Durante três dias, em média 4 mil pessoas foram procurar emprego no sindicato dos trabalhadores de limpeza e conservação / Foto: Juca Guimarães
Redução de direitos e falta de políticas servem para criar exército de desocupados e reduzir salários, diz sindicalista
Juca Guimarães | Brasil de Fato | São Paulo (SP) – Imposta sob o argumento de que era necessário acabar com direitos dos trabalhadores para que houvesse aumento dos postos de trabalho, a reforma trabalhista aprovada no governo Michel Temer (MDB) está prestes a completar dois anos de aplicação sem chegar nem perto de resolver o problema do desemprego no Brasil.
O cenário, ao contrário, piorou. Agora, além de o desemprego não recuar, os que conseguem vaga estão sujeitos à chamada precarização, que é o trabalho em condições piores do que as anteriores, com salários menores e menos benefícios.
“Isso já era previsto”, afirma João Cayres, da Central Única dos Trabalhadores (CUT). “Essa reforma não ia gerar emprego; ela só aumenta a precarização, o trabalho intermitente, as pessoas podem contratar do jeito que quiser. Os salários estão baixos e vão baixar mais ainda porque é o objetivo deles. Essa história do desemprego é uma decisão política deles”.
No trimestre terminado em julho – último dado do IBGE –, o desemprego no Brasil chegou a 12,6 milhões de trabalhadores. Além disso, foram identificados 4,8 milhões de desalentados, pessoas que desistiram de procurar ocupação.
Segundo Cayres, a lógica iniciada com Temer e aprofundada por Jair Bolsonaro (PSL) – de deixar que o mercado de trabalho se regule sozinho, com mínima intervenção do Estado – só beneficia os empregadores.
“O que gera emprego é investimento público, primeiro, para que depois as coisas cresçam e os empresários vão atrás. Ficar esperando os empresários fazerem alguma coisa é um discurso que hoje não funciona mais, nunca funcionou e eles sempre pregam isso”, lembra.
Terceirizações
Com menos direitos trabalhistas, menos fiscalização – Bolsonaro extinguiu o Ministério do Trabalho – e mais “flexibilidade” nas relações, aumentaram o uso e a rotatividade de empresas de terceirização por setores econômicos, o que precariza ainda mais os serviços.
Para Cayres, na renovação de contratos e nas disputas das licitações, as empresas vão tentar reduzir ao máximo os custos com salários e benefícios trabalhistas, seguindo um caminho que foi aberto com a reforma.
Um dos setores que mais têm sentido os efeitos dessa política é o de limpeza e conservação, onde a terceirização já era alta.
“Hoje a demanda é grande. Quase todos os setores da economia têm empresas terceirizadas fazendo a limpeza”, disse Edson André dos Santos, diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Prestação de Serviços e Asseio, Conservação e Limpeza de São Paulo (Siemaco-SP).
Para minimizar os efeitos do desemprego, por conta da alta rotatividade, o sindicato mantém uma central de vagas com os dados de trabalhadores que já atuaram no setor.
“Na época de renovação do contrato, a empresa que vai entrar acaba absorvendo os trabalhadores que lá estão. Isso é uma negociação que o sindicato faz”, disse Santos.
No final do mês agosto, o sindicato fez uma parceria com 800 vagas para portaria, recepção e limpeza, com carteira assinada. Nos três dias de seleção, a fila para fazer o cadastro começou na noite anterior. Em média, foram mais de 4 mil candidatos por dia.
“A grande maioria são pessoas de outros setores que estão desempregados há muito tempo, uns há mais de cinco anos vivendo de bico, e que viram a oportunidade da carteira assinada e vieram”, disse Santos.
No próximo dia 17, a União Geral do Trabalhadores (UGT) fará um novo mutirão com cerca de 7 mil vagas. O atendimento será no Vale do Anhangabaú.
“Já fizemos três mutirões e mais de 40 mil passaram nos anteriores. Detectamos que um dos problemas mais sérios é a qualificação e a capacitação. O Senai, Senac e o Instituto Paula Souza estarão presente”, disse Ricardo Patah, presidente da UGT.
Na avaliação de Cayres, a rotatividade em setores como o de limpeza vai pressionar a redução dos salários.
“É um serviço que não exige tanto treinamento e vai reduzindo o salário até chegar no salário mínimo. É o que eles querem: deixar um exército de reserva porque não faz pressão sobre os salários. Nos governo Lula e Dilma, até 2014, com desemprego baixo, praticamente pleno emprego, havia uma pressão sobre os salários as pessoas escolhiam para quem trabalhar ”, compara o sindicalista da CUT.
Em São Paulo, a base do sindicato do setor de limpeza e conservação é de 50 mil pessoas. O salário médio é de R$ 1,2 mil, cerca de R$ 200 acima do salário mínimo.
Irmão de Lula, Frei Chico, recebeu mesada da Odebrecht por 12 anos; objetivo dos pagamentos, segundo empresa, era obter benefícios junto ao governo federal.
A Força-Tarefa Lava Jato em São Paulo denunciou o ex-presidente Lula e seu irmão, Frei Chico, por corrupção passiva continuada. Os donos da Odebrecht, Emilio e Marcelo Odebrecht, e o ex-diretor da empresa, Alexandrino de Salles Ramos Alencar, foram denunciados por corrupção ativa continuada. Segundo o MPF, entre 2003 e 2015, Frei Chico, sindicalista com carreira no setor do petróleo, recebeu R$ 1.131.333,12, por meio de pagamento de “mesada” que variou de R$ 3 mil a R$ 5 mil e que era parte de um “pacote” de vantagens indevidas oferecidas a Lula, em troca de benefícios diversos obtidos pela Odebrecht junto ao governo federal.
Sindicalista militante, Frei Chico – que teria sido quem levou Lula ao sindicalismo – iniciou uma relação com a Odebrecht ainda nos anos 90. No início daquela década, estava em curso o Programa Nacional de Desestatização, que sofreu forte resistência dos trabalhadores do setor. Ao todo, 27 químicas e petroquímicas estatais federais foram vendidas.
Como a Odebrecht participava do setor, e vinha tendo problemas com sindicatos, o então presidente da companhia, Emilio Odebrecht, buscou uma aproximação com Lula, e este sugeriu, então, que contratasse Frei Chico como consultor para intermediar um diálogo entre a Odebrecht e os trabalhadores. Também participava dessas reuniões o ex-executivo da companhia Alexandrino Alencar. Frei Chico, neste contexto, foi contratado e passou a ser remunerado por uma consultoria efetivamente prestada para a Odebrecht junto ao meio sindical.
Em 2002, com a eleição de Lula, a Odebrecht entendeu por bem rescindir o contrato da consultoria prestada por Frei Chico, até porque, na época, a privatização do setor petroquímico já havia se consolidado e os serviços que ele prestava não eram mais necessários. Contudo, decidiu manter uma “mesada” ao irmão do presidente eleito, visando a manter uma relação favorável aos interesses da companhia. Os pagamentos começaram em janeiro de 2003, no valor de R$ 3 mil; em junho de 2007, passaram a ser entregues R$ 15 mil a cada três meses (R$ 5 mil/mês), entregas que cessaram somente em meados de 2015, com a prisão de Alexandrino pela Lava Jato.
O MPF aponta que, ao contrário do que ocorria com a remuneração pela consultoria prestada por Frei Chico até 2001, a “mesada” que começou a receber em 2002 era feita de forma oculta, por meio do “Setor de Operações Estruturadas” da Odebrecht, responsável por processar os pagamentos de propina feitos pela companhia. Mais ainda, estes novos pagamentos eram tratados de forma especial, porque, embora houvesse ordens da empresa para que diretores não transportassem valores, Frei Chico recebia pagamentos pessoalmente das mãos de Alexandrino, para não haver risco de exposição à Lula, beneficiário indireto da “mesada”.
Estes pagamentos ocultos foram, inicialmente, autorizados por Emílio, e foram mantidos por decisão de Marcelo, mesmo com o término do mandato de Lula, em 2010. De acordo com a denúncia, os pagamentos a Frei Chico eram feitos em razão do cargo de presidente da República, então ocupado por Lula e, assim como outras vantagens por ele recebidas, visavam à obtenção, pela empresa, de benefícios junto ao governo federal. Como exemplo do interesse da Odebrecht em manter boa relação com Lula, Marcelo Odebrecht, em seu depoimento, lembrou que a Petrobras poderia atrapalhar seus negócios no setor petroquímico desequilibrando o mercado, de diversas formas, ao favorecer uma empresa em detrimento de outra.
Ao ser interrogado, Frei Chico admitiu que recebeu pagamentos da Odebrecht, alegando, em sua defesa, que as consultorias que prestava continuaram depois de 2003. Porém, mesmo dada oportunidade, não apresentou quaisquer provas nesse sentido. Os crimes de corrupção passiva e corrupção ativa têm pena de 2 a 12 anos de prisão e multa. Na modalidade continuada, as penas podem ser aumentadas de um sexto a dois terços. Ou seja, se condenados, Lula e Frei Chico poderão receber sentenças de 2 anos e 4 meses a 20 anos de prisão. O MPF requer que os acusados sejam punidos na medida de sua participação no episódio.
Íntegra da denúncia
A ação recebeu o número 0008455-20.2017.4.03.6181 e foi distribuída à 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo.
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Petista fez último ato público antes da prisão na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP) / Foto: Ricardo Stuckert
MPF denuncia ex-executivo da Odebrecht, ex-presidente e seu irmão Frei Chico por “corrupção”, mas não aponta crimes
Redação | Rede Brasil Atual – O Ministério Público Federal em São Paulo apresentou nesta segunda-feira (9) nova denúncia por corrupção contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Desta vez, os operadores da Lava Jato incluem na ação o irmão de Lula, Frei Chico, e um ex-executivo da Odebrecht, Alexandrino de Salles Ramos Alencar – por acusação de “corrupção ativa continuada”. A medida ocorre um dia depois de novas revelações da Vaza Jato, pelo Intercept Brasil, em parceria com a Folha de S. Paulo.
As denúncias deste domingo (8) são consideradas as mais graves ilegalidades praticadas pela força tarefa comandada pelo ex-juiz Sergio Moro, hoje ministro de Bolsonaro, e pelo procurador do MPF no Paraná Deltan Dallagnol. Segundo os diálogos reportados, no conluio da Lava Jato, além de captar ilegalmente conversas entre Lula e a ex-presidenta Dilma Rousseff, ainda no exercício no cargo, Moro e companhia esconderam a maior parte dos áudios grampeados. Isso porque o conteúdo comprovava que Lula não estava aceitando o posto de ministro-chefe da Casa Civil para sair do foco de Curitiba, e sim para liderar uma articulação com vistas a debelar a crise política que paralisava o país.
Esta edição da Vaza Jato foi também a que mais desencadeou repercussões negativas para as práticas ilegais da Lava Jato. De acordo com monitoramento de redes sociais a que a RBA teve acesso, 91% das menções à Lava Jato feitas nas redes depois das revelações deste domingo foram negativas para a operação. Trata-se da maior derrota do lavajatismo junto à opinião pública desde as primeiras revelações do Intercept, há exatos três meses.
A denúncia oferecida hoje pelos procuradores da Lava Jato contra Lula repete, de acordo com a defesa do ex-presidente, as “mesmas e descabidas acusações já apresentadas em outras ações penais”. Em nota, o advogado Cristiano Zanin Martins afirma que Lula jamais ofereceu ao Grupo Odebrech qualquer “pacote de vantagens indevidas”. Zanin assinala que a presente denúncia do MPF em São Paulo “não descreve e muito menos comprova” qualquer ato ilegal praticado pelo ex-presidente.
“Mais uma vez o Ministério Público recorreu ao subterfúgio do ato indeterminado, numa espécie de curinga usado para multiplicar acusações descabidas contra Lula. O ex-presidente também jamais pediu qualquer vantagem indevida para si ou para qualquer de seus familiares”, afirma o advogado, observando a divulgação da ação após as “graves” denúncias da Vaza Jato, mostrando a ocultação de provas de inocência e ação indevida e ilegal voltada a romper a democracia no país.
“O uso de processos criminais e a repetição das mesmas e descabidas acusações em processos diferentes comprova que Lula é vítima de lawfare, que consiste no abuso das leis e dos procedimentos jurídicos para promover perseguições política”, reitera Zanin.
A notícia divulgada pelo MPF em São Paulo pode ser lida aqui.
A estilista Zuzu Angel passou 5 anos procurando o filho Stuart até também ser morta pela ditadura / Acervo
Documentos são emitidos quase 50 anos após os assassinatos de mãe e filho pelo regime militar no Brasil
Redação | Brasil de Fato | São Paulo (SP) – Depois de quase 50 anos, a Justiça emitiu as certidões de óbito do estudante Stuart Angel e de sua mãe, a estilista Zuzu Angel, com a informação de que foram mortos pela ditadura militar.
O documentos foram entregues na sexta-feira (6) à jornalista e colunista social Hildegard Angel – filha de Zuzu e irmã de Stuart.
As certidões afirmam que ambos foram vítimas de “morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada a população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985”.
Stuart Angel Jones era remador do Clube de Regatas Flamengo, estudava economia na Universidade Federal do Rio de Janeiro e militava no Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), que combatia a ditadura. Ele tinha 25 anos quando, em 14 de junho de 1971, foi preso, torturado e morto no Centro de Informações da Aeronáutica, no Rio.
A morte de Stuart não foi comunicada oficialmente pelo regime e ele se tornou um dos mais de 400 desaparecidos políticos da ditadura. Sua mãe, a estilista Zuleika Angel Jones (Zuzu), passou cinco anos denunciando o sequestro e procurando pelo filho, até também ser morta pela ditadura em 14 de abril de 1976, num acidente de carro na saída do antigo túnel Dois Irmãos, que hoje leva seu nome.
Testemunhas do acidente disseram à Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos que o Karmann Ghia dirigido por Zuzu foi fechado por outro carro, fazendo com que despencasse de uma ribanceira. Posteriormente, Cláudio Antônio Guerra, ex-agente da repressão, relatou a participação dos militares neste e em outros assassinatos no livro Memórias de uma guerra suja.
As declarações oficiais com as condições da morte de Zuzu e Stuart foram emitidas pela procuradora Eugênia Gonzaga, quando presidia a Comissão Especial. Ela foi afastada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) no mês passado, sob alegação de que “agora o governo é de direita”.
“Foi com Eugênia que a coisa realmente andou. É irônico que o processo tenha terminado nesse governo”, disse Hildegard à jornalista Mônica Bergamo.
Até mesmo uma situação de crime sem pena determinada foi gerada por vetos do presidente / Foto: Evaristo Sa/AFP
Presidente vetou 36 dispositivos em 19 artigos; agora cabe ao Congresso Nacional analisar a questão
Rafael Tatemoto | Brasil de Fato | Brasília (DF) – Os vetos promovidos por Jair Bolsonaro (PSL) na lei de abuso de autoridade criaram um “vazio jurídico” que torna impossível, na prática, que as regras sejam aplicadas. Com pouco mais de 40 artigos, em 19 deles foram vetados 36 dispositivos da norma.
A aprovação da lei, que trata das condutas criminosas de agentes de todos os poderes, foi alvo de críticas provenientes de setores do Judiciário, do Ministério Público e das polícias.
Do ponto de vista técnico, de acordo com Oliveira, os vetos se deram a partir de uma “confusão jurídica”.
“Descaracteriza completamente a lei. Ele joga no vazio jurídico. Vazio, no sentido formal. Ele não veta o dispositivo que revoga a lei anterior. A lei de 1965, portanto, está revogada. Tem coisa que deixa de ser crime, que é descriminalizado. Você tem crime sem sanção correspondente. Ele veta dispositivo inteiro sobre ajuizamento da ação penal”, argumenta.
O artigo 44 da lei, que não foi vetado, revoga toda a lei anterior sobre o tema. Assim, condutas que eram crimes na lei de 65, com os vetos de Bolsonaro, deixaram de ser. No conteúdo, por exemplo, os vetos retiraram da lei crimes como a decretação de prisão sem fundamentação legal e a violação de prerrogativas de advogados.
Os exemplos dados pela jurista são ainda mais profundos: o artigo 13 – “constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência” – não tem pena correspondente.
Já o artigo 3º, que determinava quem poderia propor ações contra autoridades abusivas, foi totalmente vetado. Essa questão, de acordo com Oliveira, é central quando se trata de crimes cometidos por autoridades e, formalmente, o veto deixa dúvidas quanto a quem poderia fazê-lo.
Reação
A expectativa em torno dos vetos, que são prerrogativa presidencial, no caso da lei de abuso de autoridade criou um clima de tensão no Congresso, que, por sua vez, tem o poder de derrubá-los.
Antes da decisão de Bolsonaro, parlamentares do chamado “centrão” sinalizaram ao Planalto que, se os vetos fossem além do artigo sobre uso indevido de algemas – dispositivo que afeta policiais, categoria vista como base eleitoral do presidente –, todos os cortes promovidos pelo Executivo cairiam no Parlamento.
Para Preta Ferreira, ofensiva contra movimentos populares tem como objetivo deslegitimar a luta pela moradia na cidade / Foto: Marcelo Cruz
Em entrevista exclusiva, liderança do MSTC afirma que sua prisão é uma tentativa de criminalizar a luta por moradia
Lu Sudré | Brasil de Fato | São Paulo (SP) – “Eu fui presa por combater a injustiça. Isso sempre esteve em minhas veias. Agora bato de frente com ela diariamente”. É assim que Preta Ferreira, como é conhecida Jacine Ferreira da Silva, uma das lideranças do movimento por moradia em São Paulo, define o que sente após mais de 70 dias de prisão.
Detida na Penitenciária Feminina de Santana, ela é acusada de extorsão e associação criminosa por supostamente coagir moradores a pagarem taxas nas ocupações do centro da cidade de São Paulo. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, ela conta que foi chamada a prestar um depoimento e não voltou mais para casa.
A denúncia que baseia a investigação foi feita a partir de uma carta anônima e é um desdobramento da apuração do incêndio no edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandú, em 1º de maio de 2018. Com a coordenadora do MSTC, outras três lideranças também foram detidas. Treze, no total, tiveram prisão decretada.
Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Preta Ferreira defende sua inocência e denuncia a ausência de provas. “Eu pergunto aos governantes, a quem me colocou aqui: Cadê as provas? Qual foi a extorsão que eu pratiquei? É uma prisão política. A sociedade está vendo o que está acontecendo”.
A militante explica que existe um acordo entre os moradores da ocupação para que todos contribuam mensalmente com R$ 200,00 para a manutenção dos prédios. É esse pacto – tratado pelos investigadores como “extorsão” – que garante, por exemplo, a segurança e a limpeza do local, evitando que tragédias como a do Largo do Paissandú se repitam.
Em agosto, Carmen Ferreira, liderança do MSTC e mãe de Preta, foi absolvida por unanimidade pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) com acusações semelhantes às que recaem sobre a filha.
Na opinião da jovem militante, que também é publicitária e produtora cultural, o objetivo desse processo é criminalizar os movimentos populares: “A nossa detenção e essa perseguição toda ao movimento de moradia faz parte de uma ameaça, faz parte de um plano para acabar com os movimentos de moradia. Prendem as lideranças, amedrontam quem não tem moradia, e aí acaba”.
Durante a entrevista, ela também fala sobre seu cotidiano na Penitenciária, onde estão outras 2.056 mil presas. “Assim como eu, inocente, estou aqui presa, existem outras mulheres, em sua grande maioria negras, presas injustamente. Jogaram a gente em um navio negreiro”, compara.
Sobre a campanha que os movimentos populares fazem por sua liberdade, Preta reforça que a luta não se resume a ela. “Não é só ‘Preta Livre’. São ‘Pretas Livres’”.
A entrevista foi concedida na tarde do dia 4 de setembro, quando completaram-se 72 dias de prisão. Confira na íntegra:
Brasil de Fato: Como você começou a se envolver com a luta do movimento de moradia aqui em São Paulo?
Preta Ferreira: Meu histórico com o movimento de moradia é de infância, quando minha mãe, uma retirante, veio de Salvador [Bahia] fugida de violência doméstica do meu pai. Ela deixa seus filhos para trás e vem pra São Paulo em busca de uma vida melhor – e até mesmo para garantir sua sobrevivência.
Ela passa a dormir na rua, depois em albergues, e então conhece o movimento de moradia. Depois de alguns anos, ela retorna para Salvador para buscar seus filhos. Eu vim nessa leva. Passamos a morar em uma ocupação, que hoje se chama Ocupação 9 de julho, em meados dos anos 1990.
Aí começa minha história no movimento social, onde eu aprendi que tenho direitos, onde aprendi que não nasci apenas para ser uma mulher negra para ter o “resto”, como o 1% da população que detém a riqueza o país me ofereceu. Foi no movimento de moradia que eu aprendi a lutar, que aprendi que, além de ter deveres que devem ser cumpridos, tenho direitos constitucionais.
Quais são as questões do processo em que você é acusada de extorsão?
A verdade é que essa prisão é totalmente irregular. Eu fui convidada a depor na delegacia, não tinha nenhuma prisão decretada. Fui convidada a depor no dia 24 de junho, e estou presa até hoje. E eu pergunto para os governantes, para quem me colocou aqui: Cadê as provas? Qual foi a extorsão que eu pratiquei? Já sabemos muito bem que não estou presa por extorsão. Não pratiquei nenhum crime. Isso é mentira e eles sabem disso.
Estamos vivendo em um momento do país em que todos sabem que a perseguição política existe. A minha prisão é uma prisão política. Eu não estou só afirmando, a sociedade está vendo o que está acontecendo. A minha prisão e a prisão dos demais [militantes de movimentos de moradia] são prisões políticas. Não existe nenhuma prova contra a gente.
Ainda em relação à acusação de extorsão, você pode explicar como realmente funciona a organização das ocupações?
Ninguém mora de graça. Quando ocupamos um prédio, ele não tem luz, não tem água, não tem elevador, não tem manutenção, não tem extintor de incêndio, não tem nada. O governo não ajuda em nada. Como mantemos esse prédio?
Quando a pessoa passa a fazer parte do movimento, ela assina um regimento interno onde tem lá, tudo escrito, como procede, como funciona o movimento, e que por mês tem que ser pago R$ 200,00. Ninguém trabalha de graça.
Como se extorque alguém que já sabe que vai entrar em um lugar em que tem que pagar? Não há extorsão quando a pessoa é ciente de deveres que tem que cumprir no movimento. O movimento é autogestor. Não tem ninguém para ajudá-lo. Não recebemos ajuda de nenhum governo. Para ser autogestor, os moradores têm que arcar – até porque são eles que moram. A segurança é para eles, a proteção é para eles. Não há extorsão quando a pessoa tem consciência que tem que pagar.
Até mesmo para que não aconteça casos como o do Wilson Paes de Almeida [edifício que desabou no Largo do Paissandú]. Aliás, estou sendo acusada de fazer parte daquele prédio, sendo que nunca entrei naquele lugar. Não conheço o movimento dali.
O MSTC sempre atuou junto ao poder público. Como faríamos as melhorias exigidas pela Prefeitura? Quem paga é quem está morando, nada mais justo. Morar de graça, ninguém mora.
Quem mora pagando aluguel de R$ 200,00? Isso não é aluguel, mas uma verba revertida para eles mesmos. As melhorias são dentro dos locais que eles moram, não vão para a minha casa. É para eles.
A acusação foi feita por meio de uma carta anônima.
Na verdade, esse processo é um emaranhado. Colocaram todos os movimentos em um funil só e determinaram que tudo é uma coisa só, mas não é. Existem movimentos éticos e movimentos não éticos, sim, mas eu atuo pelo Movimento Sem Teto do Centro, um movimento ético que trabalha junto ao poder público.
Tem que desvencilhar. Não se pode responder pelo que os outros fazem. Eu respondo pelos meus atos e pelo que eu falo. Sou responsável pelo que eu falo, pelo que eu faço. O MSTC não tem nada a ver com esses outros movimentos. É um movimento separado.
Acredita que ser quem você é, mulher negra e militante, pesa nesse processo?
Já nasci nessa república machista, racista, opressora. O fato de ser mulher negra e influenciar outras pessoas a exigirem os seus direitos constitucionais na cara deles é um desaforo [para eles]. Quem é que vai aceitar? Claro que eles não vão aceitar.
Eles escolheram o papel que tenho que estar: estar atrás de uma pia, de um fogão. E não é esse meu papel.
Preta Ferreira concedeu entrevista em uma das salas da Penitenciária Feminina de Santana. (Foto: Marcelo Cruz)
Sua mãe, Carmen Ferreira, liderança do MSTC, foi absolvida por unanimidade no TJ-SP após acusações semelhantes às que recaem sobre você. Como recebeu essa notícia? Qual a perspectiva para o seu caso a partir dessa decisão?
São as mesmas pessoas [que nos acusam]. Como não conseguiram por um lado, estão tentando por outro. A absolvição da minha mãe, da Carmen, já era mais que prevista. Ela provou três vezes que essas pessoas estão mentindo e, de novo, essas pessoas estão aqui e me colocaram atrás das grades porque não conseguiram pegá-la. As acusações que supostamente caberiam a ela passam a caber a mim sem nenhuma prova.
Os mesmos argumentos, as mesmas histórias. Não posso falar que hoje no Brasil existe Justiça, porque não tem… o que existe no Brasil no Judiciário é uma seletividade.
As mesmas pessoas que a acusaram não tinham provas e agora vem e me acusam. Com quais provas, com quais argumentos? Como Carmem vai responder duas vezes pelo mesmo processo, sendo que já foi inocentada? Onde está a Justiça nesse país? Para quem serve a Justiça? Para quem tem dinheiro.
Temos que ver quem tem que ser investigado, quem tem que ser preso. O Poder Judiciário precisa trabalhar sem colocar sua opinião própria, parar de ser seletivo, parar de colocar inocentes atrás das grades.
O que está acontecendo aqui é destruição de famílias. Eu estou aqui porque “alguém falou”. Eu não tive o direito de me defender. Nunca fui presa, sou ré primária e não tive o direito de falar que estavam mentindo.
O seu irmão, Sidney Ferreira, também foi detido. Ele participa da luta por moradia?
Ele nem faz parte do movimento e está preso. Porque alguém não gosta de alguém, porque alguém fez uma fofoca. Isso destrói vidas. Ele cuida sozinho de uma criança de cinco anos, que é a filha dele. Quem vai pagar o trauma que essa criança está vivendo sem o pai? É muito simples colocar um inocente na cadeia, mas quando está provado que é inocente, o que fazer com esse tempo todo que ele perdeu?
Fiquei muito feliz com a liberdade da Angélica. Ela não deveria ter sido presa. É muita irresponsabilidade. Como é que se prende alguém sem provas? Estão destruindo vidas.
Aqui no Brasil está funcionando assim: alguém vai lá e te denuncia sem provas e, primeiro se cumpre a sentença, depois vão ver se você era inocente ou não.
Você acredita que há uma tentativa crescente de criminalização dos movimentos populares sob o governo Doria [em São Paulo] e sob o governo Bolsonaro?
Essa criminalização dos movimentos sociais sempre existiu, e agora voltou com mais força. Isso já foi avisado há muito tempo. Está se cumprindo o que foi dito.
A nossa detenção e essa perseguição toda ao movimento de moradia fazem parte de uma ameaça, fazem parte de um plano para acabar com os movimentos de moradia. Prendem as lideranças, amedrontam quem não tem moradia, e aí acaba. Os verdadeiros criminosos estão lá vestindo colarinho branco.
Não sou eu que não cumpro o dever constitucional. Quem não cumpre são eles – que foram colocados no governo justamente para cumpri-los.
Como existe uma ameaça aos movimentos de moradia, que exigem seus direitos constitucionais – e isso não é crime – querem acabar com eles. Se acabar, não tem como denunciar que não estão cumprindo com esses direitos.
Depois que Doria assumiu o governo, há um número crescente de mortes pela PM e de denúncias de ações truculentas contra pessoa em situação de rua, por exemplo. Você acha que há, de fato, uma política higienista em voga no estado?
Já ouviu falar de genocídio? Essas são várias formas de genocídio da população negra, da população pobre. É a forma de exterminar a população. Troca-se o nome de escravidão para genocídio. Essa é a escravidão contemporânea. É o genocídio “sem máscara”, esse é o nome que eu dou.
Sempre existiu tudo isso que você acabou de citar, mas agora o aumento se deu porque está legalizado.
Você está presa há mais de dois meses. O que pode dizer sobre o que tem vivenciado aqui?
O que eu posso dizer é que eu fui presa por combater a injustiça. Sempre combati a injustiça, desde criança. Sempre esteve em minhas veias. Agora bato de frente com ela diariamente.
Assim como eu, inocente, estou aqui presa, existem outras mulheres, em sua grande maioria negras, presas injustamente. É um navio negreiro. Jogaram a gente em um navio negreiro.
O que você encontrou aqui na Penitenciária Feminina de Santana? Como é o seu cotidiano?
Aqui dentro, para mim, é tranquilo. Não é o lugar que eu queria estar. Estou obrigatoriamente, porque me jogaram aqui. É o lugar que estou, essa é minha realidade temporária.
Eu não sou presa. Eu estou presa. E, já que é um lugar que estou temporariamente, tenho que fazer a política da boa convivência, conviver com todo mundo. E isso significa não só falar, mas ouvir as outras pessoas também. É um lugar de escuta.
Minha passagem por aqui não é para ser só mais uma presa. Nós somos companheiras. É uma ajudando a outra. É dessa forma que vejo. Não me vejo como melhor e não vejo ninguém como melhor. Não só aqui, lá fora também: somos todas iguais. Se eu estou nesse lugar, temos que procurar nos entender, nos ajudar.
Eu sempre defendi todas as mulheres. Todas as pretas, todas as brancas, todas as indígenas, quilombolas. Mulher tem que defender mulher.
Você ouve muitos relatos de injustiça aqui dentro?
A injustiça é muito presente porque a maioria das presas que estão aqui são injustiçadas, são [prisões] forjadas, são processos mentirosos, fraudulentos. [A campanha necessária] Não é só ‘Preta Livre’. São ‘Pretas Livres’, mulheres livres. Não temos Justiça no Brasil.
No meu caso, a cada dia que eu passo aqui, digo que é um dia a menos. Eu conto como um dia a menos. Eles não vão poder me segurar para sempre. Uma dia, vou sair.
A esperança que eu tenho é de ter esperança. A esperança em mim não morre. Independentemente do que me acusam, independentemente do que juiz ou promotor diga. Eu sei que eu sou inocente e que eu não vou ficar aqui pra sempre.
Se estou na situação de presa política, quer dizer que estou incomodando. Estou incomodando a quem está no poder e não faz. Não estou incomodando sendo uma pessoa que transmite perigo para a sociedade, muito pelo contrário. Influenciar outras pessoas a estudar, a brigar pelos seus direitos, a saber que elas têm direito, isso incomoda.
Eu sou uma presa política, sim. Estou mostrando para as pessoas que os direitos têm que prevalecer e têm que ser cumpridos pelos poderosos que estão no poder. A carne joga paro rico e o osso paro pobre? Não pode ser. Tem que ser dividido em partes iguais. Essa é a política que tem que existir.
Como está fazendo para passar os dias? Você pensa em produzir algo sobre esse período da sua vida?
Eu sou publicitária de formação e faço produção cultural tanto no cinema quanto na música. Vou te falar, me deram mais trabalho aqui viu? Preparem-se que vão vir coisas boas por aí.
Semanalmente, você tinha o compromisso de relatar uma espécie de diário de uma prisão política, no Boletim Lula Livre. É possível dizer que passou a viver algumas das injustiças que antes denunciava, no caso do ex-presidente Lula?
Eu sou apresentadora do Boletim Lula Livre, e até colocaram isso no processo como se fosse um crime. É minha profissão. Antes eu me via falando sobre aquilo que acontecia com o Lula sabendo que ele é um preso político. Eu entendo todas aquelas palavras como palavras visionárias. É como se eu estivesse falando de mim.
Eu sei o que ele está passando, o que ele está sentindo. Sei o sentido de injustiça que ele tem dentro do coração. Fazer o bem para uma nação, onde os ricos não querem, é difícil. Mas estamos aí, e eles não irão nos derrubar. Continuaremos.
Você tem recebido muito apoio dos movimentos populares, que estão em campanha pela sua liberdade. Essa mobilização pode ajudá-la de alguma forma?
Eu nem esperava essa repercussão toda. Eu achei que era simplesmente uma liderança de movimento de moradia, simplesmente isso. Ao longo desse tempo, vi que não. Existem outras mulheres que se espelham, outras mulheres negras que não tinham esperança e agora têm. Para mim, foi acalentador. Não achava que o país ia intervir ao meu favor. Há um clamor muito grande da sociedade. Se eu fosse um perigo para a sociedade, não iria haver esse clamor.
Isso me dá muita força, muita esperança. Quero que eles saibam que, por causa deles, sou forte desse jeito. Saber que existem pessoas que acreditam na minha palavra, na minha inocência, me dá muito mais força. Por eles, sairei daqui com a cabeça erguida do mesmo jeito que entrei. Tem muita gente atrás de mim, que precisa, que depende. São elas que me dão força.
Qual tem sido o maior ensinamento de todo esse processo?
O que esse processo me ensinou enquanto sujeito, mulher, negra, militante e pobre é que eu não posso parar. Ensinou que eu devo continuar.
Eu trabalho, de certa forma, com amor. Tenho fé na humanidade, nas pessoas. Do lado de cá tem amor, do lado deles não tem. Isso acaba impactando mais ainda.
Mesmo aqui, não perdi minha essência, não perdi o amor que eu tenho no coração. Não deixei de acreditar no ser humano. Não perdi minha alegria. Nunca. Podem me jogar em qualquer prisão, mas vou continuar.
Domingo Espetacular – As riquezas da Amazônia despertam interesse de industrias muito poderosas: as farmacêuticas e as de cosméticos. Um dos perfumes franceses mais famosos do mundo só existe por que tem, na sua fórmula, partículas do óleo de uma árvore da Floresta Amazônica. Por isso, o Brasil fechou o cerco contra biopirataria, um crime que por muitos anos foi praticado impunemente por vários países. Para assistir ao conteúdo na íntegra AQUI.
Ex-juiz Sergio Moro, atual ministro de Bolsonaro / Pedro França/Agência Senado
Diálogos omitidos do ex-presidente contrariam a hipótese de obstrução de Justiça, construída por Moro à epoca
Redação | Brasil de Fato | São Paulo (SP) – Uma reportagem publicada pelo jornal Folha de S. Paulo neste domingo (8), com informações obtidas pelo The Intercept Brasil, mostrou que os grampos de conversas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em março 2016, divulgados ilegalmente pelo então juiz Sergio Moro, eram seletivos. As mensagens deixam claro que o magistrado pretendia reforçar a hipótese de que Lula aceitara um convite para ser ministro-chefe da Casa Civil como forma de obstruir a Justiça – todos os diálogos que contrariavam essa narrativa foram mantidos em sigilo.
Na ocasião, Moro divulgou à Rede Globo uma conversa entre a então presidenta da República, Dilma Rousseff (PT), e Lula, o que levaria o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, a suspender a nomeação de Lula como ministro.
As conversas entre membros da força-tarefa da Lava Jato no aplicativo Telegram divulgadas neste domingo, no entanto, mostram que a entrada de Lula no governo tinha como objetivo “salvar” o governo em crise, por meio de uma tentativa de reaproximação com Temer e o MDB. É essa a preocupação que o presidente expressa em quase todos os telefonemas omitidos por Moro.
O assunto teria sido discutido entre o juiz e integrantes do Ministério Público. Moro pediu relatórios com transcrições dos diálogos considerados mais relevantes. Em 15 de março, na véspera da nomeação de Lula, a polícia anexou aos autos da investigação 44 arquivos de áudio.
Membros da força-tarefa entendiam como irregular a decisão de Moro de levantar o sigilo e divulgar parte dos áudios. Cinco dias depois do vazamento, o ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, suspendeu as decisões de Moro, afirmando que o sigilo havia sido levantado “sem nenhuma das cautelas exigidas em lei”. Mesmo assim, a anulação da posse de Lula como ministro foi mantida.
Em nota, os advogados de Lula disseram que a reportagem “auxilia a reconstrução da verdade histórica e expõe as grosseiras ilegalidades praticadas por Moro e pelos procuradores da Lava Jato contra o ex-presidente Lula, contra os seus advogados, e também contra o STF.
Manifestante exibe exemplar de livro censurado pela prefeitura do Rio de Janeiro durante a Bienal do Livro que ocorre na cidade / Fernando Souza/AFP
Redação* | Brasil de Fato | São Paulo (SP) – O presidente do STF, Dias Toffoli, suspendeu neste domingo (8) a decisão emitida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro no último sábado (7) que autorizava a busca e apreensão do livro Vingadores — A cruzada das crianças, que traz uma cena de beijo entre dois personagens masculinos, e qualquer outra publicação com conteúdo LGBT na Bienal do Livro, por parte da Prefeitura do Rio de Janeiro.
O pedido da suspensão da liminar foi realizado pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, na manhã deste domingo. A Prefeitura do Rio de Janeiro anunciou que recorrerá da decisão.
Na última quinta-feira (5), através de suas redes sociais, o prefeito Marcelo Crivella tinha anunciou que mandaria recolher os exemplares vendidos no evento. A busca e apreensão foi realizada no dia seguinte pela manhã por fiscais da prefeitura. No sábado (07), o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Claudio de Mello Tavares concedeu a decisão favorável à ação.
A prefeitura argumenta que livros considerados “impróprios” estavam com acesso facilitado às crianças, sem plástico protetor e sem informações sobre o conteúdo. O pedido feito ao presidente do TJ alegava necessidade de se preservar a “família carioca”. A sentença do presidente do Tribunal de Justiça se baseou no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que garante a proteção integral a esse público.
Após a primeira tentativa de censura, exemplares do livro se esgotaram rapidamente na Bienal / Reprodução/Marvel
Revolta
A censura imposta pelo prefeito Marcelo Crivella desagradou os participantes da Bienal do Livro do Rio de Janeiro. A organizadora, GL Eventos, editoras e escritores se rebelaram contra a determinação autoritária de retirada de livros de temática LGBT. Segundo o prefeito, o “homossexualismo” não deve ser acessível a jovens e crianças. Nessa cruzada, ele tentou retirar quadrinhos e romances infanto-juvenis das prateleiras e colocar avisos “+18” em publicações que passavam longe do erotismo.
Criticado por sua gestão à frente da prefeitura, a cruzada de Marcelo Crivella pelo mar da moral e dos bons costumes contra a Bienal do Livro começou na noite de quinta-feira, quando postou um vídeo em que dizia que determinou aos organizadores do evento que recolhessem livros “com conteúdos impróprios para menores”. O alvo principal foi a história em quadrinhos da Marvel “Vingadores – a cruzada das crianças”. A publicação, que traz um beijo entre dois heróis, esgotou após a “ordem” de Crivella.
A organização do evento disse que não iria esconder o livro “pois o conteúdo não é impróprio e nem pornográfico”, e Crivella decidiu enviar um grupo de fiscais ao evento para pressionar editoras a cumprirem a ordem e procurarem o HQ dos Vingadores. Entre as determinações, os livros com qualquer referência LGBT deveriam ficar no alto, e com um selo “+18”, mesmo não tendo conteúdo erótico ou pornográfico.
Leonardo Antan, editor do selo Carnavalize da editora Rico, autor de contos e romances LGBT, conversou com a Fórum e disse que os leitores não se abalaram com a tentativa de cerceamento imposto por Crivella e que o público agiu como nos outros dias. “Repercutiu muito mais entre autores e editoras do que entre os leitores, que vieram, buscaram nossos livros, participaram da nossa sessão do livro ‘Cor não tem gênero’”, contou. “Vendemos os livros normalmente e estamos aqui vendendo ainda”, completou.
Ele conta que a Rico foi surpreendida com uma pessoa se identificando como fiscal da GL, empresa da Bienal, e mandando lacrar e colocar um selo +18 em livros LGBTs. No entanto, a organizadora informou que não deu a determinação e que não há respaldo legal para isso e disse que, se acontecesse novamente, a editora deveria procurar o setor jurídico. “Nenhum dos nossos livros LGBTs tem cena de sexo, por exemplo, então não tem o menor motivo para eles serem +18 anos”.
Antan conta que durante o evento, que começou no dia 30 de agosto, presenciou vários leitores dizendo que encontraram no stand um livro que os representasse. “Passei esses dias ouvindo ‘procurei a Bienal inteira livros assim’, ou ‘enfim um livro que me representa’. Depois de todos esses dias, encontrando leitores, dando abraços e trocando carinho, hoje, a recomendação que foi passada no estande é que os livros LGBT precisam ficar fora do alcance de menores de idade e indicados com uma plaquinha “+18″. Todos os livros são jovens, não tem cenas de sexo, violência ou qualquer coisa do tipo. São livros sobre se aceitar, se amar. São apenas romances”, desabafou mais cedo em suas redes sociais.
Editoras não aceitam censura
Pelas redes, editoras como a Galera Record, do Grupo Editorial Record – que não tem ligação com a emissora de Edir Macedo -, se manifestaram contra a decisão. “A Galera Record repudia qualquer tipo de censura e reitera a importância da representatividade na literatura jovem como forma de combate ao preconceito. Homofobia é crime e acreditamos que o papel do estado é incentivar a leitura e não criar barreiras que marginalizem uma parcela da população que já sofre com a intolerância”, disse em nota.
“Recebemos um aviso no nosso estande na Bienal de que haveria uma fiscalização da Secretaria de Ordem Pública do Rio de Janeiro exigindo que todos os livros com conteúdo LGBTQS fossem lacrados e sinalizados como livros com conteúdo impróprio”, contou a editora. “Nossos livros estão à venda no estande e em todas as livrarias brasileiras, online e físicas. Vamos continuar lutando para que todos os jovens se vejam representados em nossas histórias”, finalizou.
A Companhia das Letras também se manifestou de forma dura contra a censura. “Diante da censura feita por Marcelo Crivella, prefeito do Rio, e da fiscalização p/ identificar livros considerados “impróprios” na Bienal do Livro, a Companhia manifesta seu repúdio a todo e qualquer ato de censura e se posiciona, mais uma vez, à favor da liberdade de expressão”, disse.
Luiz Schwarcz, fundador da editora, elogiou a posição da Bienal e criticou Crivella, o governador de São Paulo João Doria e o presidente Jair Bolsonaro por desprezarem “valores fundamentais da sociedade” e “tentarem impedir o acesso à informação séria, que habilita os jovens a entrar na fase adulta mais preparados para uma vida feliz”. Schwarcz condenou a ordem de Doria de rever livros do ensino fundamental de SP e a suspensão de edital para filmes LGBT definida por Bolsonaro.
Para ele, essas medidas “indicam uma perigosa ascensão do clima de censura no país – flagrantemente inconstitucional – e que traz a marca de um indesejável sentimento de intolerância discriminatória”. A editora republicou postagens de diversos autores de livros com temáticas LGBT editados pela Companhia das Letras, exaltando a diversidade.
Autores se posicionam
O escritor Paulo Coelho foi um dos retuitados. Em inglês, ele denunciou a censura de Crivella: “A Feira do Livro do Rio foi invadida hoje por neo-talibãs confiscando livros ‘pecaminosos’. Meu ’11 Minutos’ é um texto ousado sobre prostituição, S&M, voyeurismo, disse a eles onde encontrar as cópias, mas eles não ousaram tocá-la (até agora)”. Em tuíte anterior Coelho deu as coordenadas: “11 minutos” está no estande da Companhia das Letras.
Outro autor que apareceu nas redes da Cia das Letras foi Eric Novello com seu livro “Ninguém nasce herói”, de 2017, uma distopia de um Brasil presidido por um fundamentalista religioso que persegue minorias e vê a distribuição livros como rebeldia. Novello vai participar da mesa “Distopia – Os Medos Reais que Alimentam a Ficção”. “Se vou falar pra caralho da tentativa de censura do crivella hoje? Vou sim”, disse.
Jarid Arraes, que também escreve para a Cia das Letras, lembrou o mês da visibilidade bissexual e também afrontou Crivella. “Estarei no estande da Cia das Letras, com meu livro cheio de protagonistas lésbicas, bi e trans e hetero e idosas e jovens e todas do sertão do CE. Quem quiser aparecer. Afinal, além de tudo, é mês da visibilidade bi”, disse.
Dissidentes invocaram direito “a se armarem contra opressão” por considerarem que governo colombiano não cumpriu acordo de paz / Foto: Reprodução/Twitter
Governo ofereceu recompensa em dinheiro por informações; ex-guerrilheiros e outros militantes estão sendo assassinados
Tiago Angelo | Brasil de Fato | São Paulo (SP) – Um grupo de ex-comandantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) anunciou no último dia 29 seu retorno à luta armada. A medida, segundo eles, é uma resposta ao que chamaram de “traição do Estado colombiano aos acordos de paz”, pacto assinado em 2016 entre a então guerrilha e o governo da Colômbia.
O comunicado foi lido pelo ex-número dois das Farc, Iván Márquez, uma das principais lideranças da organização durante as negociações da tratativa que, em tese, encerraria o longo conflito entre a guerrilha e o Estado colombiano. O anúncio também contou com a presença de Seuxis Paucias Hernández, de codinome Jesús Santrich, e Hernán Darío Velásquez, o El Paisa.
Os dissidentes invocaram o direito “a se armarem contra a opressão” por considerarem que o governo colombiano “não cumpriu nem mesmo as mais importantes de suas obrigações, que são garantir a vida de seus cidadãos e, principalmente, evitar assassinatos por razões políticas”.
Entenda o que significa a volta desse setor das Farc à luta armada e seus desdobramentos:
Acordo de Paz
Em dezembro de 2016, após 4 anos de negociações, as Farc e o governo da Colômbia, então liderado pelo ex-presidente Juan Manuel Santos (2010-2018), assinaram um acordo de paz que prometia encerrar mais de meio século de enfrentamento.
Em decorrência da guerra interna, pelo menos 180 mil civis foram assassinados. Além disso, um em cada dez colombianos tiveram que deixar suas casas, somando quase 5 milhões de deslocamentos forçados, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU).
Como parte do acordo, cerca de 7 mil guerrilheiros deixaram suas armas e ingressaram na vida civil. A partir de 2017, a organização passou a se chamar Força Alternativa Revolucionária do Comum, mantendo a sigla “Farc”. Também por conta da tratativa, 10 cadeiras no Congresso Nacional foram garantidas ao agora partido.
O fim do conflito e a garantia de participação política, no entanto, foram apenas dois dos seis eixos pactuados entre a Colômbia e as Farc. O acordo completo possui 324 páginas e prevê iniciativas para a substituição dos cultivos ilícitos, a reforma agrária integral e políticas de reparação para as vítimas do conflito armado.
O governo não cumpriu nem mesmo algumas das promessas relativas ao fornecimento de serviços básicos a algumas das comunidades afastadas, onde moradores são forçados a depender de poços não tratados.
Além disso, a perseguição política contra ex-membros da guerrilha não cessou. Segundo um relatório divulgado pela ONU em novembro de 2018, 71 ex-guerrilheiros foram mortos após a assinatura do acordo. O setor das Farc que decidiu retornar às armas fala em um número maior: 150 assassinados nos últimos dois anos.
Um dos pontos mais críticos envolvendo o descumprimento de direitos assegurados pelo acordo ocorreu em abril de 2018, quando Jesús Santrich, um dos ex-chefes das Farc, foi preso sob a acusação de tentar enviar drogas para os Estados Unidos. O processo correu em um tribunal de Nova York.
Na ocasião, o ex-guerrilheiro afirmou que as acusações fizeram parte de um complô entre a promotoria colombiana e os Estados Unidos. A Justiça norte-americana chegou a pedir sua extradição, mas a Corte Suprema colombiana decidiu por soltá-lo.
Santrich era uma das 10 pessoas ligadas às Farc com direito a uma cadeira no Congresso. No entanto, ele só conseguiu assumir o posto em junho deste ano, após sua soltura.
Outro exemplo do descumprimento do acordo ocorreu após Iván Duque assumir a presidência da Colômbia, em agosto de 2018. Crítico do processo levado à frente por seu antecessor, o mandatário se colocou contra uma série de pontos acordados. Embora o pacto original tenha 324 páginas, duque tentou reduzi-lo a um documento muito menor, de 32 páginas.
Volta às armas
Além de Márquez e Santrich, o ex-comandante Hernán Dario Velásquez, o El Paisa, também aparece no vídeo que anuncia o retorno de parte das Farc à luta armada.
Durante o anúncio, o grupo afirma que as ofensivas não ocorrerão contra a população, mas contra forças públicas e políticas, qualificadas como “corruptas” pelos guerrilheiros.
Não é possível dizer qual o número de dissidentes, uma vez que, até o momento, a única ação do grupo foi anunciar sua volta às armas em um vídeo de 35 minutos divulgado no Youtube, no qual poucas pessoas aparecem.
Márquez afirmou que buscará uma aliança com os guerrilheiros do Exército de Libertação Nacional (ELN), e com os membros das Farc que se colocaram contra o acordo de paz durante a fase de negociação.
Segundo uma reportagem do site colombiano La Silla Vacia, no entanto, Gentil Duarte, líder do grupo mais numeroso das Farc a se opor ao acordo de 2016, recusou a possibilidade de uma aliança com Márquez. A reportagem afirma que Duarte chegou a tratar Márquez como “traidor” por sua participação no pacto.
Reação do governo
O presidente da Colômbia, Iván Duque, reagiu imediatamente após os dissidentes anunciarem seu retorno à luta armada. O mandatário comunicou que o país oferecerá uma recompensa de 3 bilhões de pesos colombianos (aproximadamente US$ 860 mil) para informações que levem à captura dos guerrilheiros.
“A Colômbia não aceita ameaças de nenhuma natureza e muito menos do narcotráfico. Para cada um dos delinquentes desse vídeo será fixada uma recompensa de 3 bilhões de pesos por informações que conduzam a sua captura”, afirmou em comunicado.
O anúncio deu início a uma caçada sangrenta. No dia seguinte ao que ordenou a ofensiva, nove guerrilheiros, supostamente parte do grupo de dissidentes ligados à Márquez foram mortos.
“Os criminosos estão avisados: eles que se rendam ou serão derrotados”, disse o ministro da Defesa do país, Guillermo Botero. Segundo as autoridades, os dissidentes teriam sido mortos em áreas rurais de San Vicente del Caguán, no sul do país.
Edição: Rodrigo Chagas
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