uma séria luta contra a evasão fiscal, uma política habitacional financiada pelo redirecionamento dos recursos destinados aos gastos militares, o retorno à escola estatal, a abolição do Anvur e do Invalsi, que estão destruindo nosso Sistema educativo e, finalmente, uma grande batalha de resistência para a proteção ambiental. Infelizmente, a onda efêmera, mas esmagadora, do grilismo (Grillo, do Movimento 5 estrelas) nos parou.

E a crise atual do governo? 

Após 14 meses de vida, o governo na Itália desfaleceu. O primeiro-ministro Giuseppe Conte anunciou isso neste 20 de agosto, no Senado. A crise se arrastou desde 8 de agosto, quando o secretário da Liga Norte e ministro do Interior, Salvini, desencorajou Conte e atacou severamente os aliados. Interessante foi ver a imagem: o homem forte da política italiana, que queria poderes plenos, desafiou a Europa, fez o sonho da extrema-direita, saiu da história, mas trouxe uma enorme fadiga ao país: a grave crise institucional que agora encontra no “mito do homem solitário no comando” um povo desanimado. Um mito que nos leva diretamente a pensar na crise do estado liberal e o nascimento do fascismo.

Não é fácil de entender os motivos que levaram Salvini abrir a crise. Podemos pensar que ele dirigiu uma espécie de três Ligas Norte: a desejada por Bossi em 1991, que visava a independência da Padania (as regiões ricas do Norte); a Liga do próprio Salvini e o símbolo eleitoral da Liga norte, que promete pontes de ouro aos odiados sulistas em troca de voto, enquanto pensava em uma secessão disfarçada de  autonomia diferenciada. Descoberto o truque e fortemente contestado em todas os lugares no Sul da Itália, o Potere al Popolo denunciou Salvini: pequeno demais no governo para trazer do Norte a autonomia e demasiadamente desacreditado no Sul para torcer pelo seu avanço. Ele perdeu a cabeça e partiu para derrubar a mesa. Forçado pelos acontecimentos, o presidente da República, Mattarella, que por 14 meses apoiou toda infame da Liga, incluindo uma política de segurança da marca fascista – compartilhada por Conte, acordou apenas em agosto –  abriu consultas para ver se no Parlamento havia uma maioria que apoia um novo governo.

De um lado, ele encontrará Cinco Estrelas, aterrorizados pelo voto após o desastre europeu e pronto para se aliar ao diabo, para conservar poder e os mandatos. Do outro, a extrema direita, determinada a ir à votação porque estão convencidos de que têm o país em suas mãos. O Partido Democrático, um partido de direita: tolo servidor da União Européia e recém saído dos desastres de Renzi, um verdadeiro inimigo dos trabalhadores e dos pobres. Dividido internamente, mas com um rótulo à esquerda – inventado por uma imprensa que na nossa avaliação é quase inteira patronal – será capaz de vender fumaça e usar toda a arte italiana de mudar tudo de modo a não mudar nada.

Se se votar, metade do país, sem representação, não irá votar. Vença a direita parafascista de Di Maio ou o Partido Democrático de Renzi, que às vezes é mais parafascista que os salvianos, os pobres serão massacrados pelo neoliberalismo. Na melhor das hipóteses, se houver uma reação, restará um novo referendo. A única vantagem possível pode vir somente com o tempo, que terá disponível quiça à esquerda do PD na criação de uma alternativa. Falamos de tempos estreitos, pequenas forças como o Potere al Popolo e quem sabe, o que gira em torno de De Magistris. A crise institucional e econômica, no entanto, poderia atuar como um forte acelerador disso. Se, como é evidente, o renascimento da esquerda é uma necessidade da história, no fundo da horrível escuridão que nos cerca há uma pequena luz. Devemos ir a todo o custo nessa direção, lembrando que há uma constante no caso humano: depois de todo inverno frio da história, as razões para a força bruta sempre deram lugar à força das razões certas.

EOL –  Estamos vendo nos últimos tempos o falecimento dos últimos partigiani italianos, como por exemplo, Liliana Pacini, Ugo Morchi e Emma Fighetti, esta última a “a costureira da resistência” que transformou seu ateliê em uma base para atividade antifacista. Na sua opinião, como a geração presente pode ser antifacista? Quais as principais lições que podemos apreender dos partigiani da Resistência e como não ser indiferente?

Acredito que nas profundezas da pessoa humana, o amor pela liberdade e um senso de dignidade encontram um lugar decisivo. Não estamos cientes disso até que as circunstâncias da vida nos levem a descobri-lo. O que acontece ao nosso redor hoje em dia é, de fato, um convite contínuo e talvez irresistível para lutar pela liberdade e pela dignidade, que é defendida acima de tudo graças a um mínimo de independência econômica. Tenho outra profunda convicção: acredito que a história das lutas dos trabalhadores, do antifascismo e da resistência, agora fazem parte do nosso DNA. Para que os jovens saiam da apatia da derrota e se rebelem contra a injustiça, os idosos devem se tornar exemplos vivos do que aconteceu, das lutas que experimentaram, dos sonhos pelos quais lutaram. É tarefa deles conectar o fio da memória do passado àquele que leva ao futuro. O conhecimento é em si mesmo um instrumento de luta e semente de revolução.

Em nome dessa crença, gostaria de encerrar esta entrevista e responder sua última pergunta, usando as palavras escritas aos amigos de Giacomo Ulivi, um jovem partigiano italiano, antes de abordar o pelotão de fuzilamento. Para mim, não se trata apenas de um testamento, mas um programa de luta: amigos,

“[…] gostaria que, despreparados e sobrecarregados com erros recentes, pensássemos no fato de termos que refazer tudo. De casas a ferrovias, de portos a usinas elétricas, de indústrias a campos de trigo; quantos de nós esperamos, no final dessas situações, começar uma vida laboriosa e tranquila, dedicada à família e ao trabalho? Muito bem: é um sentimento geral, generalizado e satisfatório. Mas nesta necessidade de silêncio é a tentativa de fugir o máximo possível de qualquer manifestação política. É tremendo, o mais terrível, […] de uma obra de educação, deseducação ou educação negativa de vinte anos, que martelando durante vinte anos por todos os lados conseguiu prejudicar muitos de nós. […] Todos os dias eles nos disseram que a política é um trabalho de “especialistas”. O trabalho duro, que tem suas necessidades: e essas necessidades, como todos os dias foram vistos, eram estranhamente semelhantes àquelas que subjazem ao trabalho de qualquer ladrão. Teoria e prática ajudaram a nos distrair e nos distanciar de qualquer atividade política. Conveniente, né? Deixe aqueles que podem e devem fazer isto; você trabalha e acredita, isto eles disseram: e o que eles viram agora, que na vida política […] nós fomos jogados fora pelos eventos. Aqui está nossa culpa, eu acredito: […] nos deixamos ser arrebatados de tudo, de uma minoria inadequada, moral e intelectualmente.

Pense que tudo aconteceu porque você não queria saber mais nada!

Isso nos roubou, jogado em uma aventura sem fim; e este é o lado mais “rosado”, creio eu; a má notícia é que as palavras e atos dessa minoria afetaram a posição moral, a mentalidade de muitos de nós. […] Além de qualquer retórica, vemos como as “coisas públicas” são nós mesmos, nossa família, nosso trabalho, nosso mundo, enfim, que todo desastre nosso é nosso desastre, pois agora sofremos da extrema miséria em que nosso país caiu: se tivéssemos sempre mantido isso em mente, como isso teria acontecido? […]
Precisamente por isso, devemos tratá-lo diretamente, pessoalmente, como nosso trabalho mais delicado e importante. Porque se […] não o tratarmos completamente, especialmente hoje, a recuperação que esperamos, à qual nos unimos firmemente, será impossível. […] Não, não diga que está desanimado, não quer mais saber. Pense que tudo aconteceu porque você não queria saber mais nada!”.

NOTAS

1 – A palavra lazzaro é de origem espanhola e inicialmente indicava o jovem plebeu napolitano que povoava o distrito de Mercato (uma zona em Nápoles). Os lazzaros desempenharam um importante papel na revolta em 1647 por Masaniello. Em um sentido amplo, ele apontou para os miseráveis plebeus, que se posicionaram contra os revolucionários no ataque sanfedista à República Partenopéia, nascido em 1799.

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O GRITO FEMINISTA RESSOA NO MÉXICO

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O GRITO FEMINISTA RESSOA NO MÉXICO

Mulheres em um protesto em 16 de agosto em Monterrey.

Manifestações dos últimos dias constatam o auge das mobilizações das mulheres e evidenciam a saturação pelo clima generalizado de violência.

El País | GABRIELA PÉREZ | MONTIEL CUARTOSCURO – O Anjo da Independência da Cidade do México amanheceu há alguns dias com pichações que narravam a realidade do país. “México feminicida”, porque a cada quatro minutos uma mulher sofre um estupro; “Autodefesa já”, porque as denúncias por crimes sexuais aumentaram 20% nesse ano em um país onde 93% dos crimes não são solucionados. Também “Nunca mais terão a cumplicidade de nosso silêncio”, porque centenas de mulheres mexicanas decidiram que seu grito de saturação ressoará cada vez mais forte, pelos milhares, milhões, que não podem fazê-lo.

estupro de uma menor de 17 anos supostamente por quatro policiais foi o detonador dos últimos protestos diante da inação das autoridades da Cidade do México, governada por uma mulher, progressista, Claudia Sheinbaum, cuja primeira reação foi dizer que não cairia em provocações quando jogaram purpurina em um de seus funcionários. As manifestações dos últimos dias, entretanto, são a constatação do auge do movimento feminista no México.

A mobilização das mulheres não é nova. Em 2016, após a etiqueta #MiPrimerAcoso (Meu primeiro assédio) visibilizar a frequência com que as mexicanas sofrem assédios nas ruas, as mulheres começaram a denunciar. Três anos depois a situação é igual ou mais alarmante: o movimento Me Too conseguiu fazer com que as mulheres rompessem o silêncio com uma única voz; as manifestações ficaram mais fortes e têm mais participação. Através de símbolos como a purpurina rosa, as mulheres saíram às principais ruas da cidade. O movimento feminista encontrou nas mexicanas tanto a saturação diante de uma situação que as coloca em desvantagem, como um alto potencial de organização à mobilização social. “O feminismo está nas ruas, na imprensa e nas redes. Algumas vezes chega diluído, mas existem diferentes correntes. É uma nova geração que não tem canais de diálogo, não tem oportunidades e que só tem a opção de se manifestar”, descreve Valentina Zendejas, subdiretora do Instituto de Liderança Simone de Beauvoir.

O auge do movimento feminista no México vai em consonância com as mobilizações globais, caso de países como a Espanha, Argentina, Brasil e os Estados unidos. A maré verde da Argentina – que promove o direito ao aborto no país – chegou a tocar as mulheres mexicanas, que também adotaram o lenço verde para exigir seu direito a decidir sobre seus corpos. Apesar de existirem diferenças culturais, as mulheres desses países encontraram pontos em comum que se difundem com rapidez através das redes sociais. “São mulheres muito jovens que protestam em reação à violência patriarcal. Usam muito as redes sociais e dão um caráter internacional ao protesto”, diz.

O México tem, entretanto, um claro elemento que o diferencia de qualquer país do mundo: a violência generalizada e a falta de resposta das autoridades. No país latino-americano são assassinadas em média 100 pessoas por dia, pelo menos três são vítimas de feminicídios, de acordo com os dados oficiais. A perpétua imagem da violência está entre os mexicanos todos os dias há mais de uma década e já exacerbou vários grupos, entre eles as mulheres. “Existe um contexto generalizado de violência no México e a violência contra as mulheres é muito mais extrema do que em outros países. É curioso que seja o movimento feminista a ir às ruas se manifestar contra a violência e contra um sistema de justiça inoperante”, afirma a especialista do Simone de Beauvoir. Como frisa Zendejas, o rastilho que foi aceso e que longe de se apagar pela organização de diferentes coletivos caminha para se transformar em uma labareda, é o resultado de uma “raiva legítima diante da inoperância do Governo durante muitos anos”.

A chegada ao poder do primeiro presidente de esquerda do país, Andrés Manuel López Obrador, e da primeira mulher eleita chefa de Governo da Capital insuflou um vislumbre de esperança aos movimentos pelos direitos civis. López Obrador prometeu, em geral, abordar com uma perspectiva diferente à de seus antecessores os principais problemas do México. A expectativa sobre as ações do Governo mexicano em relação à violência contra as mulheres é altíssima. O Instituto Nacional das Mulheres (Inmujeres) está avaliando as principais problemáticas das mexicanas, ainda que reconheça que esse gênero não possui acesso à Justiça e que sofrem significativamente da lacuna salarial.

Até agora, entretanto, López Obrador não conseguiu diminuir os níveis de violência que assolam o país e reduzir o número de feminicídios. Após os protestos dos últimos dias, quando foi perguntado se tinham um plano para reduzir os feminicídios, sua resposta foi dizer que a Guarda Nacional, ou seja, os militares, tinham uma estratégia para erradicá-los.

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GRUPOS PRÓ-BOLSONARO NO WHATSAPP NÃO SE DESMOBILIZARAM COM A VITÓRIA. PELO CONTRÁRIO, ESTÃO MAIS RADICAIS

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GRUPOS PRÓ-BOLSONARO NO WHATSAPP NÃO SE DESMOBILIZARAM COM A VITÓRIA. PELO CONTRÁRIO, ESTÃO MAIS RADICAIS

The IntercePT | David Nemer – DESDE MARÇO DE 2018, venho observando grupos pró-Bolsonaro no WhatsApp que foram fundamentais na disseminação de desinformação durante as eleições de 2018. Desde o final do pleito, muitos usuários saíram desses grupos porque sentiram que cumpriram seu objetivo principal: eleger Jair Bolsonaro. Porém, vários grupos seguem ativos – e pior, ainda mais radicais.

Bolsonaro empoderou sujeitos que se sentiam reprimidos devido às políticas progressistas dos governos passados. Seu discurso legitimou sentimentos radicais e abriu espaço não apenas para a sua expressão, mas também para uma ação – é o que está acontecendo agora.

Por quase um ano, me inseri em quatro grupos de WhatsApp de apoiadores de Bolsonaro para monitorar seu funcionamento. Espalhavam mentiras por meio de uma estrutura de grupos que lembra uma pirâmide. Os grupos tinham em torno de 170 a 200 membros. Esses grupos eram especificamente designados e mantidos para convencer e promover argumentos a favor do Bolsonaro. Os “influenciadores” estavam no topo do ecossistema: eram os responsáveis por manipular notícias e criar mentiras que viralizassem. Esses influenciadores, então, enviavam as informações falsas para grupos maiores, compostos pelos apoiadores mais ferrenhos do ex-capitão, que, por sua vez, enviavam a um exército de trolls.

A partir daí, as notícias falsas se disseminavam entre grupos ainda maiores de brasileiros comuns, que usavam o WhatsApp para driblar os veículos de imprensa tradicionais, recebendo notícias que reforçavam suas inclinações a votar em Bolsonaro. As discussões eram essencialmente câmaras de eco da causa direitista.

Nos últimos meses, porém, observei, por meio de uma análise do sentido das mensagens, uma transformação na base de apoio do governo: conforme os participantes testemunhavam o novo governo tomar forma, começaram a surgir discordâncias sobre os rumos que o país estava tomando. A maioria, que durante as eleições estava sempre de acordo e trocava apoio, entrou em calorosos bate-bocas por causa das suas diferentes expectativas com novo governo. As brigas constantes forçaram os membros a criarem coalizões dentro dos grupos e, após oito meses do governo Bolsonaro, surgiram seis novos grupos além dos quatro originais.

Cada grupo seguiu uma linha de pensamento estipulada por seus administradores e, baseado nela, eu os organizei em categorias.

O primeiro deles se concentra na propaganda do governo. Ou seja, seus membros são apoiadores extremos de Bolsonaro. Não permitem discussões que questionam quaisquer atos do presidente. Reúne brasileiros comuns, bolsominions e influenciadores. No entanto, em vez de consumir, compartilhar e produzir notícias falsas sobre candidatos oponentes, a desinformação se concentra principalmente na propaganda do governo e na deslegitimização dos tradicionais meios de notícias, em especial os que têm denunciado as irregularidades do governo, como o desmatamento da Amazônia, e a ligação entre Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente, e as milícias do Rio.

BRASÍLIA, DF, 27.11.2018 - JAIR-BOLSONARO - O presidente eleito, Jair Bolsonaro, acompanhado do filho Flavio Bolsonaro, senador eleito pelo PSL-RJ, nesta terça feira, 27, durante entrevista realizada na sede do governo de transição, no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil). (Foto: Mateus Bonomi/Agif/Folhapress)

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As ligações dos Bolsonaro com as milícias

O segundo grupo é o da insurgência. Reúne participantes que se tornaram opositores do presidente. Eles têm fortes sentimentos nacionalistas e acreditam que Bolsonaro traiu a nação devido aos seus planos de privatizar e vender empresas estatais brasileiras, como a Petrobras. Os insurgentes afirmam que o presidente não está cumprindo suas promessas de militarizar o governo e cedeu ao establishment e aos políticos corruptos – à velha política, portanto.

Eles acreditam que a única maneira de salvar o país é organizar uma insurgência popular armada a fim de promover uma limpeza completa dos poderes legislativo e judiciário. Desta forma, compartilham todo e qualquer conteúdo que leve a descrença dos três poderes. Para eles, Bolsonaro está corrompido, STFé pró-Lula, e Congresso é a causa do Brasil ser tão corrupto. Criar indignação antecede a organização da insurgência. Existem planos de fazer uma manifestação no dia 25 de agosto para demonstrar que eles estão pensando nesse objetivo.

Agora que a eleição passou, os insurgentes revelam abertamente as práticas sujas que se envolveram quando foram bolsominions e influenciadores. No meu artigo anterior, mencionei que os bolsominions pareciam ser um “exército voluntário.” Embora isso seja verdade para a maioria, ouvi vários depoimentos que revelaram que muitos receberam pelo menos R$ 400 por semana para disseminar conteúdo pró-Bolsonaro. Os depoimentos também mostram que administradores receberam pelo menos R$ 600 por semana para manter o clima em seus grupos favorável ao candidato, e alguns até R$ 1.000, dependendo da quantidade de conteúdo produzido. Quando questionados sobre a origem do dinheiro, os insurgentes disseram que um grupo de empresários, incluindo Paulo Maurinho, financiaram a rede.

O problema da radicalização requer uma iniciativa multifacetada.

Eles também mencionaram uma milícia virtual chamada Movimento Ativista Virtual, os MAVs, que foi paga para se infiltrar em grupos WhatsApp e espalhar desinformação pró-Bolsonaro. Taíse de Almeida Feijótambém foi mencionada por ter sido paga para divulgar e disponibilizar as notícias falsas para os MAVs e bolsominions. Os insurgentes não mencionaram que o presidente ou sua equipe de campanha estavam diretamente envolvidos neste esquema, o que é difícil de acreditar – Taíse é atualmente assessora no gabinete do secretário-geral da Presidência com um salário mensal de R$ 11.081,98. Ouvido pelo UOL, o governo disse que a contratação de Taíse se deu por “critérios técnicos”.

O terceiro grupo é o que batizei como o da supremacia social. Seus membros não estão interessados nos atos políticos diários do governo. Em vez disso, se alinham e empoderam com o discurso de extrema direita promovido pelo presidente e seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro. Eduardo promove sua retórica usando técnicas condizentes com a propaganda de extrema direita americana, como sua foto fashwave no perfil do Twitter. Os supremacistas sociais compartilham conteúdo pró-arma, racista, anti-LGBT, antissemita e anti-Nordeste.

Eles levam novos membros para outros canais de discussão, como Dogolachan e 55chan no 8chan, local frequentado pelos autores do massacre da escola de Suzano. Esses canais são conhecidos pela propagação do ódio, do preconceito e da extrema direita na internet brasileira. O outro canal é a página chamada “Homens Sanctos” no VK, o Facebook Russo. “Homens Sanctos” é um grupo similar aos incels (celibatários involuntários), no qual o conteúdo pedófilo, racista e antissemita é fortemente compartilhado e celebrado.

Os supremacistas sociais são o grupo mais perigoso e radical até o momento. Não só pela materialização dos seus ideais, como no ataque da escola em Suzano e aumento do sentimento anti-Nordeste no país, mas também por ditar como será o apoio a Eduardo Bolsonaro em uma eventual candidatura para a presidência ou algum cargo, como o de embaixador do Brasil nos EUA. Eduardo já se mostrou conectado e em diálogo com figuras da extrema direita no âmbito internacional, como o ministro do interior da Itália Matteo Salvini, primeiro ministro húngaro Viktor Orbán, e o estrategista político Steve Bannon.

Os membros desses grupos não são representativos dos apoiadores de Bolsonaro. Porém, se alinham ao ideário de extrema direita propagado pelo governo e mostram, na prática, como WhatsApp e Telegram criaram o ambiente propício para a radicalização, reunindo e amplificando o discurso extremista.

Ilustração: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil

POR MAIS QUE, no momento atual, a amostra de pessoas radicalizadas em grupos de WhatsApp seja pequena, a possibilidade de que essa amostra cresça e se torne um problema ainda maior é grande. Principalmente porque uma das regras desses grupos é que atuais membros recrutem novos participantes. A própria arquitetura da rede possibilita a rápida viralização de conteúdos, e a criptografia ponto-a-ponto torna o trabalho de monitoramento e moderação pelas próprias plataformas mais difíceis – porém não impossíveis. Vários casos de linchamentos pelo mundo já foram associados por fake news disseminadas pelo WhatsApp. Na Argentina, um homem foi linchado e morto pois seu filho foi falsamente acusado de estupro; na Índia, as mentiras no WhatsApp levaram um povoado a queimar dois homens inocentes.

O problema da radicalização requer uma iniciativa multifacetada. Primeiro, é necessário a aplicação da lei pelas cortes responsáveis, já que em muitos países, como Alemanha, Portugal, Austrália, França e o próprio Brasil, discursos violentos e de ódio são criminalizados e deveriam ser punidos com penas severas. Por aqui, o racismo e homofobia são inafiançáveis e imprescritíveis, e podem ser punidos com um a cinco anos de prisão e, em alguns casos, com multa. Porém, a punição nem sempre é exemplar – o que precisa ser debatido.

A radicalização pode começar em uma idade precoce, e pais precisam prestar atenção no que seus filhos estão fazendo na internet e estar prontos para intervir. Os filhos podem se sentir motivados a buscar tais espaços de radicalização devido a forma como os pais trazem os assuntos políticos e sociais para dentro de casa. Por isso, é sempre necessário conversar com os filhos e engajá-los em discussões de assuntos que são complexos por natureza.

Google, o Facebook e o Twitter vêm reprimindo os discursos violentos e de ódio com mais firmeza recentemente, mas o movimento é ainda muito lento. As empresas de tecnologia têm que continuar a retirar do ar esses espaços e figuras indutoras de radicalização. Facebook e Twitter já baniram de suas plataformas figuras conhecidas pelo discurso extremista e teorias de conspiração como Milo Yiannopoulos e Alex Jones, que ainda têm milhares de seguidores no Telegram.

Como WhatsApp e Telegram estão se tornando mais populares, a moderação e intervenção estão se tornando prioridades. Não é a solução perfeita, mas funciona. Como observei nesses grupos do WhatsApp, a radicalização acontece em alta velocidade, principalmente quando promovida pelo presidente, e o desmantelamento exige que esses diferentes atores atuem rapidamente e em conjunto.

DUQUE LEVARÁ À ONU PROPOSTA DE PACTO REGIONAL DE CONSERVAÇÃO DA AMAZÔNIA

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DUQUE LEVARÁ À ONU PROPOSTA DE PACTO REGIONAL DE CONSERVAÇÃO DA AMAZÔNIA
O presidente da Colômbia, Iván Duque, durante cerimônia de comemoração dos 200 anos da república do país, em Tunja, no dia 7 de agosto — Foto: Courtesy of Colombian Presidency/Handout via Reuters

Iniciativa busca preservar a floresta do desmatamento e das queimadas que devastam a Amazônia, que é compartilhada pela Colômbia, Brasil, Bolívia, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Venezuela e Guiana Francesa.

G1 | Por France Presse – O presidente da Colômbia, Iván Duque, afirmou neste domingo (25) que levará à ONU a proposta de um pacto regional de conservação da Amazônia, em resposta aos incêndios que consumem a maior floresta tropical do mundo.

“Queremos liderar entre os países que têm esse território amazônico um pacto de conservação” que será levado à Assembleia das Nações Unidas em setembro, disse o presidente em um evento público em uma comunidade indígena na Isla Ronda, departamento do Amazonas, limítrofe de Peru e Brasil.

A iniciativa busca preservar a floresta do desmatamento e dos incêndios que devastam a Amazônia, compartilhada por Colômbia, Brasil, Bolívia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, assim como a Guiana Francesa, um departamento de ultramar da França.

“Nós não temos neste momento uma situação de incêndios como a que o Brasil vive, mas devemos nos prevenir também e essa visita é para gerar alerta”, acrescentou.

Antes de levar a proposta à assembleia das Nações Unidas, o presidente colombiano apresentará o pacto à reunião do gabinete binacional do qual participará na próxima terça-feira (27) com o presidente peruano Martín Vizcarra na cidade de Pucallpa.

DESTRUIÇÃO | BIODIVERSIDADE PERDIDA EM QUEIMADAS NA AMAZÔNIA LEVARÁ DÉCADAS PARA SE RECUPERAR

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DESTRUIÇÃO | BIODIVERSIDADE PERDIDA EM QUEIMADAS NA AMAZÔNIA LEVARÁ DÉCADAS PARA SE RECUPERAR
Brasil vive a maior onda de queimadas dos últimos cinco anos / (Foto: Daniel Beltrá/Greenpeace)

Especialistas entrevistados pelo Brasil de Fato avaliam que determinadas espécies podem demorar até mesmo séculos

Lu Sudré | Brasil de Fato | São Paulo (SP) – Os incêndios que se alastram pela Amazônia tornaram-se uma grande preocupação mundial ao longo dos últimos dias. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Brasil vive a maior onda de queimadas dos últimos cinco anos. Somente em 2019, o número de focos de incêndio chega a 7.003.

Imagens das chamas que consomem partes do território amazônico, intensificadas no mês de agosto, retratam um cenário desolador. Na opinião de especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, devido à extensão das queimadas, os danos à fauna e flora locais são de imensa gravidade.

Para pesquisador do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) Roberto Palmieri, levará muito tempo para que a Amazônia volte a ser o que era.

“Em um incêndio florestal uma área como a amazônica demora décadas para se recuperar. No mínimo. Se for um incêndio florestal em uma vegetação com árvores seculares, serão alguns séculos para recompor. Estamos falamos em uma perda na qual a recuperação possivelmente não irá recompor a diversidade que tínhamos agora nesses locais”, alerta.

Ele reforça que o cenário é ainda pior quando se trata de regiões da Amazônia com árvores antigas. “São décadas se considerarmos florestas que já foram mexidas. Se forem florestas primárias, com árvores de porte grande, estamos falando de mais de um século. Sem exagero nenhum, estamos falando em cem anos para recuperar a diversidade de uma área como essa, que foi queimada”, explica.

Gabriel Ribeiro Castellano, engenheiro agrônomo pela Universidade de São Paulo (USP) e ex-gestor da Floresta Estadual Navarro de Andrade, unidade de conservação com mais focos de incêndio no estado de São Paulo, concorda.

“A floresta possui uma estrutura e espécies com diferentes funções ecológicas. As árvores clímax, ou seja, as grandes árvores que geram sombra para as demais formas de vida, podem demorar mais de mil anos para chegar em seu tamanho máximo. Desta maneira, a recuperação das funções ambientais de uma vegetação primária queimada na Amazônia pode demorar alguns séculos”, acrescenta.

Animais mortos

Mestre em geociências e meio ambiente, Castellano afirma que todo o ecossistema é prejudicado com as queimadas. Dessa forma, a destruição da flora resulta também na destruição da fauna.

Segundo ele, a carbonização é a primeira consequência sentida pelo reino animal. As espécies que não morrem de imediato podem sofrer ferimentos incapacitantes ou letais.

“Alguns animais e a maioria dos mamíferos pode, através do olfato, sentir a chegada do fogo e assim conseguem fugir de forma rápida. As aves são menos atingidas porque podem voar, porém ovos e ninhos são destruídos. Existem alguns mamíferos mais lentos que são mais atingidos como tamanduá, bicho preguiça e filhotes de todas as espécies. Após o fogo, com a perda dos habitats, os animais podem morrer por falta de abrigo ou alimento”, explica Castellano.

A fauna da Amazônia é reconhecida internacionalmente por ser constituída por milhares de espécies de animais, entre répteis, anfíbios, peixes, aves, insetos e mamíferos terrestres e aquáticos. Muitas delas endêmicas, ou seja, só ocorrem nesta região.


Tamanduá cego pelo fogo à beira da BR Cuiabá-Santarém. (Foto: Araquém Alcântara)

Roberto Palmieri comenta que, na proporção que as queimadas estão se expandindo, até mesmo animais carnívoros de grande porte como onças e jaguatiricas, que conseguiriam escapar dos incêndios com maior facilidade, podem ser afetados.

Ele ressalta que a fauna do solo, tão importante quanto o restante do ecossistema, é a mais atingida em incêndios e desmatamentos.

“Há uma riqueza de micro-organismos vertebrados e invertebrados que vivem no solo. Minhocas, aracnídeos, uma série de outros insetos. Eles são eliminados conforme o fogo passa, o calor acaba com eles. E essa fauna do solo é fundamental para manter toda a flora… Uma flora saudável, depende de um solo rico, nutricionalmente falando, e são os micro-organismos da fauna do solo que mantém essa qualidade”, pontua Palmieri.

“Quando falamos em Amazônia e vemos aquelas florestas exuberantes, com árvores gigantescas, o que mantém aquelas árvores enormes, é um solo fértil, saudável, rico em nutrientes. Só são possíveis graças a esses microorganismos”, continua o especialista.

Dia do fogo

Devido ao tempo seco comum a esta época do ano, as zonas de florestas do país tornam-se mais suscetíveis a incêndios. Porém, as chamas da última semana têm origem, majoritariamente, na ação predatória de fazendeiros.

Em busca de expansão das áreas de pastagem ou para plantações de soja, os produtores organizaram o Dia do Fogo em 10 de agosto. Neste dia, em Novo Progresso, no Pará, aconteceram 124 focos de queimadas. No dia seguinte, foram 203 casos. A ação se espalhou por outras regiões nos dias seguintes.

Com a extensão do fogo, Castellano lamenta que a fumaça tenha afetado os sentidos dos animais, que, intoxicados e desorientados, não tiveram opção.

“Como os focos de incêndio foram coordenados e ocorreram em diversos pontos na mesma região, pode ter ocorrido fogo de encontro, ou seja, dois focos de incêndio se encontram,  um vindo de cada lado. Desta maneira os animais ficam sem escapatória e aquele animal que estava fugindo de um foco de incêndio para a direção contrária, acaba surpreendido”, assinala.

Ele avalia ainda que, com os incêndios, o Brasil possa ter perdido espécies que ainda não haviam sido registradas. “O maior risco é de espécies de insetos ou mesmo de microrganismos estarem sendo extintas sem ao menos terem sido descobertas porque é muito mais difícil registrar e catalogar esses espécimes”, diz o engenheiro agrônomo.

Natureza fragmentada

Conforme informações disponibilizadas pelo Ministério do Meio Aambiente (MMA), a Amazônia é o maior bioma do Brasil e abriga um terço de toda a madeira tropical do mundo, além de mais de  30 mil espécies de plantas.

“Toda essa fauna depende da flora local para viver ou se alimentar. Na Amazônia ocorrem aproximadamente 5.000 espécies de árvores, 3.000 de ervas, 1.300 arbustos, além de trepadeiras e outras formas de vida. Toda essa biodiversidade está ameaçada… Até mesmo os peixes que dependem das matas ciliares (formação vegetal localizada nas margens dos córregos, rios e lagos) para a proteção da qualidade da água”, complementa Castellano, acrescentando que nos rios amazônicos existem cerca de 85% de espécies de peixes da América do Sul.

O engenheiro agrônomo explica que, ao destruírem árvores, as queimadas perpetuam a fragmentação das florestas. Neste processo, o que era uma floresta contínua se torna pequenas matas isoladas, alterando toda a estrutura de vegetação local. O processo também faz com que animais e outras plantas tenham que migrar para outras áreas para sobreviver.

Governo Bolsonaro

Na quinta-feira (22), Emmanuel Macron, presidente da França, convocou o G7 (grupo composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido), para discutir os incêndios da Amazônia, considerados por ele uma crise internacional.

Até a convocação de Macron, Jair Bolsonaro só havia dito – sem apresentar provas – que ONGs estariam por trás do aumento das queimadas no Brasil, acusação repudiada por especialistas de todo país.

Apenas após a pressão internacional, na tarde desta sexta-feira (24), o presidente do PSL assinou um decreto de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) que autoriza o emprego das Forças Armadas na Amazônia.

Conforme o documento, que será publicado em edição extra do Diário Oficial da União, militares poderão atuar em “áreas de fronteira, terras indígenas, unidades de conservação ambiental e em outras áreas da Amazônia Legal”. A validade é de um mês, entre 24 de agosto e 24 de setembro.

Roberto Palmieri critica as declarações de Bolsonaro e aponta os responsáveis: “A quem interessa os incêndios florestais na Amazônia? Não interessa às ONGs, interessa aos produtores rurais que querem limpar suas áreas. É assim que é feito, tradicionalmente, a limpeza das áreas da Amazônia. Derruba e taca o fogo. O fogo limpa e aí vem o pasto, outras culturas”, comenta.

Na opinião do gestor do programa de Florestas de Valor do Imaflora, Bolsonaro erra ao ignorar e desqualificar informações estratégicas como as disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Para Gabriel Ribeiro Castellano, se o cenário de destruição não for interrompido, o futuro da biodiversidade brasileira estará totalmente comprometido.

“É possível que a Amazônia vire uma grande monocultura e a cana de açúcar, a soja ou o milho, dominem as paisagens. [É possível] que muitas espécies acabem extintas mesmo antes de serem descobertas. Podem ainda ocorrer problemas relacionados à qualidade do ar, ao comprometimento do solo e a poluição dos recursos hídricos”, analisa.

Edição: Rodrigo Chagas

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DEMORI, EDITOR DO INTERCEPT, PROMETE NOVOS ÁUDIOS NESTA SEGUNDA-FEIRA

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DEMORI, EDITOR DO INTERCEPT, PROMETE NOVOS ÁUDIOS NESTA SEGUNDA-FEIRA

Brasil247 – O jornalista Leandro Demori, editor do Intercept, publicou um vídeo em que promete nova reportagem da Vaza Jato, nesta segunda-feira, com áudios.

Esta semana começará com uma nova reportagem da Vaza Jato, que virá com áudios. Foi o que prometeu, em vídeo, o jornalista Leandro Demori, editor do Intercept. Confira:

https://twitter.com/AnielsonV/status/1165436288113291265?s=20

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VAZA JATO | A TURMA PROTEGIDA PELA LAVA JATO: BANCOS, FHC, GUEDES, ÁLVARO DIAS E ONYX

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VAZA JATO | A TURMA PROTEGIDA PELA LAVA JATO: BANCOS, FHC, GUEDES, ÁLVARO DIAS E ONYX

Deltan: “Fazer uma ação contra um banco pedindo pra devolver o valor envolvido na lavagem, ou, melhor ainda, fazer um acordo monetário, é algo que repercutiria muito, mas muito, bem”

Jornalista do Intercept faz compilação da Vaza Jato, nos últimos três meses, com os casos das personalidades protegidas pela Lava Jato, “com abordagem, digamos assim, mais carinhosa”

Rede Brasil Atual | Publicado por João Filho, do Intercept  – Intercept – A Lava Jato foi muito bem sucedida em vender a imagem de imparcial e implacável contra a corrupção. Os procuradores e o ex-juiz Sergio Moro se empenharam para manter a opinião pública acreditando nisso, como ficou claro pelas publicações da Vaza Jato. Hoje, sabemos que a operação não era nem tão imparcial, nem tão implacável contra a corrupção assim. Alguns políticos e setores econômicos contaram com a leniência dos procuradores.

Lula, por exemplo, era uma obsessão, um alvo a ser eliminado da corrida eleitoral nem que para isso fosse necessário infringir a lei. Já FHC era visto como um “apoio importante”, cujas denúncias deveriam ser tratadas com muito cuidado. Esses são os casos mais simbólicos, mas há uma infinidade de exemplos que indicam que a força-tarefa trabalhava com dois pesos e duas medidas.

Nos últimos três meses, a Vaza Jato deu luz a alguns dos protegidos pela Lava Jato. Trago a seguir um compilado com algumas das figuras que contaram com uma abordagem, digamos assim, mais carinhosa.

Bancos

Diálogos publicados pela parceria entre Intercept El País revelam que a Lava Jato tinha um cuidado especial com o setor bancário. Enquanto a construção civil foi devassada pela operação, ampliando a crise econômica e o desemprego do país, os grandes bancos foram poupados. Mesmo sabendo que o setor bancário é o meio pelo qual o dinheiro de corrupção circula, a Lava Jato pouco fez contra ele. Os grandes bancos continuaram a lucrar com a roubalheira.

“O Banco, na verdade os bancos, faturaram muuuuuuito com as movimentações bilionárias dele”, escreveu o procurador Pozzobon em mensagem enviada aos colegas. O banco citado é o Bradesco, e as movimentações milionárias são de Adir Assad, um lobista condenado por lavagem de dinheiro e envolvido em diversos casos de corrupção. Os procuradores sabiam que o Bradesco tinha ciência de que o lobista possuía uma conta no banco para lavar dinheiro “a rodo”. Na sequência da conversa, Pozzobon responde a sua própria pergunta: “E o que o Bradesco fez? Nada”.

Sabendo que o Bradesco lucrava calado com a corrupção do doleiro, o que a Lava Jato fez? Nada também. O banco saiu impune.

Na proposta de delação premiada do ex-ministro Palocci entregue à força-tarefa, o nome do Bradesco aparece 32 vezes. O do banco Safra aparece outras 71. Mas a delação foi rejeitada pelo Ministério Público. O procurador Carlos Fernando Lima a chamou de “fim da picada” por não trazer provas suficientes. O fato causou estranhamento à época, porque, como se sabe, falta de provas nunca foi um problema para a Lava Jato. Agora ficou mais fácil entender por que a delação de Palocci não caiu nas graças dos lavajatistas.

Dallagnol também mostrava-se preocupado em poupar os bancos nas investigações. Diferentemente das grandes construtoras, que não saíam das manchetes de corrupção e tinham seus executivos presos, os bancos contaram com a morosidade da Lava Jato. Nos diálogos com procuradores, Dallagnol deixou claro que os bancos não sofreriam uma devassa, mas receberiam propostas de acordo: “Fazer uma ação contra um banco pedindo pra devolver o valor envolvido na lavagem, ou, melhor ainda, fazer um acordo monetário, é algo que repercutiria muito, mas muito, bem”. Toda aquela volúpia punitivista contra as construtoras não era a mesma para os bancos.

Mas estamos falando dos grandes. Os pequenos bancos não contavam com a mesma benevolência. Em maio deste ano, quando três executivos do Banco Paulista foram presos, Pozzobon deixou claro que a estratégia era pegar leve com os grandes. Enquanto os pequenos tinham seus executivos indo para cadeia, aos grandes seriam oferecidos acordos: “Chutaremos a porta de um banco menor, com fraudes escancaradas, enquanto estamos com rodada de negociações em curso com bancos maiores. A mensagem será passada!”

Nessa mesma época, Dallagnol enchia o seu pé de meia dando palestras para CEOs dos grandes bancos do país. Em apenas uma palestra vendida para a Febraban, o procurador recebeu quase o mesmo valor de um mês de salário. Essa palestra foi feita um dia depois de Pozzobon afirmar no Telegram que o Bradesco sabia que a conta de Assad servia para lavagem de dinheiro. O tema da palestra? Prevenção e combate à…lavagem de dinheiro.

Se houvesse uma Lava Jato da Lava Jato, as palestras de Dallagnol para os bancos seriam tranquilamente configuradas como propinas em troca de proteção nas investigações. Nós conhecemos bem os métodos lavajatistas. Dallagnol já teria sofrido até mesmo uma condução coercitiva.

FHC

Fernando Henrique Cardoso também não conheceu o lado implacável da Lava Jato. Os procuradores não investigaram mais profundamente os casos de corrupção envolvendo o ex-presidente e seu governo. E não foram poucas as vezesque o nome do ex-presidente apareceu nas investigações.

A ordem veio de Sergio Moro, que recomendou a Dallagnol que não prosseguisse com as investigações contra FHC para não “melindrar alguém cujo apoio é importante”. Como os desejos de Moro soavam como ordens para Dallagnol, as investigações foram engavetadas.

Uma operação de caráter essencialmente político precisava articular alianças políticas e usava o seu poder para protegê-las. Não foi à toa que recentemente FHC chamou as publicações da Vaza Jato de “tempestade em copo d`água”. A aliança segue firme.

Álvaro Dias

Durante as investigações, o nome de Álvaro Dias, do Podemos, surgiu em dois episódios como beneficiário de propinas. Em um deles, o ex-candidato a presidente foi acusado de receber propina para ajudar a melar a CPI da Petrobras. O ex-senador chegou a prestar depoimento para Moro em 2017 sobre o caso, mas o ex-juiz e o então procurador Diogo Castor pegaram tão leve que nem chegaram a perguntar se ele havia recebido a propina.

Em outro episódio, e-mails do advogado da Odebrecht Rodrigo Tacla Durán indicavam que Álvaro Dias teria recebido R$ 5 milhões em propina para pegar leve nas perguntas aos investigados na CPMI de Carlos Cachoeira, o empresário do jogo do bicho. O caso não mereceu uma investigação mais profunda, e Dias jamais virou um investigado.

Em 2014, um doleiro condenado pela Lava Jato estava prestes a apontar Álvaro Dias como o padrinho político de Alberto Youssef, outro doleiro também condenado pela operação. Em depoimento, o doleiro passou a descrever quem seria o seu padrinho, mas foi interrompido pelo juiz Sergio Moro: “A gente não está entrando nessas identificações, doutor”. O doleiro quis continuar, disse que não estava “citando nomes”, mas o juiz interrompeu novamente: “Se a gente for descrever e falar as características, daí não precisa falar o nome, né?” O UOL entrou em contato com o advogado de Meirelles, que confirmou que o padrinho político de Youssef era mesmo Álvaro Dias.

Depois de ser poupado pela operação em várias oportunidades, o ex-senador passou a última campanha presidencial inteira tendo como principal bandeira a defesa da Lava Jato. Prometeu até o cargo de ministro da Justiça para Sergio Moro.

A simbiose entre Álvaro Dias e Lava Jato é mesmo fascinante. Até a nova assessora de imprensa contratada por Sergio Moro, por exemplo, trabalhou durante muitos anos com Álvaro Dias no Senado.

Paulo Guedes

A força-tarefa descobriu que uma empresa do ministro fez pagamento a um escritório de fachada, suspeito de lavar dinheiro para esquema de distribuição de propinas a agentes públicos no governo do Paraná. Segundo os investigadores, essa empresa de fachada emitia notas fiscais frias para justificar o recebimento de dinheiro e gerava recursos em espécie para o pagamento de propinas. Uma denúncia sobre o caso chegou a ser apresentada, mas nem o ministro nem ninguém da sua empresa foi denunciado. Curiosamente, os responsáveis por outras duas empresas que participaram do esquema foram presos, denunciados e viraram réus.

Carlos Felisberto Nasser, o operador do esquema, era o responsável pela empresa de fachada que recebeu grana de Paulo Guedes. Durante buscas da Polícia Federal na sua casa, Nasser confessou que a sua empresa não existia e que os recursos colocados nela foram usados em campanhas políticas. Mas, em junho de 2018, poucos meses do início da campanha presidencial, Sergio Moro anulou esse depoimento. O juiz declarou que o interrogatório foi ilegal, porque o acusado não foi informado pelo MPF que tinha o direito de ficar calado. Detalhe: Nasser é advogado. É o tipo de prudência que não se espera de um juiz conhecido por infringir a lei reiteradamente.

À época da descoberta, Guedes já era o grande nome da campanha do Bolsonaro, apresentado como o fiador da política liberal do candidato. Era o homem que tornou a extrema direita palatável para o mercado. Uma denúncia contra Guedes seria avassaladora para Bolsonaro, que passou a campanha explorando o fato de estar distante dos acusados na Lava Jato. Ou seja, se por um lado a operação se esforçava em tirar Lula do páreo, por outro poupava a candidatura que levaria Sergio Moro ao ministério da Justiça. Registre-se que foi Guedes quem convidou Sergio Moropessoalmente para integrar o governo.

Onyx Lorenzoni

Você já conhece esse episódio. É talvez o mais representativo da frouxidão moral de Sergio Moro e da seletividade da Lava Jato.

Ainda juiz, Moro disse que “caixa 2 é pior que corrupção”. Depois que virou político e seu colega de governo Onyx Lorenzoni, do Democratas,, confessou ter cometido crime de caixa 2, Moro passou a dizer que “caixa dois não é tão grave quanto corrupção”.

A Vaza Jato revelou que Onyx, que ocupa o ministério mais importante do governo Bolsonaro, também contou com a tolerância dos procuradores da operação. Em diálogo com um militante de um movimento anticorrupção, Dallagnol confessou que sabia que Onyx aparecia na lista de beneficiários de caixa 2 da Odebrecht: “Já sabia, mas tinha que fingir que não sabia, o que foi na verdade bom… rs”.

Dallagnol não apresentou nenhuma denúncia contra Lorenzoni. Varrer essa corrupção para debaixo do tapete seria estratégico, já que o deputado era considerado o principal aliado político da campanha pelas “Dez medidas contra a corrupção” — uma obsessão de Dallagnol. Se o Brasil tem hoje um chefe da Casa Civil reincidente em caixa 2, é graças à passada de pano da Lava Jato.

A implacabilidade da Lava Jato contra a corrupção era seletiva. Para alguns setores econômicos e políticos ela atuava como um “tigrão”, mas para outros estava mais para “tchuchuco”. A operação selecionava os casos de corrupção que iria combater a partir dos seus próprios critérios políticos. O brasileiro que achou que a Lava Jato estava passando o Brasil a limpo foi enganado.

Dallagnol e Sergio Moro se viam numa jornada messiânica para salvar o Brasil. Tentaram derrubar ministro do STF, fizeram lobby para emplacar PGR, influenciaram a campanha presidencial, enfim, brincaram de Deus. Mas não é o Deus cristão. É um mais parecido com aquele do Bolsonaro. Um Deus que deseja criar um monumento para si. Um Deus acima de tudo, com viés ideológico.

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