EM CARTA À FAMÍLIA, ADÉLIO CITA CONSPIRAÇÃO MAÇÔNICA E CLAMA POR TRANSFERÊNCIA

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EM CARTA À FAMÍLIA, ADÉLIO CITA CONSPIRAÇÃO MAÇÔNICA E CLAMA POR TRANSFERÊNCIA

Folha Uol | Joelmir Tavares – Sem contato com Adélio Bispo de Oliveira, 41, desde que ele foi preso após esfaquear Jair Bolsonaro (PSL), a família recebeu notícias dele até agora apenas por meio de uma carta —mas a mensagem não foi lá muito reconfortante.

Sem contato com Adélio Bispo de Oliveira, 41, desde que ele foi preso após esfaquear Jair Bolsonaro (PSL), a família recebeu notícias dele até agora apenas por meio de uma carta —mas a mensagem não foi lá muito reconfortante.

A correspondência, à qual a Folha teve acesso, foi escrita em 6 de maio na penitenciária federal de Campo Grande (MS). Ele foi levado para o local depois de tentar assassinar o então candidato a presidente, crime que completa um ano nesta sexta-feira (6).

“Este presídio aqui é um lugar de maldições, um presídio projetado pela maçonaria onde o satanismo maçom aqui é terrível”, escreveu Adélio aos familiares que vivem em Montes Claros, no norte de Minas.

A mensagem mostra, na opinião dos parentes, que o autor do ataque continua perturbado pelos fantasmas que agravaram sua doença mental, levando-o a cometer o atentado em Juiz de Fora (MG).

Como publicou a Folha nesta terça-feira (3), os familiares não têm dinheiro para ir até Campo Grande visitá-lo e só recebem informações dele pela TV e pela internet.

Após a publicação da reportagem, eles disseram que vão procurar a DPU (Defensoria Pública da União) para tentar falar com Adélio pelo telefone (a chamada visita virtual).

Na carta, de uma página e meia, Adélio reforçou sua obsessão pela maçonaria, ao afirmar que o prédio da penitenciária foi construído com arquitetura típica da organização e que corre perigo lá —ele se considera perseguido pela confraria.

“Estou tentando sair daqui o quanto antes possível”, escreveu. “Estão tentando me levar à loucura a qualquer custo, assim como já fizeram com vários que passaram por aqui. Há uma conspiração bem montada para isso. Mas ainda estou firme, apesar das investidas satânicas da maçonaria.”

Com 208 celas, o complexo em Mato Grosso do Sul, inaugurado em 2006, tem edificações com linhas retas e dimensões retangulares, sem elementos aparentes em forma de triângulo ou colunas típicas das construções maçônicas.

Na correspondência, Adélio também insistiu no pedido de ajuda para ser transferido. Ele disse que tentaria apoio via DPU, por não estar conseguindo contato com seus advogados. Como ele já tem defesa constituída, liderada pelo advogado Zanone Manuel de Oliveira, os defensores públicos não podem interferir.

Oliveira e seus sócios não foram contratados pela família. A Polícia Federal investiga quem estaria financiando os serviços, dentro de inquérito que apura se houve mandantes do crime ou comparsas.

A carta foi enviada a um sobrinho chamado Madson, mas hoje está com Aldeir Ramos de Oliveira, 52, o irmão mais velho de Adélio. Nela, o autor da facada pede que os parentes consultem o advogado de um conhecido em Montes Claros para saber se o profissional poderia assumir seu caso e tentar a transferência.

Os familiares falam que deixaram de lado o pedido porque não têm como pagar um defensor particular. “Vamos fazer o quê?”, indaga Aldeir. Sua mulher, Maria Inês Dias Fernandes, 49, completa: “Estamos de mãos amarradas. Só entregamos a Deus”. Ambos estão desempregados.

A remoção é descartada também pelo Ministério Público Federal e pelos advogados. Para eles, Adélio fica menos vulnerável no presídio de segurança máxima, com vigilância rigorosa e celas individuais, do que em outro lugar. Consideram ainda o risco de fuga.

Os familiares, apesar de reclamarem da distância e do isolamento, tentam se convencer de que a situação é a melhor para ele no momento.

Um mês depois de escrever aos parentes, o preso reiterou o pedido de transferência em 15 de junho, em uma carta endereçada ao juiz que cuida de seu caso, Bruno Savino, da 3ª Vara da Justiça Federal em Juiz de Fora.

Reivindicou que fosse levado para “a cadeia pública de Montes Claros ou mesmo para a carceragem da Polícia Federal” na cidade. “Minha situação aqui está pior do que no presídio de Juiz de Fora”, disse.

O magistrado negou. “Cabe frisar que, diante do reconhecimento da inimputabilidade do réu, seus interesses devem ser representados pelo curador nomeado”, ressaltou Savino, em despacho no processo.

Adélio foi declarado inimputável (incapaz de responder por seus atos), após laudos de psiquiatras indicados pela defesa e pela acusação.

Em junho, o juiz decidiu mantê-lo em Campo Grande, onde está preso desde que tentou matar Bolsonaro, para que seja submetido a tratamento e possa controlar o transtorno delirante persistente, com o qual foi diagnosticado.

O agressor recebeu uma absolvição imprópria, figura jurídica usada para casos em que o réu é culpado, mas não tem capacidade de entender o que fez. Tecnicamente, o juiz aplicou uma medida de segurança de internação.

A sentença fixou permanência por tempo indeterminado no presídio, mas prevê uma nova avaliação após três anos, para verificar se a saúde mental melhorou e se o grau de periculosidade diminuiu. Por ora, zero evolução.

Adélio tem recusado medicamentos e assistência psiquiátrica, de acordo com o advogado Zanone Oliveira. “Os médicos dizem que é um sintoma do quadro mental”, afirma. Como o agressor não admite estar doente, ele refuta o tratamento, por ter certeza de que não precisa de cura.

Em relatório produzido para o processo, o psiquiatra forense Hewdy Lobo Ribeiro descreveu Adélio como alguém que tem entendimento distorcido da realidade e sofre de alucinações e delírios.

No exame, feito pelo médico na penitenciária, o preso repetiu que ouve a voz de Deus —ele sustenta, desde os primeiros depoimentos, que foi em uma dessas ocasiões que recebeu uma instrução divina para assassinar Bolsonaro.

O autor revelou ao perito não se arrepender do crime, já que seu propósito era “proteger o Brasil” de um eventual governo do candidato. Adélio se diz simpático à ideologia de esquerda e foi filiado ao PSOL entre 2007 e 2014.

Ele, que é evangélico e chegou a ser pregador em uma igreja que frequentou em Montes Claros, tem a convicção de que foi escolhido por Deus para deter Bolsonaro.

Antes de esfaquear o político, acreditava que, se ele fosse eleito presidente, iria “dizimar minorias, quilombolas e pobres”, inclusive negros como ele, e “matar uma grande quantidade de pessoas”.

Suas obsessões, de acordo com a classificação do psiquiatra, vão além do campo místico e religioso. Também há os chamados delírios autorreferentes e uma síndrome de perseguição. Insiste, por exemplo, na história de que políticos o espionaram e roubaram projetos idealizados por ele.

As ideias continuam preenchendo os dias de Adélio nos cerca de 9 m² da cela 28 da penitenciária. Ele passa pelo menos 22 horas por dia no local, de onde pode sair para o banho de sol, com duração de no máximo duas horas.

Pouco conversa, segundo pessoas com quem teve contato nas últimas semanas. Às vezes se queixa da comida, entregue sob a forma de seis refeições diárias (café da manhã, lanche da manhã, almoço, lanche da tarde, jantar e ceia). Diz que o sabor dos alimentos é repetitivo.

As regras são rígidas e incluem a proibição da entrada de qualquer produto. Itens de higiene, roupas, calçados e cobertores são fornecidos pelos funcionários da penitenciária, que controlam até o horário de banho. O chuveiro e a luz só podem ser acionados do lado de fora, pelos agentes.

As visitas ocorrem no parlatório, com um interfone e uma parede de vidro no meio. Todas as conversas são monitoradas para interceptar eventuais comunicações criminosas. As cartas, como a que Adélio mandou aos familiares, também são lidas previamente.

Carta enviada por Adélio à família

Oi Madson, tudo bem? Espero que sim. Estou lhe escrevendo só para dar notícias, ja que estou bem longe de vocês aí, a mais de 2.000 km de Montes Claros.

Mas isso é o pormenor. Estou tentando conseguir uma transferência para o presídio estadual de Montes Claros, via Defensoria Pública da União, já que não estou conseguindo fazer contato com meus advogados.

Estou tentando sair daqui o quanto antes possível, pois este presídio aqui é um lugar de maldições, um presídio projetado pela maçonaria onde o satanismo maçom aqui é terrível.

Estão tentando me levar a loucura a qualquer custo, assim como já fizeram com varios que passaram por aqui. Ha uma conspiração bem montada para isso. Mas ainda estou firme apesar das investidas satânicas da maçonaria.

Espero que aí com vocês tudo esteja bem. Dê um forte abraço em todos aí, em especial em sua mãe. Madson se possível responda esta carta.

Mais uma coisa, procure o Joninho e vê se é possível ele entrar em contato com o advogado dele, e vê o quanto ele cobraria para pegar o meu caso, a transferência e [ininteligível], pois ele trabalha com valores bem baixos, Ok.

No mais tudo de bom para vocês aí.

Adélio Bispo de Oliveira, 06.05.2019
Campo Grande – MS

A grafia original foi mantida na transcrição, com erros ortográficos

 

 

DATAFOLHA: NÚCELO DURO DO BOLSONARISMO É DE 12% DA POPULAÇÃO

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DATAFOLHA: NÚCELO DURO DO BOLSONARISMO É DE 12% DA POPULAÇÃO
Bolsonaro (Foto: Reprodução/Facebook)

Revista Fórum – Os bolsonaristas “heavy” seriam aqueles que votaram em Bolsonaro, classificam sua gestão como ótima ou boa e dizem confiar muito nas suas declarações. No extremo oposto, críticos “heavy” do presidente somam 30% dos brasileiros.

Uma análise assinada pelo diretores do DatafolhaMauro Paulino e Alessandro Janoni, revela que o núcelo duro de apoio a Jair Bolsonaro é de 12% da população, abaixo das previsões da Fórum, que estimava em 15% esse número.

Segundo o texto, foram utilizadas na análise três variantes: o voto declarado no segundo turno da eleição do ano passado, a avaliação que o eleitor faz da atual administração e o grau de confiança nas palavras do presidente.

Com o cruzamento desses dados, os bolsonaristas “heavy”, como propõe o Datafolha a partir de nomenclatura usada em pesquisas de opinião, seriam aqueles que votaram em Bolsonaro, classificam sua gestão como ótima ou boa e dizem confiar muito nas suas declarações – que estaria refletido nesses 12% mostrados no levantamento.

No extremo oposto, são classificados como críticos “heavy” do atual presidente 30% dos brasileiros. São entrevistados que não votaram nele, reprovam sua gestão e nunca confiam no seu discurso.

Brancos e aposentados

De acordo com a análise, como prova da fidelidade a Bolsonaro, a maioria dos que compõem esse subconjunto, ao contrário de todos os outros, concorda majoritariamente com as frases de conteúdo pejorativo proferidas pelo presidente nos últimos meses. A única que não consegue aderência tão expressiva é a que sugere o “cocô dia sim, dia não” para combater a poluição ambiental.

São na maioria homens, com participação masculina superior em seis pontos percentuais à média de eleitores bolsonaristas. São mais velhos do que o total da população —metade tem mais de 35 anos e quase um terço possui 60 anos ou mais.

Leia a análise na íntegra

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DEMOCRACIA | A SOBERANIA NACIONAL ESTÁ EM JOGO NO BRASIL ATUALMENTE, AVALIA CONSELHEIRA DA CAIXA

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DEMOCRACIA | A SOBERANIA NACIONAL ESTÁ EM JOGO NO BRASIL ATUALMENTE, AVALIA CONSELHEIRA DA CAIXA
Caixa é uma das estatais que Bolsonaro pretende privatizar / Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Câmara dos Deputados debate nesta quarta-feira o desmantelamento do patrimônio nacional promovido pelo governo Bolsonaro

Emilly Dulce | Brasil de Fato | São Paulo (SP) – Em defesa da soberania nacional e da retomada da democracia brasileira, movimentos populares, partidos políticos, centrais sindicais e variados segmentos da sociedade se reúnem, nesta quarta-feira (4), no Auditório Nereu Ramos da Câmara dos Deputados, em Brasília (DF). O “Ato e Seminário pela Soberania Nacional e Popular” analisará os retrocessos promovidos pelo governo Jair Bolsonaro (PSL) e propõe alternativas frente à destruição do patrimônio nacional.

Aberto ao público e à imprensa, o evento terá presença de lideranças como a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), o ex-chanceler Celso Amorim (2003-2011), o ex-senador Roberto Requião (MDB), os ex-candidatos à presidência Fernando Haddad (PT) e Guilherme Boulos (PSOL), além de João Pedro Stedile, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Lideranças de diferentes partidos políticos também estarão presentes no seminário organizado pelas frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo.

De acordo com a convocatória do evento, todo o patrimônio público nacional pertence ao povo brasileiro. Um ato político na abertura do seminário lançará a Frente Parlamentar e Popular em Defesa da Soberania Nacional. Rita Serrano, conselheira eleita da Caixa Econômica Federal e coordenadora do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas, destaca a simbologia da iniciativa.

“Não é uma luta da esquerda, mas de todas as pessoas que têm compromisso e acreditam na democracia. Não é uma luta de um segmento x ou y. É uma luta de todas as pessoas que defendem melhores condições de vida, o compromisso e desenvolvimento do país, com seu meio ambiente, educação… Então, é uma luta muito ampla e plural. Amanhã é um momento ímpar de reunir diversos segmentos para o debate sobre o futuro do país, a soberania e as consequências das privatizações”, analisa.

Para Serrano, a mobilização popular em defesa da soberania nacional é urgente, porque a independência brasileira e o bem-estar da população estão cada vez mais ameaçados. Segundo ela, o país está voltando a ser colônia como nos tempos do Império (1822-1889).

“Neste momento que nós estamos vivendo no país, isso [a soberania nacional] está em jogo. O anúncio dos cortes de bolsas e investimentos em Educação e Saúde, a privatização das empresas [estatais], [tudo isso] vai tornando o Brasil refém dos interesses de países dominantes”, explica.

Ideias opostas

O ex-chanceler brasileiro Celso Amorim partilha do mesmo ponto de vista. Em entrevista recente ao Brasil de Fato, o diplomata aposentado analisou que ideias opostas de soberania estão em jogo na Floresta Amazônica: de um lado o interesse nacional, e de outro o das nações imperialistas, sobretudo os Estados Unidos.

“A nossa concepção de soberania é a defesa dos recursos naturais, da nossa capacidade de desenvolvimento autônomo, uma política externa que sempre busque o interesse nacional, explorando inclusive a multipolaridade; em vez de ser um país totalmente alinhado a uma potência, qualquer que ela seja”, pontuou Amorim.

Para o ex-chanceler, “diante de todo o processo de desmantelamento do patrimônio público, temos que perguntar quem está ganhando: são as multinacionais”, endossa. No último dia 21, por exemplo, Bolsonaro anunciou a privatização de 17 estatais, entre elas a Eletrobras, os Correios, a Empresa Brasil de Comunicação, a Loteria Instantânea Exclusiva e a Casa da Moeda.

Serrano acrescenta que toda a riqueza brasileira — bens comuns, empresas públicas, sistemas de saúde e educação e direitos da classe trabalhadora — está sendo entregue ao capital internacional, sem nenhuma melhoria na economia do país.

A conselheira da Caixa também destaca o processo de desindustrialização: menos de 8% do Produto Interno Bruto (PIB) provém da indústria. Para ela, a dependência de commodities (bem ou produto de origem primária) condena o país ao atraso.

Serrano avalia, no entanto, que o povo brasileiro já vem reagindo aos ataques do governo Bolsonaro. Ela cita as últimas pesquisas de opinião que confirmam a queda crescente de popularidade do presidente com apenas 8 meses de mandato.

“O Brasil, na realidade, está tendo um retrocesso imenso e virou motivo de chacota internacional. As pessoas estão percebendo claramente que a menor preocupação deste governo é a soberania do país e a melhoria da qualidade de vida da população, tanto é que ela está só piorando”, finaliza Serrano.

Edição: Rodrigo Chagas

MORADIA | GOVERNO BOLSONARO CORTA R$ 1,9 BILHÃO DO “MINHA CASA, MINHA VIDA” PARA 2020

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MORADIA | GOVERNO BOLSONARO CORTA R$ 1,9 BILHÃO DO
Desde que foi criado, em 2009, a média anual orçamentária do programa foi de R$ 11,3 bilhões / Foto: Divulgação

Se a proposta de orçamento for aprovada no Congresso, programa de moradia popular terá menor orçamento de sua história

Marcos Hermanson | Brasil de Fato | São Paulo (SP) – A luta por moradia popular sofreu dois duros golpes na última semana. O primeiro foi o cancelamento de duas portarias que previam a destinação de verbas federais para a construção de 35 mil unidades habitacionais no país todo. O segundo veio com a Proposta de Lei Orçamentária (PLOA) de 2020, encaminhada pelo governo para o Congresso Nacional. Ela prevê a redução de 41% nas verbas do programa “Minha Casa, Minha Vida” (MCMV), o que equivale a um corte de R$ 1,9 bilhão.

Se aprovada a PLOA, apenas R$ 2,7 bilhões serão destinados ao programa no ano que vem. De 2009 a 2018, a média anual orçamentária do MCMV foi de R$ 11,3 bilhões.

Com a tesourada histórica prevista para o ano que vem, a população afetada será, novamente, a de renda familiar mais baixa – até R$ 1.800 –, que pertence à faixa 1 do programa.

“Desde 2015 tem havido redução muito significativa dos investimentos na faixa 1 do MCMV, que é voltado para a população de renda mais baixa”, diz o urbanista e professor da Faculdade de Arquitetura da USP Nabil Bonduki.

Entre 2011 a 2014, a faixa 1 representava quase metade (44,5%) das unidades habitacionais construídas pelo programa. Naquele período, foram contratadas 2,75 milhões de unidades, das quais 1,22 milhão foram destinadas às famílias da faixa 1.

Nos anos seguintes, além da redução do número total de moradias entregues, as direcionadas à faixa 1 passaram a representar somente 10%. De 2015 a 2018, 1,56 milhão de casas foram construídas pelo MCMV, e as famílias mais pobres puderam acessar a 158 mil unidades.

Segundo Bonduki, nessa faixa as pessoas não têm condições de arcar com o valor de mercado se não for com financiamento do programa. “O que vai acontecer é que nós vamos ter um crescimento do déficit habitacional, da população morando em favelas. É mais um problema sério em uma situação que já é extremamente grave”, argumenta.

Hoje o déficit habitacional atinge cerca de 7 milhões de famílias. Calculá-lo, entretanto, deve ficar cada vez mais difícil ou até impossível, uma vez que o governo decidiu remover do Censo do IBGE de 2020 as questões referentes ao valor dos aluguéis.

Portarias e Movimentos Sociais

Em setembro do ano passado o Ministério das Cidades, cedendo a pressões feitas por movimentos de luta por moradia, publicou as portarias 595 e 597/2018, selecionando projetos para o programas MCMV Entidades (8,6 mil unidades habitacionais) e Programa Nacional de Habitação Rural (27 mil unidades).

As portarias foram, no entanto, prorrogadas de imediato por alegação de que não haveria verba suficiente para concretizar as construções. A prorrogação valia até o último dia 31, sexta-feira passada.

Usando do mesmo argumento do ano anterior e invocando o corte de verbas previsto pela PLOA para o ano que vem, o atual ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, decidiu deixar que as portarias expirassem. Na prática, isso significa que não haverá novas construções do MCMV Entidades neste ano ou no ano que vem.

Os movimentos sociais que participam do MCMV constroem por via de mutirões, em que os próprios moradores beneficiados erguem as habitações onde vão residir no futuro.

Mas mesmo as construções que já em curso estão sofrendo com os cortes do governo, como conta Evaniza Rodrigues, da Central de Movimentos Populares (CMP): “Até hoje você tem várias obras paralisadas por atraso de pagamento do governo. O que está em obra não tem dinheiro suficiente para seguir construindo. Além disso, não será construído nada novo. 2019 não contratou nada, 2020 não contratará nada”, relata Rodrigues.

Adília Sozzi, integrante do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras por Direitos (MTD), argumenta que, com a medida, o governo federal está “cortando na carne das famílias mais pobres”.

Ela relembra as ocupações Joana d’Arc, em Campinas (SP), e Flores do Campo, em Joinville (SC). Em ambos os casos “as famílias foram removidas e colocadas no aluguel social com a promessa de serem reassentadas no local uma vez que as obras ficassem prontas, mas na verdade não existe orçamento nem previsão orçamentária para a finalização dessas obras, o que deixa as famílias em situação de insegurança”.

Edição: Rodrigo Chagas

EDUCAÇÃO | DORIA MANDA RECOLHER APOSTILAS COM UMA PÁGINA DE CONTEÚDO SOBRE DIVERSIDADE SEXUAL

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EDUCAÇÃO | DORIA MANDA RECOLHER APOSTILAS COM UMA PÁGINA DE CONTEÚDO SOBRE DIVERSIDADE SEXUAL
João Doria é governador de São Paulo desde 1º de janeiro de 2019 / Valter Campanato / Agência Brasil

Governador chamou de “erro inaceitável” o material distribuído para adolescentes da 8ª série da rede estadual de ensino

Redação | Brasil de Fato | São Paulo (SP) – O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), não quer que adolescentes de 14 anos tomem conhecimento ou sejam informadas sobre a diversidade sexual que existe nos relacionamentos entre seres humanos. Nesta terça-feira (3), ele mandou recolher apostilas oficiais de Ciências distribuídas a alunos da 8ª série da rede estadual porque elas continham uma página com o assunto, intitulada “A diversidade de manifestações e expressões da identidade humana”.

Esta e outras apostilas servem de material de apoio escolar e são regularmente distribuídas pela própria Secretaria Estadual de Educação, dentro do programa “São Paulo faz Escola”. Segundo nota da secretaria, o conteúdo didático segue, entre outras fontes abalizadas, o manual do Ministério da Educação.

Apesar disso, a inclusão da diversidade de gênero em um dos cadernos foi considerada “um erro inaceitável”, segundo afirmou Doria em uma postagem no Twitter.

xxxxxxx A página da apostila que irritou o governador. (Foto: Reprodução)

“Fomos alertados de um erro inaceitável no material escolar dos alunos do 8º ano da rede estadual. Solicitei ao Secretário de Educação o imediato recolhimento do material e apuração dos responsáveis. Não concordamos e nem aceitamos apologia à ideologia de gênero”, disse o governador.

O conteúdo do texto criticado não faz apologia a qualquer ideologia ou gênero específico, limitando-se a explicar as diferenças conceituais entre sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual.

Já a nota da secretaria afirma que o tema da identidade de gênero “está em desacordo com a Base Nacional Comum Curricular, aprovada em 2017 pelo Ministério da Educação, e também com o Novo Currículo Paulista, aprovado em agosto de 2019”.

A Base Nacional Comum Curricular deixou no tema em aberto – cabendo a estados e municípios decidirem o que fazer.

Direito ao conhecimento

A deputada estadual paulista professora Bebel (PT), presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), reagiu ao que chamou de “censura” por parte do governador.

“Inaceitável é um LGBT ser morto a cada 20 horas no Brasil. Inaceitável é a desigualdade entre homens e mulheres persistir. Inaceitável é o feminicídio, que no país tem um taxa 74% superior à média mundial. Discutir a diversidade é preparar gerações para um futuro sem ódio”, afirmou.

Ela lembra que nesta terça o presidente Jair Bolsonaro (PSL) anunciou que prepara um projeto de lei “que proíba ideologia de gênero no ensino fundamental”.

“A ideologia de gênero sequer existe”, rebateu Bebel. “Doria e seu ídolo Jair Bolsonaro utilizam essa expressão na tentativa de confundir a população e privá-la do direito ao conhecimento, ao debate e à vida em uma sociedade em que diversos grupos se relacionam de maneira respeitosa e na plenitude de seus direitos”, finalizou.

Edição: João Paulo Soares

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RESISTÊNCIA | QUILOMBOLAS QUESTIONAM PROTOCOLO DA BASE DE ALCÂNTARA (MA) E BUSCAM APOIO EM BRASÍLIA

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RESISTÊNCIA | QUILOMBOLAS QUESTIONAM PROTOCOLO DA BASE DE ALCÂNTARA (MA) E BUSCAM APOIO EM BRASÍLIA
Base de Alcântara é um local estratégico para lançamento de satélites / Divulgação

Lideranças intensificam articulação em busca de aliados contra a ofensiva encabeçada por Eduardo Bolsonaro (PSL)

Cristiane Sampaio | Brasil de Fato | Brasília (DF) – Representantes de comunidades quilombolas residentes em Alcântara (MA) estão intensificando as articulações na capital federal para tentar barrar o chamado “Acordo de Salvaguardas Tecnológicas” entre Brasil e Estados Unidos. Na atual fase do conflito, as lideranças buscam evitar a aceleração do protocolo, que foi assinado em março deste ano pelos presidentes dos dois países, Jair Bolsonaro (PSL) e Donald Trump, e aprovado no último dia 21 pela Comissão de Relações Exteriores (CRE) da Câmara dos Deputados.

A tramitação da proposta, chamada tecnicamente de Mensagem Nº 208/2019, vem sendo articulada especialmente pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), filho do chefe do Executivo. O parlamentar e seus aliados tentam aprovar um requerimento de urgência para a apreciação do acordo, que ainda precisa passar por duas comissões legislativas, mas pode ir direto para votação no plenário, caso a articulação do governo tenha êxito.

Na contramão da ofensiva, as lideranças populares percorrem a Câmara durante esta semana na tentativa de ampliar o diálogo com parlamentares sobre o tema e angariar novos apoios. O trabalho, no entanto, tem sido árduo para as comunidades, que relatam grande dificuldade no trânsito com deputados.

“Os milhões estão falando mais alto do que a identidade e as raízes de um povo. Para nós, é uma decepção muito grande porque hoje eles estão aqui, mas eleitos por nós. E o que estamos tendo como resposta pelo nosso voto de confiança neles é [a constatação de] que em muitos a gente votou errado”, desabafa Lourença Vieira, da Associação dos Moradores do Quilombo de Mamona, entidade filiada à Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ).

A trabalhadora sublinha, no entanto, que acredita na possibilidade de aumentar o leque de apoios, ainda restrito a parlamentares de algumas legendas, como PT e Psol.

“A gente está aqui reivindicando nossos direitos como quilombolas. É muito importante a gente ter esperança. Eu ainda tenho fé de que podemos virar esse jogo”, afirma. A base de Alcântara é considerada um dos melhores locais do mundo para lançamento de satélites.

As lideranças populares argumentam que o acordo fere a soberania nacional e pedem uma popularização do debate sobre a pauta, o que ficaria prejudicado em caso de aceleração da medida. Eles também apontam a ausência de um estudo de impacto ambiental sobre a iniciativa.

O assessor jurídico das comunidades, Danilo Serejo, integrante do Movimento dos Atingidos pela Base Especial de Alcântara (MABE), destaca que as duas primeiras fases do empreendimento, na década de 1980, afetaram diretamente 312 famílias de 23 povoados da região. Hoje, o avanço do projeto pode comprometer a moradia de 800 famílias.

Segundo ele, o grupo aglutina cerca de 2 mil pessoas que vivem no litoral de Alcântara, mas a extensão do impacto pode chegar a toda a população do município, que tem cerca de 21 mil habitantes. O assessor pontua que um eventual remanejamento das famílias tende a trazer prejuízos em diversas frentes.

“Um dos principais é o impacto econômico, porque essas famílias estão todas no litoral e o que movimenta a economia de Alcântara é a pescaria e a agricultura familiar. Na medida em que saem do litoral, elas vão sofrer uma queda significativa nas suas economias. Em função disso, vem também a questão da insegurança alimentar”, lembra.

Os representantes populares sublinham ainda que não houve consulta prévia às comunidades que devem ser atingidas pelo projeto, conforme determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Sem canal de diálogo e em meio ao contexto de avanço conservador do país, os moradores da região vivem em clima permanente de apreensão.

É o que conta a diretora do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Alcântara, Valdirene Mendonça. “É um sentimento difícil, ruim. As pessoas de 60, 70 anos, pra terem que recomeçar, é muito difícil. É você matar essa pessoa de uma vez só, tirando ela da sua terra de origem. É um impacto muito grande, doloroso”, relata.

Legislativo

A pauta do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas ressurgiu com força este ano em meio à aproximação entre Brasil e Estados Unidos, estimulada pela chegada de Bolsonaro ao poder. A medida se alinha a outras iniciativas do governo do PSL, como é o caso da possível indicação oficial de Eduardo Bolsonaro para o cargo de embaixador em Washington.

Anunciada por Jair Bolsonaro em julho, a intenção já recebeu aval de Trump e, assim como o protocolo de Alcântara, tem como pano de fundo político o avanço estadunidense sobre os territórios e recursos naturais brasileiros.

Edição: Daniel Giovanaz

DELTAN CAPTAVA RECURSOS DE EMPRESÁRIOS PARA INSTITUTO MUDE

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DELTAN CAPTAVA RECURSOS DE EMPRESÁRIOS PARA INSTITUTO MUDE

Agência Pública | Alice Maciel | apublica.org – O coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, captou investimentos de grandes empresários para financiar o Instituto Mude – Chega de Corrupção, criado para promover, além da própria operação, as dez medidas de combate à corrupção e suas opiniões políticas.

Mensagens trocadas entre o procurador e membros do Instituto Mude no Telegram, recebidas pelo Intercept Brasil e analisadas em conjunto com a Agência Pública, revelam que ele se reuniu com empresários, às vezes a portas fechadas, na sede da Procuradoria, para arrecadar verbas para a entidade. Uma empresária que foi “investidora anjo” da organização: a advogada Patrícia Tendrich Pires Coelho seria depois investigada pela Lava Jato, mas não foi denunciada pela operação.

Apesar de saber que a empresa de Patrícia, a Asgaard Navegação S. A., fornecia navios para a Petrobras e ter conhecimento de sua proximidade com o empresário Eike Batista e com o banqueiro André Esteves, fundador do BTG Pactual – dois alvos da força-tarefa coordenada por Dallagnol –, o procurador não só aceitou a sua ajuda financeira como fez a ponte da empresária com os membros oficiais do instituto e se reuniu com ela para tratar da doação.

Em um diálogo com a integrante do Mude, Patrícia Fehrmann, em 29 de junho de 2016, Deltan diz que conheceu Patrícia Coelho em uma viagem – ele não diz para onde – no dia anterior à conversa: “Caramba. Essa viagem de ontem foi de Deus. Além dela, estava um deputado federal que se comprometeu a apoiar rs”, escreveu, não revelando quem seria o parlamentar a apoiar a entidade que se define como “apartidária”.

Enquanto discutiam a formalização do Mude no chat #Mude Delta,Fáb,Pat,Had,Mar, (formado por membros da organização, incluindo Deltan Dallagnol), um dos fundadores do instituto, Hadler Martines, escreveu em 29 de agosto de 2016: “Talvez vocês já tenham feito isso mas sobre nossa investidora anjo, dei uma boa pesquisada sobre seu histórico e realmente ela parece ser uma grande empresária multimilionária e com grande trânsito com grandes empresários nacionais. Hoje ela é sócia de empresa de frotas de navios (Aasgard) e de mineração e portos (Mlog). Algumas coisas que me chamaram atenção: – sua empresa fornece navios para a Petrobras; – ela é ex-banco Opportunity (famoso Daniel Dantas) – ela foi ou é muito próxima do Eike Batista e também do André Esteves (BTG)”.

Dallagnol não respondeu ao comentário. Ele e os integrantes do Mude que participavam do chat – Fábio Oliveira, Patrícia Fehrmann, Hadler Martines e o pastor Marcos Ferreira – se encontraram com Patrícia Coelho dia 8 de setembro daquele ano no Rio de Janeiro, de acordo com os diálogos no Telegram.

No dia 11, Hadler voltou a levantar suspeitas sobre a “investidora anjo”: “Sobre nossa reunião com o Anjo, ainda estou com uma pulga atrás da orelha tentando entender a razão do apoio financeiro tão generoso (sendo cético no momento)”, escreveu. “Me pergunto se ela quer ‘ficar bem’ com o MPF por alguma razão… Ela já foi conselheira do Eike e pelo que li dela, ela o representava em algumas negociações. Sugestão: fiquemos atentos. Desculpem o provérbio católico, mas quando a esmola é demais, o santo desconfia…”.

Ele enviou no grupo um link com a reportagem da revista Exame: “Eike tenta sacar uns US$ 100 milhões, mas André Esteves barra”. A matéria informa que Patrícia Coelho era apresentada por Eike Batista como sua consultora. A reportagem também diz que Patrícia é egressa do banco Opportunity e sócia da companhia de navegação Asgaard.

Dessa vez, Deltan respondeu ao colega: “Boa Hadler. Mais cedo ou mais tarde descobriremos isso”. Minutos depois, Deltan enviou uma mensagem para o procurador Roberson Pozzobon questionando se o nome de Patrícia havia aparecido nas investigações.

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SAÚDE | DORIA QUER DESMONTAR MAIOR LABORATÓRIO PÚBLICO DE MEDICAMENTOS DO BRASIL

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SAÚDE | DORIA QUER DESMONTAR MAIOR LABORATÓRIO PÚBLICO DE MEDICAMENTOS DO BRASIL
LARGA ESCALA. SÓ NO ANO PASSADO, FÁBRICAS DA FURP PRODUZIRAM QUASE 530 MILHÕES DE MEDICAMENTOS PARA O SUS. FOTO: AG. SENADO

Só no ano passado, a Furp produziu quase 530 milhões de medicamentos para a rede pública.

Carta Capital | THAIS REIS OLIVEIRA – Combalido por um caso de corrupção ainda sob investigação, o maior laboratório público de medicamentos do Brasil corre o risco de fechar as portas. O governo João Doria pretende apresentar em breve à Assembleia Legislativa de São Paulo uma proposta de desestatização da Fundação para o Remédio Popular, em um pacote que inclui ainda a Oncocentro, responsável por exames e atendimento em mais de 540 unidades de saúde, e a Superintendência de Controle de Endemias. Se o setor privado não se interessar, a ideia é extinguir, fundir ou incorporar essas instituições a outros órgãos de governo.

Os problemas da Furp começaram em 2013, quando foi celebrado um acordo com a EMS, gigante do setor farmacêutico, para a gestão de uma moderna fábrica construída anos antes na cidade de Américo Brasiliense. Nascia ali a Concessionária Paulista de Medicamentos, cuja missão era produzir, nas instalações do governo, os remédios que venderia a ele mais tarde. A Furp deve na praça 100 milhões de reais, boa parte decorrente de contratos com a CPM para administrar a fábrica de Américo Brasiliense.

Sob as regras do contrato, o governo pagou até sete vezes mais que o valor de mercado pelos remédios da concessionária. Além disso, desde maio, os deputados paulistas apuram suspeitas de repasses de propina da Camargo Corrêa para a Furp desistir de uma disputa judicial e pagar uma indenização de 18 milhões de reais ao consórcio que construiu a fábrica. O trato foi selado em 2014 e o valor dividido em 48 parcelas, em um total de 22 milhões, com juros e correção. O caso teria ocorrido entre 2009 e 2012, mas só veio à tona no ano passado, após denuncia do Ministério Público.

Para não ter mais prejuízo, o governo tucano acha que o caminho é se livrar do laboratório. O secretário estadual de Saúde, José Henrique Germann, admitiu a possibilidade em depoimento aos deputados no dia 16 de agosto. “O que nós temos como objetivo é parar de produzir medicamentos, caso o relatório prove que a Furp dá prejuízo para o estado. Se isso vai levar ao fechamento da Furp é um próximo passo.” A oposição enxerga na jogada uma tentativa de despistar escândalos que eventualmente apareçam nessas empresas e possam triscar a imagem de Doria, que sonha em se candidatar ao Palácio do Planalto em 2022. “Privatizadas, essas empresas serão bem mais difíceis de investigar”, diz a deputada estadual Beth Sahão.


EM PRONUNCIAMENTO, MINISTRO DA SAÚDE, LUIZ HENRIQUE MANDETTA. FOTO: ROQUE DE SÁ/AGÊNCIA SENADO

A unidade de Américo Brasiliense opera bem abaixo da capacidade máxima. Produz hoje 320 milhões de comprimidos de 19 tipos diferentes – um quarto do potencial produtivo instalado. O edital de contratação projetou a fabricação de 96 medicamentos. De lá pra cá, a lista básica do governo teve 40 produtos cortados. Sob tantos pontos nebulosos, pairam suspeitas de ação deliberada para causar prejuízos à fundação. “A fábrica de Américo tinha gestor famoso, funcionários, estrutura moderna. Será que o problema está na gestão? Ou é fabricado?”, pergunta Alexandre Rodrigues Caetano, funcionário da Furp há 12 anos.

Os gerentes negam ter trabalhado em prol do problema. “Se houve qualquer tipo de irregularidade, não aconteceu ali dentro dos muros. Posso garantir, quem trabalhou ali trabalhou para ver funcionar”, diz Francisco Caravante, ex-gerente-administrativo da fábrica, em depoimento à CPI na última terça-feira 27. Caravante gerenciou a fábrica durante a transição, como funcionário da fundação pública, e posteriormente foi contratado pela CPM, segundo afirma, ganhando quase 50% a mais do que recebia no emprego anterior.


DORIA: OFENSIVA CONTRA LABORATÓRIOS PÚBLICOS. FOTO: GOV SP E ROQUE DE SÁ/AG. SENADO

Uma alternativa seria transferir funções da Furp ao Instituto Butantan, um dos maiores fabricantes de vacinas do País. Mas o próprio Butantan também tem sido alvo da ambição desestatizante do governo. A operação do Hospital Vital Brasil, especializado em acidentes com animais peçonhentos, está sendo transferida ao Emílio Ribas. Funcionários ouvidos por CartaCapital creem que esses movimentos visam criar condições internas para a futura privatização da entidade.

Os institutos paulistas não são os único em risco. Há cerca de dois meses, o Ministério da Saúde suspendeu de supetão contratos com sete laboratórios nacionais para a compra de medicamentos e vacina para o SUS. Esses itens eram feitos a partir das parcerias para o desenvolvimento produtivo, reguladas por uma lei de 2014. Pelo acordo, a empresa parceira ganha exclusividade na venda ao SUS, sob a condição de oferecer apoio para que o remédio, a vacina ou o equipamento sejam produzidos pelos laboratórios públicos. Esses produtos ficam, em média, 30% mais baratos do que os valores de mercado. De acordo com a Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil, a interrupção pode causar um prejuízo de 1 bilhão de reais à cadeia produtiva nacional. No caso da Bahiafarma, por exemplo, houve um investimento de 100 milhões de reais para nacionalizar a insulina em parceria com um laboratório ucraniano.

A parceria da empresa com a EMS, gigante brasileira do setor, é motivo de investigação

Só no ano passado, a Furp produziu quase 530 milhões de medicamentos para a rede pública. É a única fabricante nacional dos remédios estreptomicina e o etambutol, que tratam a tuberculose, além de outros mais de 60 produtos. Entre eles derivados da penicilina. A substância descoberta há quase cem anos é o mais emblemático exemplo do impacto desse mercado na saúde pública. Como é um remédio antigo e barato, poucas empresas têm interesse em produzi-lo. Além disso, o princípio ativo é importado. Desde 2005, segundo dados do BNDES, o consumo de fármacos importados pelas indústrias brasileiras cresceu 90%.

Ao mesmo tempo, a big pharma tem os olhos voltados para uma nova geração de drogas feitas sob medida, com investimentos (e lucratividade) bem superiores àqueles dos remédios sintéticos. Só neste ano, a suíça Roche e a americana Eli Lilly desativaram unidades que produziam medicamentos clássicos no Brasil. Sob esse cenário, o risco iminente é o desabastecimento na rede pública. E, a longo prazo, o encarecimento dos remédios.

 

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‘COM ESSE CABELO, É PRISÃO PREVENTIVA’: O RACISMO NAS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA

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‘COM ESSE CABELO, É PRISÃO PREVENTIVA’: O RACISMO NAS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA

Estudo do IDDD também mostra que denúncia de violência policial aparece 1 em cada 4 audiências, mas apenas 1% dos casos é investigado.

Ponte.org | Arthur Stabile – Ser um homem negro, jovem e da periferia aumenta muito a sua chance de passar por uma audiência de custódia: 90% das pessoas atendidas em audiências são negras, 65% tem entre 18 e 19 anos, quase 35% não concluiu os estudos no ensino fundamental e 38% não declararam renda fixa, segundo o estudo do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) (leia a íntegra aqui) que analisou 2,7 mil casos em 13 cidades.

As audiências de custódia foram criadas pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em 2015 para garantir que uma pessoa presa em flagrante seja levada ao juiz em até 24 horas. Isso pode evitar prisões desnecessárias. Em março do ano passado, a Ponte fez uma reportagem especial sobre o tema.

O estudo do IDDD abrangeu 13 cidades (Olinda, Recife, Maceió, Salvador, Feira de Santana, Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Mogi das Cruzes, São José dos Campos, São Paulo, Londrina e Porto Alegre) e trouxe alguns exemplos de casos reais que ilustram os dados.

“Em um caso específico, um escrevente comentou, de maneira jocosa, que se o custodiado estivesse ‘com aquele cabelo’ seria o caso de ‘[prisão] preventiva na certa’, fazendo o juiz gargalhar”, descrevem os pesquisadores explicitando o caráter racista mostrado pelos números, sem detalhar, no entanto, o local e data em que isso aconteceu.

A pesquisa também mostra que a liberdade provisória sem determinação de medida cautelar – a chamada liberdade irrestrita – é exceção e foi concedida em apenas 0,89% dos casos. As prisões preventivas, na outra ponta, somam 57% em todo o país.

A cidade de São Paulo apresentou um dos balanços mais críticos: não houve nenhuma concessão de liberdade provisória sem imposição de medidas cautelares no período do estudo (de abril a julho de 2018) e 65% dos casos resultaram em prisão preventiva. A pesquisa também mostra que relatos de violência policial aparecem em uma a cada 4 audiências e que 76% dos casos envolve a Polícia Militar de São Paulo.

“As pessoas não saem livres da audiência de custódia, como se fala por aí. Apenas 1% não tem nenhum controle do estado dali para frente. São três medidas cautelares impostas para cada audiência sem medida alguma aplicada à pessoa. A audiência deve servis para avaliar a legalidade do flagrante e a necessidade da prisão”, explica Vivian Peres, coordenadora do estudo e integrante do IDDD.

Segundo Hugo Leonardo, vice-presidente do instituto, as audiências tinham como função evitar que uma parcela de 40% das pessoas presas em flagrante fossem diretamente para as prisões sem análise direta entre juiz e pessoa detida. No entanto, a estatística que foi afetada foi a de 60% de pessoas que, antes das audiências, tinham assegurada a liberdade sem restrições.

“A intenção era acessar justamente os 40% que vão presos provisoriamente e só depois seus casos são analisados. No entanto, os juízes acertaram nos 60% que já conquistavam a liberdade. Não é um erro da audiência de custódia, é um erro de análise”, afirma Leonardo. Para ele, a Justiça prefere prender primeiro para saber, posteriormente, se aquela pessoa cometeu mesmo um crime e se deveria estar, de fato, atrás das grades.

Há outro caso exposto no estudo em que defensor público e juiz falam sobre uma ocorrência envolvendo três suspeitos. Sem a presença do trio, o juiz já crava que eram bandidos, sendo que a função do dispositivo é avaliar a necessidade da prisão e não julgar mérito. “O juiz, sem rodeios, disse que os três acusados eram ladrões, e que se estavam armados era para roubar”, detalha o estudo. “O absurdo da condenação tão precipitada e sem instrução probatória foi tão grande que até mesmo o promotor público comentou que o clima era de ‘olho por olho, dente por dente’. Em resposta, o juiz alegou, entre risos, que ‘sairiam os três de mãozinha cortada’”.

O estudo também apontou que mesmo quando o Ministério Público considerou que a prisão era desnecessária, pedindo, portanto, a liberdade provisória, o juiz tende a tomar decisão contrária. Ou seja: 9 em cada 10 pessoas presas que a promotoria pediu para soltar, o juiz manteve a prisão preventiva ou adotou cautelares.

A análise é de que existe uma necessidade de os juízes se afirmarem como responsáveis únicos pela decisão. “A justiça criminal está politizada. Não estamos discutindo números, estamos discutindo formas de utilizar a justiça ainda mais como controle social e de determinada parcela da população. E a gente sabe qual é”, justifica Hugo Leonardo.

Os números reafirmam essa necessidade punitiva que vem do sistema de justiça. Porto Alegre (RS), por exemplo, apresenta 70% de prisões preventivas decretadas nas audiências de custódia, enquanto 26% da pessoas recebem liberdade provisória com medidas cautelares e outras 4% a liberdade irrestrita.

Salvador e Feira de Santana são as cidades com maior percentual de relaxamento de flagrante com 18% e 13%, respectivamente. Já cidades como Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo não registraram casos de liberdade provisória irrestrita no período estudado. Rio e São Paulo, por exemplo, somam 62% e 65% de prisões preventivas em audiências de custódia, respectivamente.

Justiça fecha os olhos para violência policial

Aos juízes, 26% das pessoas relataram terem sido vítima de violência policial, ou seja: a cada quatro audiências, em uma houve algum tipo de agressão. “Não existe vontade de investigar a violência policial, não existe a discussão da violência praticada pelas polícias. Ela sequer é posta no processo, enquanto deveria ser elemento que contaminasse a própria prisão em flagrante”, analisa Vivian Peres, coordenadora do estudo.

Das agressões relatadas, a Polícia Militar é autora de 76% das violações. No entanto, em 74% dos casos a denúncia não resulta em nada e em menos de 1% dos casos, os juízes instauram inquérito para averiguar as agressões.

“Nós temos um país leniente com a tortura, assim como seu judiciário, e uma política criminal que não trabalha com dados, com nenhuma hipótese para reverter a violência insuportável que vivemos ou, outro termo que acho risível, que o Brasil é o país da impunidade”, diz Hugo Leonardo, presidente do IDDD. “São mais de 800 mil presos, o país que mais encarcera em velocidade não pode ser chamado de país da impunidade. Somos um país que encarcera mal. É uma decisão política prender como prendemos”, avalia.

As violências também incluem as mulheres grávidas ou que já são mães. Ainda que o STF (Superior Tribunal Federal) tenha concedido HC (Habeas Corpus) coletivo para garantir que grávidas ou mães com filhos de até 12 anos cuidem das crianças, segundo o levantamento, em 30% das audiências as mulheres não foram questionadas, seja pelo juiz, defesa ou MP, se estavam grávidas. Das que foram perguntadas e disseram que sim, 9 das 19 receberam como decisão sua prisão preventiva.

“Dos nove casos de mulheres grávidas presas preventivamente, cinco foram por tráfico de drogas, um por tráfico e porte de armas e um por associação para o tráfico. Apenas dois casos, de roubo majorado, envolvem crimes praticados mediante violência ou grave ameaça. Se lembrarmos que o tráfico de drogas é o crime que mais encarcera mulheres no Brasil e que se trata de crime sem vítima, o descumprimento do mandamento do STF pelos/as juízes/as das audiências de custódia parece ainda mais complicado”, afirma o estudo.

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4 EM CADA 10 JOVENS NEGROS NÃO TERMINARAM O ENSINO MÉDIO

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4 EM CADA 10 JOVENS NEGROS NÃO TERMINARAM O ENSINO MÉDIO
Dados do IBGE mostram que abandono escolar atinge mais população negra

Por Paulo Saldaña, da Folha de São Paulo – Concluir a educação básica ainda é realidade distante para muitos jovens brasileiros, mas o problema atinge com maior intensidade a população negra.

Um terço dos brasileiros entre 19 e 24 anos não havia conseguido concluir o ensino médio em 2018. Apesar da média geral já ser alta (e cujo percentual é similar entre jovens brancos), o panorama entre os negros é ainda pior: quase metade (44,2%) dos negros homens dessa faixa etária não concluiu a etapa.

Os recortes por cor de pele e gênero revelam outros abismos: 33% das meninas negras nessa idade não têm ensino médio, enquanto o índice é de 18,8% entre as brancas.

O cenário relacionado ao ensino médio é só uma ponta do desafio, que começa mais cedo. Ser negro no Brasil aumenta a chance de exclusão escolar ao longo da educação básica, como mostram dados da mais recente PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), relacionado a 2018. As informações do IBGE foram tabuladas pelo Instituto Unibanco para a Folha.

O abandono escolar é um dos maiores entraves educacionais do país, o que tem forte relação com as altas taxas de reprovação. E desde o ensino fundamental essa conjectura incide de forma mais acentuada sobre a população negra.

Enquanto, na média, 13,1% dos jovens de 19 a 24 anos não haviam concluído o 9º ano do fundamental, entre os negros o percentual era de 19%.

Desigualdades raciais são identificadas também entre aqueles que estão na escola na idade indicada para o ensino médio, de 15 a 17 anos. Entre os brancos, 16,6% não tinham passado do 9º ano. Esse índice é de 25,5% entre pretos e pardos.

Também há mais negros dessa faixa etária que, atrasados, ingressaram em escolas para Jovens e Adultos, o EJA. Mais de seis em cada dez estudantes da modalidade são negros.

Os dados corroboram a existência de traços estruturais de discriminação. E os próprios jovens sentem na pele os reflexos das desigualdades de oportunidades.

Nascido em Cabeceiras (GO), Samuel Marques abandonou a escola na 8ª série. Precisava trabalhar e os horários do emprego, uma cafeteria em Brasília, eram incompatíveis com os da escola.

Só aos 19 anos retomou os estudos em uma escola de EJA e, aos 23, deve terminar o ensino médio neste ano. “É mais difícil para um negro arrumar emprego, ainda mais se você tiver cabelo grande, estilo afro, se fugir do padrãozinho. A gente sente uma cultura de racismo”, diz.

A mãe é varredora de rua e o pai, pedreiro. Marques mora numa cidade satélite da capital federal e leva uma hora pra chegar ao Plano Piloto, onde estuda. Perto da sua casa não havia vagas em EJA.

“Quem tem mais privilégios pode só estudar, fazer outros cursos junto com a escola, estuda perto de casa, enquanto muita gente ou trabalha ou passa fome”, diz.


Samuel Marques, 23, largou os estudos na 8ª série porque precisava trabalhar – Paulo Saldaña/Folhapress

Os dados mostram que o percentual de jovens de 15 a 17 anos que só trabalham e não estudam é maior entre os negros (5,7%), ainda que próximo à realidade dos brancos (4,9%).

O superintendente do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, diz que a definição das causas dessas desigualdades exige maiores estudos, mas a recorrência de evidências indica processos estigmatizantes e estruturais.

“Pode ser estigma dos professores [com relação aos jovens negros, como a indisciplina], práticas cotidianas de exclusão, ambientes autorreferidos que produzem preconceito, leituras pretéritas que não são educacionais, e provavelmente uma combinação de todos esses fatores”, diz.

“É necessário um olhar para a diversidade, que favoreça um cotidiano na sala de aula que reconheça as diferenças, que tenha missão de igualdade de oportunidade ao longo do processo. Dado que as características de exclusão são estruturais, não adianta achar que zera o jogo no primeiro dia de aula”, diz. “A missão da escola é entregar à sociedade uma situação de excelência com equidade”.

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