JUSTIÇA – POSIÇÃO DA LAVA JATO PELA PROGRESSÃO DE REGIME DE LULA GERA IMPASSE

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JUSTIÇA - POSIÇÃO DA LAVA JATO PELA PROGRESSÃO DE REGIME DE LULA GERA IMPASSE
Lula foi preso no dia 7 de abril de 2018 para cumprir a pena de oito ano e dez meses, estabelecida no âmbito da Lava Jato / Ricardo Stuckert

Apoiadores defendem a liberdade plena do ex-presidente e criticam pedido de procuradores da Lava Jato

Júlia Rohden | Brasil de Fato | São Paulo (SP) – ofício de 15 procuradores da Operação Lava Jato enviado à Justiça pedindo que Luiz Inácio Lula da Silva cumpra regime semiaberto causa um impasse na prisão política do ex-presidente. A recomendação dos procuradores será avaliada pela juíza Carolina Lebbos, responsável pela execução da pena do petista.

O advogado Cristiano Zanin Martins informou que irá esperar até segunda-feira (30) para conversar com o ex-presidente sobre o assunto. Em nota, a defesa reafirmou que “Lula deve ter sua liberdade plena restabelecida porque não praticou qualquer crime e foi condenado por meio de um processo ilegítimo e corrompido por flagrantes nulidades”. Em algumas ocasiões, Lula já manifestou sua contrariedade em relação à possibilidade de progredir de regime.

O advogado, pós-doutor em Direito e membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Sérgio Graziano avalia que, por se tratar de uma prisão política, os pedidos e decisões do caso não devem ser avaliados eminentemente de forma jurídica. Para ele, o pedido é “uma espécie de truco” dos procuradores, que tentam passar uma leitura de Lula como um preso comum. “Qualquer um aceitaria isso [ir para regime semiaberto], mas Lula não é qualquer um. Ele é a personificação da violação dos direitos humanos. Então não é só um preso, não é só um preso político, ele representa muito mais que isso”.

No ofício, os procuradores da Lava Jato citam a Súmula número 56, que determina que “a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso” e estabelece que o juiz pode avaliar o que seria mais adequado, como por exemplo, a liberdade monitorada por tornozeleira eletrônica, a saída para trabalhar e retornar ao cárcere para dormir e até a prisão domiciliar. De acordo com Graziano, caso Lula se negue a usar tornozeleira ou a ir para prisão domiciliar, a juíza Carolina Lebbos estará em um impasse. “O que a juíza vai dizer? Precisa progredir [a pena], mas progredir como?”, questiona.

Patrick Mariano, integrante da Rede de Advogados e Advogadas Populares, aponta que a peça é confusa e não deixa explícito como seria esse regime semiaberto. “Lula vai ficar na Polícia Federal, trabalhar e voltar? Ou vai colocar tornozeleira? Como vão garantir a segurança de entrada e saída diária do ex-presidente, se fosse este o caso? Nada disso ficou claro na manifestação dos procuradores”, aponta. Mariano ressalta que é uma situação excepcional juridicamente. “Se Lula se recusar a cumprir pena no semiaberto, ele vai ficar no regime fechado? Isso gera um problema”, aponta. “A juíza pode reconhecer o direito dele ao semiaberto e vai precisar solucionar como seria o semiaberto no caso de um preso político como o ex-presidente”.

Ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e ex-deputado federal Wadih Damous avalia como “inusitado” o pedido vir dos procuradores. “Não há na história do processo judicial um exemplo de Ministério Público pedindo progressão de regime, como se fosse a defesa. Quem age em nome do acusado é a defesa, não o Ministério Público”. Damous analisa o pedido como uma tentativa de esvaziar o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) de um habeas corpus da defesa do ex-presidente que pede a anulação do processo, alegando que Sérgio Moro atuou de forma parcial no processo do chamado caso do triplex do Guarujá.

“Lula hoje é um problema para o sistema de Justiça brasileiro. O mundo todo está com os olhos no Brasil, reconhece a injustiça da prisão dele. Se ele aceitar a progressão do regime, essa indignação naturalmente diminui. Ele vai ser tratado como alguém que não está preso, porque a simbologia da prisão é a prisão, não é prisão domiciliar”, pondera o ex-deputado.

Repercussão

Nas redes sociais, lideranças políticas tem se manifestado sobre o pedido dos procuradores para a progressão de regime. Gleisi Hoffmann, presidenta nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), criticou a decisão da equipe da Operação Lava Jato. “Lula tem direito à liberdade plena, seu processo foi viciado, fraudado, com foco político, conforme revelações da #VazaJato . O STF deve julgar suspeição de Moro e anular o processo soltando Lula imediatamente, sem regime de prisão. Isso é golpe do Dallagnol”, escreveu a parlamentar.

O Comitê Lula Livre também defende a liberdade plena do ex-presidente e critica o pedido dos procuradores. “O Ministério Público Federal, ao pedir a progressão da pena do ex-presidente, manobra para que o julgamento da suspeição de Moro e anulação dos julgamentos não entrem em debate no Supremo Tribunal Federal. Articulam a medida porque sabem que o único caminho justo é nulidade dos processos fraudulentos contra Lula. A Lava Jato, após sucessivas derrotas como a demonstrada na última votação no STF, vai tentar enquadrar Lula como um preso comum e tirar o caráter político da ação”, afirmou o Comitê em nota.

No Twitter, o governador do Maranhão Flávio Dino (PCdoB) afirmou: “Lula terá parte dos seus direitos restaurados. Como vinha sublinhando, progressão de regime é imperativo legal, não faculdade ou favor”.

Guilherme Boulos, liderança do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), também se manifestou. “Se até  Dallagnol e sua turma de procuradores da Lava Jato tiveram que pedir oficialmente que Lula saia da prisão e vá pra casa é sinal de que o rei está nu. A farsa começa a ruir”, escreveu.

Edição: Rafael Tatemoto

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LULA | “SEM POLÍTICA NÃO EXISTE ECONOMIA”, DIZ LULA EM ENTREVISTA AO JORNAL GGN

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LULA |
Lula é entrevistado na sede da Polícia Federal, em Curitiba / Ricardo Stuckert

Em conversa com os economistas Luiz Gonzaga Belluzo e Eduardo Moreira, Lula também falou sobre a progressão de sua pena

Brasil de Fato | Jornal GGN – “E se alguém tem que pedir perdão é o tal do Moro e o tal do Dallagnol”, diz o ex-presidente Lula, em entrevista exclusiva ao Jornal GGN, ao ser questionado sobre uma possível progressão de sua pena.

A defesa do ex-presidente analisa, nós próximos dias, um pedido de progressão ao regime semiaberto feito pela Força Tarefa da Operação Lava Jato à juíza da Vara de Execuções Penais de Curitiba, Carolina Lebbos.

Lula afirmou que mantém conversas regulares com seus advogados e definiu que não quer progressão, já que não se sente culpado pela condenação imposta pelo então juiz Sérgio Moro, no âmbito da Operação Lava Jato. Por isso, explica Lula, lutará por sua inocência.

Na entrevista, concedida aos economistas Luiz Gonzaga Beluzzo e Eduardo Moreira, o ex-presidente também fala sobre economia política e política econômica – os dois lados da moeda e que devem nortear o país. Fala também sobre distribuição de renda, previdência, orçamento, empresas nacionais, conciliação nacional e desenvolvimento.

Lula também prestou solidariedade à família de Ágatha Félix, 8 anos, morta no Rio de Janeiro por um disparo da Policia Militar, no Complexo do Alemão.

Assista:

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Edição: José Eduardo Bernardes

ANTI-INDÍGENA | QUEM LIDERA O GRUPO DE AGRICULTORES INDÍGENAS CITADO NO DISCURSO DE BOLSONARO NA ONU

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ANTI-INDÍGENA | QUEM LIDERA O GRUPO DE AGRICULTORES INDÍGENAS CITADO NO DISCURSO DE BOLSONARO NA ONU
Jair Bolsonaro leu carta de suposto grupo indígena que apoia Ysani Kalapalo; lideranças indígenas rechaçam documento / Reprodução: TV Brasil

A Pública apurou que lista do grupo divulgada nas redes como de apoio a Ysani Kalapalo não é oficial

Anna Beatriz Anjos | Agência Pública – O Grupo de Agricultores Indígenas teve espaço privilegiado no discurso presidencial de abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, na última terça-feira (24). Jair Bolsonaro leu parte de uma carta elaborada pelo grupo em apoio a Ysani Kalapalo, defensora do atual governo e alçada pelo presidente a representante dos povos indígenas do Brasil diante da comunidade internacional. Em seu discurso, Bolsonaro também criticou o cacique Raoni Metuktire, que se pronunciou sobre o episódio no último dia 25.

Tanto a fala do presidente sobre Raoni quanto a presença de Ysani nos Estados Unidos a seu convite foram rechaçados por entidades de representação indígena, caso da Associação do Território Indígena do Xingu (Atix), que, junto a lideranças de 14 povos da região, terra natal de Ysani, divulgou um manifesto contrário a ela. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) também repudiou o discurso presidencial, que qualificou de “anti-indígena”.

O trecho da carta lido por Bolsonaro na ONU termina dizendo que “Ysani Kalapalo goza da confiança e do prestígio das lideranças indígenas interessadas em desenvolvimento, empoderamento e protagonismo, estando apta para representar as etnias relacionadas”. Não demorou para que, nas redes sociais e em grupos de WhatsApp, passasse a circular uma lista de 52 povos indígenas que supostamente endossaram a manifestação de apoio a Ysani.

Algumas das pessoas citadas na lista protestaram, negando que tivessem sido consultadas sobre a divulgação do texto e pedindo que seus nomes fossem retirados da relação. É o caso de uma indígena do Xingu. Em áudio divulgado pelo aplicativo e confirmado pela reportagem, ela afirma ter recebido ataques por seu nome estar na listagem. “Antes de fazer qualquer carta, as pessoas costumam consultar se a pessoa permite que coloque seu nome lá, e vocês não fizeram isso comigo.” Na mensagem gravada, ela reforça sua posição contrária às atitudes da jovem indígena que viajou aos Estados Unidos.

A Agência Pública apurou ainda que a lista de povos e nomes que circulou extraoficialmente à carta lida pelo presidente não é de apoio a Ysani.

Quem explica a confusão é uma das principais lideranças do Grupo de Agricultores Indígenas, Arnaldo Zunizakae. Sua versão é de que a lista foi produzida em fevereiro, durante o primeiro encontro do coletivo, realizado na aldeia Bacaval, em Campo Novo do Parecis (MT), onde ele próprio vive e comanda um projeto de agricultura mecanizada, situação já retratada pela nossa reportagem em abril de 2018. “Nessa lista, estão relacionadas as terras onde há pessoas que trabalham com agricultura, desde a tradicional até outros tipos.” Ele afirma desconhecer como as duas coisas se atrelaram – “Não sei como relacionaram essa lista à carta” – e nega que essa seja a relação de integrantes do grupo: “Nossa lista é maior do que essa.”

Segundo Zunizakae, o grupo de agricultores reúne representantes de povos de vários estados, mas questionado pela reportagem, ele preferiu não divulgar quem são seus integrantes atuais. “Tem solicitação de novos povos querendo integrar o nosso grupo, porém estamos exigindo que eles tenham um abaixo-assinado de pelo menos 50% da comunidade autorizando que eles façam parte”.

Agricultura mecanizada

Até agora, o Grupo de Agricultores Indígenas não se formalizou juridicamente, criou estatuto ou instituiu uma diretoria. Zunizakae conta que, no encontro de fevereiro, foram escolhidas lideranças que afirma representarem o coletivo neste momento: além dele próprio, estariam à frente do movimento Jocélio Xucuru e outros indígenas. Um grupo de WhatsApp é o canal de comunicação entre eles e outros membros.

O coletivo tem sido criticado por levantar uma bandeira que, assim como Ysani Kalapalo, está longe de ser unanimidade entre os povos indígenas no Brasil: a agricultura mecanizada em seus territórios. Há cerca de 20 anos, o povo Paresi, do qual Arnaldo é uma das lideranças, realiza a atividade nas nove terras indígenas que ocupa, equivalentes a 1,1 milhão de hectares.

“Eles têm seus motivos para tal e nós respeitamos”, declarou à reportagem a presidente da Atix, Ianukula Kaiabi Suia. Ela, no entanto, considera que esse modelo se afasta das práticas agrícolas tradicionais dos povos originários. “A agricultura indígena que entendemos é a que produz alimento, preserva a diversidade e riqueza das sementes tradicionais indígenas, que não faz uso de agrotóxico e que, em alguns casos, a comercialização do excedente da produção já acontece”, explica.

Marivelton Rodrigues Barroso, presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), que representa 23 povos indígenas da região, destaca que diversas comunidades indígenas trabalham maneiras de atingir sustentabilidade econômica, “desde que sejam a partir desses potenciais que a gente tem dentro dos territórios”, defende. “Existem várias iniciativas que provam muito bem que não é só agricultura mecanizada e industrial a solução do sustento e da geração de renda.”

Zunizakae nega que a agricultura industrial seja a única vertente de trabalho do grupo que representa. “Estamos atuando numa conversação com o governo no sentido de promover políticas públicas para agricultura em terras indígenas desde a roça tradicional à questão do extrativismo, agricultura familiar, pecuária – todas as linhas, não só para a agricultura mecanizada.”

Portas abertas em Brasília

Há meses, o governo Bolsonaro tem dedicado atenção ao Grupo de Agricultores Indígenas. Os ministros da Agricultura e Meio Ambiente, Tereza Cristina e Ricardo Salles, compareceram ao encontro de fevereiro na aldeia em Mato Grosso – na ocasião foi tirada a foto de Salles usando um cocar, com indígenas no plano de fundo, divulgada por ele mesmo em suas redes sociais. Depois disso, integrantes do coletivo estiveram em Brasília para encontros com autoridades.

Em abril, foram recebidos por Bolsonaro no Palácio do Planalto, como consta na agenda oficial do presidente. Zunizakae declara que, na ocasião – em que Jocelio Xucuru também estava presente –, nada se conversou sobre o discurso a ser feito na ONU meses depois: “Fomos tratar de outros assuntos, como os problemas da Funai, e abrir portas no governo para que, ao longo deste mandato, possamos tramitar com nossas propostas de maneira tranquila lá dentro.”

Xukuru, citado por Zunizakae como parte do grupo de lideranças, afirmou ao G1 Mato Grosso ter reagido com “surpresa” quando soube que o texto do grupo havia sido lido pelo presidente na ONU. Ele se disse “feliz” com o episódio e informou que o conteúdo da carta – divulgada originalmente no domingo (22) e publicada por Ysani em seu Instagram no mesmo dia – é compartilhado pelas lideranças defensoras da produção agrícola em terras indígenas. O próprio Zunizakae esclarece que a manifestação em apoio a Kalapalo foi debatida pelo grupo no WhatsApp.

Fato é que parte do movimento indígena vê a aproximação do coletivo de agricultores com o governo como uma estratégia de Bolsonaro para chancelar seus planos de facilitar a exploração econômica das terras ocupadas pelos povos nativos.

“Na tentativa de legitimar essa visão, ele [Bolsonaro] traz para junto de si pessoas ou grupos indígenas que compactuam com essas ideias, mas que não representam o anseio da maioria dos povos indígenas do Brasil”, argumenta Ianukula Kaiabi Suia, da Atix.

Zunizakae garante, no entanto, que o grupo tem uma agenda própria. “Deixamos bem claro [para o governo] que nossa finalidade é criar mecanismos para podermos trabalhar, não liberar as terras indígenas para o agronegócio”, ressalta. Ele garante ainda que outras pautas importantes da questão indígena, como a continuidade do processo de demarcação de terras – algo que Bolsonaro reiteradamente se recusa a fazer –, têm o apoio do coletivo. “O povo Paresi ainda tem terras em processo de demarcação, então eu não seria hipócrita de dizer que é certo tudo que o governo está falando.”

Ainda assim, as organizações representativas da questão indígena se preocupam com a possibilidade do governo enxergar o grupo de agricultores como centralizador das demandas de todas as comunidades.”Não existe um modelo para se tratar os povos indígenas do Brasil, porque cada comunidade tem sua forma de lidar com seu território”, enfatiza Luiz Eloy Terena, assessor jurídico da Apib. “E mesmo aqueles povos que queiram ou aquela comunidade que queira [praticar a agricultura mecanizada] precisam ter respeitado o tipo de desenvolvimento que desejam. O governo não está preparado para isso. O governo mal tem paciência para lidar com os povos indígenas, não acredito que terá paciência e inteligência hábil para lidar com a pluralidade de povos do Brasil.”

Antiga briga dos Paresi

O Grupo de Agricultores Indígenas foi articulado, em grande parte, por lideranças Paresi que praticam a atividade em suas terras. Os recursos provenientes da lavoura – o maior cultivo é o de soja, mas há outros, como milho e arroz – são divididos, segundo os responsáveis pelos projetos agrícolas, entre todos habitantes do território.

Como a renda das plantações se tornou indispensável para a comunidade, há anos os Paresi dialogam com o Ministério Público, Funai e Ibama para mantê-las. O problema residia no fato de que eles não tinham condições de gerir a produção de forma autônoma e precisavam realizar parcerias com fazendeiros da região, o que não é permitido pela lei – a Constituição estabelece que são de usufruto exclusivo as áreas tradicionalmente ocupadas por comunidades indígenas e o Estatuto do Índio e a Funai proíbem o arrendamento desses territórios. Só em 2018, o Ibama embargou mais de 20 mil hectares das lavouras Paresi e aplicou a elas 36 multas, uma pelo plantio de soja transgênica.

Na intenção de encontrar uma saída para seu impasse, os Paresi iniciaram conversas com outras autoridades. Em outubro de 2017, protagonizaram uma audiência pública na Câmara dos Deputados convocada por parlamentares ligados ao agronegócio para discutir agricultura em terras indígenas. O episódio gerou desconforto e organizações como Apib, Atix e Instituto Raoni divulgaram notas de repúdio ao encontro.

De acordo com Arnaldo Zunizakae, a safra Paresi de 2019 é a primeira a ser executada totalmente pelos indígenas. Ele explica que isso foi possível devido à criação, este ano, de duas cooperativas, Matsene e Hanama – esta última envolve ainda outros dois povos indígenas vizinhos aos Paresi, Manoki e Nambikwara – que possibilitam a compra de insumos e a venda da produção sem a necessidade de parcerias externas.

Edição: Agência Pública

CAMPEÕES DE DESMATAMENTO E QUEIMADAS NA AMAZÔNIA SÃO DOMINADOS PELO GADO E PELA SOJA

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CAMPEÕES DE DESMATAMENTO E QUEIMADAS NA AMAZÔNIA SÃO DOMINADOS PELO GADO E PELA SOJA
Três dos dez municípios mais queimados em 2019 são do Pará: Altamira, Novo Progresso e São Félix do Xingu

Primeiro a derrubada, depois o fogo e tudo vira pasto. Saiba quais são os municípios líderes em desmatamento na região

Por Bruna Caetano | Brasil de Fato | São Paulo (SP) – O Brasil registrou 131.327 queimadas florestais até o mês de agosto em 2019. Só na Amazônia, foram registrados 43.573 focos, segundo o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe). A origem do fogo na floresta tem sido alvo de debate nas últimas semanas, repercutindo na imprensa nacional e internacional, aumentando ainda mais a pressão sobre o governo federal para soluções que freiem as chamas.

Uma nota técnica realizada pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), a relação entre as queimadas e o desmatamento da Amazônia torna-se evidente. O instituto comparou os municípios com maior índice de desmatamento com os de maior índice de queimadas — Altamira (PA), Porto Velho (RO), São Félix do Xingu (PA), Lábrea (PA), Colniza (MT) e Novo Progresso (PA) estão nas duas listas.

A relação entre queimadas e o desmatamento não é nova. As queimadas são uma prática primitiva de limpar terras desmatadas para torná-las agricultáveis. Ambas — queimadas e desmatamento — práticas bem conhecidas na dinâmica da agricultura extensiva do agronegócio.

Como se comporta o agronegócio nos municípios mais queimados da região amazônica? Qual o impacto da agropecuária extensiva e quais as alternativas sustentáveis para o desenvolvimento da floresta? Essas são algumas das perguntas que o Brasil de Fato pretende responder nesta reportagem.

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MEMÓRIA | “VOCÊS ESTÃO MATANDO UM BRASILEIRO!”, GRITAVA VIRGÍLIO GOMES DA SILVA HÁ 50 ANOS

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MEMÓRIA | “VOCÊS ESTÃO MATANDO UM BRASILEIRO!”, GRITAVA VIRGÍLIO GOMES DA SILVA HÁ 50 ANOS
Virgílio Gomes da Silva foi operário, líder sindical e guerrilheiro. Foi assassinado logo após comandar o sequestro do embaixador americano / Mariana Lemos

Comandante da captura do embaixador americano, Virgílio é o primeiro desaparecido político da ditadura militar

Mariana Lemos e Marcos Hermanson | São Paulo (SP) | Brasil de Fato – No dia 29 de setembro de 1969, o operário e militante político Virgílio Gomes da Silva foi preso e levado para a sede do DOI-Codi da rua Tutoia – o principal órgão de repressão da Ditadura Militar na cidade. Morreria 12 horas depois, ao fim de longa sessão de espancamento e tortura da qual participaram pelo menos nove agentes da Operação Bandeirantes (Oban).

Passados 50 anos, seus companheiros de luta e de prisão ainda se lembram do sangue nas mãos e nas roupas dos torturadores, do último olhar trocado com o amigo e das palavras que ele repetia a seus algozes até a morte.

“Vocês estão matando um brasileiro!”, gritava Virgílio para os agentes, segundo relatam os jornalistas Antonio Carlos Fon e Celso Horta, presos no mesmo dia e na mesma unidade que Virgílio.

Caía assim um dos nomes mais destacados da Aliança Libertadora Nacional (ALN), grupo armado de combate à ditadura cujo líder, Carlos Marighella, seria assassinado pouco mais de um mês depois – também em São Paulo

Virgílio Gomes da Silva, codinome Jonas, tivera papel central no sequestro do embaixador estadunidense Charles Burke Elbrick, ocorrido no começo daquele mês. O episódio, um dos mais conhecidos da história da luta armada no Brasil, é retratado em livros, filmes e reportagens.

Quando morreu, ao 36 anos, Virgílio deixou como herança uma invejável história de luta e militância cuja origem remonta a 1951, ano em que deixa o Rio Grande do Norte e embarca para São Paulo, como retirando, em busca de uma vida melhor.

Retirante, operário e companheiro

Nascido em Sítio Novo, no Rio Grande do Norte, era o mais velho de quatro irmãos criados somente pela mãe. Caiu na estrada aos 18 anos.

Em São Paulo, trabalhou em diversos lugares até firmar-se como operário da fábrica NitroQuímica, em São Miguel Paulista, zona Leste. Estabelecido, trouxe a mãe e os irmãos.

A NitroQuímica fazia parte do grupo Votorantim, que era uma das mais importantes empresas nacionais, principalmente na segunda metade dos anos 50. Nela, trabalhavam cerca de 8 mil operários. Cerca de 400 eram filiados ao PCB, o Partido Comunista do Brasil, que tinha grande inserção no sindicalismo da época.

Foi lá que Virgílio se engajou politicamente no partido e no Sindicato dos Químicos. Lá também conheceu Ilda Martins, uma operária que também militava no sindicato e que seria sua companheira.

Ela já conhecia Virgílio do rádio. Em entrevista ao Brasil de Fato, Ilda, hoje com 88 anos, diz que a Record fez um concurso de resistência pra ver quem conseguia dançar mais no carnaval. Virgílio dançou 72 horas. Ele e outro foram finalistas e a Record deu o prêmio para os dois.

“Eu chamei ele de louco, porque na verdade ele não tinha dó do corpo dele”, lembra ela.

Ao lado de Ilda e outros operários, Virgílio liderou uma greve histórica, responsável pela conquista do décimo terceiro salário e de um reajuste de 20% para todos os funcionários da companhia.

Virgílio e Ilda casaram em 1960 e, segundo ela, foi também a partir daí que ele se tornou mais ativo no partido. O momento era de efervescência política no Brasil. Mas nunca deixou de dar atenção à família.

“Ele era muito carinhoso com os filhos e comigo. Combinamos sempre muito bem, nunca brigamos. Até na política a gente combinava”, conta Ilda. Os dois primeiros filhos do casal, Vlademir e Virgílio Filho, nasceram em 1961 e 1962, respectivamente.


Ilda e Isabel, viúva e filha de Virgílio (foto: Mariana Lemos)

Militante, pai e guerrilheiro

Assim como Marighella, Virgílio também gostava muito de exercícios físicos. Ele lutava boxe amador e chegou a disputar a São Silvestre.

Como conta Virgílio Filho na animação “A Torre”, de Nádia Mangolini, “o boxe era a paixão dele, então era treinar eu e meu irmão, a gente boxear, a gente pular corda, a gente fazer atividades. As lembranças que eu tenho do meu pai nesses espaços de tempo reduzidos que ele estava com a gente, que pra mim era grande, marcava mais em mim a presença dele do que a ausência”.

Em 1964 Virgílio foi preso pela primeira vez, assim que os militares intervieram no Sindicato dos Químicos, cassando sua diretoria.

Dias depois, em liberdade, mas ainda vigiado pelas forças do Estado, foi para o Uruguai. De volta ao Brasil, integra com Marighella e Joaquim Câmara Ferreira a “Dissidência de São Paulo”, ala do PCB que defendia a luta armada.

Na avaliação deles, frente à ditadura, pegar em armas era a única solução, enquanto a cúpula do partido seguia acreditando em uma saída política.

Em 1967, mesmo ano do nascimento de Gregório, terceiro filho de Ilda e Virgílio, ele foi chamado para uma viagem.

“Meu esposo falou que era uma viagem para Portugal, mas ele foi para Cuba fazer treinamento de guerrilha. Ele inventava muita história para me livrar de qualquer perigo, por segurança”, conta Ilda, referindo-se ao primeiro grupo que, antes da criação da ALN, foi à Cuba, a partir de articulações de Marighella, para estudar e treinar manobras no campo e nas montanhas.

A data da viagem coincide com a Conferência da Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS), onde Marighella anunciou a adesão à guerrilha e, em seguida, com os demais companheiros, foi expulso do PCB.

“Eles queriam derrubar a ditadura, fazendo guerrilha igual o Fidel fez, conscientizando o pessoal pra acabar com a ditadura”, afirma Ilda.

Ao retornarem de Cuba, em 1968, Marighella indicou Virgílio e outros companheiros, como Aton Fon Filho, irmão mais novo de Antônio Carlos Fon, para comporem o Grupo Tático Armado (GTA) da ALN. Quando Marco Antônio Braz de Carvalho, coordenador deste grupo, foi assassinado pela ditadura, em janeiro de 1969, Virgílio assumiu o posto.

“O embaixador passa sempre aqui por essa rua”

Rio de Janeiro, agosto de 1969. Franklin Martins e Cid Benjamin, na época militantes da Dissidência Comunista da Guanabara, conversam em um dia qualquer.

“Nós estávamos no bairro de Botafogo e eu não sei por que ele me falou: ‘o embaixador passa sempre aqui por essa rua’”, conta Franklin Martins em entrevista por telefone.

Segundo Franklin, a ideia inicial de “capturar” o embaixador e propor uma troca foi dele. O objetivo principal era libertar Vladimir Palmeira, um dos principais líderes estudantis do país, preso um ano antes.

O embaixador Charles Burke Elbrick (no cargo entre 1969 e 1970) andava sem segurança. Era só ele e o motorista em um Cadillac.

“Do ponto de vista operacional, uma ação simples. Fechar o carro dele, passá-lo para o nosso carro e depois levá-lo até um lugar onde ficaria detido”.

A Dissidência Comunista da Guanabara propôs que a ação fosse feita com a ALN. Uma parte do grupo, à revelia de Marighella, topou e indicou quatro integrantes para contribuírem no planejamento e na execução, entre eles Virgílio, que foi o comandante militar.

Franklin conta que a partir daí se resolveu fazer a ação coincidindo com a Semana da Pátria.

“A ditadura estava fazendo uma propaganda imensa, então era uma forma de fazer uma contrapropaganda. Aí fizemos no dia 4 de setembro e a libertação do embaixador foi no dia 7”, lembra.

Um manifesto escrito pelos militantes que integraram a ação exigia a troca do embaixador pelos 15 presos políticos, assim como a veiculação de seu texto em todos os meios de comunicação em rede nacional.

Na manhã do dia 7 de setembro, Dia da Independência do Brasil, os militantes já tinham em mãos as fotos dos 15 presos políticos trocados por Charles Elbrick e que estavam a caminho de Cuba. Na tarde do mesmo dia, Virgílio acompanhou o embaixador na sua libertação.

Foi nesse momento, com a divulgação do manifesto, que Marighella ficou sabendo do sequestro.

Segundo o historiador Jacob Gorender, no livro “Combate nas Trevas”, Marighella teria desaprovado a ação, pois sabia que, apesar do êxito da ação, ela traria consequências graves – o que de fato ocorreu, com aumento da repressão e dos assassinatos, incluindo Jonas e o próprio Marighella.

Fernando Gabeira, que também integrou a equipe de captura do embaixador, anos depois lançou o livro “O que é isso companheiro?”, que transformou-se em filme de Bruno Barreto em 1997.

Os contemporâneos de Virgílio são unânimes em afirmar que o personagem Jonas do filme – retratado como uma pessoa paranoica e agressiva – não tem nada a ver com a personalidade e o comportamento do antigo companheiro.

Segundo Franklin, Virgílio era um homem simples, tranquilo e determinado. Ele inclusive escreveu um artigo sobre isso, denominado “As duas mortes de Jonas”.

“Eu acho o filme muito ruim. Tem momentos eletrizantes, tem bons atores, mas a meu ver o filme comete um problema gravíssimo. Ele tenta misturar realidade com ficção, história com criação. Isso em si não é um problema, mas é uma empreitada arriscada”. E completa, “ele (Jonas) é tratado como se fosse um desequilibrado, grosseiro, agressivo, que fica armando pra cima de outras pessoas. Ou seja, pinta um caráter que não tem nada a ver com o caráter que ele tinha. Na época do filme isso provocou uma indignação muito grande em todo mundo que conheceu o Jonas”.

Como lembra Antônio Carlos Fon, Virgílio era uma pessoa extremamente carinhosa, educada e culta. “O Virgílio do filme é uma sacanagem do Gabeira, que, pra se promover, criou um Virgílio que não existiu”.

Ilda, viúva de Virgílio, abriu um processo contra a produtora do filme por difamação. O litígio ainda corre na justiça.


Retrato de Virgílio na casa onde residem Ilda e Isabel, na zona sul de São Paulo (foto: Mariana Lemos)

O primeiro desaparecido político

Exatos 22 dias após a soltura de Charles Burke Elbrick, no dia 29 de setembro de 1969, os agentes da Operação Bandeirantes invadiram o apartamento onde morava a família dos irmãos Fon, no cruzamento entre as Avenidas São João e Duque de Caxias, centro de São Paulo.

Por volta das 6h da manhã, Fon foi acordado pelo toque gelado de um revólver calibre 45 contra seu nariz. Quem o empunhava era Raul Nogueira – mais conhecido como Raul Careca – assassino de Marco Antônio Braz de Carvalho, antigo coordenador do GTA da ALN.

“Me tiraram da cama e me algemaram, aí fui levado para o DOI-Codi”, conta Fon. Ele diz que ficou cerca de quatro horas no pau de arara e que só saiu para dar lugar ao Jonas. Fon foi levado para uma sala de interrogatório ao lado das salas de tortura. “Eu ouvia os gritos dele”, declara.

Depois de invadirem o apartamento e levarem Fon, os agentes da repressão ficaram de tocaia no edifício. Virgílio chegou por volta das 9h, pelos cálculos de seu companheiro. Segundo Ilda, ele foi baleado já na escada e então levado para o DOI-Codi.

Celso Antunes Horta tinha 21 anos naquela época. Também militante da ALN, foi preso pela mesma operação naquele 29 de setembro. Até hoje ele lembra do olhar que trocou com Jonas quando um grupo de policiais o arrastou para dentro da sala de torturas onde ele estava. Horta foi o único dos companheiros a ver Virgílio no DOI-Codi.

“Vi o Virgílio chegando, carregado por uma equipe de torturadores, para onde eram as salas de tortura. Durante algum tempo fiquei na sala junto com ele. Em seguida fui retirado e ele permaneceu”, conta.

Horta lembra que viu Virgílio sendo empurrado, chutado e espancado por torturadores. “Eles jamais assumiram que prenderam o Virgílio, formalmente. Mas pra nós, que estávamos presos, eles diziam que o Virgílio tinha sido assassinado. Eles assumiam isso. Eles inclusive mostravam o sangue na parede e diziam que o sangue era do Virgílio.


Antônio Carlos Fon em frente ao edifício onde ele e Virgílio foram presos em setembro de 1969 (Foto: Marcos Hermanson)

50 anos sem Virgílio

Jonas, o retirante transformado em líder sindical e depois em guerrilheiro, não resistiu e sucumbiu aos ferimentos naquele mesmo dia, após cerca de doze horas de tortura.

Segundo o Dossiê dos Mortos e Desaparecidos a Partir de 1964, elaborado pelo Governo do Estado de Pernambuco em 1995, os assassinos de Virgílio foram: major Inocêncio F. de Matos Beltrão; major Valdir Coelho; capitão Benone de Arruda Albernaz; capitão Dalmo Lúcio Muniz Cirillo; capitão Maurício Lopes Lima; capitão Homero César Machado, como “Tomás”; delegado Otávio Gonçalves Moreira Jr.; sargento da PM Paulo Bordini; agentes policiais Maurício de Freitas, vulgo “Lungaretti”; Paulo Rosa, vulgo “Paulo Bexiga”; e um agente do Departamento da Polícia Federal conhecido como “Américo”,

Ilda, sua esposa, foi presa no dia seguinte e permaneceu no cárcere por nove meses, sendo quatro deles incomunicável. Sua prisão nunca esteve registrada nos documentos da ditadura. Ela também enfrentou a tortura e as condições duras da cadeia, mas diz que sofria sobretudo por estar impedida de ver seus filhos. A mais nova, Isabel, tinha apenas quatro meses.

Liberta, se refugiou no Chile e depois em Cuba, onde permaneceu com Vlademir, Virgílio Filho, Gregório e Isabel até 1991. No ano de 1995, o Estado Brasileiro – através da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos – reconheceu que Virgílio havia sido morto nos porões do regime militar e emitiu um atestado de óbito oficial à família.

Nove anos depois, em 2004, o jornalista Mário Magalhães, biógrafo de Carlos Marighella, encontrou o laudo necroscópico de Virgílio no Arquivo do Estado de São Paulo, junto de outros documentos. Os legistas descrevem escoriações, hematomas e ossos quebrados por todo o corpo. Na foto, um Virgílio quase irreconhecível, resultado de horas de espancamento e tortura.

Em 2011, Virgílio Gomes da Silva foi homenageado em uma sessão solene da Câmara dos Vereadores e recebeu o título de “Cidadão Paulistano”.

Apesar de todo o reconhecimento, a família ainda chora a morte de Jonas sem um corpo para enterrar: “Até agora não apareceu corpo nenhum, não me deram nenhuma satisfação de onde está o corpo dele e nem do que fizeram com ele. O atestado de óbito diz alguma coisa, mas não diz tudo”, afirma Ilda.

Ao final da conversa, a octogenária desabafa: “Eu passei duas ditaduras, a do Getúlio e a militar e, das duas, essa foi a pior. Espero que seja a última, porque estamos em caminho de outra. Espero que pare aí. [Ilda bate na boca e diz ‘fecha a boca, fecha a boca’]. Espero que essa ditadura pare por aí, porque o Brasil vai passar muito mal. O Brasil tá passando mal já”.

Clique no link abaixo e confira a galeria. | Créditos: Mariana Lemos

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Edição: João Paulo Soares

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POLÍTICA | AMEAÇA DE CASSAÇÃO DE DONALD TRUMP TRAZ RISCO A JAIR BOLSONARO

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POLÍTICA | AMEAÇA DE CASSAÇÃO DE DONALD TRUMP TRAZ RISCO A JAIR BOLSONARO
DONALD TRUMP E JAIR BOLSONARO: UMA LIGAÇÃO UMBILICAL (FOTO: ALAN SANTOS/PR)

Atrelado aos EUA, brasileiro afastou-se dos Brics, que se reunirão aqui, e pode ficar sem aliado forte

Carta Capital | ANDRÉ BARROCAL – O Brasil será anfitrião em novembro da 11a reunião dos líderes dos Brics, bloco do qual fazem parte também Rússia, Índia, China e África do Sul. No Itamaraty, comenta-se que os preparativos são pró-forma e que a única utilidade do bloco hoje é o banco dos Brics, que ainda engatinha.

Segundo um diplomata, é impossível que russos e chineses tratem nesta reunião, ou em qualquer outra, de questões geopolíticas sensíveis. Sempre haverá o risco de seus planos serem revelados pelo Brasil aos Estados Unidos, devido aos laços umbilicais entre Jair Bolsonaro e Donald Trump.

Esses laços já afetam o Brasil. A Organização Mundial do Comércio (OMC) é dirigida desde 2013 por um diplomata brasileiro, Roberto Azevedo. Agora em setembro, a Índia avisou que não aceita um brasileiro à frente de uma negociação, dentro da OMC, sobre subsídios pesqueiros. Motivo: submissão do Brasil a Washington.

Essa submissão se mostrará um desastre ainda maior, a deixar o Brasil sem um amigo peso-pesado pelo mundo, caso Trump não escape do impeachment a que responde, ou perca a reeleição do ano que vem para um candidato do Partido Democrata, que é da oposição.

Com Michel Temer, o Brasil sofreu os efeitos de apostar todas as fichas diplomáticas numa força política americana e o cálculo dar errado.


JAIR BOLSONARO E DONALD TRUMP

Com ele no poder a partir de maio de 2016, o Itamaraty, tendo à frente o senador tucano José Serra, torceu publicamente pela vitória da democrata Hillary Clinton na eleição de novembro daquele ano. Deu Trump. Resultado: os EUA barraram por todo o governo Temer o desejo do emedebista de botar o Brasil na OCDE, clube de 35 nações ricas ou simpatizantes.

Apesar dos laços entre Bolsonaro e Trump, a viagem do brasileiro a Nova York para estrear na reunião anual das Nações Unidas teve algo esquisito.

Dias antes da viagem Bolsonaro disse que jantaria com Trump. Seus assessores sopravam a jornalistas que ele exigia sentar-se do lado direito do americano. Não houve jantar. Nem reunião formal entre os dois, apesar de estarem no mesmo hotel. Conversa a sós, Trump teve com os líderes de Cingapura, Coreia do Sul, Nova Zelândia, Paquistão e Polônia. Com Bolsonaro, apenas um encontro improvisado, sem registro na agenda de ambos.

Apesar da esquisitice, um diplomata brasileiro, com larga experiência, assistiu aos discursos de Bolsonaro e de Trump, um na sequência do outro na ONU, e não tem dúvida: foram combinados.

O discurso do brasileiro foi submetido previamente pelo filho Eduardo, a quem quer nepotisticamente nomear embaixador em Washington, a Steve Bannon, ideólogo da ultradireita global e o estrategista da eleição de Trump. Só depois foi distribuído pela Presidência ao corpo diplomático brasileiro nas Nações Unidas, disse um diplomata a CartaCapital.

A chefia do time brasileiro na ONU sofreu uma troca às pressas. O embaixador Mauro Vieira foi degolado, por ter sido ministro das Relações Exteriores de Dilma Rousseff. O atual ministro, Ernesto Araújo, indicou um substituto em 13 de agosto, aprovado no Senado em 18 de setembro. Vieira estava no Congresso no dia do discurso de Bolsonaro e não quis comentá-lo. Disse que não tinha visto.

O texto é obra de um quarteto que também foi a Nova York. Eduardo Bolsonaro, que postou na internet fake news contra a jovem ambientalista sueca Greta Thunberg. Augusto Heleno, chefe do órgão de inteligência do governo (GSI), que sente vergonha de ganhar 19 mil reais líquidos como general inativo. Araújo, para quem Trump é o salvador da civilização ocidental. E Filipe Martins, ex-funcionário da embaixada dos EUA em Brasília que hoje é assessor especial de Bolsonaro.

Martins pôs no Twitter uma foto da transmissão, pela Globonews, de Trump discursando. A foto mostra o instante em que o canal dizia na tela “Trump: o futuro não pertence aos globalistas, mas aos patriotas”. Com a foto, Martins escreveu: “O futuro é nosso! O globalismo não irá prevalecer”. Globalismo é como bolsonarismo e trumpismo chamam padrões civilizatórios mínimos.

Também no Twitter, Martins negou que tenha havido combinação do discurso com a equipe do presidente americano . “Essa convergência não é resultado de coordenação prévia, mas da comunhão de valores perenes”, escreveu.

Uma comunhão que ameaça fazer do Brasil um inútil nos Brics.

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EXCLUSIVO |BALTASAR GARZÓN: VIOLÊNCIA NO BRASIL TEM RELAÇÃO COM IMPUNIDADE DE CRIMES DA DITADURA

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EXCLUSIVO |BALTASAR GARZÓN: VIOLÊNCIA NO BRASIL TEM RELAÇÃO COM IMPUNIDADE DE CRIMES DA DITADURA
Advogado espanhol recebeu o Brasil de Fato na tarde de terça-feira (24) / José Eduardo Bernardes / Brasil de Fato

Em visita ao Brasil, juiz que ordenou prisão do ditador Augusto Pinochet deu entrevista exclusiva ao Brasil de Fato

Mayara Paixão | Brasil de Fato | São Paulo (SP) – Há 21 anos, o então juiz espanhol Baltasar Garzón foi responsável por virar a página de um importante capítulo da história do Chile e dos direitos humanos ao expedir o pedido de prisão do ditador Augusto Pinochet por crimes contra a humanidade.

Foi somente a partir da decisão, em 1998, que Pinochet começou a ser julgado pelos crimes de tortura, terrorismo e corrupção que cometeu durante os 17 anos do regime ditatorial que esteve à frente.

O advogado espanhol veio ao Brasil para participar do lançamento do projeto de monitoramento da Comissão Nacional da Verdade, promovido pelo Instituto Vladimir Herzog e recebeu a equipe do Brasil de Fato para uma entrevista exclusiva.

Passadas décadas desde o restabelecimento da democracia no Chile e demais países da América Latina, o ex-juiz se diz preocupado com o ressurgimento de discursos que reivindicam o autoritarismo militar, como os de Jair Bolsonaro.

O advogado destaca que a eleição pelo voto popular não dá aval para figuras, como o mandatário brasileiro, reivindicarem bandeiras não democráticas para a resolução dos problemas sociais.

Garzón também vê fortes laços entre a impunidade dos crimes da ditadura militar brasileira (1964 – 1985) e as altas taxas de violência policial no Brasil de hoje, uma vez que se consolida um “terreno de impunidade” no país. Para ele, o combate à violência extrema está em mecanismos democráticos como a erradicação da desigualdade social.

Entre os temas abordados na conversa de aproximadamente 40 minutos estão o fenômeno da judicialização da política, a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a democracia brasileira, a liberdade de expressão e a importância da solidariedade internacional.

A defesa dos direitos humanos está atrelada a toda a carreira do advogado espanhol. No currículo, Garzón conta com ações como a investigação de assassinatos atribuídos à ditadura franquista na Espanha (1936 – 1975). O ex-juiz também é responsável por liderar a equipe de defesa de Julian Assange, fundador do Wikileaks, preso desde o início de maio.

Internacionalista nato, ele deixa a seguinte mensagem: “Os muros, ainda mais quando mentais, são perigosos. Corremos o risco de que, frente ao desconhecido, nos agarremos a quem nos dá soluções fáceis e falsas, (…) a democracia se constrói no dia a dia”.

Confira a íntegra da entrevista:

Brasil de Fato: Mais de trinta anos após a redemocratização, temos um presidente defensor da ditadura militar. Como o senhor vê as declarações e ações do governo de Bolsonaro?

Baltasar Garzón: Para mim, um dirigente político em uma democracia defender uma ditadura é uma aberração. Um dirigente político, eleito democraticamente, dizer que um golpista, um ditador é um exemplo a ser seguido é uma barbaridade. Me dá muito medo.

Em uma sociedade permeada pelos meios de comunicação, como a atual, onde a comunicação é global, devemos aproveitar essa porosidade para dizer que não se pode permitir que esses discursos se instalem. Discursos como os xenófobos de [Matteo] Salvini, na Itália, Donald Trump, nos Estados Unidos, e [Viktor] Orbán, na Hungria. Isso ignora todo o sofrimento que milhões de vítimas passaram ao longo do século 20 e inclusive do século atual. Nenhum democrata pode ficar imóvel diante disso.

É claro, temos que respeitar as decisões populares, mas quem é eleito pelo voto não pode fazer o que quer ou dizer o que quer. Os cidadãos votam no líder político para que, dentro da democracia, ele defenda o destino do país, não para que ele atue desta forma, que obviamente vai contra a própria cidadania.

Durante muitos anos, por exemplo, nunca ouvi o [ex] presidente Lula fazer uma declaração deste tipo, mas sim em defesa dos valores democráticos, da cidadania, da luta pelos mais vulneráveis.

Além das declarações bolsonaristas, tivemos manifestações, desde 2013, de pessoas que pedem a volta do regime. Na sua avaliação, o que isso representa? Isso nos diz algo sobre a qualidade da democracia no Brasil?

Quando a insegurança se instala e as instituições não são capazes de responder, a sociedade se sente desamparada e pensa que outro sistema é melhor. Principalmente se os discursos, de quem deveria defender o empoderamento cidadão e o fortalecimento das instituições democráticas, são de amedrontamento.

Chega a um momento em que os cidadãos estão desesperados e esse tipo de discurso, motivado por interesses econômicos claros, produz a aparição de “salvadores da pátria”, que depois se tornam um problema para a democracia.

Temos altos índices de violência policial, principalmente nas favelas, além de um grande número de assassinato de lideranças populares. Quando olhamos para nossa história, o Brasil é um país que não puniu os crimes da ditadura. O senhor vê relação entre esse fator histórico e o grande número de violência policial de hoje?

Honestamente, creio que sim. Se não há uma resposta para os acontecimentos de máxima gravidade, como são os crimes de lesa humanidade, a tortura e o desaparecimento forçado de pessoas; de alguma maneira, quem consuma esses abusos considera que existe um terreno de impunidade.

Quando a violência policial é extrema, como acontece por exemplo no Rio de Janeiro — e vimos recentemente com a morte da pequena Ágatha —  algo está falhando no próprio sistema, e é a incapacidade de quem lidera.

A responsabilidade de quem lidera é encontrar os mecanismos democráticos adequados para combater o crime. Esses mecanismos devem ir mais profundamente e focar na erradicação da desigualdade social e na luta contra a pobreza. Lula tentou e conseguiu em grande medida, mas é preciso prosseguir.

Justificar os excessos que acontecem aqui não é bom para a democracia. Isso se converte em uma dupla insegurança e em um grave abandono. Os cidadãos não estarão seguros tanto pelo crime organizado quanto pela ação dos abusos policiais.

Gostaria de falar também sobre os fenômenos da judicialização da política e da perseguição judicial na América Latina, representados no Brasil pela operação Lava Jato. Como o senhor entende estes fenômenos e quais são as consequências para a sociedade?

O problema da judicialização da política, por outros conhecida como politização da justiça, é antigo. É um fenômeno que sempre acontece quando altos níveis de representantes políticos se veem submetidos a uma investigação, como em casos de corrupção.

Advogado preside a Fundação Internacional Baltasar Garzón, com atuação na Espanha e América Latina em defesa da dignidade humana e da jurisdição universal (Foto:José Eduardo Bernardes / Brasil de Fato)

É preciso diferenciar um fenômeno do outro. A politização da justiça é quando a política penetra em determinados profissionais da justiça e os faz atuar por fins e interesses políticos.

Já a judicialização da política é quando se interfere na separação entre os poderes. E o poder Judiciário toma decisões que deveriam se desenvolver no âmbito político.

Em meu ponto de vista, no Brasil houve um mecanismo massivo de corrupção em determinadas estruturas, como a Odebrecht e tudo o que significa a Lava Jato, mas se produziu a responsabilidade de determinados representantes políticos. Houve interferências nessa investigação com mecanismos questionáveis, como a delação premiada. E houve interferências de responsáveis pela operação, buscando fins que não são resultado do próprio mecanismo de investigação, e que, em alguns momentos, nos fazem questionar sua imparcialidade e independência.

Acusaram pessoas — em concreto me refiro ao [ex] presidente Lula —  com um objetivo que, em si mesmo, já é suficientemente grave. O mais grave é selecionar uma pessoa para imputar a ela a responsabilidade de fatos que não foram objetos de uma investigação imparcial. Os fatos nos induzem a questionar se esse processo [Lava Jato] tenha sido limpo.

Isso leva à união dos dois fenômenos: politização da justiça e judicialização da política. E, logicamente, produziu um efeito político importantíssimo: impossibilitou que o presidente Lula concorresse às eleições. Esse foi o objetivo de muitos dos atores envolvidos.

Qual é a relação que deve existir entre justiça e política? A Justiça deve ter um lado? Qual?

Creio que um sistema democrático está definido quando há o desenvolvimento de cada um dos poderes do Estado: Judiciário, Legislativo e Executivo. Todos eles formam parte e dão sentido ao Estado. Em alguns casos teremos atritos. Justamente por isso, a Constituição e as leis estabelecem o sistema de inter-relação entre os poderes e onde estão os limites.

A politização da justiça acontece quando esses controles não funcionam. Ou quando quem tem que revisar esses controles não o faz. Ou quando determinadas forças políticas se aliam com atores judiciais para conseguir um fim político ilegítimo.

Falando sobre o tema do ativismo digital, o senhor coordena a defesa de Julian Assange… O que representam casos como os de Assange e Ola Bini para os direitos à informação e à liberdade de expressão?

No mundo da comunicação, das redes sociais e da propagação de informação de formas diretas, sem intermediários, é fundamental a presença de plataformas como o WikiLeaks — ou como o The Intercept, no Brasil — para que nós, cidadãos, possamos ter acesso a conteúdos que são impossíveis de obter em meios tradicionais de comunicação.

É necessário a definição de mecanismos de proteção destes jornalistas e ativistas. É muito grave essa perseguição a que está sendo alvo Julian Assange, agora sujeito a um procedimento de extradição. Aparecerão, em breve, revelações absolutamente graves de como se interferiu em seu direito de defesa e de como houve monitoramento, com gravações, inclusive de seus advogados.

Assange não é a origem da informação. O WikiLeaks recebe a informação que difunde, é um meio de difusão. Portanto, o que se está perseguindo em si mesmo é a essência da liberdade de expressão.


Garzón tem o título de Doutor Honoris Causa em 25 universidades ao redor do mundo (Foto: José Eduardo Bernardes / Brasil de Fato)

Do meu ponto de vista, não só como advogado, mas como defensor dos direitos humanos, é muito grave e temos que trazer à público tudo o que está acontecendo para que não se consume a perseguição deste personagem submetido a um julgamento claramente predeterminado.

Pelo trabalho de sua vida, acredito que o senhor é um internacionalista. Qual a importância da solidariedade entre as nações e entre os povos, tanto os que vivem em países democráticos, quanto os que convivem com o autoritarismo?

Eu gosto dessa pergunta. Porque claramente sou internacionalista e universalista. Para mim, as fronteiras não têm sentido e nunca tiveram. Muito menos as fronteiras que impedem a solidariedade entre os povos, a confiança entre os distintos países. Estabelecer uma fronteira pode ter um sentido territorial, mas, para mim, os muros, ainda mais quando são mentais, são perigosos. Resultam na xenofobia, no ódio ao diferente.

Se não somos capazes de entender que formamos parte de um todo, vamos muito mal. Corremos o risco de que, frente ao desconhecido, nos agarremos a quem nos dá soluções fáceis e falsas. A democracia se constrói no dia a dia, e isso só se consegue com essa confiança e solidariedade entre os povos.

Veja o vídeo da entrevista aqui:

https://youtu.be/mCkTBbsvbiw?list=PLytfbsQYLZpB5uDo8LRdjf9X9RfOlFw4d

Edição: Katarine Flor

 

JURISPRUDÊNCIA | STF FORMA MAIORIA A FAVOR DE TESE QUE PODE ANULAR SENTENÇAS DA LAVA JATO

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JURISPRUDÊNCIA | STF FORMA MAIORIA A FAVOR DE TESE QUE PODE ANULAR SENTENÇAS DA LAVA JATO
Apesar de ter maioria formada, decisão final ainda não foi proferida e sua aplicação não foi definida; Julgamento / Foto: Nelson Jr/STF

Ministros decidem pela nulidade de condenações em que há delatados e delatores no mesmo processo

Rafael Tatemoto | Brasil de Fato | Brasília (DF) – A maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) impôs uma forte derrota à Lava Jato nesta quinta-feira (26), ao julgar um caso sobre a nulidade de condenações em que há réus delatados e delatores no mesmo processo. A decisão final, entretanto, não foi proferida e sua aplicação não foi definida. O tema deve ser novamente incluído na próxima sessão da Corte, prevista para quarta-feira (2).

A discussão se dá em torno das chamadas alegações finais. Em um processo penal, após os interrogatórios e outras formas de produção de provas, cada uma das partes – acusação e defesa – se manifesta uma última vez antes do juiz de primeira instância proferir sua decisão.

Pela lei,  os advogados apresentam as chamadas alegações finais após o Ministério Público, responsável pela acusação. Quando há diversos réus no mesmo processo, o prazo para que suas defesas se manifestem nesta etapa é igual para todos os acusados. A discussão travada no STF diz respeito a processos em que, existindo vários réus, parte deles decide fechar acordos de delação premiada.

A dúvida, portanto, é se réus delatores devem ser tratados como os outros, se manifestando no mesmo momento que os não delatores ou se, ao contrário, por terem colaborado com a acusação devem se manifestar antes dos réus que não colaboraram

Não há uma regra explícita sobre o tema no Código de Processo Penal. Duas teses divergentes estiveram em análise. De um lado, o entendimento de que todos os réus – delatores ou não – deveriam ser considerados formalmente iguais e se manifestar no mesmo prazo. Do outro lado, a interpretação de que, ao delatar, o réu deve ser qualitativamente classificado como parte da acusação, que legalmente deve se manifestar antes da defesa.

O tema começou a ser avaliado pelo conjunto da Corte nesta quarta-feira (25), no julgamento de um habeas corpus com repercussão geral – cuja interpretação pelos ministros pode guiar decisões para outros casos semelhantes.

Após o voto do ministro relator do caso Edson Fachin, que foi antecedido por manifestações da defesa e da Procuradoria-Geral da República, o julgamento foi suspenso para ter continuidade nesta quinta-feira (26).

Caso semelhante já havia sido avaliado pela Segunda Turma do Supremo. A sentença condenatória contra Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil, foi anulada no fim de agosto pela maioria daquele colegiado por conta dos mesmos argumentos avaliados nesta quarta-feira (25).

Após o caso de Bendine, Edson Fachin levou o habeas corpus de Márcio Almeida Ferreira, ex-gerente da Petrobras, para apreciação do plenário. A questão foi classificada como de repercussão geral, ou seja, a decisão do plenário deve ser observada daqui para frente não só pelo próprio Supremo como pelo conjunto do Judiciário.

Advogado de Ferreira, Marcos Vidigal de Freitas afirmou que durante o processo, na fase de interrogatórios, os réus que optaram pela delação foram entrevistados em primeiro lugar, o que deveria ter sido repetido no momento das alegações finais.

“A defesa acredita que há aqui uma grave violação à Constituição. Os réus não colaboradores devem falar após os réus que firmaram acordo com a acusação. O réu colaborador não é defesa, é acusação. Ele está ali por obrigação legal de incriminar”, disse na tribuna do Supremo.

Procurador-Geral da República interino, Alcides Martins se manifestou no sentido que a legislação processual penal não distingue delatores e não delatores em relação ao prazo para apresentar alegações finais.

“O CPP [Código de Processo Penal] não prevê qualquer diferenciação na ordem de apresentação das alegações finais por réus colaboradores ou não. Na norma referida [anteriormente], o instituto da delação premiada já estava instituído em diversas leis. O legislador ordinário não diferenciou”, posicionou-se.

Martins, entretanto, concordou com a possibilidade de nulidade na hipótese de os delatores apresentarem fatos novos nas alegações finais.

Votos

Relator do caso, Edson Fachin iniciou seu voto questionando se a definição de prazo igual para todos réus, não havendo regra expressa sobre o caso, poderia ser qualificada como atitude ilegal ou abuso de poder – requisitos para concessão de habeas corpus. Além disso, utilizou como argumento o fato de que as delações não são provas, o que, em tese, não alteraria o processo por si só no momento das alegações finais.

Fachin foi acompanhado por Luis Roberto Barroso e Luiz Fux. Alexandre de Moraes abriu divergência, seguida por Rosa Weber, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello. Os quatro entenderam que, apesar da classificação formal, delatores cumprem função acusatória.

Carmén Lúcia reconheceu a possibilidade de anulação, desde que verificado prejuízo concreto e que a defesa tenha apontado o vício no primeiro momento possível. Assim, apesar de reconhecer a possibilidade em geral, a ministra não reconheceu esses critérios no caso do habeas corpus em especifico.

Dias Toffoli não votou formalmente, mas indicou que seguirá pelo mesmo caminho de Lúcia. O presidente da Corte afirmou que votará na próxima sessão do STF, oportunidade em que Marco Aurélio Mello, que estava ausente, também poderá se manifestar.

Edição: Rodrigo Chagas

LAVA JATO USOU PROVAS ILEGAIS DO EXTERIOR PARA PRENDER FUTUROS DELATORES

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LAVA JATO USOU PROVAS ILEGAIS DO EXTERIOR PARA PRENDER FUTUROS DELATORES

Folha Uol | Igor Mello, Gabriel Sabóia, Jamil Chade, Silvia Ribeiro e Leandro Demori – A força-tarefa da Lava Jato em Curitiba utilizou sistematicamente contatos informais com autoridades da Suíça e Mônaco para obter provas ilícitas com o objetivo de prender alvos considerados prioritários –encarcerados preventivamente, muitos deles vieram a se tornar delatores.

A força-tarefa da Lava Jato em Curitiba utilizou sistematicamente contatos informais com autoridades da Suíça e Mônaco para obter provas ilícitas com o objetivo de prender alvos considerados prioritários –encarcerados preventivamente, muitos deles vieram a se tornar delatores. Menções a esse tipo de prática ilegal foram encontradas com frequência em conversas entre 2015 e 2017, conforme revelam mensagens do aplicativo Telegram enviadas por fonte anônima ao site The Intercept Brasil e analisadas em parceria com o UOL.

Mesmo alertados sobre a violação das regras, os procuradores da força-tarefa tiveram acesso a provas ilegais sobre vários dos mais importantes delatores da operação —como os então diretores da Petrobras Paulo Roberto Costa e Renato Duque; o então presidente da Transpetro, Sérgio Machado, além de executivos da Odebrecht, entre eles, o ex-presidente da empresa Marcelo Odebrecht.

Especialistas ouvidos pelo UOL dizem que informações obtidas por fora do canal oficial estabelecido em acordos de cooperação internacional de investigação constituem provas ilegais, podendo levar à anulação de processos. Mas a Lava Jato sustenta que “a troca de informações de inteligência e a cooperação direta entre autoridades estrangeiras é absolutamente legal e constitui boa prática internacional”. A força-tarefa afirma ainda que “nenhum documento foi utilizado judicialmente pela força-tarefa da Lava Jato sem ter sido transmitido pelos canais diplomáticos oficiais”.

Entre as práticas ilegais identificadas, está o acesso clandestino da Lava Jato, a partir de procuradores suíços, ao sistema Drousys, usado pelo setor de Operações Estruturadas da Odebrecht para controlar pagamentos de propina a autoridades e políticos. Mensagens revelam que os procuradores tiveram acesso à contabilidade paralela quase um ano antes de a Lava Jato estar apta para usar formalmente os dados entregues pela Odebrecht.

Duas fontes ligadas à empresa, que falaram ao UOL sob condição de terem suas identidades preservadas, relataram que a convicção de que os investigadores “escondiam cartas nas mangas” foi essencial para que parte dos 78 delatores da empresa decidissem firmar acordos de colaboração premiada.

A troca de mensagens entre procuradores ainda indica que Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, fez uso de prova ilícita, obtida junto a autoridades de Mônaco, no pedido de prisão de Renato Duque em março de 2015. “É natural tomar algumas decisões de risco calculado em grandes investigações”, justificou Dallagnol, após ser alertado pelo procurador regional da República Vladimir Aras cinco dias antes de Sergio Moro decretar a prisão.

24.mar.2015 - O ex-diretor da Petrobras Renato Duque - Paulo Lisboa/Brazil Photo Press/Estadão Conteúdo

24.mar.2015 – O ex-diretor da Petrobras Renato Duque

Imagem: Paulo Lisboa/Brazil Photo Press/Estadão Conteúdo

Antes disso, em novembro de 2014, primeira vez que integrantes da força-tarefa se reuniram com suíços, houve transmissão de documentos de maneira irregular. Documentos obtidos pelo UOL em ações judiciais mostram que Dallagnol trouxe sem registro oficial um pen drive com informações bancárias de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras e um dos primeiros delatores importantes da operação. Esses registros, corroborados pela delação de Costa, incluíam elementos essenciais para que a Lava Jato abrisse uma linha de investigação sobre a Odebrecht: a empreiteira pagou a ele US$ 23 milhões em propina através de contas de duas empresas offshore.

Mensagens privadas revelam que, meses depois, a Lava Jato pediu a um órgão do MPF (Ministério Público Federal) alteração de documento para atribuir a remessa do pen drive a canal oficial com a Suíça, simulando que as informações tiveram origem legal.

A estratégia de troca de informações fora do canal oficial de cooperação com a Suíça também fica evidente em uma espécie de ata de reunião realizada com uma autoridade daquele país em 2015, quando Dallagnol registrou como tarefa a elaboração de uma lista com alvos suspeitos da Lava Jato a serem remetidos para análise por equipe de investigação suíça —como exemplo citou “familiares de Lula”.

No mesmo ano, entre 1º e 4 de dezembro, mensagens em chats privados ainda revelam que procuradores da Lava Jato tiveram reunião secreta em Curitiba com investigadores suíços.

“Caros, sigilo total, mesmo internamente. Não comentem nem aqui dentro: Suíços vêm para cá semana que vem. Estarão entre 1 e 4 de dezembro, reunindo-se conosco, no prédio da frente. Nem imprensa nem ninguém externo deve saber. Orlando estará com eles todo tempo, assim como eu (que estarei fora na quarta). Vejam o que precisam da Suíça e fiquem à vontade para irem a qq tempo, ficarem nas reuniões todo o tempo que quiserem”

Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato

O uso de informações ilícitas chegou até mesmo a ser cogitado para pressionar Sérgio Machado a fechar delação premiada. A proposta, que foi descartada, foi feita por Paulo Roberto Galvão, da Lava Jato em Curitiba. “Se é pressão que o SM está precisando, nós temos conhecimento da conta do filho dele na Suíça”, disse em 13 de abril de 2016, no chat “Conexão BSB -CWB”, ao promotor Sérgio Bruno Cabral Fernandes que negociava a delação de Machado.

“É uma informação que não podemos usar de forma alguma, pois nos foi passada para inteligência pelos suíços. Mas acho que se for necessário vc pode dar a entender que Curitiba já tem conhecimento “de contas no exterior””, detalhou Galvão.

Por que provas obtidas fora do canal oficial são ilegais?

A estratégia, coordenada por Dallagnol, era montar uma espécie de “lavanderia” de provas obtidas no exterior: os procuradores recebiam informalmente documentos e informações de autoridades estrangeiras e então estudavam formas de legalizar aquelas evidências perante os tribunais brasileiros. Sobretudo no caso da Suíça, havia um jogo combinado.

Os procuradores brasileiros eram avisados sobre quais informações as autoridades suíças possuíam e então solicitavam exatamente aqueles dados. Em outros casos, pediam que os suíços investigassem pessoas e empresas específicas —inclusive parentes do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ainda havia a alternativa de, com base nas informações privilegiadas recebidas dos procuradores estrangeiros, criar subterfúgios para obter as mesmas provas no Brasil.

A legislação brasileira obriga que sejam firmados acordos de cooperação internacional em matéria penal para que investigações usem informações apuradas no exterior. A relação com cada país é estabelecida através de acordos bilaterais e também de tratados internacionais em que o Brasil é signatário —como a convenções de Palermo, para crime organizado transnacional, e a de Mérida, para combate à corrupção.

No caso de cada acordo é estabelecida uma autoridade central, que fica responsável por articular a troca de informações. Esse papel quase sempre é desempenhado pelo DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional), vinculado ao Ministério da Justiça.

Por isso, os membros da Lava Jato são obrigados a remeter seus pedidos de colaboração à autoridade central, que é responsável por enviá-los a outros países. Da mesma forma, as evidências colhidas a partir desses pedidos devem chegar através do DRCI, que é o responsável por entregá-las aos investigadores.

Na outra ponta, autoridades estrangeiras podem enviar informações ao Brasil sem serem demandadas desde que também por meio do canal do DRCI.

Falando em tese, Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio, diz que a legislação brasileira obriga que a troca de informações se dê através da autoridade central para a cooperação internacional. Assim, ele diz que qualquer evidência colhida fora dos trâmites normais configura uma prova ilegal.

“Uma prisão preventiva decretada com base nisso tem que ser imediatamente relaxada. Se essa pessoa já foi solta, na minha opinião essa pessoa tem que ser inclusive indenizada. Se foi feita uma busca e apreensão nesses termos, as provas obtidas por meio dela também são ilícitas”, afirmou Bottino.

Para o advogado Yuri Saihone, que pesquisa o tema das cooperações internacionais em matéria penal, essas práticas violam os princípios do devido processo legal. Falando em tese, ele avalia que provas obtidas fora dos canais oficiais de cooperação devem ser consideradas ilícitas. É preciso avaliar caso a caso a extensão das nulidades que elas provocariam, ressalta.

“Se existe uma lei, que neste caso seriam os tratados internacionais, e ela prevê um rito para a produção de provas, qualquer coisa que fuja dele é prova ilícita”, explica.

Na avaliação de Saihone, autoridades que adotam esse tipo de prática têm “certeza da impunidade”. “É uma maneira de burlar o próprio sistema, na lógica de justiça a qualquer preço. A gente não pode aceitar esse tipo de conduta porque dessa forma não é preciso ter o devido processo legal.”

Acesso clandestino a sistema de propina da Odebrecht

As mensagens revelam que Dallagnol se esforçou para criar canais clandestinos de troca de informações com autoridades estrangeiras de países como Suíça e Mônaco. O ex-procurador suíço Stefan Lenz —que atuou até outubro de 2016 como o principal responsável pelas investigações sobre corrupção na Petrobras na Suíça— foi seu principal colaborador nessa empreitada. O principal objetivo de ambos era fisgar a Odebrecht, maior empreiteira brasileira.

Embora não tivesse provas de que havia tráfico de informações entre Brasil e Suíça, a desconfiança de que isso ocorresse era uma constante na cúpula da construtora, que chegou a mover ações na Justiça para questionar os canais de cooperação.

Ações da Lava Jato levaram executivos da Odebrecht a especularem sobre o acesso privilegiado dos procuradores às autoridades suíças. Despertou especial desconfiança a Operação Erga Omnes, 14ª fase da Lava Jato, deflagrada pela Polícia Federal em 19 de junho de 2015. Na ocasião, Marcelo Odebrecht foi preso e 38 mandados de busca e apreensão, cumpridos.

20.jun.2015 - Marcelo Odebrecht foi preso na operação Erga Omnes - Antônio More/Gazeta do Povo/Estadão Conteúdo

20.jun.2015 – Marcelo Odebrecht foi preso na operação Erga Omnes

Imagem: Antônio More/Gazeta do Povo/Estadão Conteúdo

“A extensão das buscas e o nível de detalhamento a que chegaram chamou muito a atenção. Tinham detalhes sobre servidores de e-mail e de documentos que estavam na sala de pessoas físicas específicas… Isso antes mesmo de delações e remessas de documentos importantes para desvendar o esquema da Odebrecht serem concluídas. Não havia chance de uma investigação no Brasil naquele momento já dispor desse tipo de informação”, disse uma fonte ligada à empresa ao UOL.

O acesso integral ao sistema de controle de propina da Odebrecht foi uma das exigências da Lava Jato para fechar acordos de delação com os executivos da empreiteira —incluindo Emílio e Marcelo Odebrecht. No entanto, diálogos entre os procuradores mostram que eles já tinham acesso à contabilidade paralela da empreiteira quase um ano antes de o MPF estar apto a usar formalmente os dados entregues pela Odebrecht —o que só ocorreu em abril de 2017.

Em 14 de maio de 2016, a procuradora Laura Tessler, também da Lava Jato, já citava no chat “João Santana – Ode” —destinado a discutir informações delatadas pelo ex-marqueteiro de campanhas petistas— descobertas feitas através do Drousys.

Laura demonstra estar em contato direto com a equipe do então procurador suíço Stefan Lenz, sugerindo caminhos de apuração na Suíça e recebendo informações sobre investigados no Brasil. Segundo ela, as informações seriam utilizadas “como inteligência”, termo frequentemente usado pelos procuradores para se referir a provas ilegais obtidas no exterior. Dallagnol mostra empolgação com a notícia.

O UOL manteve as grafias das mensagens tal qual constam nos arquivos enviados ao Intercept, mesmo que contenham erros ortográficos.

Lista de familiares de Lula

A troca de informações fora dos canais oficiais envolveu, além de membros do Ministério Público suíço, ao menos um funcionário da Embaixada da Suíça no Brasil, lotado em Brasília. Chamado apenas de Marco pelos procuradores, o UOL apurou que o interlocutor seria Marco Marinzoli, adido policial na representação diplomática.

O policial federal suíço chegou ao Brasil em 2014 e logo se aproximou de membros da força-tarefa. Além dos contatos via aplicativos de mensagens, que eram constantes, a proximidade pode ser vista em cortesias mútuas: Marinzoli foi convidado a palestrar em 2017 na Jornada Internacional de Investigação Criminal, em 1º e 2 de setembro em Gramado (RS), que já teve entre os palestrantes Moro, o juiz federal Marcelo Bretas e Dallagnol.

Os procuradores fazem constantes menções a ele como origem de informações de “inteligência” recebidas da Suíça. Em 2015, Deltan falou com os colegas sobre uma reunião que tinha realizado com o adido policial para tratar da Lava Jato e chegou a enviar um documento com uma espécie de ata, onde listava as informações recebidas e as providências que sua equipe deveria tomar.

O texto deixa claro que —mais do que colaboração— os investigadores dos dois países mantinham uma estratégia conjunta, com os suíços guiando suas apurações de acordo com os desígnios da Lava Jato no Brasil. Entre essas prioridades, estavam familiares do ex-presidente Lula.

“É natural tomar algumas decisões de risco calculado em grandes investigações”, diz Dallagnol

Muito antes de chegarem à Odebrecht, os procuradores brasileiros já usavam canais informais de cooperação internacional para conseguir prisões e outras medidas cautelares.

Em 10 de março de 2015, Dallagnol é alertado por Vladimir Aras —que comandava a SCI (Secretaria de Cooperação Internacional) do MPF— sobre o risco de cometer violações ao usar informações passadas por autoridades de Mônaco à revelia do DRCI.

No diálogo, Dallagnol expõe o ponto central do que seria a “lavanderia de provas” que havia criado: usaria as remessas informais para sustentar o ritmo frenético de operações do começo da Lava Jato e, caso houvesse contestações ao rito, obteria as mesmas informações pelo canal oficial para legalizar as evidências.

Como suspeitava Aras, Renato Duque seria preso muito em breve —mais precisamente cinco dias depois, na Operação Que País É Esse?, a 10ª fase da Lava Jato. Moro embasa a prisão citando que a Lava Jato anexou dados bancários de Duque, informações oriundas justamente de Mônaco.

Outro lado: o que diz a Lava Jato

Questionada pelo UOL, a força-tarefa da Lava Jato não comentou o acesso, através do MP suíço, ao sistema Drousys.

Sobre a troca direta de informações entre os procuradores da Lava Jato e autoridades estrangeiras, os procuradores afirmam: “A troca de informações de inteligência e a cooperação direta entre autoridades estrangeiras é absolutamente legal e constitui boa prática internacional, incentivada pelos manuais da AGU (Advocacia-Geral da União), GAFI (Grupo de Ação Financeira Internacional), UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime), UNCAC (Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção), Banco Mundial, dentre outros organismos internacionais, bem como constitui orientação da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF) e é aceita pelo Judiciário brasileiro. Para essa troca de informações, o auxílio de representantes estrangeiros no Brasil, como os adidos, é essencial para a celeridade e melhor compreensão dos dados trocados”.

A Lava Jato sustenta ainda que “nenhum documento foi utilizado judicialmente pela força-tarefa Lava Jato sem ter sido transmitido pelos canais diplomáticos oficiais. Somente em situações de urgência, quando expressamente autorizado pelas autoridades estrangeiras, conforme permite a respectiva legislação, pode haver a remessa de dados por meio mais expedito e sua utilização judicial para fins cautelares”.

Em relação à definição, por meio de conversas informais, sobre linhas de investigação conjuntas com procuradores suíços, a Lava Jato alega que “no vultoso esquema de corrupção descoberto pela força-tarefa Lava Jato, foram abertas contas bancárias no exterior, em especial na Suíça, para receber dinheiro de propina e lavagem de dinheiro. Paralelamente às investigações brasileiras, as autoridades suíças também instauraram investigação própria para a apuração dos crimes ocorridos em seu território. Logo, absolutamente legal o intercâmbio de informações e estratégias de investigação entre as autoridades desses dois países, que foi fundamental para alcançar servidores públicos e políticos corruptos”.

Sobre a realização de reuniões secretas, a Lava Jato diz que “diversas autoridades estrangeiras de variados países vieram ao Brasil para a realização de diligências investigatórias, algumas ostensivas, outras sigilosas, conforme interesse dessas autoridades. Sendo um caso ou outro, todas as missões de autoridades estrangeiras no País são precedidas de pedido formal de cooperação e de sua autorização”.

Ao tratar da prisão de Renato Duque, os procuradores dizem que “os documentos utilizados foram transmitidos à força-tarefa Lava Jato e seu uso em caráter cautelar foi expressamente autorizado em comunicação entre as autoridades. O eventual uso não autorizado causaria grave prejuízo à cooperação com o Principado de Mônaco, o que nunca se verificou”.

Na explicação sobre o pen drive com documentos de Paulo Roberto Costa, a Lava Jato diz que já prestou informações à PGR no bojo de mandado de segurança impetrado pela Odebrecht. A Lava Jato confirma que recebeu os documentos em mãos dos suíços, o que, segundo a força-tarefa, foi autorizado na delação premiada do ex-diretor da Petrobras. Ainda segundo a Lava Jato, as contas também tiveram os sigilos bancários quebrados pela Justiça.

Sobre as mudanças nos documentos da PGR, a Lava Jato afirma que “os documentos recebidos para fins de inteligência com autorização de Paulo Roberto Costa foram encaminhados para análise interna no MPF (SPPEA – Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise). No curso dessa análise os documentos efetivamente utilizados nas ações penais chegaram oficialmente por meio da autoridade central, tendo sido também encaminhados à SPPEA, aproveitando-se a análise já iniciada, procedendo-se à conferência das informações e a elaboração de relatório, não havendo simples acerto de datas”.

Sem citar expressamente a sugestão de pressão sobre Sérgio Machado, a Lava Jato disse: “Ao tratar com investigados, é perfeitamente lícito e leal informá-los de que as autoridades brasileiras já possuem conhecimento sobre eventuais offshores e contas bancárias controladas por eles. Diante dessa informação, o investigado, igualmente, pode traçar sua estratégia defensiva, inclusive buscando uma colaboração, já que têm conhecimento de que tais informações chegarão oficialmente no Brasil em pouco tempo”.

A força-tarefa reiterou que o material é “oriundo de um crime e tem sido usado fora de contexto e com edições para fazer falsas acusações contra a Lava Jato”. O UOL transcreveu todas as conversas sem omitir seu contexto original ou editar seu conteúdo. Não há indícios de que as mensagens tenham sido adulteradas —por diversas vezes, elas tiveram suas autenticidades confirmadas por pessoas envolvidas nos diálogos.

O que dizem os outros citados na reportagem

Por meio de nota, o Ministério Público da Suíça afirmou apenas que pauta seu trabalho conforme as leis suíças.

“O Escritório do Procurador Geral da Suíça está conduzindo seus processos criminais com base na legislação suíça pertinente”, diz o órgão, em resposta ao UOL.

Questionado, o MP suíço não comentou o acesso clandestino da Lava Jato ao sistema de propina da Odebrecht tampouco o fato de Dallagnol ter trazido em segredo ao Brasil um pen drive com dados de Paulo Roberto ou a revelação de reunião secreta em Curitiba com seus procuradores.

O Departamento de Assuntos Estrangeiros do governo suíço não comentou as suspeitas sobre a atuação do funcionário Marco Marinzoli em sua embaixada em Brasília e repassou o assunto ao Departamento Federal de Justiça e Polícia. Por sua vez, o órgão também não comentou as irregularidades reveladas nas mensagens vazadas.

Comunicado do departamento enviado ao UOL confirma que Marco Marinzoli atuou no Brasil como adido policial responsável pela intermediação entre os dois países.

“A pessoa que você menciona é um colaborador da polícia federal suíça (fedpol). Foi destacado de 2014 a 2018 como agente de ligação no Brasil”, diz o departamento.

“Em geral, o principal mandato de um agente de ligação [adido] é facilitar a cooperação policial e judiciária e, nomeadamente, assegurar o intercâmbio de informações policiais e judiciárias entre a Suíça e o país anfitrião”, afirma a nota. “Como tal, o agente de ligação responde exclusivamente perante as autoridades responsáveis pela aplicação da lei”, completa.

O ex-procurador suíço Stefan Lenz negou que as práticas eram ilegais.

“Não houve prática ilegal no contexto que descreveu. Além disso, não comento estas alegações”, disse ele, que deixou o Ministério Público da Suíça em 2016 e hoje atua em um escritório de advocacia em seu país.

O Ministério Público de Mônaco foi procurado, mas ainda não respondeu.

O procurador regional da República Vladimir Aras também foi procurado, mas também não retornou.

O espaço está aberto para eventuais manifestações.

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