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A ex-presidente do Chile e atual alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet | DENIS BALIBOUSE REUTERS
Ex-presidente da OAS menciona pagamentos ilegais a dezenas de políticos, incluindo Bachelet, Evo Morales e Ollanta Humala. Delação foi homologada pelo STF após ficar meses parada na PGR
EL PAÍS | D. HAIDAR | P. BIANCHI (THE INTERCEPT) | São Paulo / Rio de Janeiro – Num momento de escrutínio público da Operação Lava Jato no Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) homologou um novo acordo de delação com informações que já agitam o mundo político na América Latina. Depois de ficar meses parado nas mãos da Procuradoria Geral da República, o depoimento do empreiteiro José Adelmário Pinheiro Filho, o Léo Pinheiro, ex-presidente global do grupo OAS, traz informações sobre seus negócios nos tempos do Governo do ex-presidente Lula, e menciona ao menos três líderes da América Latina, entre eles Evo Morales, Michelle Bachelet e Ollanta Humala.
A homologação é a última etapa jurídica antes que seus relatos possam ser utilizados para respaldar investigações e processos judiciais. Léo Pinheiro, que deixou a prisão nesta terça-feira para o regime de prisão domiciliar, teve sua delação premiada assinada no fim de 2018, mas ficou estacionada meses, sem nenhuma explicação, no gabinete da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que só a enviou para homologação no começo de setembro, quando faltavam duas semanas para que deixasse o cargo.
Alguns relatos de Pinheiro já tinham vazado extraoficialmente no noticiário e parte dessas versões já eram analisadas em processos judiciais no Brasil e em outros países. Mas só na semana passada boa parte dos crimes que ele diz ter praticado entraram oficialmente na mira da Justiça. A Folha e o Intercept anteciparam alguns trechos da delação nesta segunda. O EL PAÍS também teve acesso a uma proposta de delação premiada de Pinheiro, que estava disponível em conversas, de junho de 2017 no Telegram, enviadas ao site The Intercept. Cada possível crime abordado por Pinheiro em sua proposta de delação foi detalhado em depoimentos gravados em vídeo a procuradores antes de serem homologados pela Justiça.
Do rol de políticos acusados por ele, que inclui governadores, senadores e deputados brasileiros, o único presidente da América Latina que ainda está no poder é o boliviano Evo Morales. O EL PAÍS confirmou que na delação homologada pelo STF Morales e outros ex-presidentes latino-americanos foram mencionados, conforme a proposta de delação vista pela reportagem. Todas as informações se cruzam com supostos pedidos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto ainda era presidente do Brasil.
Segundo Pinheiro, Lula lhe pediu para que assumisse uma obra de trecho da rodovia Tarija-Potosí na Bolívia que estava com problemas e era de responsabilidade de outra empreiteira brasileira, a Queiroz Galvão, para evitar um desgaste diplomático entre os países. Pinheiro diz ter explicado que esse projeto era inviável economicamente, mas diz ter ouvido de Lula que Morales “estaria disposto a compensar economicamente a empresa” com outro contrato para que assumisse a obra problemática. O empreiteiro diz ainda que Lula prometeu a liberação de um financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se a OAS assumisse o projeto.
Por um acordo de Lula e Morales, diz Pinheiro, a Bolívia retirou sanções impostas contra a Queiroz Galvão e autorizou que a OAS assumisse as obras da estrada Tarija-Potosí. Pinheiro cita, ainda, como compensação o fato da empreiteira ter conquistado a construção de estrada em Villa Tunari. No entanto, a OAS acabou perdendo o contrato, segundo Pinheiro, devido a conflitos sociais na região e à demora na liberação de recursos do BNDES.
O assunto repercutiu no cenário político boliviano, com a oposição a Morales cobrando investigações sobre os fatos. O ministro das Comunicações, Manuel Canelas, no entanto, rebateu as menções, exigindo “provas” das acusações, segundo o jornal boliviano La Razón. O embaixador boliviano no Brasil, José Kinn, disse também ao La Razón que se Pinheiro efetivamente firmou a delação com essas informações sobre Morales, são “declarações no marco de um acordo judicial de delação sobre algo que nunca existiu. Que o presidente Morales tenha atuado, a pedido de Lula, para entregar uma obra sem licitação” à OAS.
Pinheiro também mencionou Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile (exerceu dois mandatos, entre 2006-2010 e entre 2014-2018), como beneficiária de pagamentos da empreiteira. De acordo com Pinheiro, a OAS temia perder a obra da construção da Ponte Chacao, em consórcio com a coreana Hyundai, caso Bachelet ganhasse a eleição de 2013. Pinheiro disse ter pedido ajuda a Lula, que respondeu que falaria com o ex-presidente Ricardo Lagos ou Bachelet, para que a OAS não fosse prejudicada.
Pouco depois disso, Pinheiro diz ter recebido de Lula um pedido de dinheiro para a campanha de Bachelet. O primeiro pagamento, relatou o ex-presidente da OAS, só foi feito em 6 de junho de 2014, quando Bachelet já tinha reassumido a presidência. Pinheiro disse que foram pagos 101,6 milhões de pesos chilenos, repassados por contrato fictício com a empresa Martelli y Associados, que pertencia ao chileno Nicolás Martelli Montes. Bachelet, que hoje ocupa o posto de alta comissária para Direitos Humanos na ONU, rechaçou a versão de Pinheiro com quem diz nunca ter tido vínculo e considerou estranho ele ter falado sobre o assunto em uma delação que vem à tona agora. “Há um ex-presidente, Lula, que diz que isto é falso, e há o ex-presidente Lagos que diz nunca ter falado de dinheiro com Lula. Estamos em um nível de especulação… e eu não farei novas especulações”, disse Bachelet em entrevista a uma televisão do Chile. Uma procuradora chilena, Ximena Chong, chegou a viajar ao Brasil no ano passado para ouvir Pinheiro sobre as acusações que já haviam vazado, mas este preferiu não falar.
Outro ex-presidente da América Latina citado por Pinheiro em seu acordo de delação é Ollanta Humala, presidente do Peru entre 2011 e 2016. Humala e sua mulher já foram presos por suspeitas de lavagem de dinheiro num caso envolvendo a empreiteira brasileira Odebrecht, investigado pela procuradoria daquele país. No caso da OAS, Pinheiro diz que foram gastos pela empreiteira cerca de 859.000 reais com uma empresa do publicitário brasileiro Valdemir Garreta, que atuou na campanha de Humala em 2011.Pinheiro disse também que custeou serviços de comunicação prestados por Garreta para Susana Villarán, então prefeita de Lima.
A defesa de Humala no Brasil rebateu as declarações de Pinheiro. “Essa alegação do Léo Pinheiro é mentirosa”, afirmou o advogado Leonardo Massud, que representa o ex-presidente peruano no Brasil. “Tenho conhecimento de que houve contrato com Valdemir Garreta pra fazer campanha, mas essa declaração [de que dinheiro da OAS custeou a campanha] não condiz com a realidade”, acrescentou.
Garreta, por sua vez, fez acordo de delação premiada com o Ministério Público do Peru e o EL PAÍS apurou que ele deu a mesma versão de Pinheiro aos procuradores peruanos, de que recebeu pagamentos da OAS para custear a campanha de Humala. Em depoimento à Justiça Federal do Paraná nesta segunda-feira, Garreta confirmou também a versão de Pinheiro, de que recebeu dinheiro da empreiteira para a campanha de Humala. “Eu fiz uma campanha presidencial no Peru em 2011… o primeiro candidato que eu ajudei a eleger era um presidente de direita no Peru que se chama Ollanta Humala. Fizemos a campanha dele. A OAS financiou a nossa prestação de serviço. Ganhamos a eleição, criamos um prestígio profissional muito grande no Peru”, afirmou. Massud, no entanto, questiona o posicionamento de Garreta. “É bom destacar que na Operação Lava Jato, há vários casos em que pessoas dizem ter recebido dinheiro a um título [por alguma razão], mas receberam por outra razão ou mesmo ficaram com os recursos, dado que nessas operações havia pouco controle, pois muitas dessas ações eram feitas na base da confiança”, diz o advogado de Humala.
Triplex
O ex-presidente da OAS revelou fatos que considera serem criminosos, entre os quais as supostas negociações comprometedoras com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, incluindo a polêmica reserva e reforma de um apartamento triplex no Guarujá, no litoral paulista, pela qual ele mesmo já foi condenado com o ex-presidente. Pinheiro já havia falado a respeito do triplex, em juízo, ainda como testemunha no processo contra o Lula. Seu depoimento foi decisivo para a condenação do ex-presidente no caso do triplex.
Quando começou a negociar seu acordo de delação premiada, em 2016, Pinheiro negava que a reforma do triplex tivesse sido uma forma de repasse de propina. Mas posteriormente em depoimento à Justiça assumiu que essa benfeitoria saiu da cota de propinas que o PT tinha direito por contratos da OAS com a Petrobras e, depois de condenado, Pinheiro manteve a mesma versão em sua proposta de delação premiada, de que a reforma e a reserva do apartamento eram propina.
A defesa de Lula já declarou que as alegações de Pinheiro são mentirosas e que são parte de uma perseguição política contra o ex-presidente. Em entrevista ao EL PAÍS, Lula citou a delação de Pinheiro. “O Léo [Pinheiro], que estava preso aqui [em Curitiba] e fez a denúncia contra mim, passou três anos dizendo uma coisa e depois mudou o discurso. Meu advogado perguntou o porquê disso e ele disse ‘meu advogado me orientou’”.
Reportagem do Intercept em conjunto com a Folha de S. Paulo, publicada em julho deste ano, também revela detalhes das conversas entre procuradores de Curitiba em que eles constatam que a delação, inicialmente, era “muito ruim”, uma vez que ele negava inicialmente que o triplex do Guarujá era fruto de propinas de corrupção. A sua versão mudou quase um ano depois, como mostraram as mensagens trocadas pela força-tarefa, e analisadas pela Folha/Intercept. Mas Pinheiro refuta que houve mudanças. Quando ainda estava preso em Curitiba, Pinheiro chegou a enviar uma carta para contestar a reportagem e assegurar que não mudou a versão de sua delação.
O acordo de Léo Pinheiro foi fechado pela PGR pelo fato dele mencionar políticos com foro privilegiado, que são julgados diretamente pela Suprema Corte. Mas, para além da demora em fechar o acordo e da suposta mudança de versões para acusar Lula, a delação ficou marcada por outro episódio. Seis procuradores chegaram a pedir demissão coletiva do gabinete de Dodge, porque discordaram do pedido da chefa, de arquivamento sumário de algumas acusações feitas por Pinheiro. Dentre elas, uma que envolvia, por exemplo, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. O STF aceitou o pedido de Dodge e tirou esses trechos da delação.
Colaboraram Rocío Montes (Chile), Jacqueline Fowks (Peru) e Fernando Molina (Bolívia).
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