Estudantes do Colégio da Polícia Militar de Ceilândia, no Distrito Federal / Agência Brasília/Divulgação
No Distrito Federal, onde o modelo foi aplicado no início do ano, houve recusa por parte de pais e professores
Cristiane Sampaio | Brasil de Fato | Brasília (DF) – O programa do governo federal que incentiva a criação de escolas cívico-militares em estados e municípios, lançado na última quinta-feira (5), provocou reações de trabalhadores, parlamentares e especialistas em educação. Anunciado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), o projeto pretende implantar 216 unidades com esse perfil em todo o país até 2023, com uma média de 54 escolas por ano.
Articulado pelos Ministérios da Educação (MEC) e da Defesa, o programa prevê que militares da reserva das Forças Armadas trabalhem em escolas públicas de ensino regular nas fases do Ensino Fundamental II e Ensino Médio. Quanto aos professores civis, o governo afirma que o objetivo do programa é mantê-los como responsáveis pela parte didática – toda a gestão das unidades ficaria sob cuidado de militares.
“Nós não queremos que essa garotada cresça e, no futuro, seja um dependente até morrer de programas sociais do governo”, disse Bolsonaro à imprensa durante o lançamento do projeto. O governo recebeu críticas de instituições como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).
“Quem emite uma opinião dessas não se preocupa e não tem compromisso em compreender o que é a demanda da educação num país que há 519 anos tem, sistematicamente, negado o direito à educação à maioria da população. É alguém que não conhece a história da educação no Brasil”, critica Gilmar Soares, secretário de Assuntos Educacionais da entidade.
Além de membros das Forças Armadas, o programa permite que estados e municípios desloquem bombeiros e policiais para atuarem na organização das instituições e auxiliarem na parte de “disciplina” nas unidades educacionais. Esse é outro aspecto que incendeia os debates em torno do tema.
“A existência de disciplina na escola advém de o próprio Estado garantir as condições para que o projeto educacional seja desenvolvido pelos sujeitos dentro da escola. É isso que apontam o Plano Nacional de Educação, a LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional], com as condições necessárias pra que seja desenvolvida a atividade educacional – profissionais efetivos, bem formados, bem pagos, condições de infraestrutura adequadas, etc. Até hoje a população cobra isso, mas os governos e a própria condição de Estado que temos hoje negam”, contrapõe Soares. “Não é a transformação em escolas cívico-militares que vai resolver o problema”.
Durante o lançamento do programa, o secretário de Educação Básica do MEC, Janio Carlos Endo Macedo, disse que os estes ficarão responsáveis pela “gestão comportamental” do espaço. O programa atuará em três eixos: educacional, didático-pedagógico e administrativo. Juntos, eles englobam atividades de supervisão, psicopedagogia, organização e fortalecimento de valores “humanos, éticos e morais”.
A iniciativa de expansão de escolas militares tem como cenário um avanço conservador no país, marcado, por exemplo, pela proximidade entre o chefe do Executivo e as Forças Armadas. Bolsonaro é conhecido pelas constantes referências elogiosas à doutrina militar e à tortura. Também é defensor de pautas como o Projeto de Lei (PL) Escola sem Partido, que encontra solo fértil em ambientes mais conservadores e preocupa especialistas da área educacional.
Para o deputado distrital Fábio Felix (Psol), que acompanha o tema das escolas cívico-militares no Distrito Federal (DF), onde unidades desse modelo já são uma realidade desde o início do ano, o governo Bolsonaro estaria tentando, com o novo programa, acirrar a disputa ideológica em torno da educação, área que vem sendo alvo de diferentes iniciativas conservadoras.
“É uma intervenção absolutamente equivocada na educação brasileira, porque ele a utiliza de forma bem ideológica, para tentar impor e enraizar o discurso da extrema direita no Brasil. Acho que tem um pouco esse significado. Ele quer impor um modelo de educação pra fazer uma espécie de guerra ideológica”, analisa o parlamentar.
Rigidez
Em unidades que seguem o modelo, a rigidez das normas internas é um dos pontos considerados críticos do sistema de ensino e convivência. Os estudantes costumam ser submetidos a regras que limitam, por exemplo, o corte de cabelo. Também é comum o hábito de cantar o hino nacional sob a orientação de um militar.
Por conta dessas e de outras práticas militares, o projeto do governo desperta preocupação principalmente entre educadores que conheceram de perto a atuação militar nas escolas na época da ditadura, como é o caso do professor Robson Eleutério. Ele acredita que a presença militar nas unidades tem um risco simbólico e tende a comprometer a formação dos estudantes.
“Não vai ter nenhuma melhora na parte da questão mais importante, que é a construção do conhecimento porque, aparentemente, tentam manter uma ordem que não pode ser reproduzida na construção do conhecimento do aluno. O estudante pode se sentir reprimido em algumas áreas, como história, artes e literatura, em algumas situações, podendo passar a ter uma visão fechada, retrógrada e não ter condições de acompanhar a sociedade atual de forma a entender plenamente os seus contextos”, avalia.
Imposição
De acordo com o governo, os estados e municípios que quiserem aderir ao modelo precisarão fazer um pedido formal junto ao governo federal até o dia 27 deste mês para indicar duas unidades que podem receber o projeto-piloto a partir de 2020. Segundo o MEC, estados e municípios serão que fazer consulta pública sobre a adesão. Apesar disso, o presidente Bolsonaro afirmou, durante o lançamento, por diversas vezes, que o modelo poderá ser imposto.
“Temos aqui a presença física do nosso governador do DF, Ibaneis. Parabéns, governador, com essa proposta. Vi que alguns bairros tiveram votação e não aceitaram. Me desculpa, não tem que aceitar, não. Tem que impor”, disse o chefe do Executivo ao aliado em um dos momentos em que mencionou a questão.
Um projeto-piloto lançado por Ibaneis Rocha (MDB) no início do ano inaugurou, em quatro escolas do DF, um modelo de gestão compartilhada com a Polícia Militar (PM). A ideia é expandir o número para 36 unidades, a depender dos resultados.
A medida encontra resistência entre pais, alunos, professores e servidores das instituições. No último dia 17, em uma votação, três unidades aprovaram o projeto e duas recusaram. Com isso, o governo desistiu temporariamente desses locais, mas gestores do DF têm afirmado que a consulta tende a ser repetida.
A votação envolve estudantes, pais, professores e funcionários. Na unidade Gisno da Asa Norte, uma das instituições onde houve recusa, a rejeição foi de 73%. Em entrevista ao Brasil de Fato, o diretor, Isley Marth, sublinha que o a rede educacional do DF segue uma norma legislativa segundo a qual diferentes ações educacionais precisam passar pelo crivo da comunidade escolar antes de serem implementadas.
“A comunidade escolar é que dá a pontuação do respirar de uma escola. A comunidade tem autonomia, tem o direito de escolha. O Brasil é assim. Nós não temos que trabalhar com imposição”, defende.
Bia Ferreira lançará seu primeiro disco, “Igreja Lesbiteriana: um Chamado”, no dia 13 de setembro / Divulgação/Facebook
Feminismo, antirracismo, religião e arte como posição política são alguns dos temas abordados nesta entrevista exclusiva
Bruna Caetano e Marcos Hermanson | Brasil de Fato | São Paulo (SP) – Bia Ferreira tem 26 anos e vive da sua música há dez. Recentemente, estourou com canções como “Cota Não é Esmola“, “Diga Não” e “Não precisa ser Amélia”. A potência de sua voz e o conteúdo de suas letras são um soco no estômago de qualquer um.
Nascida em Carangola, Minas Gerais, passou boa parte da vida em Aracaju (Sergipe), e por isso costuma se apresentar como “cosmopolita”, e não como mineira. Antes de se fixar no Rio de Janeiro, morou em ocupações urbanas em São Paulo e fazia bicos para sobreviver. No Parque da Água Branca, onde foi entrevistada pelo Brasil de Fato, às vezes lavava os vasilhames da barraca de suco de uma feira de orgânicos para tirar 80 reais no final do dia.
Durante a conversa, ela se define como “artivista” e fala que não vai se calar, custe o que custar. A cantora aborda também o tema da música como uma forma de fazer a revolução e “ensinar tecnologias de sobrevivência” ao povo preto e LGBT.
O lançamento de seu novo disco, “Igreja Lesbiteriana: um Chamado“, ocorre no dia 13 de setembro nas plataformas digitais. No dia 21, ele será apresentado ao vivo em um show no SESC Pompéia, em São Paulo.
Confira a íntegra da entrevista abaixo:
Brasil de Fato: Muita coisa mudou desde que você escreveu “Cota Não é Esmola”, em 2011. Parece que esse pensamento que você tenta combater na sua música tomou outras proporções de lá para cá. Como você vê o fato de isso ainda ser uma luta, e que talvez tenha que ser travada até mais intensamente agora?
Bia Ferreira: Eu acho que esse posicionamento contra as cotas é fruto da desinformação e da falta de oportunidade. A informação é o que liberta mentes, faz com que as pessoas queiram a mudança, e querer a mudança é um problema muito grande para esses homens que detém o poder.
Fico triste de ainda precisar falar de cotas hoje em dia, mas entendo que o processo de descolonização de mentes pretas é muito recente. A abolição aconteceu há 132 anos. Quando penso nisso, lembro que meu bisavô era escravo. Não tive acesso ao nome dele, não tive acesso a quem foi o pai dele, os irmãos dele.
Meu avô está com noventa anos. Meu avô é fruto do ventre livre. Eu queria não falar sobre isso, mas se eu não falar as pessoas não vão ter acesso a informação, e eu acredito que a informação transforma.
Em algumas entrevistas você diz que, no começo, não se sentia representada pelo movimento feminista. Por quê?
O feminismo não chegou na favela em que eu morava. Era uma parada da academia. Agora é moda estudar preto. É foda falar o que eu tô falando, mas é moda. Agora ninguém quer ser racista, ninguém quer ser branco. Imagino que deve ser horrível ser branco. Quando você é branco e entende como foi criada essa sociedade…é “escroto” você saber que foi o seu bisavô.
Por que, se uma mulher preta tiver apanhando na rua do marido, a galera fala assim “ah, deve ser briga de marido e mulher”? Se for uma menina loirinha e o cara deu um grito com ela, já tem cinco em cima dele. É porque o corpo da mulher preta não é enxergado na sociedade como o de uma mulher.
Quando eu vejo movimento de mulheres indo pra rua mostrar os peitos, eu não me sinto contemplada, porque o meu corpo sempre foi exposto, sempre foi mostrado como um pedaço de carne, e nu. Era assim que a gente era vendida. É assim que a gente é vendida. Esse ano foi o primeiro em que a Rede Globo colocou a Globeleza de roupa.
Quando eu entendi que existe muita mulher preta que já está pensando a revolução e tecnologias de sobrevivência para a vida e manutenção de mulheres pretas nessa sociedade, eu entendi que existe sim uma luta pela vida dessas mulheres.
É um feminismo sim, mas ele é interseccional. Não é um feminismo que fala só das mulheres brancas. Fala das mulheres brancas, pretas, indígenas, trans, travestis. É sobre a vida das mulheres. Por isso eu me sinto contemplada.
Tem quem diga: “a Bia Ferreira não gosta de branco”. Não é que eu não gosto de branco. Eu não gosto de um sistema chamado branquitude, que foi construído para acabar com a minha vida e com a vida dos meus. E o indivíduo reproduz o sistema e o sistema reproduz o indivíduo.
Não é contra as mulheres brancas, não é contra o feminismo. É a favor de um feminismo que não olha só para o seu umbigo. É um feminismo que pega seu carro e vai na favela buscar as manas que não tem a grana do busão.
Para eu segurar a mão de uma pessoa branca na luta comigo, eu preciso que ela sangre comigo. Porque eu sei que seu eu estiver segurando a mão dela, o tiro vem em mim, não vai nela. Você nunca vai saber o que é ser eu, mas se coloca no meu lugar. É sobre isso que eu falo em “De Dentro do Ap“.
Qual é a sua compreensão do momento político atual?
Caos. As pessoas têm memória fraca, muito curta. Durante os anos do governo Lula, essas pessoas experimentaram o acesso à moto, casa própria, carro, conseguir pagar a creche do seu filho. A gente viu preto e pobre indo para fora do Brasil estudar.
Você sabe o que é você comer ovo todo dia e esperar chegar o domingo para comer frango? Você se formar em uma conjuntura política com vários acessos faz você achar que sempre foi assim. Faz você esquecer como a gente estava vivendo antes. Nesse momento, a gente achou que era rico.
A atual conjuntura é triste, é caótica, mas é necessária. Se a gente não tivesse nesse momento em que a gente está agora – metade da Amazônia devastada, um monte de direito tirado, você sabendo que não vai se aposentar, você vendo os ricos ficando mais ricos, as pessoas de classe média ficando pobres e os pobres ficando miseráveis – as pessoas não iam querer uma mudança.
Daqui dois anos, não vai ter ninguém que votou no Bolsonaro. Eu rezo para que o próximo governo seja de uma mulher, e que essa mulher consiga terminar o governo dela.
Recentemente você se apresentou no Festival Lula Livre, em São Paulo. Como você enxerga essa relação entre arte e política?
Existem muitos soldados do pão e circo, muitas pessoas dispostas a se venderem e produzirem conteúdo ruim. Eu entendo que existem pessoas com um pensamento exclusivamente capitalista, que pensam no dinheiro, e cuja produção é usada para cegar as pessoas.
Os artistas precisam se posicionar. Nós temos um papel importantíssimo, porque a gente fala com as pessoas. O “artivismo” deveria ser uma base para quem quer viver de arte. Não tem como você viver de arte se calando diante do que está acontecendo. Se você se cala, então o que você faz não é arte, é pão e circo.
Como foi crescer em uma família evangélica? Qual é a sua relação com a religião hoje em dia?
Meu pai e minha mãe são pessoas que lutaram durante a vida toda por uma coisa em que eles acreditavam: a transformação de vidas através da história de Jesus. Existem muitas pessoas evangélicas sérias. Existem muitas pessoas coerentes, que acreditam e vivem aquilo que pregam.
Só que existem muitas pessoas que tem um discurso preconceituoso e se escondem atrás da religião para manipular pessoas. Aí eu posso citar o pastor Edir Macedo, que é bilionário. Posso citar o R.R Soares, o Silas Malafaia, Valdemiro Santiago, e vários outros que abrem uma igrejinha em qualquer buraco para manipulação de mentes e recurso próprio.
Mataram Jesus porque ele era um cara preto e revolucionário que contestava os religiosos da época.
Como é o seu processo criativo? Quem te inspira a fazer as suas músicas?
Eu posso citar várias pessoas. Angela Davis, Sueli Carneiro, Audrey Lorde, Assata Shakur. Mas eu gosto de dizer que as minhas referências andam comigo. Tudo isso que eu falo até hoje foi construído pelas pessoas que andam comigo, e não pelas pessoas que eu li. As pessoas que eu li construíram a base teórica para o que eu falo. Mas as pessoas que andam comigo são as pessoas que constroem a base de vivência do que eu faço.
Então eu posso citar para você a Leci Brandão, que é uma mulher revolucionária. É uma senhora preta, compositora, instrumentista e sapatão. E tá viva. Dona Conceição Evaristo, que senta na mesa do bar para trocar ideia com a gente. Eu posso falar da Preta Rara, da Doralyce , da Manu Coutinho de Aracajú, da Jaêmia, Laine Almeida, Anaia, Débora Ambrosia, Bruna Amara, Luz Ribeiro, Eva Rap Diva, Érica Malunguinho, Dani Monteiro, Talíria Petrone.
A Luna me lembrou da Preta Ferreira. A Preta Ferreira, além de ser uma mulher preta que luta por moradia é uma mulher preta artivista, que faz arte para se comunicar com a sociedade. Ela não está presa porque participa de movimentos sociais na luta por moradia. Ela está presa porque é uma mulher preta que luta e fala o que pensa através da arte, e é isso que acontece com as mulheres pretas que falam. Ou elas são presas, ou são mortas.
Agora em setembro você vai lançar seu primeiro disco. Fale um pouco sobre ele.
Eu vivo de música desde os meus 16 anos, e eu tô com 26. São dez anos para lançar meu primeiro disco. São seis anos tentando lançar um disco. Mas a gente é mulher preta, e mulher preta falando de política não tem muita gente que abraça nossa ideia.
Esse disco tá saindo sem recursos. Todas as pessoas que trabalharam nesse disco dispuseram do seu amor pela arte. Acreditaram no trabalho que a gente faz, na revolução que a gente prega, e quiseram construir isso com a gente.
Esse disco se chama “Igreja Lesbiteriana: um Chamado”, porque recebi um chamado e fiz um compromisso: nunca me calar enquanto tiver alguém sendo oprimido. Enquanto tiver um preto com menos direitos, enquanto houver racismo, enquanto as cotas ainda forem negadas, eu não vou me calar. A gente não vai se calar. Esse disco está saindo por que pessoas decididas a não se calar estão construindo isso comigo.
A vice-presidenta da Venezuela, Delcy Rodríguez, acusa o partido do opositor Juan Guaidó de “negociar soberania da Venezuela”. / Reprodução Twitter
A conversa entre dois membros da oposição foi revelada pelo governo venezuelano; o Ministério Público apurará o caso
Fania Rodrigues | Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) – “O sol da Venezuela nasce no Esequibo” é uma expressão muito utilizada pelos venezuelanos, sobretudo no meio político e militar. Esequibo é um território em disputa entre a Venezuela e a Guiana, com 159 mil quilômetros quadrados de extensão, onde vivem cerca de 120 mil pessoas que têm direito às duas nacionalidades, como explica o diplomata venezuelano, Diego Osuma, integrante da Secretaria para América Latina do Ministério de Relações da Venezuela.
Na última semana, Esequibo virou notícia no país após uma investigação apontar que setores da oposição cogitaram negociar um possível reconhecimento da soberania da Guiana sobre esse território. A atual situação legal é fruto de uma negociação que resultou no chamado de Acordo de Genebra, de 1966, que estabelece que os dois países têm jurisdição sobre Esequibo.
A proposta veio à público após o governo venezuelano revelar uma conversa telefônica entre o coordenador de Relações Exteriores do partido opositor Voluntad Popular, Manuel Avendaño, homem forte do líder opositor Juan Guaidó, e a “embaixadora” de Guaidó no Reino Unido, Vanessa Neumann.
“Estamos tratando de aumentar a coalizão de apoio a Juan [Guaidó] e o tema número um que identificamos é o Foreign and Commonwealth Office [um departamento do governo do Reino Unido, responsável por proteger e promover os interesses britânicos em todo o mundo], que não vai nos apoiar enquanto nossa linha oficial for a de que queremos tomar o Esequibo da Guiana”, afirmou Avendaño durante a chamada.
A Guiana foi colônia britânica até 1966, quando conquistou a independência, mas ainda hoje é zona de influência política e econômica do Reino Unido.
Na conversa gravada, o político afirmou ainda ter aconselhado a representante de Guaidó no Brasil a não tornar o tema público. “Eu disse à Maria Teresa Belandria que não aconselhasse ninguém a opinar sobre a Guiana antes que Juan [Guaidó] subira ao poder”, complementa o dirigente da oposição.
Durante uma coletiva de imprensa realizada na última quinta-feira (05), ao revelar a conversa grampeada, a vice-presidenta da República, Delcy Rodríguez, acusou o líder opositor Juan Guaidó de “formar uma organização criminosa” para “vender o território e a soberania venezuelana”.
Consultado pelo Brasil de Fato, o diplomata Diego Osuma explica a origem da controvérsia. “Esse território [Esequibo] tem uma particularidade no direito internacional, que é o Acordo de Genebra de 1966, assinado logo depois da Guiana conquistar sua independência, para solucionar a mais antiga controvérsia colonial, que vem de 1899. O artigo quinto desse acordo estabelece que para realizar qualquer atividade ambos governos devem entrar em consenso. Nem Venezuela nem a Guiana podem decidir, de forma unilateral, qualquer coisa sobre esse território”.
Na ocasião, a Força Armada Nacional Bolivariana aplicou os protocolos internacionais de segurança para pedir a retirada da embarcação. A ação do Estado venezuelano foi repudiada pelos opositores e pelos países do Grupo de Lima, por considerarem que se tratava de território da Guiana. No entanto, uma semana depois, 12 dos 14 países que integram o grupo retificaram sua posição e reconheceram a jurisdição a Venezuela na região.
A região do Esequibo é rica em petróleo e em minerais como o ouro e manganês, como explica o funcionário da chancelaria venezuelana, Diego Osuma, e por este motivo é alvo de disputa. “Existem muitos interesses nessa região, a principal atividade econômica nessa zona é a mineira, mas é feita de forma artesanal até o momento”, ressalta o diplomata.
Respostas
A reação sobre a possível negociação proposta pela oposição foi rápida, sobretudo nas redes sociais, com muitos comentários negativos.
Diante da revelação, o presidente Nicolás Maduro requereu ao Ministério Público a apuração da suspeita. “Recebemos evidências de que o traidor da pátria, Guaidó, está negociando o Esequibo em troca de apoio político ao seu autodeclarado governo fantasmagórico. Insto o Ministério Público a agir, porque é um crime entregar nosso território”, disse Maduro. Na sexta-feira (06), o Ministério Público anunciou o começo de uma investigação para apurar os fatos.
Por sua parte, o deputado e presidente da Assembleia Nacional Juan Guaidó divulgou um comunicado negando as acusações. “Se alguém tem uma reivindicação legítima do Esequibo, somos nós, que assinamos mais de 10 decretos na Assembleia Nacional [sobre o tema]. Eu digo hoje, o Esequibo é nosso, o Esequibo é da Venezuela, o Esequibo é a Venezuela”, afirmou Guaidó.
Políticos chavistas e opositores trocaram acusações públicas sobre o caso, mas ambos lados saíram em defesa da soberania venezuelana em relação a esse território. Pela reação observada nas redes sociais, a sociedade venezuelana também não está disposta a abrir mão desse território. Portanto, o sol da Venezuela continuará nascendo em Esequibo.
No Recife, manifestação ocorreu no bairro Derby, região central da capital pernambucana / Levante Popular da Juventude
Todos os estados registraram atos em defesa da Amazônia, da soberania nacional e da educação pública
Redação | Brasil de Fato | São Paulo (SP) – Milhares de pessoas foram às ruas de todos os estados neste sábado (7) contra os retrocessos promovidos por Jair Bolsonaro (PSL). A 25ª edição do “Grito dos Excluídos” criticou as ações do atual governo contra a educação pública e a soberania nacional e denunciou o desmatamento na Amazônia. Entidades estudantis como a União Nacional dos Estudantes (UNE) se somaram aos atos na maior parte das capitais, em mais uma edição do chamado “Tsunami da Educação”.
Segundo a Central dos Movimentos Populares (CMP), 132 cidades participaram do “Grito”. O lema das mobilizações deste ano é “Este sistema não vale: lutamos por justiça, direitos e liberdade”.
Para além das denúnicas tradicionais, como a desigualdade social, o desemprego e a restrição de direitos à maioria da população brasileira, as manifestações deste ano ganharam o apoio dos estudantes contra os desmontes educacionais promovidos por Jair Bolsonaro (PSL) e seu ministro da educação, Abraham Weintraub.
O MEC divulgou esta semana que, em 2020, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes) só terá metade do orçamento de 2019. Na proposta de orçamento para o ano que vem, a perda prevista para a pasta é de 9%. “O Estado precisa de ciência e de desenvolvimento para que toda sua população esteja bem, com dignidade”, disse a pesquisadora Thamiris Oliveira, da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG).
Thamiris Oliveira foi ao ato em Brasília e criticou a gestão Weintraub. (Foto: Cristiane Sampaio)
Nicolas Nascimento, de 20 anos, participou do Grito dos Excluídos pela primeira vez. Para ele, as manifestações precisam barrar a retirada de direitos em curso no país. “Este 7 de setembro é um marco pra eles, que defendem tanto a bandeira do Brasil, mas, na verdade, só querem entregar as riquezas nacionais. O mais importante é, neste momento, a gente se mobilizar contra o governo, que está tirando cada vez mais direitos”, afirmou.
Nicolas Nascimento ressaltou a necessidade da luta pela soberania. (Foto: Cristiane Sampaio)
Outro assunto abordado na mobilização desse ano foi o desmatamento da Amazônia. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o número de queimadas na região triplicou em relação a agosto do ano passado, passando de 10.421 em 2018 para 30.901 em 2019.
“Há 25 anos denunciamos a desigualdade social, o desemprego e a falta de políticas públicas ataques à educação, com o congelamento de quase R$ 6 bilhões de reais, a perseguição contra reitores e entidades estudantis. Além disso, há o meio ambiente e a destruição da floresta amazônica”, explicou Raimundo Bonfim, coordenador nacional da CMP.
A defesa da Amazônia e o combate ao desmatamento fizeram parte da Grito dos Excluídos neste ano. (Foto: MAB)
Região Sudeste
Em São Paulo (SP), o ato começou às 9h na praça Osvaldo Cruz, região central. Entre os manifestantes, havia centenas de estudantes vestindo camisetas pretas – em sinal de “luto” – com o rosto pintado de verde-amarelo.
A medida é uma provocação ao presidente Jair Bolsonaro (PSL), que pediu que a população saísse às ruas vestindo verde-amarelo. Os jovens entoaram cantos como “Ô, cara pintada voltou!”, e “Quero estudar, para ser inteligente, porque de burro já basta o presidente”. O ato, que segundo os organizadores reuniu 15 mil pessoas, teve como destino final o Monumento às Bandeiras, no Parque do Ibirapuera.
Ato em São Paulo terminou no Monumento às Bandeiras, no Parque do Ibirapuera (Foto: Elineudo Meira)
“Força, Brasil! Coragem. Vai passar”, disse o escritor português Valter Hugo Mãe, que participou do ato em São Paulo. Ele afirmou que se solidariza com “a luta de todas as pessoas que estão a ser discriminadas pelo regime no Brasil”, e ressaltou: “Todas as minorias juntas são, afinal, a maioria”.
Em Campinas (SP), as mobilizações tiveram a participação de assentados do acampamento Marielle Vive, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Cidades como Rio Claro, Mogi das Cruzes, São José do Rio Preto e Sorocaba também registraram atos.
Em Vitória (ES) e Rio de Janeiro (RJ) também houve manifestações contra Bolsonaro e em defesa da soberania nacional e popular.
Em Minas Gerais, protestos aconteceram em Belo Horizonte e Montes Claros. Na capital, a concentração foi realizada no viaduto Santa Teresa. Estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) estiveram no local, assim como Adilia Sozzi, do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras por Direitos (MTD), que prometeu: “O número de ocupações vai aumentar, porque o povo brasileiro vai resistir e lutar pelo direito à moradia”.
Protestos em Minas Gerais pediram “respeito à vida”. (Foto: Brasil de Fato MG)
Em Montes Claros, manifestantes criticaram a empresa Vale, responsável pelo crime de Brumadinho (MG), no início do ano, quando houve o rompimento da barragem no Córrego do Feijão. “O lucro não vale a vida”, dizia um dos cartazes
Centro-Oeste
A maior mobilização da região ocorreu em Brasília (DF). Paralelamente ao desfile oficial de 7 de Setembro, realizado todos os anos pelo governo federal e as Forças Armadas na Esplanada dos Ministérios por ocasião do Dia da Independência, manifestantes se concentraram na Torre de TV, a poucos quilômetros dali, para bradar por direitos sociais, garantias trabalhistas, liberdade e soberania nacional.
As atividades envolveram oficinas e um ato político-cultural, com a participação de representantes de mais de 50 segmentos, entre religiosos, sindicatos, movimentos populares, associações de moradores e coletivos.
A indignação das ruas lembrou pautas como o movimento “Lula Livre”, o combate à militarização nas escolas, a defesa da Amazônia e dos diferentes ecossistemas, além da crítica à reforma da Previdência e à política fiscal do presidente Jair Bolsonaro (PSL).
A luta pela liberdade de Lula também foi lembrada no “Grito”. (Foto: Cristiane Sampaio)
Os participantes condenaram o gasto de R$ 971 mil do governo com o desfile oficial deste ano, que abocanhou 15% a mais da verba utilizada no evento no ano passado. “Não pago esse mico. Esse desfile é pão e circo”, bradou um grupo de percussionistas que energizou e mobilizou os manifestantes no local.
Para a secretária-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Thaisa Daiane, a confluência de forças observada nos protestos que ocorreram neste sábado pelo país demonstrou que há um movimento expressivo de oposição ao governo Bolsonaro.
“Eu considero como satisfatório porque a gente conseguiu mobilizar e reivindicar. A gente está se fortalecendo. Quanto mais unidos, a gente tem mais força. A gente não pode perder a esperança”, acrescenta.
Região Nordeste
No Recife, os pernambucanos se concentraram logo cedo, às 8h da manhã, na praça do Derby. A manifestação foi organizada por setores da Igreja Católica, movimentos populares, organizações não-governamentais, estudantes e partidos de esquerda.
Em seu pronunciamento, Dom Fernando Saburido, arcebispo da Arquidiocese de Olinda e Recife, afirmou que “o ‘Grito dos Excluídos’ é para sermos as vozes daqueles que precisam conquistar seus direitos, por isso estamos aqui como Igreja, presente, cumprindo nosso papel junto às pessoas mais pobres”.
Levante Popular da Juventude foi um dos movimentos presentes no Recife. (Foto: Marcos Barbosa | Brasil de Fato)
Em Fortaleza (CE), a concentração começou às 8h, na Praia do Futuro. A caminhada seguiu até a praça Dom Hélder Câmara, com distância aproximada de 4km.
Caminhada e batucada contra Bolsonaro no Ceará. (Foto: Comunicação | MTD)
Ainda no Ceará, em Juazeiro do Norte, a Paróquia Nossa Senhora das Candeias, pastorais sociais e o Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD) marcharam na sexta-feira (6). Também na sexta, a capital João Pessoa, na Paraíba, também reuniu Movimentos sociais, estudantes, trabalhadores e trabalhadoras na prévia do “Grito dos Excluídos”.
No Rio Grande do Norte, os atos aconteceram na cidade de Mossoró. Educação, Amazônia e soberania nacional estiveram na pauta dos manifestantes.
Em Salvador (BA), os atos aconteceram no centro da capital, após o desfile cívico. Houve um protesto pacífico, na Praça Campo Grande.
Região Sul
Em Porto Alegre (RS), no Parque da Redenção, mesmo com o adiamento do ato dos estudantes para o dia 13 por conta do mal tempo, milhares se reuniram em protesto. Protestos também ocorreram em cidades do interior, como Caxias do Sul (RS).
Concentração no parque da Redenção, na capital gaúcha. (Foto: Marcelo Ferreira)
Também em Porto Alegre, chargistas mostraram obras censuradas. As obras sobre “Independência em risco” foram expostas na Câmara dos Vereadores, mas acabaram recolhidas em menos de 24 horas por ordem da presidenta da casa, a vereadora Mônica Leal (PP).
Chargistas mostram obras censuradas. (Foto: Marcelo Ferreira)
Em Santa Catarina, três cidades protestos na manhã deste sábado (7): Florianópolis, Chapecó e Joinville.
Em Curitiba (PR), os manifestantes se concentraram no final da tarde em frente ao prédio histórico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), na praça Santos Andrade. Soberania nacional, defesa da educação pública e da liberdade do ex-presidente Lula (PT) foram as principais pautas do dia.
Região Norte
Mais de 5 mil pessoas levaram faixas e cartazes para a avenida Nazaré, em Belém (PA). A caminhada, iniciada às 10h, seguiu pela avenida Presidente Vargas.
Manifestação contra o “Future-se”. (Foto: Viviane Brigida | MST)
Nos demais estados da região, o “Grito dos Excluídos” teve como pauta principal o fim do desmatamento e das queimadas na Amazônia, que atingiram nível recorde no governo Bolsonaro.
Além da CMP, participam dos atos a UNE, UEE, Marcha Mundial das Mulheres, UMM, FLM, CUT, entre outras entidades.
Igapó da Volta Grande: regiões amazônicas permanecem alagadas mesmo na estiagem dos rios / Catarina Barbosa.
Órgão recomendou ao Ibama mudanças que garantam a vazão mínima para manutenção da vida em 100 km do rio Xingu
Catarina Barbosa | Brasil de Fato | Belém (PA) – O Ministério Público Federal (MPF) emitiu na última semana uma recomendação ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) quanto à licença de operação de Belo Monte, no sudoeste Pará. Segundo o MPF, da forma como existe hoje, a licença não garante a manutenção da vida na Volta Grande do Xingu, já impactada com a construção da usina hidrelétrica.
O prazo fixado para um posicionamento do Ibama é de 20 dias, a contar do dia 4 de setembro, e o MPF não descarta judicializar o caso se os ajustes não forem realizados. O Brasil de Fato entrou em contato com o Ibama, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.
“Nós acreditamos que o Ibama, ao analisar as informações que recebeu, tenha condições de tomar uma decisão que beneficie e cumpra o seu papel de órgão ambiental e licenciador”, afirma o procurador da República, Ubiratan Cazzetta.
Ele explica que, desde o início do licenciamento de Belo Monte, tanto na fase de instalação quanto de operação foram propostas algumas condicionantes.
Uma delas foi o cálculo de um “hidrograma de consenso”. Trata-se de uma forma artificial de reproduzir o pulso sazonal de cheias e secas que caracterizam as vazões naturais do Rio Xingu, a partir dos estudos sobre os vários tipos de uso que a água pode ter naquela região.
Cerca de 100 quilômetros do rio serão desviados e o hidrograma deveria ser capaz de garantir a sustentabilidade socioambiental na região. Essa avaliação deveria ser feita por um período de seis anos, a partir da instalação da plena capacidade de geração da usina – prevista para novembro deste ano, quando será instalada a última turbina.
A Volta Grande do Xingu possui uma extensa biodiversidade. No local, comunidades indígenas e tradicionais dependem do rio para sobreviver (Foto: Catarina Barbosa)
“No caso da Volta Grande do Xingu, temos uma área de 100 quilômetros que vai deixar de ter a água fluindo normalmente e que vai ser derivada para um canal artificial. Esse canal artificial vai ser deslocado para geração de energia na usina hidrelétrica de Belo Monte. É preciso se definir quanto de água será usada para manter a vida desse rio e quanto de água será levada para geração de energia”, explica Cazzetta.
O hidrograma de consenso foi definido em um documento construído pelo Ibama, a Norte Energia – construtora de Belo Monte – e a Agência Nacional de Águas (Ana). O procurador afirma, porém, que desde a concessão da licença prévia de Belo Monte, o próprio Ibama diz que a aplicabilidade do hidrograma é incerta.
“Quando se fez a licença prévia em 2011, o Ibama mesmo disse ‘não sei’. Os técnicos afirmaram não saber se os vários cenários do estudo de impacto ambiental para a quantidade mínima de água a ser mantida na Volta Grande do Xingu, no trecho de vazão reduzida, qual seria essa quantidade mínima e como ela reagiria. A premissa é: não se pode matar a Volta Grande do Xingu”, assinala.
A recomendação emitida pelo MPF, se atendida, não inviabilizaria a inauguração das turbinas. A geração de energia seria, apenas, reduzida.
“O que vai acontecer é a redução da quantidade de água que vai ser dirigia para a produção de energia. Então, as turbinas podem ser inauguradas só que a quantidade de energia a ser gerada vai ser afetada pela nova distribuição do uso da água”, explica.
“Com o hidrograma de consenso ainda em estudo, ou seja, seis anos para identificamos qual é a quantidade mínima necessária de água para subsistência do Rio Xingu, qualquer outro empreendimento impactante, especificamente, um do porte da Belo Sun é um risco muito além do suportado – um risco tão severo quanto seria o de se ter uma estação de ouro do porte com que Belo Sun está desenhado com uma bacia de rejeitos extremamente perigosa e que em caso de vazamento cairia exatamente nesse rio que já estaria sob um estresse excessivo”, argumenta Cazzetta.
Os problemas e as fragilidades do hidrograma de consenso foram comunicados à Comissão Interamericana de Direitos Humanos há mais de um ano, em uma articulação entre o Instituto Socioambiental, indígenas, atingidos por barragens e a Associação Interamericana para Defesa do Ambiente (AIDA). O relatório entregue em setembro de 2018 deixa claro que povos indígenas e ribeirinhos, peixes endêmicos e centenas de espécies de plantas podem sofrer impactos irreversíveis por conta da falta de água na Volta Grande do Xingu.
Lançamento da Campanha “Seja Legal com a Amazônia” traçou o perfil do roubo de terras / Daniel Beltra/Greenpeace
Falta de fiscalização e ação do governo só agrava o problema da grilagem na região.
Juca Guimarães | Brasil de Fato | São Paulo (SP) – A Campanha “Seja Legal com a Amazônia”, lançada nesta sexta-feira (6), em São Paulo, tem como objetivo principal cobrar ações do governo federal e da Justiça para inibir a expansão do roubo de terras públicas na região da Amazônia. As áreas de grilagem, após a derrubada da floresta, são usadas principalmente para criação de gado e plantação de soja.
Este tipo de desmatamento, segundo a campanha, é responsável por mais de 40% das áreas de queimadas na região, ou 65 milhões de hectares, duas vezes o tamanho da Alemanhas e 15% da área total da floresta.
“A gente não precisa mais desmatar para crescer, precisa cumprir a lei. O Código Florestal é o elemento central da organização do nosso território produtivo e das nossas paisagens”, disse André Guimarães, da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Entre janeiro e agosto deste ano, foram registrados 9 mil focos de incêndio em terras públicas da Amazônia. Outros 3,1 mil focos aconteceram em áreas já demarcadas como zonas de conservação.
De acordo com a campanha, a grilagem é o principal agente de devastação ambiental na Amazônia. Na área de floresta pública, foram registrados 31% dos alertas de desmatamentos deste ano.
Por outro lado, segundo dados do Ipam, 33% das queimadas foram realizadas em terras privadas, ou seja, fazendas que já contam com o cadastro ambiental rural (CAR).
Confiante em uma absolvição, Lula diz não aceitar piedade e que o estado terá de se responsabilizar pelos erros cometidos em seus processos
Lembra Ricardo Stuckert, eterno retratista do ex-presidente, que eu, Mino Carta, visitei Lula preso em maio de 1980. Estava ele na carceragem do Dops, aos cuidados do delegado Romeu Tuma, que cuidava de trazer à presença do então sindicalista a mulher e os filhos, sem contar que lhe servia frequentemente lulas fritas. Fui visitá-lo em companhia de Raymundo Faoro e, recebidos fidalgamente, tivemos a possibilidade de uma conversa direta com o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo no próprio gabinete de Tuma, do qual o titular se retirou para nos deixar à vontade.
Passaram-se pouco mais de 39 anos e começamos a conversar, agora na Superintendência da PF em Curitiba, a partir dessa lembrança. No fundo, desde então, tudo piorou bastante, com o intervalo de um governo do próprio Lula, de esperanças hoje perdidas. Mas não pelo entrevistado, capaz de crer que, em prazo a ser definido pelo destino, ainda será reconhecido como vítima de um golpe que pretendeu impedir a sua participação nas eleições de 2018 e demonizá-lo, bem como ao seu partido. “A maior canalhice da história deste País”, conforme o injustiçado. A partir deste momento, as perguntas serão, independentemente de quem as fez, de CartaCapital. E o entrevistado receberá o tratamento de senhor, em sinal de respeito.
CartaCapital: Em todas as provas, a essa altura, mostram que você foi atingido como primeiro objetivo do golpe. O golpe começa pela Lava Jato, em 2014, e atingiu o alvo, pra impedir a sua eleição e demonizar você e o seu partido.
Lula: Em dezembro de 2013, logo depois da vitória da Dilma, e eu alertei a direção de que era importante que o PT começasse a dar-se conta do processo de criminalização do partido. O objetivo era tentar, em qualquer hipótese, evitar que houvesse 2018 com uma candidatura do Lula. Nunca consegui compreender por que a Operação Lava Jato, com mais de 200 que já houve, se transformou em uma instituição. Eles esqueceram que era uma operação policial para investigar um determinado tipo de crime e transformaram em uma instituição com o objetivo veementemente político. E está claro o papel preponderante da Secretaria de Justiça dos Estados Unidos. O objetivo final era não me deixar ser candidato, era quebrar as empresas de engenharia no Brasil, quebrar a indústria de gás e óleo, quebrar indústria naval, para que, tal como aconteceu no Iraque, as indústrias americanas e outras indústrias europeias viessem fazer aqui o que as brasileiras faziam. Isso está acontecendo nesse instante.
CC: Nós estamos aí, há quase três meses de revelações do Intercept. Todo dia aparecem novas. Dallagnol poupou uma empresária em troca de uma contribuição para um instituto ligado à Lava Jato. E ele mesmo pretendia ser candidato a senador. Mas até agora ninguém foi punido. A ação contra o Dallagnol foi suspensa no Conselho do Ministério Público. Ainda queríamos que o senhor comentasse o seguinte fato: em todas as pesquisas feitas recentemente, a maioria da população vê erros da Lava Jato, denuncia sua politização, mas acha que está tudo bem o senhor estar preso e o Moro continuar como ministro.
Lula: Nós, seres humanos normais, reagimos de acordo com as informações que nós obtemos. Quando você vai conversar comigo, num jantar à noite, você vai conversar comigo normalmente sobre as coisas que aconteceram durante a semana e não as coisas que vão acontecer no futuro. Então, a sociedade reage de acordo com a quantidade de informações que tem. A política foi demonizada, sempre mais, a começar de 2005 com mais força envolvendo a política e de preferência um partido como o PT.
“O duro é que estou aqui e o povo, que está em suposta liberdade, é vítima da maior canalhice jamais vista neste país. Um bando de incompetentes governa o Brasil”
CC: O Mensalão…
Lula: A partir de 2005, do Mensalão, cuidou-se de demonizar o PT. As pesquisas mostram que a sociedade brasileira está começando a enxergar o que está acontecendo. Até agora, esses canalhas dizem que o desemprego é por conta da Dilma. Eles se esquecem de dizer à opinião pública que, em dezembro de 2014, nós tivemos o menor desemprego da história do País. E que o desemprego começou quando eles começaram a boicotar o governo da Dilma, a partir da indicação do Eduardo Cunha para presidente da Câmara, que tinha como objetivo não permitir que nada que a Dilma fizesse pra melhorar fosse aprovado. Eles se esquecem disso, que eles jogaram o Congresso Nacional pra atrapalhar. Eles se esquecem de que o Aécio Neves é o responsável por parte do ódio que está criado nesse País com a alavancagem da Rede Globo de Televisão. Tudo que é da política não presta, tudo que o PT fez foi errado… E ainda hoje há uma doença na cabeça dessa gente de tentar mostrar que, no período do PT, não aconteceu nada. Pois o período do PT foi o de melhor distribuição de renda, aumento do salário mínimo, geração de emprego. A sociedade vai descobrindo isso. O problema é que a gente, às vezes, tem pressa. Eu, aqui, na minha celinha, fico sempre pensando: a democracia tem um problema, de vez em quando você perde. E quando você perde, quatro anos é muito pouco pra quem ganha, mas muito pra quem perde. Esperar quatro anos pra disputar outra eleição é muito difícil, e pra quem ganha, acaba logo. O PT tem que ter paciência, e ir mostrando para o Brasil que o País pode ser melhor. Nós precisamos trabalhar 24 horas por dia para arejar a cabeça da sociedade, primeiro pra diminuir o ódio, segundo, pra mostrar que o Brasil pode ser governado de forma diferenciada, e mostrar claramente quem é bandido nesse País. Por que eu sou agressivo contra o Moro e sou agressivo contra o Dallagnol? Eles construíram uma mentira, inventaram várias histórias. Eles sabiam que estavam errados. Moro é mentiroso, Dallagnol é mentiroso e que essa gente deveria ser exonerada a bem do serviço público.
Confiante em uma absolvição, Lula diz não aceitar piedade e que o estado terá de se responsabilizar pelos erros cometidos em seus processos
Lembra Ricardo Stuckert, eterno retratista do ex-presidente, que eu, Mino Carta, visitei Lula preso em maio de 1980. Estava ele na carceragem do Dops, aos cuidados do delegado Romeu Tuma, que cuidava de trazer à presença do então sindicalista a mulher e os filhos, sem contar que lhe servia frequentemente lulas fritas. Fui visitá-lo em companhia de Raymundo Faoro e, recebidos fidalgamente, tivemos a possibilidade de uma conversa direta com o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo no próprio gabinete de Tuma, do qual o titular se retirou para nos deixar à vontade.
Passaram-se pouco mais de 39 anos e começamos a conversar, agora na Superintendência da PF em Curitiba, a partir dessa lembrança. No fundo, desde então, tudo piorou bastante, com o intervalo de um governo do próprio Lula, de esperanças hoje perdidas. Mas não pelo entrevistado, capaz de crer que, em prazo a ser definido pelo destino, ainda será reconhecido como vítima de um golpe que pretendeu impedir a sua participação nas eleições de 2018 e demonizá-lo, bem como ao seu partido. “A maior canalhice da história deste País”, conforme o injustiçado. A partir deste momento, as perguntas serão, independentemente de quem as fez, de CartaCapital. E o entrevistado receberá o tratamento de senhor, em sinal de respeito.
CartaCapital: Em todas as provas, a essa altura, mostram que você foi atingido como primeiro objetivo do golpe. O golpe começa pela Lava Jato, em 2014, e atingiu o alvo, pra impedir a sua eleição e demonizar você e o seu partido.
Lula: Em dezembro de 2013, logo depois da vitória da Dilma, e eu alertei a direção de que era importante que o PT começasse a dar-se conta do processo de criminalização do partido. O objetivo era tentar, em qualquer hipótese, evitar que houvesse 2018 com uma candidatura do Lula. Nunca consegui compreender por que a Operação Lava Jato, com mais de 200 que já houve, se transformou em uma instituição. Eles esqueceram que era uma operação policial para investigar um determinado tipo de crime e transformaram em uma instituição com o objetivo veementemente político. E está claro o papel preponderante da Secretaria de Justiça dos Estados Unidos. O objetivo final era não me deixar ser candidato, era quebrar as empresas de engenharia no Brasil, quebrar a indústria de gás e óleo, quebrar indústria naval, para que, tal como aconteceu no Iraque, as indústrias americanas e outras indústrias europeias viessem fazer aqui o que as brasileiras faziam. Isso está acontecendo nesse instante.
CC: Nós estamos aí, há quase três meses de revelações do Intercept. Todo dia aparecem novas. Dallagnol poupou uma empresária em troca de uma contribuição para um instituto ligado à Lava Jato. E ele mesmo pretendia ser candidato a senador. Mas até agora ninguém foi punido. A ação contra o Dallagnol foi suspensa no Conselho do Ministério Público. Ainda queríamos que o senhor comentasse o seguinte fato: em todas as pesquisas feitas recentemente, a maioria da população vê erros da Lava Jato, denuncia sua politização, mas acha que está tudo bem o senhor estar preso e o Moro continuar como ministro.
Lula: Nós, seres humanos normais, reagimos de acordo com as informações que nós obtemos. Quando você vai conversar comigo, num jantar à noite, você vai conversar comigo normalmente sobre as coisas que aconteceram durante a semana e não as coisas que vão acontecer no futuro. Então, a sociedade reage de acordo com a quantidade de informações que tem. A política foi demonizada, sempre mais, a começar de 2005 com mais força envolvendo a política e de preferência um partido como o PT.
“O duro é que estou aqui e o povo, que está em suposta liberdade, é vítima da maior canalhice jamais vista neste país. Um bando de incompetentes governa o Brasil”
CC: O Mensalão…
Lula: A partir de 2005, do Mensalão, cuidou-se de demonizar o PT. As pesquisas mostram que a sociedade brasileira está começando a enxergar o que está acontecendo. Até agora, esses canalhas dizem que o desemprego é por conta da Dilma. Eles se esquecem de dizer à opinião pública que, em dezembro de 2014, nós tivemos o menor desemprego da história do País. E que o desemprego começou quando eles começaram a boicotar o governo da Dilma, a partir da indicação do Eduardo Cunha para presidente da Câmara, que tinha como objetivo não permitir que nada que a Dilma fizesse pra melhorar fosse aprovado. Eles se esquecem disso, que eles jogaram o Congresso Nacional pra atrapalhar. Eles se esquecem de que o Aécio Neves é o responsável por parte do ódio que está criado nesse País com a alavancagem da Rede Globo de Televisão. Tudo que é da política não presta, tudo que o PT fez foi errado… E ainda hoje há uma doença na cabeça dessa gente de tentar mostrar que, no período do PT, não aconteceu nada. Pois o período do PT foi o de melhor distribuição de renda, aumento do salário mínimo, geração de emprego. A sociedade vai descobrindo isso. O problema é que a gente, às vezes, tem pressa. Eu, aqui, na minha celinha, fico sempre pensando: a democracia tem um problema, de vez em quando você perde. E quando você perde, quatro anos é muito pouco pra quem ganha, mas muito pra quem perde. Esperar quatro anos pra disputar outra eleição é muito difícil, e pra quem ganha, acaba logo. O PT tem que ter paciência, e ir mostrando para o Brasil que o País pode ser melhor. Nós precisamos trabalhar 24 horas por dia para arejar a cabeça da sociedade, primeiro pra diminuir o ódio, segundo, pra mostrar que o Brasil pode ser governado de forma diferenciada, e mostrar claramente quem é bandido nesse País. Por que eu sou agressivo contra o Moro e sou agressivo contra o Dallagnol? Eles construíram uma mentira, inventaram várias histórias. Eles sabiam que estavam errados. Moro é mentiroso, Dallagnol é mentiroso e que essa gente deveria ser exonerada a bem do serviço público.
CC: As instâncias que poderiam cuidar disso, principalmente o STF, nada fizeram. Agora, o senhor ainda tem esperança de que o Supremo irá avaliar o caso do senhor com a isenção necessária?
Lula: O dia em que eu perder a esperança, eu pego uma caneta dessa e me dou um tiro de tinta na cabeça. Eu me alimento de esperança, e também da certeza absoluta de que a sociedade brasileira ainda vai ouvir: eu fui vítima da maior canalhice política já cometida no País. Agora tudo isso, Lirio, na minha cabeça, é secundário se o sacrifício que eu estivesse fazendo hoje pudesse resolver o problema do povo brasileiro. Se eu estivesse aqui e o povo estivesse com pleno emprego, tendo aumento de ganhos salariais, estivesse comendo melhor, passeando melhor, morando melhor, estudando melhor… Era um sofrimento pessoal, mas o povo estava bem. Duro é que eu estou aqui e o povo que está em suposta liberdade é prisioneiro de uma canalhice jamais vista nesse País. Com um bando de incompetentes que não conhecem o Brasil, que não sabem o que é governar, porque até agora – oito meses de governo as únicas palavras que eles decoraram no dicionário são “corte” e “ajuste”. E Bolsonaro foi criado assim, ele acredita em toda asneira que fala, em toda bobagem, fala “não, ele está falando bobagem”, nada! Ele acredita naquilo e acha que aquilo é um charme.
FOTO: RICARDO STUCKERT
CC: Por que o Haddad, na véspera da eleição, se pôs a fazer o elogio do Moro?
Lula: Eu não sei qual foi o contexto e qual foi a pergunta feita pro Haddad. Eu tenho consciência de que tem vários interesses em jogo no momento nesse País. Tem os interesses militares, interesses político empresariais, financeiros, e os interesses políticos. Acho que o interesse maior do chamado setor financeiro e setor empresarial é permitir que o Bolsonaro consiga desmontar os direitos que levamos décadas para conquistar.
CC: Mas por que o Haddad estava elogiando o Moro?
Lula: Repito, eu não sei qual é o contexto em que o Haddad falou. A verdade é que outro dia eu dei uma entrevista para uma moça aqui da BBC brasileira e ela perguntou da Lava Jato. E eu disse que a Lava Jato, enquanto operação, é igual a qualquer outra. Na hora em que virou uma instituição política, ela deixou de ser uma operação de apuração de corrupção pra ser uma operação política com objetivo definido. E aí eu falo pelo meu processo, eu não posso falar pelo processo que eu não conheço. Se tem um canalha que chegou aqui e resolveu se vender e fazer delação e diz que roubou, ele que seja preso pro resto da vida! Agora, o que eu quero saber é o seguinte: todas as pessoas têm direito a um julgamento decente. Toda pessoa tem direito a mostrar provas de crime ou de inocência, então eu pego o meu caso. No meu caso, a Lava Jato mentiu do começo ao fim e ela foi deformada, porque eu acho que muito dinheiro que os empresários falam que foi propina, na verdade era evasão fiscal. Isso, Mino, vai ter que ser apurado.
CC: Vamos lembrar que recentemente o presidente do Supremo, Dias Toffoli, deu uma entrevista à Veja e admitiu que houve um acordo entre militares e empresários com a participação dele e políticos com dois objetivos: impedir que o Bolsonaro fosse derrubado já com quatro meses de governo, e que o senhor fosse mantido preso. Como o senhor avalia uma declaração dessas, ou pelo menos a admissão de que “ele não desmentiu o conteúdo”?
Lula: Faz mais de 30 anos que não leio a Veja. Não acredito em nada que a Veja fala. Nada! Nem se ela falar que o “Lulinha” é santo eu acredito. Vamos analisar a pressão para que eu não fosse candidato. Essa gente não quer que o povo pobre tenha ascensão. Essa gente não quer que os mais pobres frequentem o Parque do Ibirapuera lá em São Paulo. Essa gente não gosta que o povo mais pobre viaje de avião, que tenha acesso a um teatro, à universidade, a um restaurante.
O Brasil está jogando fora a sua soberania, está batendo continência para a bandeira dos EUA. Esse é o mal maior
CC: A casa-grande precisa da senzala.
Lula: Acho que isso fez com que essa gente fosse alimentada desse ódio, só pode ser. Quando deixei a Presidência da República, eu brincava “vou sair com mais de 100% de aprovação”. Porque a última pesquisa do Censo mostrava que eu tinha 87% de bom e ótimo, 10% de regular, se somasse já dava 97%, e 3% de ruim e péssimo, que deve ter sido feito na minha casa, porque os filhos e a Marisa deviam estar de mal comigo. Ou feito lá no comitê do PSDB. Eu lembro que, quando eu deixei a Presidência, em São Paulo eu tinha 88% de bom e ótimo. Esse ódio foi alimentado desde que eu saí da Presidência. Eles sempre tentaram criar uma intriga entre a Dilma e eu, sempre. Não criou porque a Dilma tem uma cabeça boa e não se permitiu criar. Depois, eles começaram a negar a existência do sucesso do nosso governo. Não sei se vocês viram o Jornal Nacional, eu não vi, mas me contaram. Eles falaram do ProUni, das cotas… sem citar o meu nome. Obras de pai desconhecido!
CC: Claramente a deterioração da imagem do apoio ao Bolsonaro é a mais impressionante de qualquer presidente, desde o fim da ditadura. Ele está caindo em todas as áreas, em todos os campos, mas tem uma faixa entre 2 e 5 salários mínimos que ele ainda consegue o maior percentual de apoio. E é uma faixa que justamente teve uma melhora significativa de vida sobre os governos do PT. O que o senhor acha que aconteceu?
Lula: Ele cresce mais entre os mais ricos, é onde ele tem a maior força, no setor médio.
CC: Mas ele perdeu apoio nesse segmento.
Lula: Qualquer coisa que você perguntar vai ter entre 8 e 9%. Eu quando fui reeleito presidente do Sindicato em 98, tive 92% dos votos. Os meus adversários exploravam o fato de que 8% que votaram contra mim. Numa sociedade de 210 milhões de habitantes, você ter 10% que gosta de um fanático sempre vai acontecer. A maioria da sociedade começa a se dar conta do desastre que aconteceu em 2018. Quando Bolsonaro não tem um nome, ele chama um general como se ser general fosse símbolo de competência. O general não é formado pra dirigir a Fazenda ou a Educação. O general é formado pra dirigir as Forças Armadas em proteção à nossa soberania. E a nossa soberania tá sendo jogada fora. O Brasil está batendo continência para a bandeira americana. Esse é o mal maior. Não sei se você lembra, quando há uma guerra no Iraque, ou seja, as empresas que foram reconstruir Iraque eram empresas americanas, e só ia lá quem tinha participado da guerra do lado dos americanos. Pois bem, quem é que está entrando agora para ocupar o lugar das empresas que foram destruídas neste país? Empresas americanas.
FOTO: RICARDO STUCKERT
CC: O golpe foi dado pelos Poderes da República.
Lula: Eu às vezes fico me perguntando por que nós do PT, em vez de fazer uma ação privilegiada na Câmara e no Senado em relação ao impeachment, não fomos primeiro ao STF. Como eu não sou advogado, não tenho certeza. Eu acho que nós fizemos uma aposta imaginando que tinha maioria no Congresso e nunca tivemos. Quem sabe se a gente tivesse ido à Suprema Corte, o debate fosse em outro nível… e a gente não ficaria se esgarçando como ficamos. Depois que a gente começou, só perdemos votos. Não ganhamos nenhum. Outra coisa, Mino, foi construída neste País a partir de junho de 2013, no começo das grandes manifestações e com a campanha do Aécio Neves, a radicalização. Outro dia eu estava dizendo aqui em uma entrevista que era preciso fazer uma comparação. Em 1999, o Fernando Henrique estava na mesma situação da Dilma em 2015. Ele estava com 8% nas pesquisas da opinião pública, a economia já tinha quebrado duas vezes. Mas o que salvou o Fernando Henrique Cardoso foi que o Temer entrou na presidência da Câmara facilitou a aprovação de todas as reformas que o FHC tentou fazer. O que aconteceu com a Dilma foi o contrário. Ela tinha o Eduardo Cunha, que trabalhou o tempo inteiro com a aprovação de pauta-bomba para dificultar a ação do governo. Então, tudo que a Dilma tentou fazer para reverter a situação, ela não conseguiu. Terminamos 2014 com 4,3% de desemprego.
CC: Mas o senhor acha que o que aconteceu com a Dilma foi só a sabotagem ou foram opções erradas? O ajuste que a Dilma propôs a fazer a partir de 2015 não é um ajuste errado?
Lula: O ajuste da Dilma começou a criar um problema na nossa base. Tudo isso já faz cinco anos, meu caro. O que não pode é essa canalhice ficar… “o Brasil queimou por conta da Dilma”, “o Brasil não sei o que lá por conta da Dilma”, não. Eu, quando ganhei as eleições do FHC, descobri a herança maldita e não fiquei xingando o FHC, fui consertar o Brasil. Quem é eleito é eleito para governar, não é eleito para diagnosticar. O bom médico não é aquele que descobre a doença, o bom médico é aquele que dá o remédio que cura.
CC: O senhor acha que o Bolsonaro completa o mandato? O PT ingressou com um processo de cassação no TSE. Seria um caminho?
Lula: Eu não fico torcendo para a desgraça ser maior do que já é. O meu problema não é o Bolsonaro, o meu problema é o projeto que ele representa. O Bolsonaro cai, com todas as sandices que ele fala, e entra o Mourão. Vai mudar o projeto? Eu estou vendo o Rodrigo Maia tentar se apresentar como primeiro-ministro, mas tudo o que a elite brasileira quer ele aprova na Câmara. O projeto está equivocado, não pensa o Brasil para os brasileiros. Não pensa em 210 milhões de seres humanos. Pensa o sistema financeiro… A Petrobras vai contratar sondas de exploração de petróleo. Vamos gastar 30 bilhões de reais para importar 12 ou 13 sondas, quando a gente poderia fazer aqui no Brasil, gerando emprego, salário, renda, impostos e alegria e orgulho para os brasileiros. Se quem governa é o Bolsonaro, é o Mourão, não importa. Nós não questionamos a vitória logo depois das eleições, deveríamos ter questionado, mas não o fizemos. O cara agora tem um mandato para cumprir. Em nenhum momento ele disse que ia ser eleito para destruir o Brasil. Ele deveria começar a mudar de comportamento e pedir para a sua Polícia Federal, para o seu Ministério Público entregar o Queiroz. Por que o Queiroz está escondido?
FOTO: RICARDO STUCKERT
CC: Ele mora no Morumbi.
Lula: Se é o Lula, estaria lá o endereço do filho, do neto, do bisneto. O Queiroz foi se esconder aonde? Na Favela da Maré? Em Heliópolis? Não, ele foi se esconder no Morumbi, no antro que protege ele. Então, o meu problema não é pessoal. Eu não tenho problema com o Bolsonaro. Aliás, nem sei se algum dia ele fez algum discurso contra mim na Câmara quando era deputado. Se ele for honesto, ele terá de admitir que fui o presidente que melhor cuidou das Forças Armadas. E não cuidei por medo. Fiz, pois me pergunto: “Para que é que serve as Forças Armadas se não tem uniforme? Se não tem coturno? Se não tem arma? Se não tem preparo? Se não tem inteligência?” Era para defender quase 16 mil quilômetros de fronteira seca, quase 8 mil quilômetros de fronteira marítima, mais o pré-sal, que está na divisa, no limite da divisa marítima do Brasil. Os americanos têm a Quarta Frota e os militares brasileiros, de forma subserviente, aceitam indicar um general para integrá-la. A que ponto chegamos…
CC: O senhor citou a Polícia Federal e o Ministério Público. Hoje, em uma entrevista, o Bolsonaro deixa claro que o atual diretor da Polícia Federal vai ser trocado. E promete nomear um procurador-geral da República “alinhado”. O FHC fez a mesma coisa. Tinha um diretor da PF “alinhado”. Tinha um procurador-geral “alinhado”. Os governos do PT fizeram diferente. Respeitava-se a lista tríplice, deu estrutura e independência. O senhor se arrepende desse republicanismo?
Lula: A gente não pode ser criticado pelas coisas boas. Sou republicano porque eu acho que o Estado não é meu. Ser presidente não é uma profissão, é cumprir uma tarefa. Fui eleito com data para tomar posse e com data para sair. E eu tinha que governar pensando no povo brasileiro e não em mim. Eu falava para o presidente Chávez: “No Brasil, a gente não pode fazer o que você faz”, porque o Brasil não é meu. Não posso indicar para a Suprema Corte um amigo meu. Não posso indicar um procurador amigo. A minha formação política não permitia que eu agisse assim. Tenho falado aqui na sede da Polícia Federal, onde estou detido: “… a Polícia Federal vai se arrepender da bobagem que fez trabalhando para o Collor… Desculpa, Collor… Para o Bolsonaro. O Ministério Público também vai se arrepender”. Quanto mais republicano for o presidente da República, mais autonomia essas instituições vão ter para exercer a sua função. E, quanto mais autonomia tiverem, mais precisam ser responsáveis. Eu não quero um delegado meu amigo. Eu não quero um procurador meu amigo. Eu quero um procurador que seja procurador, que tenha respeito pelo povo, que tenha a capacidade de investigar e de acusar com seriedade, que cumpra o papel constitucional a ele determinado na Constituição. Não é uma República de amigos. Se um dia você, Lirio, ganhar um cargo público, nunca indique para trabalhar com você alguém que não possa mandar embora.
CC: O Bolsonaro pode demitir o Moro?
Lula: O Moro não serve para ser ministro da Justiça. Ele fez um curso de Direito, passou em um concurso, pegou uma toga e só. Esse cara não tem experiência de vida para exercer um cargo político.
“Não torço para a desgraça ser maior do que é. Meu problema não é o Bolsonaro, mas o projeto que ele representa. Se ele cai, entra o Mourão. E daí?”
CC: Mas o senhor acha que o Bolsonaro tem condições políticas, dados os arranjos feitos, para demitir o Moro?
Lula: Eu não sei. Não vou julgar, pois mandar ministro embora é uma questão unicamente do presidente da República. Não vou dar palpite no governo do Bolsonaro.
CC: Gleisi Hoffmann disse que a eleição de 2022 será uma disputa entre Bolsonaro e o PT. O senhor concorda?
Lula: Há um incômodo no meio político. Virou moda agora falar “precisamos acabar com essa polarização entre o PT e não sei quem”. Entre o PT e o Bolsonaro. É engraçado. Quando eram os tucanos que polarizavam conosco, eles não queriam acabar com a polarização. O PT é o maior partido do País. O PT vai ter uma disputa interna agora em 4 mil municípios. São 4 mil diretórios que vão votar na eleição direta para presidente do partido. São quase 2,5 milhões de filiados. O PT não é um amontoado de interesses eleitorais como o PSL. Se o Bolsonaro perder as eleições, o PSL acaba, desmancha que nem farinha. Que nem o PRN do Collor. O Brasil só tem um partido na concepção da palavra, organizado, com decisões nacionais, o PT. Há alguns outros partidos, como o PCdoB, histórico, desde 1922 tem uma briga entre o PCdoB e o PPS para saber quem é mais velho. O restante não passa de siglas eleitorais. Os caras trocam de partido como se trocassem de cueca. Tenho muito orgulho daquilo que o PT fez. E, se o PT errou, pague pelo erro.
CC: Mas o PT não chegou exatamente a criar uma consciência da cidadania em muita gente. Não conseguiu.
Lula: Mino, discuto muito isso com os companheiros. Eu não fui eleito para criar consciência ideológica, mas para governar o Brasil. O PT é que deveria ter tirado proveito das coisas boas que fizemos e conscientizar. Comecei a minha vida política como admirador do PCI. Achava o Partido Comunista Italiano a coisa mais perfeita em termos de organização política. Tive o prazer de sentar à mesa ao lado do Enrico Berlinguer. Eu conheci bem o Partido Comunista Italiano e era muito fã. Depois percebi que ele não passava de 30%, 33%, nas eleições.
“O ZÉ ALENCAR COMO VICE FOI OBRA-PRIMA”
CC: Chegou a 36%.
Lula: Eu cheguei à conclusão de que o PCI não queria ganhar as eleições.
CC: Mas havia um projeto de aliança…
Lula: Aconteceu o mesmo com o PT. Quando fui disputar a quarta eleição, tinha a consciência de que não podia ser candidato para ter 30%. Precisava de 50% mais 1. Daí por que eu descobri a minha obra-prima chamada José Alencar. Eu não queria ir a uma festa comemorativa dele. Fui por que o Zé Dirceu me encheu o saco. Aí eu ouvi o discurso do Zé Alencar. Mino, ele falava e eu pensava: “Descobri o meu vice”. Ninguém na história teve um vice da competência do Zé Alencar. Empresário de primeira, ser humano de primeira, alma de primeira. E era de uma honestidade, de uma solidariedade… Mesmo assim, não foi perdoado pela elite. A coisa que mais me deu ódio foi, na campanha da Dilma, ele no estágio final, não aguentava nem ficar em pé por causa do câncer, ver os vizinhos dele, naquele bairro chique em que ele morava, fazer assim (gesto com o polegar para baixo). Sinceramente, tem uma parte da elite que não vale o que come.
CC: Outros tempos.
Lula: Vamos ser francos, a sua geração é um pouquinho mais velha que a minha. Mas a gente é do tempo do Antonio Ermírio de Moraes, do Bardella. Gente que pensava neste País, na indústria. Quem tem hoje? Cite um empresário. Não tem. O Brasil fez uma opção, ainda nos tempo do Collor, de desmontar a indústria. Quando eu cheguei na Presidência, a gente resolveu fazer ferrovia, mas o Brasil não produzia mais trilho. Importava da Polônia, da Itália. Não fazia mais dormente, não tinha mais engenheiro naval, não tinha mais engenheiro ferroviário. Tudo isso nós recriamos. Um país soberano é aquele que toma conta do seu nariz. Não por bravata. A forma de ser importante no mundo é ter conhecimento. Hoje não se é importante por exportar máquinas, por exportar soja, mas por exportar engenharia e conhecimento. Para se transformar em uma nação soberana, o Brasil precisa fazer o contrário do que faz o governo Bolsonaro: acreditar que educação é investimento. Que bolsa para formar gente no exterior não é gasto, é investimento. Que colocar pobre na universidade é investimento. Que fazer os cidadãos comerem três vezes ao dia é investimento. Esses canalhas repetem “aquilo é culpa do PT, o desemprego é culpa do PT”. Devem lavar a boca antes de falar do PT. O Brasil ainda não quebrou por causa dos governos do PT. Se não fosse a nossa decisão de fazer uma reserva cambial de 380 bilhões de dólares, o governo estaria mendigando ao Fundo Monetário Internacional, ao Banco Mundial. O Brasil chegou a ser a sexta economia do mundo e hoje é governado por um presidente orientado por um sujeito que acredita que a Terra é plana. Eu, sinceramente, custo a crer que nos demos esse presente. Ou seja, que o Brasil deu a si próprio um presente tão destruidor. Como se tivesse passado um furacão na Flórida e o Brasil falasse “não, vem para cá”, e trouxe o furacão para cá.
“HADDAD TEM UMA VANTAGEM SOBRE OS OUTROS: ESTAR NO MAIOR PARTIDO DO BRASIL”
CC: Esse furacão tem um objetivo. O Paulo Guedes tem manifestado, sempre que pode, a intenção de privatizar a Petrobras. O senhor acha que eles vão conseguir?
Lula: De vez em quando fico nervoso, sabe? O povo brasileiro não sabe ainda os efeitos da Lava Jato na economia brasileira. Tem muitos números sofisticados. Ela precisa destrinchar isso em uma linguagem popular. Nós precisamos dizer para o povo quantos milhões perderam emprego. São quase 50 milhões de brasileiros trabalhando na informalidade, fazendo bico…
CC: Mas isso é uma falha do PT.
Lula: Talvez seja do PT, talvez seja de todo mundo. Temos de informar a sociedade, pois eles recorrem a um discurso fácil. “Ah, na hora que faltou oxigênio, é culpa do PT. Ah, não deu certo, é culpa do PT”. O PT, gostem ou não, produziu a mais extraordinária distribuição de renda no País. Nunca, vou dizer de boca cheia, nunca, em nenhum momento da história, o Brasil viveu um experimento tão extraordinário de ascensão social.
CC: Por que o campo progressista, os partidos ditos de esquerda, não conseguiu capitalizar o descontentamento da sociedade com Bolsonaro?
Lula: Leva um tempo. Tudo é um processo. A vitória de Bolsonaro precisa ser relativizada. Ele teve o apoio de 39% do conjunto da sociedade, 55% dos votos válidos. Ou seja, 61% do povo disseram não ao Bolsonaro. Não é pouca coisa. O que precisamos ter consciência é de que a única coisa que não vale agora é ficar nervoso e dormir todo dia falando “Bolsonaro tem que cair”. Precisamos alertar a sociedade sobre o processo de destruição em andamento e tentar começar a fazer o povo se manifestar para não permitir essa destruição.
“O PCI DE BERLINGUER ERA A “MAIS PERFEITA ORGANIZAÇÃO POLÍTICA”
CC: Quem vai alertar?
Lula: Temos liderança em todos os movimentos. Nós temos gente boa. Foi lançada uma carta ao povo em defesa da soberania. Precisamos dizer para a sociedade que não dá para aceitar um ministro da Educação grosseiro como este. Não dá para aceitar um ministro do Exterior deste naipe. O povo tem de ir para a rua exigir respeito. Não sou contra o Bolsonaro indicar o filho dele. A culpa é do Senado, que vai assumir a responsabilidade. Se o filho fosse um gênio, ao menos um Celso Amorim, tudo bem. Mas indicá-lo porque aprendeu a fritar hambúrguer? Não é possível, precisamos de alguém com um pouco mais de finesse intelectual, de conhecimento de política externa, economia e comércio. A embaixada nos Estados Unidos é a mais importante. Quanto mais independente for o embaixador, melhor. Colocar um serviçal é um erro.
CC: O Haddad desempenha a contento o papel de principal opositor? O senhor está satisfeito com o que ele tem feito?
Lula: O Haddad foi uma surpresa extraordinária para o PT. É um quadro altamente qualificado, como outras lideranças na oposição. O PT tem o Rui Costa, governador na Bahia, estado mais importante do Nordeste, e o Camilo Santana no Ceará. Tem o Flávio Dino, o Ciro Gomes, o companheiro Guilherme Boulos, outros governadores, um monte de gente boa. Qual é a vantagem do Haddad? Ele está no partido mais importante, o que tem mais voto, mais experiência.
CC: Por que o senhor é contra ele assumir a presidência do PT?
Lula: O Haddad saiu fortalecido da eleição presidencial, ele deveria ser alguém com a capacidade de conversar com amplos setores da sociedade, não apenas com o PT. Se ele vira presidente do PT, ficará marcado com a estrela do partido e será mais difícil fazer contato com outras forças políticas. Então, ele tem que ter mais essa facilidade. É isso que eu penso do Haddad. O papel dele é viajar o Brasil, debater com o Brasil, ajudar na formação política, fazer debate no exterior.
“Não sou pombo-correio. Se quiserem colocar uma corrente, coloquem no pescoço do Moro, não na minha canela. Só saio daqui com a minha inocência total”
CC: E elogiar o Moro também, né?
Lula: Sou do tempo em que muita gente elogiava o Moro. Quem criticava eram somente a vítima e os advogados.
CC: CartaCapital também.
Lula: Toda vez que o meu advogado enfrentou o Moro, veio conversar comigo. E a minha decisão foi a seguinte: não tem trégua. Estou aqui há um ano e meio, e isso vai ter um preço quando eu sair daqui. O Estado vai ter de se responsabilizar. Não adianta vir com favor, não estou precisando. Não adianta falar: “Ah, coitado do Lula, ele já tá com 74 anos, deixa ele ir para casa fazer prisão domiciliar”.
CC: O senhor não vai mesmo aceitar?
Lula: Falam “vamos colocar uma tornozeleira nele”. Não sou pombo-correio. Se quiserem colocar uma corrente, coloquem no pescoço do Moro, não na minha canela. Só saio daqui com a minha inocência total. Ou esses canalhas provam que errei ou vou provar que eles são uns canalhas e vão ficar desmoralizados. Fui criado por uma mulher que nasceu e morreu analfabeta, passou fome juntamente com os filhos, mas me deu dignidade e disso eu não abro mão. Dignidade e caráter, Mino, a gente não encontra nos shoppings, aeroportos e supermercados. Dignidade a gente encontra na nossa formação de berço.
O OBJETIVO É DILAPIDAR AS NOSSAS RIQUEZAS, DIZ LULA
CC: Se o senhor for inocentado, será candidato em 2022?
Lula: Como é que posso falar? Eu estou com 74 anos. Estou novo. O Mino sabe que eu sou um cara de muita energia. Estou até pensando em casar (risos). Obviamente vai ter gente muito mais nova, com muito mais disposição.
CC: Mais disposição do que você?
Lula: Não sei. Antes eu preciso sair daqui, saber como é que estou, como estão as forças políticas. Obviamente tem um monte de gente de 40, 50, 60 anos que pode ser candidato e eu me contentaria em ser cabo eleitoral, não tem problema. Agora, se não tiver ninguém capaz de derrotar essa podridrão da elite brasileira, pode ficar certo que o Lula estará no jogo.
CC: E será diferente? O senhor sempre foi um conciliador por natureza, até pela história sindical. Acredita ainda em uma conciliação?
Lula: Conciliação haveria se eu tivesse feito uma guerra, matado metade dos adversários e, depois de ganhar, fosse negociar. Mas eu ganhei uma eleição nas circustâncias que aconteceram. De 513 deputados eu tinha 91. De 81 senadores eu tinha 10. Não tem conciliação, você tem de negociar para governar. É assim no mundo inteiro.
“TRUMP USOU OS MESMOS MÉTODOS DE BOLSONARO PARA VENCER”
CC: Calma, veja, até a mídia vendeu essa ideia do “Lula é paz e amor”…
Lula: Não, fui eu que vendi essa ideia. O “paz e amor” é uma frase minha, se alguém utilizar indevidamente é plágio. O lado adversário me pintava como demônio. Em 1989, a Igreja Universal fez um jornalzinho com a seguinte manchete: “Lula: o demo”. Se o PT ganhar, se eu ganhar, se a esquerda ganhar, quem ganhar terá de conversar com outras forças políticas. A não ser que faça a maioria na Câmara, no Senado, mude completamente os 11 integrantes da Suprema Corte. Há uma dinastia. Tem uma coisa que a CartaCapital poderia pesquisar: a árvore genealógica dos representantes do Judiciário. Estão aí desde a Independência.
“Se eu fosse chefe da Casa Civil, o Brasil teria dois presidentes”
CC: Mas os governos do senhor e da presidenta Dilma Rousseff tiveram a chance de nomear 13 ministros no Supremo.
Lula: Não tivemos chance… Não é assim que se escolhe. Não se pode fazer indicação de compadrio. Qual foi o critério? Não sou advogado, não conheço os nomes. Consultava gente importante, via o currículo e o histórico. Nunca sentei com alguém para falar: “Olha, você será escolhido, mas terá que votar em mim”. Não tem gente que casa e um mês depois está separado? Não tem time que contrata um jogador por uma fortuna e um mês depois o cara tá fora porque não prestou? Indicamos profissionais da área. Agora, quando o cara bota a toga, ele pode se achar Deus, sabe? Pode pensar “quem é um presidente perto de mim, um governador? Eu sou o fulano de tal”. Tenho o orgulho de nunca ter pedido um favor. Eles não foram indicados para me favorecer, mas para cumprir exatamente o que está escrito na nossa Constituição.
CC: Mas não cumprem.
Lula: Não é culpa minha. O ideal seria que o presidente que indica pudesse destituir em função de um critério. O cara é indicado, tem uma lista de compromissos, se faltar em algum, sai imediatamente.
“O Bolsonaro não vai sobreviver politicamente. Não estou dizendo que ele vai cair hoje ou amanhã, mas não vai sobreviver a uma nova eleição”
CC: O senhor acha que o Trump vai ser reeleito? Qual seria a consequência para para o Brasil e para o Bolsonaro?
Lula: Primeiro vamos ter clareza, o Trump ganhou por ter utilizado a mesma metodologia usada aqui no Brasil em 2018. Ele é resultado do ódio, da discórdia e da mentira. E a Hillary Clinton não era a melhor candidata. Os EUA mereciam algo melhor, como nós. Qualquer um tem a possibilidade de se reeleger se a economia estiver bem. Ou, no caso dos Estados Unidos, se inventar uma guerra, um inimigo externo. O Bolsonaro tenta crescer sobre o Emmanuel Macron para tentar mostrar que é nacionalista. Ele não é nacionalista, é entreguista. Um presidente da República que vai passar para a história por bater continência para a bandeira americana e lambendo as botas do Trump. Não é nacionalista. E os militares que participam desse governo também não são nacionalistas.
CC: O Bolsonaro convocou os brasileiros a saírem de verde no 7 de Setembro para mostrar patriotismo e apoio ao governo. O que o senhor acha?
Lula: Como eu era republicano, eu convidava o povo para ir à rua com a roupa que quisesse. Habitualmente, se você pegar todas as fotografias históricas do 7 de Setembro, tem muita gente de verde e amarelo, com a camisa da Seleção. O povo usa a camisa brasileira com orgulho, não por causa dele. Eles tentaram usurpar o verde-amarelo. A Argentina é uma lição a ser seguida pelos brasileiros. O Macri foi vendido como uma mentira maior do que o Bolsonaro aqui. Aliás, o Bolsonaro se mirava no Macri como espelho do bom governante. Não deu certo. Na minha opinião, o Bolsonaro não vai sobreviver. Não estou dizendo que ele vai cair hoje ou amanhã, mas não vai sobreviver politicamente a uma nova eleição. E acho que os setores progressistas vão retomar vários países, pois seus governos deram certo. Qual é o melhor país da América Latina hoje? A Bolívia.
“DEVERÍAMOS IMITAR A ARGENTINA”
CC: O que o senhor achou da decisão da Cristina Kirchner de, diante da perseguição que vive lá, ter aceitado o posto de vice?
Lula: A Cristina avaliou várias coisas. Acho uma decisão acertada. Muito bem acertada. Espero que dê certo.
“Não fizemos política corretamente. A Dilma, o PT, eu, todos erramos e colhemos o que plantamos. A direita ensadecida agora quer destruir as conquistas sociais”
CC: O senhor se dá conta de que, se tivesse dito para a Dilma quando foi reeleita: “Eu vou ser o seu chefe da Casa Civil”, no lugar de fazer isso quando já era tarde, as coisas seriam diferentes?
Lula: No Palácio do Planalto, em nenhum palácio do mundo, cabem dois presidentes. É preciso saber as circunstâncias que, naquela época, depois da 1 hora da manhã, eu ter dito “sim”. Não achava conveniente politicamente, pois entraria como o salvador da pátria. Mas não vamos discutir isso agora, é desagradável. Se eu tivesse que citar um erro, é o de não ter assumido que eu era candidato em 2014 e não assumi porque gosto da Dilma, respeito ela e democraticamente ela tinha o direito de ser candidata. Depois, querer governar no lugar, não dá, na minha cabeça não dá. Não fizemos política corretamente. A Dilma, o PT, eu, todos erramos e colhemos o que plantamos. A direita ensandecida agora pretende destruir o pouco que tínhamos conquistado na área social.
Associação critica alinhamento ideológico de Aras com Bolsonaro. Mais votado da lista tríplice diz que situação é ‘melancólica’
Carta Capital | GIOVANNA GALVANI – Integrantes do Ministério Público Federal se manifestaram acerca da escolha de Jair Bolsonaro para o novo procurador-geral da República, que não considerou os nomes apontados na lista tríplice tradicionalmente feita pela instituição.
Em nota, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) afirmou que recebeu a notícia com “contrariedade” e interpreta a escolha de Augusto Aras como um “retrocesso institucional”.
“O indicado não foi submetido a debates públicos, não apresentou propostas à vista da sociedade e da própria carreira. Não se sabe o que conversou em diálogos absolutamente reservados, desenvolvidos à margem da opinião pública. Não possui, ademais, qualquer liderança para comandar uma instituição com o peso e a importância do MPF. Sua indicação é, conforme expresso pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, uma escolha pessoal, decorrente de posição de afinidade de pensamento.”, escreveu a ANPR em declaração.
Há 16 anos, a escolha do novo PGR passava pela chamada lista tríplice, que continha três nomes mais votados entre todos os colegiados e que, embora não esteja na Constituição e não seja obrigatória ao presidente, foi o parâmetro de escolha de Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer.
Mario Bonsaglia, sub-procurador geral e o mais votado da lista de 2019, disse em uma rede social que o MPF é o único entre os ministérios públicos a não contar, constitucionalmente, com a garantia de votação dentro da lista tríplice e que, portanto, a “tradição” seria uma forma de alcançar esse balanço. “Dia melancólico para o MPF”, afirmou.
Dia melancólico para o MPF. A indicação fora da lista do novo PGR representa um retrocesso de décadas para a instituição.
Integrantes do governo defenderam a escolha de Bolsonaro. O ministro Sérgio Moro foi um dos que endossaram, nas redes sociais, o nome de Augusto Aras como alguém que “se alinha ao governo atual”, segundo texto replicado.
Definido o novo Procurador Geral da República, Augusto Aras, por escolha do PR @jairbolsonaro . Todos os desejos de que faça uma bela gestão. https://t.co/c4P803SGfc
Um procurador-geral da República é o responsável por designar as forças-tarefas em operações do MPF no Brasil, apresenta denúncias criminais contra políticos de foro privilegiado, incluindo ministros e o presidente da República. O PGR também participa dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal, que devem reservar, para o segundo semestre, pautas polêmicas como a prisão em 2ª instância e o recurso dos advogados do ex-presidente Lula que trata da alegada parcialidade do ex-juiz da Lava Jato no caso.
Depois da repercussão negativa dos anúncios com palavras erradas, o Governo apagou a publicação original
Carta Capital – A crise das queimadas na Amazônia mobilizou o governo federal a realizar campanhas que, ao contrário do que apontam os dados divulgados pelos institutos de pesquisa do País, insinuam que existe um cuidado com a floresta Amazônica e com a sustentabilidade por parte da gestão federal. A campanha, no entanto, escorregou no inglês.
Publicada em uma página das redes sociais do ‘Governo do Brasil’, que veicula ações feitas pelos ministérios e demais decisões governamentais, uma peça em defesa da Amazônia tem as palavras “susteinable” e “sovereing” escritas de forma errada. A grafia correta é “sustainable” e “sovereign”, que significam ‘sustentável’ e ‘soberano’, respectivamente.
Depois da repercussão negativa, o Governo apagou a publicação original.
A propaganda não se limitou às redes. Em um anúncio propagado na página inicial da Financial Times, revista norte-americana de grande destaque no mundo das finanças e negócios, um dos erros aparece novamente. Dessa vez, ‘sustainable’ está na grafia correta. Não pode se dizer o mesmo de ‘sovereign’.
Governo brasileiro faz campanha em inglês para melhorar sua imagem, arranhada por causa de incêndios na Amazônia. Publica anúncio na home do Financial Times, mas comete erro de ortografia – escreve sovereing em vez de sovereign pic.twitter.com/u4uFJERFcm
Nesta quinta-feira 6, o ministro da Economia, Paulo Guedes, repetiu o ato sexista do presidente Jair Bolsonaro em relação à primeira-dama francesa, Brigitte Macron, ao dizer que ela seria “feia”.
“[…] Que a mulher dele é feia, por isso ele tá falando isso’. Tudo bem, é divertido, não tem problema nenhum. É tudo normal e é tudo verdade. O presidente falou mesmo, e é verdade mesmo, a mulher é feia mesmo”, disse Guedes.
Na época em que Bolsonaro insinuou o mesmo, a imprensa francesa o acusou de sexismo. Como protesto, mulheres brasileiras lançaram a hashtag #DesculpaBrigitte em 26 de agosto e afirmaram vergonha em ter o Brasil governado por um presidente machista. A primeira-dama francesa agradeceu em português, em 29 de agosto, aos brasileiros que se mobilizaram após o comentário ofensivo.
Os dados relacionados à Amazônia também não são favoráveis. O mês de agosto quebrou recordes de focos de incêndio na floresta nos últimos nove anos. Os dados, que foram divulgados pelo Programa de Queimadas do Inpe, também mostraram um aumento de 71%, de 2018 para 2019, nas queimadas localizadas em todo o País.
Deputado federal e líder do MBL, Kim criticou a indicação do “petista” Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República
Revista Fórum – Provando do próprio veneno de ódio que ajudou a espalhar pelo Brasil, o líder do Movimento Brasil Livre (MBL), Kim Kataguiri (DEM-SP) está sendo atacado mais uma vez nas redes sociais nesta sexta-feira (6) após tuitar que a “boiada está defendendo o patrimonialismo do presidente”, ao criticar a indicação do “petista” Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República.
Se você curte o jornalismo da Fórum clique aqui. Em breve, você terá novidades que vão te colocar numa rede em que ninguém solta a mão de ninguém
“Para a boiada que está defendendo o patrimonialismo do presidente: não combatem o centrão? Pois peçam para o PGR petista de Bolsonaro denunciar todos os corruptos. Vamos pressionar? Eu ajudo”, tuitou Kim.
Em meio a uma guerra com o Bolsonaro e o filho, Eduardo, o líder do movimento que incitou o golpe contra Dilma Rousseff foi atacado por bolsominions pela publicação.
“Que contraditório japinha. Vc mesmo disse que tem “gente boa” na esquerda. Tô achando que FHC te inspira: “esqueçam o que escrevi”. Folclórico mas no seu caso verdadeiro”, tuitou o perfil DraMonica65.
“Você viu o que aconteceu com o Lobão? Ficou com mais de 500k seguidores, porém perdeu o apoio de quem lhe dava alcance, que são as grandes contas da direita”, ameaçou Diego Garcia.
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