ENTREVISTA | SOUTO MAIOR: BRASIL SE TORNOU “LABORATÓRIO DA RETRAÇÃO DOS DIREITOS TRABALHISTAS”

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ENTREVISTA | SOUTO MAIOR: BRASIL SE TORNOU “LABORATÓRIO DA RETRAÇÃO DOS DIREITOS TRABALHISTAS
“A mera piora das condições materiais não é fundamento para acreditar que alguma reação popular ocorra”, analisa o magistrado / Foto: ABET

Desembargador da Justiça do Trabalho avalia cenário de degradação e desigualdade gerado pela reforma trabalhista

Antonio Biondi e Napoleão de Almeida | Brasil de Fato | São Paulo (SP) – “A situação está ruim, mas estamos ainda no meio do caminho do que tende a ser pior”. O desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) e professor de Direito do Trabalho Jorge Luiz Souto Maior resumiu dessa forma sua visão sobre os impactos da reforma trabalhista em vigor no Brasil desde 2017.

Segundo ele, a reforma já ampliou o abismo social e tem servido para degradar as relações trabalhistas. Somam-se a esse cenário o nível recorde de desemprego e os cortes nos investimentos em serviços públicos.

“Sem querer assumir que caminharam na direção errada, começam a dizer que a reforma foi pouco e querem mais. Pretendem, então, aumentar a dose do mesmo “remédio”. E aumentar a dose é destruir o que sobrou: caminhamos possivelmente, se nada houver, para a destruição do Estado democrático de direitos sociais no Brasil”, argumenta.

Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Souto Maior, que leciona na tradicional faculdade de Direito do Largo São Francisco da Universidade de São Paulo, antevê que o Brasil enfrentará problemas econômicos e sociais ainda maiores por não medir corretamente os efeitos da fragilização das relações entre patrões e empregados.

“Mas essa não é uma projeção no sentido do ‘inevitável’. Há, ainda, em funcionamento, muitas instituições jurídicas, democráticas e políticas, e essas instituições podem fazer um grande papel no sentido de barrar o percurso em direção à barbárie”, ressalva.

O desembargador apresenta, ainda, reflexões a respeito dos diversos erros que abriram caminho para a aprovação desta “reforma” e que deixaram campo livre para outras reformas similares, como a da Previdência.

Na entrevista, Souto Maior destacou dados do mundo do trabalho e do Judiciário brasileiro e analisou o fenômeno da uberização da economia e das relações de trabalho.

Além disso, trouxe uma análise da evolução histórica do Direito do Trabalho enquanto construção social, apresentando, por fim, a avaliação em torno da urgência de se corrigirem os erros cometidos neste campo, sob pena de mergulharmos em um caos social.

“A mera piora das condições materiais não é fundamento para acreditar que alguma reação popular ocorra. A situação de 56 milhões de brasileiros já é a de “viver” abaixo da linha da miséria”, analisa.

Ele apresenta, nesse aspecto, uma ressalva fundamental: não basta simplesmente defender o retorno ao que tínhamos recentemente. É preciso construir uma sociedade, uma economia e um Direito efetivamente inclusivos.

Leia a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: Sobre as mudanças na legislação trabalhista, já é possível sentir reflexos no juízo do Trabalho?

Souto Maior: Eu atuei na Vara do Trabalho exatamente até dezembro de 2017 e a Lei n. 13.467, da reforma [trabalhista], entrou em vigor em novembro daquele ano. Daí por diante eu passei a atuar no Tribunal, que tem uma dinâmica de trabalho diferente. Eu não tenho, pois, a avaliação do mesmo lugar antes e depois da legislação. O que temos, porém, como resultado dado por números é a diminuição sensível do número de reclamações trabalhistas – fato que tem sido apresentado por parte da grande mídia como um efeito benéfico da reforma, mas de fato não é.

A diminuição das reclamações trabalhistas se deu por uma imposição de custos processuais, que, na verdade, acaba sendo um expediente para inviabilizar o acesso à Justiça. O caminho necessário, no entanto, na perspectiva do Estado Democrático de Direto (considerando, sobretudo, a essencialidade dos direitos sociais, conforme preconizado na Constituição Federal), é o da ampliação das vias de acesso à Justiça. O acesso à Justiça é uma conquista fundamental para a efetivação dos direitos sociais, dos Diretos Humanos e, para tanto, é necessário, também, que se tenha uma instituição do Estado com relação à qual os titulares dos direitos sociais depositem confiança.

Não que a Justiça do Trabalho não pudesse ser alvo de críticas, eu mesmo tenho sido historicamente crítico da Justiça do Trabalho em vários aspectos ligados ao seu funcionamento, sobre a visão de mundo que expressa, etc. O que quero dizer é que o alto número de processos na Justiça não deveria ter sido visto como um defeito que devesse ser corrigido. Se havia grande número de reclamações trabalhistas isso, por um lado, é sinal de que parte considerável da população mais pobre do país confia em uma instituição do Estado, o que não deixa de ser uma conquista da cidadania; e, por outro, que, infelizmente, a legislação trabalhista continua sendo extremante desrespeitada em nosso país.

E como surgiu essa mecânica de destruição?

Para destruir essa via de acesso à Justiça foi feita muita propaganda dizendo que as reclamações trabalhistas eram maquiadas, inventadas; que os trabalhadores requeriam direitos que não eram devidos; que a Justiça conferia direitos não devidos – o que não era verdade, como se pode constatar dos números à época divulgados, revelando que a grande maioria das reclamações tratava de verbas rescisórias não pagas. Ainda temos uma realidade do trabalho que convive muito, infelizmente, com o desrespeito reiterado da legislação.

Esse desrespeito gera um conflito bastante intenso, que refletia nas ações perante a justiça. O que se fez foi, portanto, algo que, sem interromper essa prática de um Direto do Trabalho não respeitado de forma reiterada e convicta, visou unicamente dificultar a vida dos trabalhadores e trabalhadoras na luta por seus direitos.

Esse efeito da redução de reclamações, portanto, traz consigo um dado extremamente maléfico, que é contrário a uma lógica de Estado Social e que vai no sentido da destruição concreta de direitos humanos, sociais e trabalhistas.

E essa dificuldade de acesso à justiça por si está aliada a outros elementos que compõem a “reforma” trabalhista: fragilização da atuação sindical; multiplicação das formas de contratação precárias, e ampliação dos mecanismos de retirada de direitos por meio de negociações individuais entre trabalhadores e empregadores.

Estabeleceu-se a situação de um trabalhador que passa a ter uma dificuldade de ir à Justiça, com medo dos altos custos do processo e de um sindicato fragilizado pela perda de arrecadação para o seu custeio, em uma sociedade com um desemprego de 13 milhões de pessoas, as quais, por conta disso, estão dispostas a aceitar qualquer trabalho sem perspectiva de direitos.

Quais as consequências?

O trabalhador, nesse ambiente, com formas precárias de contratação e sendo pressionado para aceitar condições menos favoráveis em uma negociação individual com seu empregador, fica em posição de plena submissão. A soma de tudo isso é aquilo que tem sido verificado: o aumento do sofrimento no trabalho, das doenças no trabalho, das questões psíquicas que dizem respeito ao trabalho. E do ponto de vista econômico, já apontado em vários em estudos, a diminuição salarial, do ganho da classe trabalhadora.

As negociações de salários não estão conseguindo acompanhar na média sequer a inflação.

Então os trabalhadores estão participando menos da riqueza coletivamente produzida. Consequentemente a concentração [da riqueza] está sendo maior , sem que tenha havido também – e até por consequência disso – o que se prometeu: o aumento de pessoas empregadas. O que aconteceu foi a disseminação do subemprego, com redução tão intensa de direitos que a situação fica mais bem identificada como desemprego e rebaixamento do patamar de cidadania.

O efeito geral é desastroso do ponto de vista do projeto de sociedade, da inserção humana e de cidadania da classe trabalhadora. E é desastroso também no aspecto econômico, com redução de consumo e das possibilidades econômicas do país, de arrecadação, dos projetos públicos e dos investimentos públicos, o que, como efeito bola de neve, não se querendo reconhecer os erros, acaba alimentando o discurso em torno da necessidade de novas reformas, como a da Previdenciária, que vai penalizar novamente a classe trabalhadora.

Além disso, com a consequente redução das fontes de custeio necessárias para o enfrentamento das questões de ordem pública, o que se verifica, também, é o retorno de doenças que já se tinham por erradicadas e o completo desprezo pelos cuidados com o meio ambiente (vide as queimadas na Amazônia, que também têm outras explicações, como o atendimento prioritário e promíscuo aos interesses do agronegócio).

Tudo isso é efeito do esfacelamento posto em marcha desde a década de 1990 do projeto de Estado Social de Direito fixado na Constituição de 1988. Tudo está ligado. Pode parecer exagero, mas não é: tudo está ligado à “reforma” trabalhista.

A “reforma” trabalhistas alargou as fissuras e o que se vislumbra é o crescimento dos problemas sociais e econômicos que já existiam, com o gravame de que desta vez tudo é feito sem a menor despreocupação de acertar, deslocado de qualquer base de conhecimento, por meio de memes, lives, frases de efeito, ameaças e força bruta, que interditam até mesmo as possibilidades de debate.

A situação está ruim, mas estamos ainda no meio do caminho do que tende a ser pior. Sem querer assumir que caminharam na direção errada, começam a dizer que a reforma foi pouco e querem mais. Pretendem, então, aumentar a dose do mesmo “remédio”. E aumentar a dose é destruir o que sobrou: caminhamos possivelmente, se nada houver, para a destruição do Estado democrático de direitos sociais no Brasil.

Mas essa não é uma projeção no sentido do “inevitável”. Há, ainda, em funcionamento, muitas instituições jurídicas, democráticas e políticas (públicas e privadas), e essas instituições podem fazer um grande papel no sentido de barrar o percurso em direção à barbárie.

Hoje o caminho parece sem volta. Qual o senhor imagina que venha a ser o final dessa história? A população conseguiu entender o tamanho do problema que essas reformas trazem?

É difícil de responder o que vai acontecer. Quem faça esse tipo de análise depois senta e fica torcendo para estar certo, sempre com previsões pessimistas. Como eu não quero que aconteça, não vou projetar. Até porque nesses momentos da história em que essas crises se instauram, abre-se uma porta que vai para caminhos diversos que são construídos a cada novo dia, a cada instante. Um fato hoje pode mudar completamente o rumo dessa história. Mas os fatos não ocorrem por acaso, ocorrem por obra da vontade humana. Por isso é importante, o quanto antes a percepção da população sobre o que está ocorrendo, para que o futuro seja fruto de uma obra consciente e não do acaso.

É muito difícil apostar no que vai acontecer. Um esclarecimento popular mais amplo? Não é algo tão simples e que deflua naturalmente da necessidade econômica. Não podemos perder de vista que muitas pessoas, milhões até, na população brasileira, já vivenciam essa realidade de barbárie há muitos anos. A questão é que, agora, está se ampliando e atingindo a uma outra camada da população. As possibilidades de reação estão dadas. Mas daí a chegar a um estágio de compreensão e a uma atuação coletiva os passos podem ser bastante complexos. Afinal, na distopia o individualismo impera e as pessoas tentam se salvar nas batalhas do dia a dia.

Se você pensar na reforma da Previdência, por exemplo, deve lembrar que ela não diz respeito à realidade palpável de milhões de pessoas, que já estão fora desse regime há muitos anos. Ocorre que a reforma vai além e maltrata ainda mais até mesmo os excluídos. Oportunidades de reconstrução de laços de solidariedade se abrem. Mas se fecham se a perspectiva de reação se mantiver na linha da manutenção das coisas como estavam, onde direitos, aos olhos de milhões, apareciam como privilégios.

Digamos assim: a mera piora das condições materiais não é fundamento para acreditar que alguma reação popular ocorra. A situação de 56 milhões de brasileiros já é a de “viver” abaixo da linha da miséria. É preciso algo mais: é preciso apresentar razões suficientes, razões sérias, honestas, de que é possível construir uma sociedade que seja de fato inclusiva. Não dá para manter o mesmo discurso, não dá para simplesmente acusar a ordem política atual de estar destruindo tudo. É preciso ter uma proposta que seja construtiva e que seja realmente inclusiva.

A gente pode fazer a crítica em relação aos retrocessos – pode e deve. São muitos e em diversas áreas. Mas para reverter esse quadro, o discurso da preservação do quadro em que vivíamos não é suficiente. É preciso uma proposta de resistência ao retrocesso, mas que apresente avanços, porque senão o convencimento atinge a muito poucas pessoas e não ganha, por assim dizer, apoio popular. Não se esqueça que o discurso da redução de direitos é apoiado na luta contra os privilegiados e em favor dos que não têm emprego ou benefícios previdenciários.

E a respeito de uma suposta morte do Direito do Trabalho, com todos esses ataques: existe esse risco ou ao contrário, o Direito do Trabalho continua muito vivo?

Não existe uma possibilidade de inexistência de direitos trabalhistas num modelo de sociedade em que o trabalho é central. A regulação desta relação de trabalho, numa perspectiva produtiva, é isso que o Direito do Trabalho faz. Havendo trabalho assalariado, os direitos trabalhistas existirão e trabalho assalariado haverá enquanto se mantiver esse modelo de organização social baseada na exploração capitalista do trabalho. Essa é a realidade de diversos países. Os direitos podem ser distintos, mas em todos os lugares esses direitos atendem em geral os mesmos parâmetros: limitação da jornada, idade mínima para o trabalho, horas de descanso, proteção contra acidentes, proibição de formas degradantes de trabalho etc.

Essas regulações existirão de um jeito ou de outro. Mesmo que alguém consiga rasgar toda a legislação trabalhista, não significa dizer que o mundo do trabalho será mantido em plena anomia. O mundo do trabalho vai se reorganizar de algum modo e o conflito capital e trabalho vai gerar limitações à exploração do trabalho, enfim. A discussão que precisamos fazer é, portanto: que Direito do Trabalho queremos? Para quais finalidades?

E me parece, na linha do que falei há pouco, que, diante de uma proposta que preconiza uma terceirização ampla, o trabalho intermitente, a fragilização da atuação sindical, aumentando o sofrimento do trabalho e diminuindo a participação dos trabalhadores na riqueza nacional, é necessário apontar os efeitos já nefastos provocados por essas alterações, que são visíveis, mas a resistência não pode se limitar ao efeito de meramente defender a preservação do Direito do Trabalho no estágio em que se encontrava. Um Direito do Trabalho que já autorizava a terceirização na atividade-meio, gerando uma exclusão dentro da inclusão para 12 milhões de pessoas. Que não assegurava um salário mínimo minimamente adequado. Que não garantia a proteção contra a dispensa arbitraria. Que não era eficiente para proteger o efetivo exercício do direito de greve.

É preciso explicar para o conjunto da sociedade a relevância de se promover uma relação capital e trabalho em que o trabalho seja de fato inclusivo, sendo essencial para tanto que o sindicato tenha efetiva força negocial, o que só se atinge com o pleno exercício do direito de greve.

Uma sociedade que se organiza em torno da exploração capitalista do trabalho deve possuir mecanismos para impedir que o poder econômico não se estabeleça de forma absoluta, impondo-lhe, ao menos, limites para que as pessoas não morram de tanto trabalhar e para que a riqueza produzida seja melhor distribuída e atenda a interesses coletivos política, democrática e dialeticamente concebidos.

Construir uma sociedade viável à condição humana de todas as pessoas é o que atende ao que se pode conceber como um projeto de sociedade. Mas só se pode falar em projeto se este for concebido para todos e todas e se for integralmente compreendido. Nesse contexto, a melhoria das condições de trabalho e o aumento dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras deve ser compreendido como algo desejado por todos. E é isso, ademais o que está previsto na Constituição de 1988. Um de nossos grandes problemas, ademais, é o de que em nenhum momento formos capazes de experimentar esse pacto.

O momento é de discutir abertamente as potencialidades, os objetivos, as limitações e os benefícios do Direito do Trabalho. O Direito do Trabalho não será um instrumento revolucionário. Ele será um instrumento de melhoria das condições materiais da classe trabalhadora.

É importante debater se os Direitos Humanos, trabalhistas e sociais, impondo limites aos interesses puramente econômicos, são suficientes para salvar, aprimorar e desenvolver o modelo de sociedade capitalista como um projeto efetivamente viável à condição humana. Mas está fora de discussão a proposição inversa, pois sem a visualização desses limites não se tem qualquer perspectiva de uma sociedade em direção a algum lugar. Vira pura e simplesmente a luta de todos contra todos, o salve-se quem puder e o quem pode mais chora menos. Não resta qualquer tipo de argumento defensável do modelo de sociedade, que só tem sentido do ponto de vista de seres humanos que se organizam socialmente para satisfazerem suas necessidades comuns.

E o que acostumamos a chamar de “Uberização do trabalho”; fazendo uma comparação com os problemas trabalhistas que a gente já vivencia: é um fenômeno ainda mais grave?

Eu vejo com os olhos de quem estuda o Direito do Trabalho há muitos anos e que sempre o fez a partir de uma perspectiva histórica. Essa análise permite compreender os direitos trabalhistas como fruto dos conflitos sociais. Ao longo de décadas, algumas limitações ao poder econômico foram estabelecidas, como, por exemplo, limite do tempo do trabalho. No entanto, houve sempre um movimento de fuga do capital aos limites fixados. O Direito do Trabalho, visto como um aparato teórico técnico axiológico e teleológico concebido para aplicar as normas historicamente construídas, compreendendo os movimentos de fuga do capital, foi fincado em normas dinâmicas (princípios), exatamente para acompanhar e anular a eficácia desses movimentos. Assim, o advento de renovadas formas de exploração do trabalho é uma realidade bastante conhecida pelo Direito do Trabalho e que é, incapaz, portanto, de lhe ludibriar.

Além disso, os novos modos de exploração do trabalho acabam gerando, em muito pouco tempo, as bases materiais das quais os direitos nascem.

O processo de uberização, por isso, pode-se dizer, mesmo reconhecidas as suas particularidades, na essência, é mais do mesmo. As plataformas digitais são mecanismos que facilitam a utilização do trabalho alheio e a venda da força de trabalho no mercado. Aquilo que parece ser muito diferente, na verdade não tem diferença essencial. Assim, passado o encantamento, vai se apresentar como de fato é. Logo vai se perceber que um motorista que trabalha na Uber, que parece estar prestando um serviço para uma pessoa determinada por meio de um aplicativo, na verdade está vendendo sua força de trabalho para quem detém o aplicativo. A proprietária do aplicativo utiliza a força de trabalho do motorista para auferir lucro.

Os tais prestadores de serviço que antes viam na atividade uma espécie de bico, um modo de ganho entre um emprego e outro, persistindo na situação de desemprego e passando a encarar a atividade como principal e duradora, tendem a se perceber como trabalhadores e até se compreenderem como integrantes de uma coletividade específica. Daí a formação de sindicatos, para viabilizar a reivindicação de melhores condições de trabalho, é um pulo. E isso, ademais, já vem ocorrendo em vários países.

A Justiça do Trabalho vem acompanhando isso?

A Justiça do Trabalho poderá, sim, fazer a sua parte, reconhecendo direitos aos trabalhadores da dita economia 4.0. Mas não será a protagonista, vez que o movimento social precede.

Esse processo de precarização que o Brasil está passando encontra paralelo em outros lugares no mundo?

É um movimento mundial, mas há que se entender o seguinte: na periferia do capital as consequências do aumento da exploração do trabalho e da diminuição da proteção social, o primeiro já no nível mais elevado e o segundo no plano do patamar mínimo, são sentidas bem mais rapidamente e são muito mais graves.

A intensidade de precarização jurídica que se implementou no Brasil com a “reforma” trabalhista, e que se intensificou com a Lei da Liberdade Econômica, é bastante superior àquela que se encontra nos países de economia paralela com a do Brasil. Com isso, o Brasil, inclusive, passou a ser uma espécie de laboratório da retração profunda de direitos trabalhistas.

Essa experiência, dados os efeitos desastrosos já sentidos, tende a não ser seguida. Mas nós mesmos não estamos conseguindo compreender isso, pois até há quem considere a possibilidade de aumentar a dose.

Estamos, de fato, diante da urgência de iniciar uma reversão da retração de direitos trabalhistas e sociais e de recuperação da garantia do acesso à justiça. O caminho, urgente e necessário, deve ser o da evolução da proteção jurídico-trabalhista. Se não houver a reversão deste quadro, em pouco tempo, o quadro social e econômico poderá entrar em colapso, correndo-se o grave risco do aparecimento de “saídas” antidemocráticas.

Como esse enfraquecimento, essa desmoralização do Judiciário impacta na democracia?

Não acho que o Judiciário como um todo esteja desmoralizado por conta de situações que representam desvios da regularidade da atuação jurisdicional. Não se pode realizar uma avaliação generalizante a respeito. O Judiciário continua em regular funcionamento e isso é essencial, inclusive, para conter quaisquer pretensões autoritárias.

As instituições podem apresentar problemas, mas a identificação dos problemas não deve servir como desculpa para o aniquilamento das instituições. Devem, isto sim, ser visualizadas para o seu necessário aprimoramento, buscando a superação das deficiências explicitadas.

Para isso não são eficientes, também, as iniciativas que buscam simplesmente perseguir e destruir pessoas. A questão não é essa. Não é de um problema meramente pessoal que se trata. O aprimoramento passa pela compreensão de que as instituições servem à sociedade como um todo, no sentido da prestação de serviços voltados à satisfação dos interesses públicos.

É urgente reconhecer que o enfraquecimento do Judiciário pode ser um passo decisivo para o desprezo à democracia. E é fundamental, também, que os próprios integrantes do Judiciário tenham a percepção da relevância de seu papel, o que exige, mais do que nunca, uma reafirmação de seu compromisso com a regularidade procedimental, com o respeito às garantias constitucionais no plano dos direitos fundamentais e com a efetividade dos direitos sociais, aos quais os direitos econômicos estão condicionados.

Edição: Rodrigo Chagas

 

EXECUTIVO DA ODEBRECHT QUE DELATOU AÉCIO, LOBÃO, ACCIOLY E DIOGO MAINARDI É ENCONTRADO MORTO

Henrique Valladares, executivo da Odebrecht e delator, foi encontrado morto

Revista Fórum – Ex-vice presidente da Odebrecht, Henrique Valladares foi encontrado morto em sua casa, no Rio de Janeiro, nesta terça-feira, dia 17.

Em sua delação premiada, Valladares acusou Aécio Neves e seu partido, o PSDB, de terem recebido valores do Setor de Operações Estruturadas da empreiteira.

Apenas Aécio teria recebido R$ 50 milhões. Valladares também acusou o ex-ministro de Minas e Energia de Dilma, Edison Lobão, de receber R$ 5,5 milhões em propinas.

Tornou púbica a relação com lideranças indígenas. “Esse cara se tornou até meu amigo, tenho até um cocar lá em casa. O chefe da tribo lá é o Antenor Karitario. Pagava para ele R$ 5 mil por mês, depositado na conta da esposa. E mais R$ 2 mil para o Orlando que deve ser outro cacique lá da tribo”, declarou.

Citou ainda a CUT e falou de Diogo Mainardi, um dos donos do blog Antagonista, vazador oficial da Lava Jato.

Em depoimento gravado, contou que viu “o cara do Manhattan Connection” — Mainardi — no restaurante Gero, jantando com Aécio e Alexandre Accioly, proprietário da academia Bodytech e laranja do tucano.

Mainardi disse na ocasião que “esse delator inventa coisas”.

https://youtu.be/KlPBiB7jej8

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CÚPULA DA ÉPOCA DEIXA A REVISTA POR REPORTAGEM DE HELOÍSA BOLSONARO – Veja Vídeo

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CÚPULA DA ÉPOCA DEIXA A REVISTA POR REPORTAGEM DE HELOÍSA BOLSONARO
Heloisa e Eduardo Bolsonaro em maio, no casamento do casal

Noticias Uol | AmauryJr | Da Redação – A diretora de redação Daniela Pinheiro, o redator-chefe Plínio Fraga e o editor Marcelo Coppola, todos da redação da revista “Época”, deixaram o Grupo Globo na tarde desta terça-feira (17), segundo apurou o blog. A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da editora Globo para saber se o Grupo Globo demitiu os três jornalistas ou se partiu dos jornalistas a demissão, mas até o momento, não obteve resposta.

Na noite de segunda-feira, o Grupo Globo reconheceu que errou ao publicar reportagem sobre o trabalho de orientação pessoal e profissional (“coaching”) oferecido pela psicóloga Heloisa Wolf Bolsonaro, casada com o deputado Eduardo Bolsonaro e nora do presidente Jair Bolsonaro. Sem se identificar, um repórter da revista se submeteu a cinco sessões online com a psicóloga e as gravou sem o conhecimento dela. O material serviu de base para a reportagem. “Como toda atividade humana, o jornalismo não é imune a erros. Os controles existem, são eficientes na maior parte das vezes, mas há casos em que uma sucessão de eventos na cadeia que vai da pauta à publicação de uma reportagem produz um equívoco”, diz a nota do Grupo Globo. “Foi o que aconteceu com a reportagem ‘O coaching on-line de Heloisa Bolsonaro: as lições que podem ajudar Eduardo a ser embaixador’, publicada na última sexta-feira. Época se norteia pelos Princípios Editoriais do Grupo Globo, de conhecimento dos leitores e de suas fontes desde 2011. Mas, ao decidir publicar a reportagem, a revista errou, sem dolo, na interpretação de uma série deles.”

A Globo reconhece que não havia motivo para expor a privacidade da psicóloga. “O erro da revista foi tomar Heloisa Bolsonaro como pessoa pública ao participar de seu coaching on-line. Heloisa leva, porém, uma vida discreta, não participa de atividades públicas e desempenha sua profissão de acordo com a lei. Não pode, portanto, ser considerada uma figura pública”, diz a nota. Ao final, a empresa pede desculpas a Heloisa e aos leitores pela “decisão editorial equivocada”.

Leia Matéria completa AQUI.

Veja aqui vídeo do manifesto do Deputado Federal Eduardo Bolsonaro.

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COMISSÃO AUMENTA FUNDO PARTIDÁRIO E PROÍBE CORTE DO VALOR

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COMISSÃO AUMENTA FUNDO PARTIDÁRIO E PROÍBE CORTE DO VALOR
O deputado Cacá Leão (PP-BA), relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias Foto: Câmara dos Deputados 

Relator Cacá Leão (PP-BA) pretende elevar o valor incluindo a obrigatoriedade da correção pela inflação

O Globo – BRASÍLIA — O Congresso articula para aumentar ainda mais os recursos disponíveis aos partidos políticos no ano de 2020. O relatório aprovado pela Comissão Mista de Orçamento para a Lei de Diretrizes Orçamentárias ( LDO ) prevê a correção pela inflação dos recursos do fundo partidário , o que representaria um acréscimo de R$ 30 milhões nos recursos para os partidos. Somente este fundo poderia chegar a R$ 959 milhões no próximo ano. O mesmo texto prevê que as legendas possam receber mais R$ 3,7 bilhões do fundo eleitoral. O relatório da LDO ainda precisará ser votado pelo plenário do Congresso.

Ao destinar mais verba para o fundo partidário, o relator, deputado Cacá Leão (PP-BA), precisou remanejar recursos de outras áreas, sem detalhar quais. Pelo cálculo previsto em lei, o fundo partidário equivale a R$ 0,35 por eleitor, o que daria R$ 355,3 milhões em 2020. Esse recurso é usado para a manutenção anual dos partidos, mas foi liberado para campanhas eleitorais desde que o STF proibiu doações de empresas a partidos.

Nesta semana, o Senado deve votar as novas regras do projeto de reforma partidária, que permite que esse recurso subsidie o pagamento de advogados ou até mesmo seja usado para a compra de imóveis. Pautado às pressas na semana passada, o projeto foi retirado da pauta após quatro partidos pedirem obstrução da matéria. Para respeitar o prazo de anualidade, o texto preciso ser votado e sancionado até início de outubro.

Ao enviar os valores para a Lei de Diretrizes Orçamentárias, o Ministério da Economia afirmou estar obedecendo cálculos da atribuiu do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O PSL de Bolsonaro deve receber R$ 112 milhões caso o texto seja aprovado. Ano passado, a sigla — que era nanica — recebeu R$ 8 milhões. A previsão é que a LDO seja votada nesta quarta-feira. Procurado, Cacá Leão não retornou às ligações.

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TEMER NO RODA VIVA: ‘SE LULA FOSSE NOMEADO MINISTRO, NÃO HAVERIA IMPEACHMENT’

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TEMER NO RODA VIVA: 'SE LULA FOSSE NOMEADO MINISTRO, NÃO HAVERIA IMPEACHMENT'

Brasil247 – O ex-presidente Michel Temer disse no programa Roda Viva que “se Lula fosse nomeado ministro, o impeachment de Dilma não teria acontecido (…) Ele tinha bom contato com o Congresso.” Ele também disse que jamais apoiou ou fez qualquer tipo de empenho para o golpe”.

 

 

 

BRASIL | REDES CRIMINOSAS E IMPUNIDADE IMPULSIONAM DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA, DIZ HRW

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BRASIL | REDES CRIMINOSAS E IMPUNIDADE IMPULSIONAM DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA, DIZ HRW

Queimada no Pará, em 6 de setembro: “A situação só está piorando com o presidente Bolsonaro”, denuncia HRW

Deutsche Welle – Relatório da Human Rights Watch associa ação de fazendeiros e milícias armadas a violência e destruição da Floresta Amazônica. Impunidade e falta de fiscalização se agravaram durante o governo Bolsonaro, diz ONG.

Um relatório da ONG Human Rights Watch (HRW) divulgado nesta terça-feira (17/09) denuncia a ação de redes criminosas que impulsionam o desmatamento e as queimadas na Amazônia, com a participação de invasores de terra e fazendeiros que contam com a proteção de milícias armadas.

O documento de 169 páginas intitulado “Máfias do Ipê: como a violência e a impunidade alimentam o desmatamento na Amazônia brasileira”, estabelece ligações entre o desmatamento ilegal e os incêndios florestais com atos de violência e intimidação contra os chamados defensores da floresta, que incluem ativistas, agricultores, comunidades indígenas e até policiais e agentes públicos.

O nome do relatório se refere a uma das árvores consideradas mais valiosas nas áreas de florestas. Quando árvores são retiradas de pequenas faixas de mata é possível que o desmatamento não seja detectado por satélites.

Os grupos criminosos financiam o uso de grandes maquinários, como tratores caminhões e motosserras, e pagam pela mão de obra. Segundo o relatório, as ações ocorrem como consequência da grilagem – a falsificação de documentos para apropriação ilegal de terra.

“Existem redes criminosas na Amazônia que estão envolvidas na extração ilegal de madeira em larga escala e em outros crimes, como ocupação de terras públicas, grilagem e, em alguns casos, com garimpo ilegal e tráfico de drogas”, afirmou Cesar Munoz, um dos autores do relatório, citado pelo portal de notícias G1.

Essas redes seriam coordenadas por fazendeiros e invasores de terras que atuam na região com capacidade logística de coordenar a extração, o processamento e a venda de madeira em larga escala.

O relatório da HRW denuncia o fracasso do governo brasileiro em investigar e punir os responsáveis por esses crimes, o que é apontado como um dos fatores ligados a atos de violência contra os defensores da floresta.

“Os brasileiros que defendem a Amazônia enfrentam ameaças e ataques de redes criminosas envolvidas na extração ilegal de madeira”, afirmou Daniel Wilkinson, diretor de direitos humanos e meio ambiente da Human Right Watch. “A situação só está piorando com o presidente Bolsonaro, cujo ataque aos órgãos de proteção do meio ambiente coloca em risco a floresta e as pessoas que ali vivem.”

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A cadeia criminosa que ameaça a Floresta Amazônica

“O presidente Bolsonaro retrocedeu na aplicação das leis de proteção ambiental, enfraqueceu as agências federais responsáveis, além de atacar organizações e indivíduos que trabalham para preservar a floresta”, afirma a HRW. A organização também destaca o aumento do desmatamento e das queimadas nos primeiros oito meses do governo Bolsonaro.

A organização entrevistou mais de 170 pessoas entre 2017 e 2019, incluindo agentes do Instituto brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), da Fundação Nacional do Índio (Funai), além de indígenas, comunidades locais e agricultores, policiais e promotores.

Os dados sobre crimes associados ao uso do solo foram reunidos pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade ligada à Igreja Católica, que contabilizou ao menos 300 crimes nos últimos dez anos. Os números da CPT são usados pela Procuradoria-Geral da República, já que o governo federal não possui um sistema de monitoramento dessas atividades criminosas.

O levantamento feito em campo foi realizado nos estados do Amazonas, Pará e Maranhão, com o apoio de entidades parceiras da HRW que atuam contra a violência no campo e em defesa dos direitos das comunidades indígenas. A pesquisa analisou 40 ameaças de morte, quatro tentativas de assassinato e 28 assassinatos, tendo a maioria sido cometida desde 2015.

Segundo a ONG, havia nesses casos “evidências críveis de que os responsáveis por esses crimes estavam envolvidos no desmatamento ilegal e viam suas vítimas como obstáculos as suas atividades criminosas”.

Impunidade e falta de fiscalização

A impunidade dos criminosos também foi destaque no relatório. “Dos mais de 300 assassinatos registrados pela CPT, apenas 14 foram julgados; dos 28 assassinatos examinados pela Human Rights Watch, apenas dois foram julgados; e dos mais de 40 casos de ameaças, nenhum foi a julgamento”, diz a ONG.

Segundo a HRW, a polícia local reconhece suas próprias deficiência na condução de investigações adequadas e afirma que isso acontece porque as mortes ocorrem em áreas remotas. No entanto, a organização afirma ter documentado “graves omissões” nas investigações de assassinatos ocorridos em cidades, incluindo a falta de autópsias.

A HRW destaca a importância de ações das comunidades indígenas e outros grupos que vivem na Amazônia, que há muito tempo se esforçam para conter o desmatamento, alertando as autoridades sobre atividades ilegais que, de outra forma, poderiam passar despercebidas.

“A redução da fiscalização ambiental incentiva a extração ilegal de madeira e resulta em maior pressão sobre a população local para que assuma um papel mais ativo na defesa das florestas. Ao fazer isso, ela se expõe ao risco de represálias”. diz a ONG.

Em 2009, havia 1,6 mil inspetores do Ibama no Brasil. Em 2019, são apenas 780, sendo que somente uma parte deles está na Amazônia, aponta o relatório. No Pará, oito inspetores cuidam de uma área do tamanho da França. A Funai, que em 2012 possuía 3.111 funcionários, conta hoje com 2.224.

RC/lusa/ots

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COMO TRUMP USA METADADOS PARA ESPIONAR WHISTLEBLOWERS

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COMO TRUMP USA METADADOS PARA ESPIONAR WHISTLEBLOWERS

The Intercept Brasil | Micah Leemicah.lee@​theintercept.com@micahflee – Funcionários do governo que se tornam whistleblowers vêm enfrentando cada vez mais acusações baseadas em legislação como a Lei da Espionagem, mas eles não são espiões.

São americanos comuns que, como a maioria dos cidadãos, têm smartphones que automaticamente fazem backup dos arquivos na nuvem. Quando querem falar com alguém, eles ligam ou enviam um texto pelo telefone. Usam Gmail e compartilham memes e falam de política no Facebook. Às vezes, até acessam essas contas nos computadores do escritório.

Então, no meio de um trabalho, eles se deparam com uma informação preocupante. Por exemplo: que, frequentemente, o governo não faz ideia se as pessoas mortas durante um ataque com drones são civis ou não. Ou que a NSA testemunhou um ciberataque contra funcionários de seções eleitorais em 2016 e que o serviço de inteligência americano acredita que esse ataque tenha sido orquestrado pela Rússia, ainda que o presidente esteja o tempo todo na televisão dizendo o contrário. Ou que o FBI usa brechas sigilosas para contrariar suas próprias diretrizes no que diz respeito à infiltração em grupos políticos e religiosos. Ou que colaboradores de Donald Trump estão implicados em transações financeiras nebulosas.

Aí eles pesquisam em bancos de dados do governo atrás de mais informações e talvez imprimam alguns dos documentos encontrados. Buscam mais material sobre aquele assunto no Google. Talvez até enviem uma mensagem de texto para um amigo comentando quão surreal isso tudo parece ser, enquanto avaliam quais podem ser os próximos passos. Será que deveriam falar com um repórter? Então buscam dicas nos sites das organizações midiáticas de que gostam e começam a pesquisar sobre como usar o navegador Tor. Tudo isso acontece antes que eles entrem em contato com um jornalista pela primeira vez.

A maior parte das pessoas não está ciente disso, mas todos nós estamos sendo monitorados. As empresas de telecomunicação e as gigantes de tecnologia têm acesso a praticamente todos os nossos dados privados, desde a nossa exata localização a cada momento até o conteúdo de nossas mensagens de texto e de nossos emails. Mesmo quando esses dados particulares não são enviados diretamente para as empresas de tecnologia, nossos aparelhos continuam a registrá-los. Sabe o que você estava fazendo exatamente em seu computador dois meses atrás, às 15h05? Seu navegador provavelmente sabe.

Embora todos estejamos sob essa vigilância extensiva, para funcionários e prestadores de serviço do governo – especialmente aqueles com acesso a informações confidenciais – privacidade é algo praticamente inexistente.

Embora todos nós estejamos sob essa vigilância extensiva, para funcionários e prestadores de serviço do governo – especialmente aqueles com habilitação de segurança, ou seja, acesso a informações confidenciais – privacidade é algo praticamente inexistente. Tudo o que eles fazem nos computadores do trabalho é monitorado. Toda vez que realizam uma busca no banco de dados, o termo pesquisado, assim como o exato momento em que a busca foi feita, ficam registrados e diretamente associados a eles. O mesmo vale para quando acessam um documento secreto, imprimem qualquer coisa ou conectam um pen drive no computador. Pode haver registros de quando um funcionário faz um print da tela ou copia e cola algo. Mesmo quando alguém tenta driblar isso tudo tirando fotos diretamente da tela, câmeras no local de trabalho podem estar registrando cada um de seus movimentos.

Funcionários do governo com habilitação de segurança prometem “nunca divulgar informação confidencial para ninguém” que não esteja autorizado a recebê-la. Mas, para muitos whistleblowers, a decisão de ir a público está ligada a descobertas preocupantes sobre atividades do governo, associada à crença de que de que, enquanto aquela atividade permanecer secreta, o sistema não vai mudar. Ao mesmo tempo em que existe certa proteção para os whistleblowers que compartilham suas preocupações internamente ou que levam suas reclamações ao Congresso, existe também um longa história de punições contra essas mesmas pessoas que decidiram se manifestar.

O uso crescente da Lei de Espionagem, de 1917, que criminaliza a divulgação de informações relativas à “defesa nacional” por qualquer um que possa usá-las para prejudicar os EUA, mostra como o sistema é arquitetado contra whistleblowers.

O uso crescente da Lei de Espionagem, de 1917, que criminaliza a divulgação de informações relativas à “defesa nacional” por qualquer um “que se acredite ter intenção ou razão para usá-las a fim de prejudicar os Estados Unidos ou beneficiar uma nação estrangeira”, mostra como o sistema é arquitetado contra os whistleblowers. Membros do governo acusados com base nessa lei não podem argumentar que decidiram compartilhar suas descobertas motivados pelo desejo de ajudar os americanos a enfrentar e acabar com abusos do governo. “Essa lei é cega para a possibilidade de que o interesse público em conhecer a incompetência, a corrupção ou a criminalidade governamental possa ser mais importante que o interesse do governo em proteger um segredo”, escreveu Jameel Jaffer, diretor do Knight First Amendment Institute, em um artigo publicado recentemente. “Ela é cega para a diferença entre whistleblowers e espiões.”

Dos quatro casos ligados à Lei de Espionagem devido a supostos vazamentos no governo Trump, o mais atípico diz respeito a Joshua Schulte, um ex-desenvolvedor de software da  CIA acusado de passar para a WikiLeaks documentos da agência, assim como suas táticas de pirataria, no que ficou conhecido como “Vault 7”. O caso de Schulte difere dos demais porque, depois que o FBI confiscou seu computador, telefone e outros aparelhos por meio de uma invasão em março de 2017, o governo alegou ter descoberto mais de 10.000 imagens de pornografia infantil, assim como registros de conversas em que Schulte falava sobre imagens de abuso sexual de crianças, além de evidências de discurso racista. Inicialmente, os promotores fizeram várias acusações relacionadas a pornografia infantil e, depois, acusaram Schulte de agressão sexual, num caso separado, com base em indícios provenientes do telefone dele. Somente em junho de 2018, em um aditamento de sentença, o governo finalmente o acusou com base na Lei de Espionagem pelo vazamento de táticas de pirataria. Ele se declarou inocente de todas as acusações.

Os outros três casos relacionados à Lei de Espionagem com base em supostos vazamentos de segredos do governo envolveram pessoas identificadas como fontes de The Intercept. The Intercept não faz comentários sobre suas fontes anônimas, embora reconheça ter ficado aquém de suas próprias diretrizes editoriais em um caso. Não surpreende que uma publicação que nasceu a partir dos vazamento de Snowden e que se especializou na publicação de documentos secretos do governo cuja divulgação serve ao interesse público tenha se tornado um alvo atraente para a administração Trump em sua guerra contra os whistleblowers.

O governo vem para essa guerra armado com dispositivos como a Lei de Espionagem, que são terreno fértil para abuso, e com um aparato tecnológico impressionante na área de vigilância, que praticamente não tem limites quando aplicado a seus próprios funcionários e prestadores de serviço. Porém, os jornalistas dos EUA também dispõem de ferramentas, incluindo a Primeira Emenda à Constituição e a capacidade de aprender sobre os métodos que o governo usa para rastrear e espionar seus empregados. Nós mergulhamos nos processos relativos a todos os sete casos ajuizados pelo Departamento de Justiça de Trump para identificar os métodos que o governo utiliza para identificar fontes confidenciais.

Quando um funcionário do governo se torna um whistleblower, o FBI tem acesso a um amplo conjunto de dados descrevendo exatamente o que aconteceu nos computadores do governo e quem pesquisou o quê nos bancos de dados, o que ajuda a reduzir a lista de suspeitos. Quantas pessoas acessaram esse documento? Quantas o imprimiram? É possível utilizar contra elas alguma das mensagens presentes no email de trabalho? Que evidência pode ser extraída dos computadores que usavam no escritório?

Assim que o FBI obtém uma lista de suspeitos com base na vasta quantidade de informações que o próprio governo coletou, eles usam ordens judiciais ou mandados de busca para acessar ainda mais dados acerca dos alvos de sua investigação. Eles obrigam empresas de tecnologia, cujos modelos de negócio frequentemente se baseiam em coletar a maior quantidade possível de dados sobre seus usuários, a entregarem tudo, incluindo emails pessoais, mensagens de texto, metadados sobre chamadas telefônicas, backups do smartphone, dados relativos a localização, arquivos armazenados no Dropbox e muito mais. Agentes do FBI invadem as residências e vasculham os veículos dos suspeitos, extraindo tudo o que podem de seus telefones, computadores e dos discos rígidos que encontram. Às vezes, isso inclui arquivos que os suspeitos achavam que tinham apagado ou mensagens de texto e documentos enviados por meio de serviços que criptografam as mensagens, como Signal ou Whatsapp. A encriptação que esses apps usam protege as mensagens enquanto elas estão sendo enviadas pela internet, de modo que o próprio serviço não possa espiar o conteúdo ou entregá-lo para o governo, porém não protege as mensagens armazenadas num telefone ou em outro aparelho que seja apreendido e analisado.

Como whistleblowers não são espiões, normalmente eles não sabem como evitar esse tipo de vigilância. Um whistleblower que sabia com quem estava lidando, o ex-agente da CIA e da NSA Edward Snowden, não considerava qualquer possibilidade de trazer segredos do governo a público e permanecer anônimo.

“Agradeço sua preocupação com minha segurança”, escreveu Snowden em 2013 (em um email criptografado, de um endereço anônimo e não associado a sua identidade real, que ele acessava somente por meio da rede Tor) para a cineasta Laura Poitras, “mas eu já sei como isso vai terminar para mim e aceito o risco”. No documentário “Citizenfour”, Snowden explica que as medidas de segurança que ele adotou enquanto contatava jornalistas foram pensadas apenas para que ele dispusesse do tempo necessário para fazer com que as assombrosas invasões de segurança da NSA chegassem ao público americano. “Não acho que seja possível eu não ser descoberto com o tempo”, disse Snowden em um quarto de hotel em Hong Kong antes de se apresentar publicamente como fonte do vazamento.

Se quisermos viver num mundo onde as pessoas possam trazer à tona questões preocupantes, de forma segura, então precisamos de uma tecnologia que proteja a privacidade de todo mundo, e essa precisa ser a configuração padrão. Tal tecnologia também protegeria a privacidade dos whistleblowers antes que eles decidam se tornar fontes.

Em 2017, na primeira denúncia contra um suposto whistleblower desde que Trump assumiu a presidência, o Departamento de Justiça acusou Reality Leigh Winner com base na Lei de Espionagem. A alegação era de que Winner vazou um documento ultrassecreto da NSA para uma organização jornalística, amplamente divulgada como sendo The Intercept. Na época, Winner tinha 25 anos e era uma veterana condecorada da Força Aérea dos EUA, além de ser uma dedicada treinadora de crossfit, apaixonada por questões envolvendo a crise climática. O documento em questão era um relatório da inteligência da NSA descrevendo um ciberataque: oficiais da inteligência militar russa hackearam uma empresa americana que fornecia suporte técnico às eleições e, dias antes da votação de 2016, enviou aos funcionários das seções eleitorais  — que eram clientes dessa companhia — mais de 100 emails com vírus, na expectativa de obter controle sobre os equipamentos infectados.

Funcionários do governo acusados sob a Lei de Espionagem não são autorizadas a se defender alegando que agiram em prol do interesse público.

De acordo com os autos do processo, Winner foi uma das seis pessoas que imprimiram o documento que ela foi acusada de vazar (ela tinha buscado, acessado e mandado imprimir o arquivo no dia 9 de maio de 2017). Depois de examinar os computadores de trabalho dos seis funcionários, eles descobriram que Winner era a única dentre eles a ter contato por email com a organização jornalística que publicou o documento. (Usando sua conta pessoal no Gmail, ela tinha pedido à organização a transcrição de um podcast). Na época, aqueles que acusaram The Intercept de ter revelado a identidade de Winner disseram que o veículo, na tentativa de autenticar o documento que havia recebido de uma fonte anônima, compartilhou com o governo uma cópia que continha uma dobra, indicado que o material tinha sido impresso. Mas só a história relativa ao email e à impressão feita por Winner já bastavam para transformá-la na principal suspeita.

Agentes do FBI então invadiram sua residência e a interrogaram sem a presença de um advogado e sem informar que ela tinha o direito de permanecer calada, o que levou sua defesa a acusar o governo de ter violado o chamado Aviso de Miranda (direito ao silêncio, com base no princípio da não autoincriminação). Na casa de Winner, eles encontraram notas manuscritas sobre como utilizar um celular descartável e o navegador Tor. Também apreenderam seu smartphone Android e seu laptop, dos quais extraíram mais evidências.

O FBI também obrigou várias empresas de tecnologia a entregar informações relativas às contas de Winner. O Facebook forneceu dados das contas dela no Facebook e no Instagram; o Google, das duas contas de Gmail que ela usava; o Twitter compartilhou dados da conta dela, e a AT&T também colaborou.

Não sabemos exatamente o que essas empresas entregaram, mas sabemos que elas foram obrigadas a abrir toda a informação associada às contas de Winner, incluindo:

  • Nome do usuário, endereço de email, endereço físico, números de telefone e de cartões de crédito.
  • O histórico de cada vez que ela acessou as contas, durante quanto tempo e a partir de que endereço de IP.
  • Metadados relativos a toda a comunicação que ela já teve por meio desses serviços, incluindo o tipo de comunicação, a fonte e o destino, assim como o tamanho do arquivo ou a duração da comunicação.

O FBI também exigiu registros das contas que estavam associadas aos perfis dela no  Facebook, Instagram, Google, Twitter e At&T — aquelas que foram criadas usando o mesmo endereço de email, acessadas pelo mesmo endereço de IP ou a partir do mesmo navegador. (Se os usuários não tomam cuidados extras para permanecer anônimos, os provedores podem facilmente relacionar diferentes contas acessadas a partir do mesmo computador.)

O FBI também extraiu tudo o que podia do telefone de Winner:

  • Fotos dela, incluindo uma que foi tirada em 7 de fevereiro de 2017, de um site que listava oito servidores de SecureDrop (sistema de envio de informações confidenciais) utilizados por diferentes organizações midiáticas.
  • Dados relativos aos aplicativos no smartphone dela, como o app do Facebook, que continha mensagens privadas que ela trocou com a irmã e que depois foram utilizadas contra ela.
  • O histórico do navegador: no dia 7 de março, ela visitou um site que continha uma lista de “provedores de email na dark web” e pesquisou na internet sobre “email tor”. No dia 9 de maio, “aproximadamente às 19h28m49s”, Winner pesquisou e acessou uma página com dicas para whistleblowers, no site do veículo para o qual ela foi acusada de vazar o documento da NSA. Ela também viu as dicas oferecidas em outro site jornalístico e mais tarde, naquela mesma noite, acessou sua conta de Dropbox; três minutos depois, voltou a ver a página com dicas no site do primeiro veículo.

Então o FBI conseguiu um mandado de busca direcionado ao Dropbox, exigindo todos os arquivos e demais informações armazenadas na conta de Winner, assim como “quaisquer mensagens, registros, arquivos ou informações que tenham sido apagadas mas ainda estejam disponíveis para a Dropbox Inc.” O Dropbox entregou ao FBI um pen drive contendo esses dados.

Eles também obtiveram um mandado de busca endereçado ao Google, demandando praticamente tudo que estivesse armazenado na conta de Winner, incluindo:

  • Todas as mensagens da conta dela no Gmail.
  • O histórico das buscas no Google.
  • O histórico de suas localizações.
  • Toda a atividade de seu navegador que pudesse ser identificada com base em cookies (isso possivelmente incluiria uma lista de todos os sites que ela visitou que usassem o serviço de Google Analytics).
  • Backups do telefone Android.

Com base nos metadados que o FBI obteve por meio da primeira ordem judicial endereçada ao Google, o órgão descobriu uma nova conta do Google, desconhecida até então. O mandado de busca exigiu dados acerca dessa outra conta também, e o Google entregou ao FBI “mais de 809MB de arquivos eletrônicos (compactados)” com informações provenientes das duas contas de Winner.

O FBI também obteve dados a partir do laptop dela. Descobriram que ela tinha realizado o download do navegador Tor no dia 1º de fevereiro de 2017 e que o utilizou em fevereiro e março. O FBI também descobriu uma nota salva na área de trabalho que continha o nome de usuário e a senha para uma pequena companhia de email chamada VFEmail, então conseguiu outro mandado de busca exigindo uma cópia de tudo relativo a essa conta.

Winner foi considerada culpada e condenada a cinco anos de prisão, a mais longa sentença já dada a uma suposta fonte jornalística por uma corte federal. A First Look Media, proprietária de The Intercept, contribuiu com a defesa legal de Winner por meio do Press Freedom Defense Fund.

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Ilustração: Owen Freeman para o Intercept

A o longo da notável carreira de 16 anos de Terry Albury no setor de contraterrorismo no FBI, ele “observou ou vivenciou frequentemente episódios de racismo e discriminação dentro do órgão”, de acordo com documentos judiciais. Único negro a ser agente especial do FBI no escritório regional de Minneapolis, ele ficou especialmente incomodado com o que considerava ser um “viés sistêmico” no órgão, particularmente no que dizia respeito aos maus tratos dispensados a informantes. Em 2018, o Departamento de Justiça acusou Albury de espionagem por vazar documentos secretos para uma organização jornalística, supostamente The Intercept, que publicou no início de 2017 uma série de revelações com base em diretrizes confidenciais do FBI, incluindo detalhes relativos a táticas controversas para investigar minorias e espionar jornalistas.

Ainda que o FBI não soubesse se os documentos tinham sido impressos antes de ser compartilhados, não foi difícil rastrear quem os havia acessado. O FBI identificou 16 pessoas que tinham acessado um dos 27 documentos divulgados pelo site de notícias. Eles vasculharam os computadores de trabalho de todas essas 16 pessoas, incluindo o de Albury, e descobriram que seu computador também tinha acessado “mais de dois terços” dos documentos que vieram a público.

Segundo os autos, o FBI utilizou uma série de atividades identificadas no computador de Albury como evidências contra ele: quais foram os documentos que ele acessou e quando isso ocorreu, quando ele tirou print das telas, quando copiou e colou esses prints em documentos que não foram salvos, e quando os imprimiu. Por exemplo, no dia 10 de maio de 2016, entre as 12h34 e as 12h50, Albury buscou dois documentos confidenciais. Dezenove minutos depois, ele copiou dois prints de tela em um arquivo do Word que não foi salvo e, ao longo dos 45 minutos seguintes, adicionou outros 11 prints em um arquivo de Excel que também não foi salvo. Ao longo do dia, ele viu mais documentos secretos e continuou a fazer prints da tela, copiando as imagens para o arquivo no Excel. Às 17h29, ele imprimiu esse arquivo e então o fechou, sem salvar.

E não era apenas seu computador que estava sob monitoramento no trabalho. Usando um sistema de circuito fechado, o FBI captou imagens de Albury. Nos dias 16 de junho, 23 e 24 de agosto de 2017, o sistema registrou Albury segurando uma câmera digital prateada, inserindo “o que parecia ser um cartão de memória” no equipamento e tirando fotos da tela do computador. Nos três dias, ainda de acordo com os autos do processo, ele estava visualizando documentos na tela de seu computador.

“Isso se tornou uma questão de direitos humanos para ele”, disse a esposa de Albury em um documento no qual pedia uma pena mais branda para o marido, “os maus tratos e as táticas que foram usadas pelo FBI e a forma como ele era parte disso”. Albury, que tem 40 anos, declarou-se culpado e foi condenado a quatro anos na prisão, além de três anos de liberdade assistida.

Aplicativos como Signal e WhatsApp tornaram mais simples a comunicação entre jornalistas e suas fontes graças à encriptação de mensagens, fazendo com que apenas os aparelhos telefônicos de cada parte da conversa podem acessá-las, e não o próprio serviço. (Isso não é verdade quando são utilizadas opções que não criptografam as mensagens, tais como Skype e Slack, serviços de mensagem direta no Twitter e no Facebook, ou mensagens normais de texto e chamadas telefônicas). Ainda assim, a criptografia não protege as mensagens quando o telefone é examinado fisicamente e o usuário não apagou seu histórico de mensagens. Isso ficou absolutamente claro em 7 de junho de 2018, quando o Departamento de Justiça acusou James Wolfe, ex assistente do Comitê de Inteligência do Senado, de fazer declarações falsas ao FBI.

Conforme documentos judiciais, Wolfe disse aos agentes que investigavam o vazamento que não tinha entrado em contato com jornalistas. Mas a acusação cita o conteúdo de conversas que ele travou com jornalistas por meio do serviço Signal. O documento não menciona como o FBI obteve essas mensagens, mas a única conclusão razoável é a de que os agentes as encontraram enquanto vasculhavam o telefone de Wolfe.

Além de obter as conversas no Signal, o FBI examinou o email profissional de Wolfe e encontrou uma troca mensagens entre ele e um jornalista. O FBI sabia que ele tinha se encontrado pessoalmente com repórteres, assim como sabia quando esses encontros ocorreram. Mencionaram, além disso, centenas de mensagens de texto trocadas com jornalistas, e sabiam com quais deles Wolfe havia falado por telefone, e durante quanto tempo.

Ao longo da mesma investigação, o Departamento de Justiça enviou para o Google e para a Verizon ordens de apreensão que visavam obter anos de registros telefônicos e de email pertencentes a Ali Watkins, repórter de segurança nacional do New York Times, que havia trabalhado antes para BuzzFeed News e Politico. O FBI estava investigando uma fonte de Watkins para um artigo publicado no BuzzFeed sobre um espião russo que tentou recrutar Carter Page, conselheiro de Trump. Os registros apreendidos compreendiam até o período em que Watkins estava na faculdade. Esse foi o primeiro caso conhecido em que o governo Trump foi atrás das comunicações de um repórter.

Wolfe se declarou culpado por ter mentido aos investigadores acerca de seus contatos com a mídia e foi condenado a dois meses de prisão, além de receber uma multa de US$ 7.500.

Mesmo sem vasculhar fisicamente um telefone, o FBI pode obter metadados em tempo real, ver quem manda mensagens para quem e quando, por meio de pelo menos um app de mensagens criptografadas. Isso aconteceu no caso de Natalie Mayflower Sours Edwards, uma assessora sênior da divisão de crimes financeiros (FinCen), do Departamento do Tesouro. No fim de 2018, o Departamento de Justiça acusou Edwards de supostamente passar para um jornalista (Jason Leopold, da BuzzFeed News, segundo foi amplamente noticiado) detalhes relativos a transações financeiras suspeitas envolvendo operadores republicanos, membros seniores da campanha de Trump, e um agente russo conectado ao Kremlin e a oligarcas russos.

De acordo com autos do processo, o FBI conseguiu uma “autorização judicial para [uso de dispositivos do tipo] ‘pen register’ e ‘trap and trace’” visando espionar o telefone pessoal de Edwards. Essa ordem permite que o órgão colete vários tipos de metadados relativos à comunicação de um telefone usando um amplo leque de técnicas — exigindo que outras partes entreguem seus metadados, por exemplo, ou usando um dispositivo como o StingRay, que simula uma torre de celular de modo a enganar os aparelhos, fazendo com que eles se conectem e, a partir daí, possam ser espionados.

Graças a essa autorização, o FBI teve, em tese, condições de reunir em tempo real metadados provenientes de um app de mensagens criptografadas no celular de Edwards. Por exemplo, no dia 1º de agosto de 2018, às 0h33, seis horas depois de essa ordem judicial “entrar em vigor” e um dia depois de o BuzzFeed News publicar uma das reportagens, ela supostamente trocou 70 mensagens criptografadas com o repórter. No dia seguinte, uma semana antes de o BuzzFeed News publicar mais uma matéria, ambos teriam trocado mais 541 mensagens.

Os autos não indicam o nome do app que foi utilizado, e não está claro como o governo obteve os metadados. Porém, ele não poderia tê-los obtido monitorando diretamente o tráfego de internet proveniente do telefone de Edwards. Desta forma, o mais provável é que o governo tenha ordenado a um serviço de mensagens que fornecesse os metadados, e o serviço obedeceu.

Moxie Marlinspike, fundador do Signal, disse que o app não é responsável. “Signal foi desenvolvido para preservar a privacidade e coleta o mínimo de informação possível”, disse ele a The Intercept. “Além da criptografia de ponta a ponta para cada mensagem, Signal não tem qualquer qualquer registro dos contatos de um usuário, dos grupos dos quais participa, dos nomes ou avatares de qualquer grupo, dos nomes no perfil ou dos avatares dos usuários. Mesmo as buscas por GIF são protegidas. Na maior parte do tempo, a nova tecnologia do Signal, Sealed Sender, significa que nós não sabemos quem está escrevendo para quem. Cada demanda do governo que nós respondemos está listada em nosso site, assim como nossa resposta, em que é possível ver que os dados que somos capazes de fornecer é praticamente nada.”

Um porta-voz do WhatsApp disse que eles não comentam casos específicos e indicou uma seção de FAQ (perguntas frequentes) sobre as respostas que o serviço fornece mediante solicitações de cumprimento da lei. O documento afirma que o WhatsApp pode “coletar, usar, preservar e compartilhar informações de usuários se acreditarmos de boa fé que isso é necessário” para “responder a processos legais ou solicitações governamentais”. De acordo com o relatório de transparência do Facebook, que inclui demandas por dados de usuários do WhatsApp, durante o segundo semestre de 2018 (período em que entrou em vigor a ordem autorizando o uso de “pen register” contra o telefone de Edwards), o Facebook recebeu 4.904 pedidos de “Pen Register / Trap & Trace”, que visavam a obtenção de dados referentes a 6.193 usuários, e forneceu “alguns dados” para 92% dessas demandas.

Um porta-voz da Apple optou por não comentar mas indicou a seção de diretrizes do processo legal sobre o tipo de dados relacionados ao iMessage que a Apple pode fornecer mediante ordem judicial. “Projetamos o iMessage e o FaceTime para usar criptografia de ponta a ponta, de maneira a impossibilitar que a Apple descriptografe o conteúdo das suas conversas quando elas estiverem em trânsito entre os dispositivos”, informa o texto. “A Apple não pode interceptar as comunicações do iMessage e não possui registros da comunicação via iMessage”. A companhia reconhece, contudo, dispor de “capability query logs do iMessage” o que indica que o app no aparelho de um usuário deu início ao processo de envio de mensagem para a conta de iMessage de outro usuário. “Capability query logs não indicam que qualquer comunicação entre usuários foi efetivamente realizada”, diz o texto, informando que esses registros são retidos por até 30 dias e, caso estejam disponíveis, podem ser obtidas por meio de um mandado de busca, por exemplo.

O FBI exigiu que uma operadora entregasse os registros telefônicos relativos ao celular particular de Edwards e fez o mesmo com um colega dela, a quem se referiram como sendo um “co-conspirador”. O órgão também obteve um mandado de busca para o email particular de Edwards, provavelmente Gmail, e a partir dessa conta, acessou o histórico de buscas dela na internet (acusaram-na de buscar reportagens sobre os vazamentos atribuídos a ela, pouco tempo depois de esses textos serem publicados). Por meio de um mandado de busca, o FBI apreendeu um pen drive e o celular particular de Edwards. Segundo a denúncia, o pen drive continha 24.000 arquivos, incluindo milhares de documentos que descreviam transações financeiras suspeitas. No celular, os agentes encontraram mensagens que Edwards supostamente trocou com um jornalista.

Edwards pode receber uma pena de até 10 anos na prisão. Ela se declara inocente.

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Ilustração: Owen Freeman para o Intercept

Funcionários do governo frequentemente têm acesso a documentos restritos por meio de bancos de dados internos, incluindo alguns administrados por companhias privadas como a Palantir. Esses sistemas rastreiam o que cada usuário faz: que termos eles buscam, em que documentos clicam, em quais realizam download e exatamente quando. Funcionário da Receita Federal, John Fry tinha acesso a vários deles, incluindo um administrado pela Palantir, assim como ao banco de dados FinCEN — o mesmo onde Edwards teria encontrado relatórios de atividade suspeita.

Em fevereiro deste ano, o Departamento de Justiça acusou Fry de supostamente fornecer detalhes acerca de transações financeiras suspeitas envolvendo Michael Cohen, ex-advogado de Trump, para o proeminente advogado Michael Avenatti e para pelo menos um jornalista, Ronan Farrow, da New Yorker. Em uma dessas transações, realizada pouco antes das eleições de 2016, Cohen pagou US$ 130 mil a uma atriz pornô, como forma de mantê-la calada acerca de um affair que ela afirma ter tido com Donald Trump.

No dia 4 de maio de 2018, às 14h54, Fry supostamente acessou o banco de dados Palantir em busca de informações relativas a Cohen e fez o download de cinco relatórios de atividade suspeita, segundo informam os autos. No mesmo dia, Fry supostamente realizou várias buscas por documentos específicos no banco de dados FinCEN.

O FBI obteve os registros telefônicos de Fry por meio de sua operadora de telefonia. Depois de fazer o download dos relatórios de atividade suspeita associados a Cohen, Fry aparentemente ligou para Avenatti. Alega-se que, mais tarde, ele ligou para um jornalista, numa conversa que durou 42 minutos. Então o FBI conseguiu um mandado de busca para o telefone de Fry. Entre os dias 12 de maio e 8 de junho de 2018, Fry supostamente trocou 57 mensagens com o jornalista via WhatsApp. Depois que a matéria foi publicada, ele teria enviado uma mensagem elogiosa: “muito bem-escrita, como imaginei que seria”. O número do jornalista supostamente estava na lista de contatos do celular de Fry.

Fry pode receber uma pena de até 5 anos na prisão. Ele se declara inocente.

Daniel Hale já era ideologicamente contra guerras antes de entrar para as Forças Armadas, em 2009, quando tinha 21 anos de idade, mas sentiu que não tinha escolha. “Eu era sem teto, estava desesperado, não tinha pra onde ir, e a Força Aérea me aceitou”, disse Hale em “National Bird,” um documentário de 2016 sobre whistleblowers que debate o uso de drones para fins bélicos.

Hale passou os cinco anos seguintes trabalhando no departamento de drones para a NSA, na Força Tarefa Conjunta de Operações Especiais no Afeganistão, e como prestador de serviço lotado na Agência Nacional de Inteligência Geoespacial. Seu trabalho incluía ajudar a identificar alvos a serem assassinados.

Hale é também um ativista declarado. “A coisa mais perturbadora em torno do meu envolvimento com drones é não saber se alguém que eu ajudei a matar ou a capturar era um civil ou não”, ele disse no filme. “Não tem como saber.”

Em maio, o Departamento de Justiça acusou Hale de espionagem por supostamente vazar documentos confidenciais relacionados ao uso bélico de drones para uma organização jornalística. Representantes da administração Trump identificaram o veículo como sendo The Intercept, que publicou em 2015 as matérias mais detalhadas já feitas sobre o programa de assassinatos do governo dos Estados Unidos.

“Em uma denúncia revelada no dia 9 de maio, o governo alega que documentos do programa americano de drones foram vazados para uma organização jornalística”, disse Betsy Reed, Editor-in-Chief de The Intercept, em um comunicado sobre a acusação enfrentada por Hale. “Esses documentos detalhavam um processo secreto, inimputável, para mirar e matar pessoas ao redor do mundo, incluindo cidadãos americanos, por meio de ataques com drones. Eles são de importância pública vital, e atividades relativas a sua exposição estão protegidas pela Primeira Emenda. O suposto whistleblower pode receber uma pena de até 50 anos na prisão. Ninguém nunca foi responsabilizado por matar civis em ataques com drones.”

No dia 8 de agosto de 2014, dezenas de agentes do FBI invadiram armados a residência de Hale e vasculharam seu computador e pen drives. Tudo isso aconteceu durante a administração Obama, que desistiu de entrar com uma ação. Cinco anos depois, o Departamento de Justiça de Trump reativou o caso.

De acordo com documentos judiciais, investigadores tinham acesso aos termos exatos que Hale supostamente digitou em diferentes computadores: um para trabalho comum e o outro para trabalho confidencial, assim como podiam saber quando isso ocorreu. As evidências contra ele incluíam trechos de supostas mensagens que ele teria enviado para seus amigos, além de textos e conversas por email com um jornalista, que alguns veículos identificaram como sendo Jeremy Scahill, de The Intercept. O material descreve metadados relativos às chamadas telefônicas de Hale. Alega-se que ele foi a um evento numa livraria e sentou ao lado do jornalista. Tudo isso ocorreu antes que ele supostamente enviasse qualquer documento para a mídia.

Entre setembro de 2013 e fevereiro de 2014, de acordo com a acusação, Hale e o jornalista “tiveram pelo menos três conversas criptografadas via Jabber”, um tipo de chat online. Não está claro onde o governo obteve essa informação; ela pode ter vindo de monitoramento na internet, do próprio provedor do Jabber ou da análise do computador de Hale. E, assim como nos casos de Winner e Albury, o FBI sabia exatamente que documentos Hale teria mandado imprimir e quando. A acusação alega que Hale imprimiu 32 documentos, dos quais pelo menos 17 foram posteriormente publicados, “na íntegra ou parcialmente”, pela organização de notícias.

Quando o FBI invadiu a casa de Hale, os agentes supostamente encontraram um documento confidencial em seu computador, além de outro num pen drive, que Hale teria “tentado apagar.” Eles também encontraram, em outro pen drive, o sistema operacional Tails, desenvolvido para manter dados e navegação na internet privada e anônima, embora não pareça que o FBI tenha obtido qualquer dados a partir disso. Entre os contatos do celular de Hale, agentes alegaram ter encontrado o número telefônico do jornalista.

Hale, que agora tem 32 anos, pode receber uma pena de até 50 anos na cadeia. Ele se declarou inocente.

Ainda que as probabilidades sejam desfavoráveis em relação a fontes que desejam permanecer anônimas, persiste alguma esperança. Fontes distintas se deparam com riscos extremamente diferentes. Se você trabalha para uma companhia como Google, Facebook ou Goldman Sachs, você pode se ver sob intensa vigilância em relação a seus dispositivos de trabalho, enquanto seus equipamentos pessoais permanecem fora do alcance do seu empregador (desde que você não confie nos serviços que ele controla para se comunicar com jornalistas). E algumas fontes do governo podem dispor de caminhos que dão acesso a documentos secretos cuja divulgação é de interesse público, porém não geram um registro com horário carimbado, associado ao nome do usuário.

Está cada vez mais claro que a primeira evidência a ser usada contra whistleblowers vem de eventos que aconteceram antes de eles entrarem em contato com a mídia, ou mesmo antes de eles tomarem a decisão de divulgar qualquer coisa. Mas ainda é crucial que os jornalistas estejam preparados para proteger suas fontes da melhor forma possível sempre que um whistleblower procurar por eles. Isso inclui usar sistemas como SecureDrop, que oferece às fontes caminhos seguros, livres de metadados, para entrar em contato com a mídia, e minimiza os rastros de contato entre os aparelhos.

Os jornalistas também devem adotar medidas para reduzir, em sua comunicação com a fonte, a quantidade de informação que é acessível a empresas de tecnologia, usando sempre apps de mensagens criptografadas em vez de mensagens de texto inseguras e sempre apagando o conteúdo. Eles também devem encorajar suas fontes a não adicioná-los na lista de contato do telefone, já que isso pode ser sincronizado com servidores como Google ou Apple.

O processo jornalístico de verificação da autenticidade dos documentos também traz risco para as fontes anônimas, mas esse processo é fundamental para assegurar que o material não foi falsificado ou alterado, e para manter sua credibilidade junto aos leitores. O processo de autenticação, que frequentemente envolve compartilhar parte do conteúdo de uma futura matéria com o governo, é uma prática jornalística comum que dá ao governo a chance de ponderar os riscos envolvidos na publicação daquele material, riscos estes dos quais o jornalista pode não estar ciente. Ao transformar esse processo numa armadilha para jornalistas e fontes, o governo está prejudicando a oportunidade que tem de proteger seus interesses legítimos e contar seu lado da história.

As organizações jornalísticas também precisam tomar decisões difíceis acerca do que publicar. Às vezes, elas podem decidir que é mais seguro não divulgar documentos se a história puder ser contada só com a descrição do conteúdo, deixando em aberto de onde aquelas informações provêm. Entretanto, essas abordagens diminuem a transparência junto aos leitores e também podem limitar o impacto da história, o que é importante tanto para jornalistas como para whistleblowers. Em uma era em que o rótulo “fake news” é usado para tirar o crédito de jornalismo investigativo sério, documentos de fonte original servem como uma evidência poderosa para refutar essas acusações.

Apps de mensagens criptografadas trouxeram um grande avanço na segurança de conversas online, mas ainda apresentam grandes problemas quando se trata da proteção de fontes. Muitos, incluindo WhatsApp e Signal, incentivam os usuários a adicionar o número das pessoas com quem trocam mensagens, o que frequentemente é sincronizado com a nuvem, e WhatsApp encoraja os usuários a fazer o backup de seu histórico de mensagens. Embora o Facebook, que detém o WhatsApp, não tenha acesso ao conteúdo dessas mensagens cujo backup foi feito, o Google e a Apple têm.

Não é suficiente que esses apps criptografem as mensagens. Eles também precisam ser mais ágeis para apagar dados que não sejam mais necessários. Criptografar as mensagens de ponta a ponta protege as mensagens enquanto elas vão de um telefone para outro, mas cada aparelho ainda tem uma cópia do texto de todas essas mensagens, deixando-os vulneráveis em caso de apreensões. Funcionalidades que apagam as mensagens são um ótimo ponto de partida, mas elas precisam ser aperfeiçoadas. Os usuários deveriam ter a opção de ver todas suas conversas automaticamente apagadas, sem precisar se lembrar de ajustar isso a cada vez que começam uma conversa, e eles deveriam se solicitados a ativar essa opção quando entram no app pela primeira vez. E quando todas as mensagens numa conversa desaparecem, todos os rastros de que uma conversa com aquela pessoa ocorreu deveriam desaparecer também.

Há ainda muito trabalho a ser feito em relação à proteção de metadados. A opção “sealed sender” do Signal, que criptografa boa parte dos metadados aos quais o serviço tem acesso, vai além do que qualquer outro dentre os app de mensagem mais populares oferece, mas ainda não é perfeito. Apps de mensagem precisam ajustar seus serviços de modo a não ter acesso aos metadados dos usuários, incluindo endereço de IP. Se os serviços não puderem acessar essas informações, então eles não poderão ser obrigados a entregá-las para o FBI durante a investigação em torno de um vazamento.

De modo padrão, navegadores retêm um histórico detalhado de cada site que você já visitou. Eles precisam parar de fazer isso. Por que não reter apenas um mês do histórico como procedimento padrão, e permitir que os usuários mudem esse prazo se quiserem reter por mais tempo?

Por hora, Tor Browser é o melhor navegador no que diz respeito a proteger a privacidade do usuário. Não só ele nunca retém um histórico de nada do que acontece ali, como também encaminha todo o tráfego por meio de uma rede anônima, além de usar a tecnologia para combater uma técnica de rastreamento chamada “browser fingerprinting,” de modo que os sites que você visita não sabem nada sobre você. Infelizmente, o simples fato de ter o Tor ou outras ferramentas específicas para preservação da privacidade instaladas num computador tem sido usado como evidência contra supostos whistleblowers. Esse é um dos motivos pelos quais estou animado com o plano do Mozilla de integrar o Tor diretamente ao Firefox como um modo de “navegação superprivada”. No futuro, em vez de ter de fazer o download do Tor, as fontes poderão simplesmente usar um dispositivo que integra o Firefox para obter o mesmo nível de proteção. Talvez Google Chrome, Apple Safari e Microsoft Edge devessem seguir Mozilla nesse caminho. (O navegador Brave já aceita janelas privadas de Tor).

Por fim, as gigantes tecnológicas que acumulam nossos dados privados por meio de serviços como Gmail, Microsoft Outlook, Google Drive, iCloud, Facebook e Dropbox deveriam armazenar menos informações sobre as pessoas, para começo de conversa, e criptografar uma parte maior dos dados que eles armazenam, para impedir que elas mesmas tenham acesso e, portanto, não possam entregar esses dados para o FBI. Algumas companhias fazem isso para certo tipo de dados  — a Apple não tem acesso às senhas armazenadas no seu iCloud Keychain, e Google não pode acessar seus perfis sincronizados de Chrome — mas isso está longe de ser o suficiente. E talvez eu tenha que esperar sentado.

Tradução: Amarílis Lage

ENTREVISTA | “ESTAMOS CRIANDO O CIBERPROLETARIADO, UMA GERAÇÃO SEM DADOS, SEM CONHECIMENTO E SEM LÉXICO”

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ENTREVISTA | “ESTAMOS CRIANDO O CIBERPROLETARIADO, UMA GERAÇÃO SEM DADOS, SEM CONHECIMENTO E SEM LÉXICO”
Andreu Navarra, professor e autor do livro ‘Devaluación Continua’. LORENA RUIZ

Andreu Navarra, professor do ensino médio, denuncia a ausência de debate sobre o futuro a que esta sociedade quer conduzir seus jovens.

EL PAÍS – BERNA GONZÁLEZ HARBOUR | Madri – O mundo da educação debate as horas de aulas, a avaliação dos professores e os maus resultados da Espanha nos testes do PISA, mas tudo isso é bastante secundário no universo de Andreu Navarra, um professor de língua e literatura no ensino médio que retrata desde as vísceras do ensino, da própria sala de aula, uma realidade de emergências mais prementes: da desnutrição de uma boa parte dos estudantes à incapacidade de se concentrar da nova geração do “ciberproletariado” ou a ausência de debate sobre o futuro a que esta sociedade quer conduzir seus jovens. Navarra não é um teórico, mas uma torrente de verdades que acaba de publicar Devaluación Continua (desvalorização contínua) pela editora Tusquets, uma chicotada contra a cegueira, um chamado emergencial diante da degradação do modelo educacional.

“Nós, professores, queremos criar cidadãos autônomos e críticos, mas, em vez disso, estamos criando o ciberproletariado, uma geração sem dados, sem conhecimento, sem léxico. Estamos vendo o triunfo de uma religião tecnocrática que evolui para menos conteúdo e alunos mais idiotas. Estamos servindo a tecnologia e não a tecnologia a nós”, diz Navarra. “O professor está exausto, devorado por uma burocracia para gerar estatísticas que lhe tiram a energia mental para dar aulas.”

O testemunho de Andreu Navarra (Barcelona, 1981), historiador, tem o valor de quem leciona há seis anos em escolas públicas e em subvencionadas, em áreas ricas e em degradadas, onde encontra por igual “professores heroicos” em um sistema educacional estressado pela própria sociedade da qual é espelho: há pais ausentes porque trabalham demais; há violência; há crianças sem comer ou tomar café da manhã; há muitos problemas mentais; e há uma geração ausente por causa de sua concentração nas redes sociais e sua identidade virtual.

“O audiovisual está criando uma nova Idade Média de pessoas dependentes de satisfazer o prazer aqui e agora, quando a vida é muito diferente. Na vida você precisa saber ler contratos, alugar apartamentos, cuidar dos idosos, criar filhos. Mas o ciberproletariado desmorona por qualquer problema. São pessoas que não serão capazes de trabalhar porque têm a concentração sequestrada pelas redes”, diz ele. Não que todos os jovens se encaixem em seu olhar crítico, mas ele vê o risco de exclusão de um quarto dos alunos em uma tempestade perfeita de precariedade e vida virtual.

Navarra descreve, por exemplo, uma turma de 20 alunos com dificuldades de aprendizado em que, depois de lhes perguntar, descobriu que nenhum havia tomado o café da manhã. “Estão pálidos e ficam inquietos. Há estudantes que não comem por causa de distúrbios alimentares, outros por negligência da família, outros por pura miséria.” No entanto, na ausência de professores de apoio e de especialistas, as patologias (teve classes em que 30% tinham algum diagnóstico) concentram a atenção dos professores nas reuniões de avaliação e os impedem de pensar nos conteúdos. O pedagogo se confunde com o terapeuta, diz ele. E no debate da inclusão se esquece, diz ele, que “o que realmente falta incluir é a instituição”. Navarra conta como ele e seus colegas se alegram quando encontram um livro didático de segunda mão dos anos 90 e o compram “como se fosse ouro”. “Nos livros de Lázaro Carreter há explicações, agora temos excertos, flipped classroom [um método participativo que ele considera inaplicável havendo excesso de alunos]. Explique Quevedo com uma flipped classroom! O que não pode haver é uma pedagogia indecente. Temos pessoas inteligentes, queremos uma sociedade inteligente, não a rebaixemos. Temos de distinguir o tempo da escola do tempo externo, e não reduzi-lo. Ser aluno é importante. Ser professor é importante. Vamos explicar quem é Quevedo! Tiramos a literatura do currículo e depois nos perguntamos por que a nação é fraca. É que a nação é isso! Temos que dar a eles a oportunidade de um debate crítico.”

Nem tudo é negativo, é claro. Seu livro tem tantos problemas detalhados como sinais de esperança em experiências possíveis, diz ele, quando a autonomia do professor é respeitada: oficinas de poesia, contos, recreio dedicado ao tempo de leitura, como em sua atual escola, em Collbató, onde os alunos leem e depois contam o que leram, com êxito. “A chave é a autonomia da instituição frente a um pensamento único, frente às teorias da panaceia. Quando Portugal concedeu 25% de autonomia às escolas, melhorou.”

O livro de Navarra recorre a Ortega y Gasset para apelar a um debate necessário antes de tudo o mais: para onde estamos indo. “Se você sabe para onde está indo, se abrirmos um debate sobre o modelo de futuro para o qual queremos avançar, você depois regulará a tecnologia, os horários ou o que for, mas antes de aumentar ou diminuir as horas é preciso pensar no que se quer fazer com elas”, argumenta. E o modelo de sociedade que transforma Pablo Escobar ou Jesús Gil em heróis carismáticos nas séries; o mau exemplo de alguns políticos malandros; a mentalidade Fraga do “turismo e populismo que continua em Salou, em Magaluf, em destroçar Barcelona” não ajuda. “Falta reflexão sobre a sociedade que queremos porque não apostamos em um MIT espanhol, em exportar literatura, engenharia patenteada aqui em vez de exportar engenheiros”.

Mas “o papel da educação de promover a ascensão social está fracassando e estamos criando bolsões de guetos, de pessoas sem futuro”. Menciona também a ação de “maquiar” a ignorância que as escolas praticam para melhorar as estatísticas. E insiste repetidamente na incapacidade de fixar a atenção, grande carência de uma nova geração com fotos nas redes, mas sem memória. “Conhecemos vários capitalismos e agora estamos no capitalismo da atenção, em uma economia de plataformas que mercantilizam a atenção. Se você estiver vendo algumas mensagens, alguém ganha dinheiro e, se vê outras, outro alguém ganha. Não podemos repensar a educação se não pensarmos em como devolver a atenção às salas de aula, o regresso do mundo virtual. Agora não podemos nos ensimesmar, como Ortega defendia, porque tudo é ruído, política é gritaria e slogans, ninguém pensa, ninguém escreve, tudo é bobagem e slogan e isso chegou às salas de aula: o simplista, o binário, o bem e o mal. Os Steve Jobs e Zuckerberg, lembre-se, receberam educação analógica. E os gurus da tecnologia mandam seus filhos para escolas analógicas. É por isso que, ele conclui, “enquanto não consertarmos a sociedade, não podemos consertar o sistema educacional”.

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ESTADO AUSENTE | ORÇAMENTO DO GOVERNO PARA 2020 DEVE AGRAVAR CRISE ECONÔMICA E SOCIAL

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ESTADO AUSENTE | ORÇAMENTO DO GOVERNO PARA 2020 DEVE AGRAVAR CRISE ECONÔMICA E SOCIAL

Paulo Guedes chega ao Congresso com o projeto orçamentário que reduz ainda mais os investimentos púbicos em 2020 / Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

24 de 31 áreas terão cortes. Em seis anos, investimento público recua de R$ 94 bi para R$ 19 bi, redução de 80%

Pedro Rafael Vilela | Brasil de Fato | Brasília (DF) – Se o ano de 2019 está terminando no contexto de uma grave crise econômica e fiscal, que tem limitado os recursos públicos para diversas áreas, o ano que vem projeta um cenário ainda mais sombrio.

A proposta de orçamento para 2020, enviada pelo governo Jair Bolsonaro (PSL) ao Congresso Nacional no fim de agosto, mostra que 24 de 31 áreas de atuação federal terão recursos reduzidos, segundo análise do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Os parlamentares têm até 22 de dezembro para aprovar o projeto.

O Ministério do Turismo é o que teve a maior perda percentual, com redução de 58,3% em relação ao orçamento deste ano. Quando somam-se os recursos da área de turismo a de esporte, que aparecem juntas, a perda atinge mais de 73%.

Em seguida, vem o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, com perda de 43,2%. Entre as áreas afetadas, estão políticas de promoção da igualdade racial e ações voltadas para as mulheres, deficientes físicos e povos indígenas.

As áreas de energia (-38%), habitação (-30%) e indústria (-26%) também registram perdas expressivas. Em meio à crise de incêndios na Floresta Amazônica, a maior dos últimos anos, Bolsonaro decidiu cortar cerca de 30% do Ministério do Meio Ambiente.

Até mesmo a área de segurança pública, setor tido como prioritário pelo governo, haverá redução significativa. O ministro Sergio Moro, que esse ano já estava reclamando dos cortes, viu o orçamento de sua pasta ser reduzido em mais 18,6%, passando dos autuais R$ 3,76 bilhões para pouco mais de R$ 3 bilhões no ano que vem.

“É um desmantelamento de políticas públicas, principalmente as políticas públicas que não têm os mínimos constitucionais garantidos, como saúde e educação”, afirma Livi Gerbase, assessora política do Inesc.

Teto dos gastos

Um dos vilões da redução do orçamento é a emenda constitucional do Teto dos Gastos, aprovada ainda na gestão de Michel Temer (MDB), que congelou os gastos públicos em 2016 por 20 anos. Significa que, ano após ano, o orçamento público só poderá ser corrigido pela inflação do ano anterior.

Na prática, o Teto afeta principalmente as despesas discricionárias, isto é, aquelas que o governo não tem obrigação legal de investir, como incentivo à pesquisa, modernização de hospitais e construção de estradas.

No Projeto de Lei Orçamentária de 2020, essas despesas sofreram um corte de 13,15%, passando de R$ 102,7 para R$ 89,1 bilhões, um dos piores patamares da história. Desse total de R$ 89,1 bilhões, apenas R$ 19 bilhões são investimentos. O restante é verba de custeio, que serve para pagamento de serviços como energia, segurança, limpeza e compra de insumos.

“O papel do Estado como movimentador da economia está basicamente acabando. Só para se ter uma ideia, a gente tinha R$ 94 bilhões de investimento [público] em 2013 e agora a gente está falando de R$ 19 bilhões, isso já em valores corrigidos. É uma redução muito drástica”, aponta Gerbase.

Crédito extra e isenções fiscais

O projeto orçamentário também prevê a necessidade de crédito extra de R$ 367 bilhões para cobrir uma série de despesas públicas, como benefícios previdenciários, pagamento do Bolsa Família, seguro-desemprego, entre outros. A medida depende de aval do Congresso Nacional, tendo em vista a necessidade de cumprimento da chamada regra de ouro.

Instituída pelo Artigo 167 da Constituição de 1988, a regra de ouro determina que o governo não pode endividar-se para financiar gastos correntes (como a manutenção da máquina pública), apenas para despesas de capital (como investimento e amortização da dívida pública) ou para refinanciar a dívida pública.

Outro problema detectado pelo Inesc no Orçamento 2020 é o imenso volume de recursos que o governo deixará de arrecadar por causa das isenções fiscais para diversos setores da economia. As isenções são políticas de incentivo para o desenvolvimento de determinadas cadeias produtivas – nas quais os empresários recolhem uma porcentagem menor do imposto devido para, em tese, reinvestir na produção e gerar crescimento e empregos.

O problema, segundo o Inesc, é que em muitos casos esses processos não são transparentes nem avaliados, já que os dados tributários são sigilosos.

No ano que vem, a perda com essas desonerações será de R$ 326,1 bilhões, quase três vezes o orçamento da Educação (R$ 138 bilhões) e mais de cem vezes o valor do orçamento para o meio ambiente (R$ 2,77 bilhões). O valor equivale também ao alegado déficit da Previdência, que seria da ordem de R$ 300 bi.

Edição: João Paulo Soares

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CORTES EM BOLSAS DE COLOCAM EDUCAÇÃO E PESQUISA EM RISCO – VEJA VÍDEO

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Brasil de Fato – As duas principais agências de fomento à #pesquisa no Brasil vêm sofrendo com os cortes de verbas nos últimos meses.

Em sua cruzada contra a ciência e o conhecimento, o governo do presidente Jair #Bolsonaro (PSL) anunciou no início do mês de setembro o corte de mais 5.613 bolsas de estudos para pesquisas de pós-graduação – referentes a trabalhos de mestrado, doutorado e pós-doutorado.

As bolsas seriam concedidas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), fundação ligada ao Ministério da #Educação (MEC). No total, a agência já cortou 11.800 bolsas neste ano.

No mês de agosto, o governo federal também anunciou que não haverá dinheiro para financiar 84 mil bolsas de estudos e pesquisas em andamento e fazer novos contratos, que estavam previstos para este ano no Orçamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão ligado ao ministério da Ciência e Tecnologia.

 

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