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Até mesmo uma situação de crime sem pena determinada foi gerada por vetos do presidente / Foto: Evaristo Sa/AFP
Presidente vetou 36 dispositivos em 19 artigos; agora cabe ao Congresso Nacional analisar a questão
Rafael Tatemoto | Brasil de Fato | Brasília (DF) – Os vetos promovidos por Jair Bolsonaro (PSL) na lei de abuso de autoridade criaram um “vazio jurídico” que torna impossível, na prática, que as regras sejam aplicadas. Com pouco mais de 40 artigos, em 19 deles foram vetados 36 dispositivos da norma.
A aprovação da lei, que trata das condutas criminosas de agentes de todos os poderes, foi alvo de críticas provenientes de setores do Judiciário, do Ministério Público e das polícias.
Segundo Tânia Oliveira, da secretaria-executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), os vetos se deram sem fundamentação, após a pressão de grupos que pretendem “manter o poder de fazerem o que bem entendem sem qualquer salvaguarda”. “O discurso de que tudo vale no combate à corrupção não tem mais cabimento”, avalia.
Do ponto de vista técnico, de acordo com Oliveira, os vetos se deram a partir de uma “confusão jurídica”.
“Descaracteriza completamente a lei. Ele joga no vazio jurídico. Vazio, no sentido formal. Ele não veta o dispositivo que revoga a lei anterior. A lei de 1965, portanto, está revogada. Tem coisa que deixa de ser crime, que é descriminalizado. Você tem crime sem sanção correspondente. Ele veta dispositivo inteiro sobre ajuizamento da ação penal”, argumenta.
O artigo 44 da lei, que não foi vetado, revoga toda a lei anterior sobre o tema. Assim, condutas que eram crimes na lei de 65, com os vetos de Bolsonaro, deixaram de ser. No conteúdo, por exemplo, os vetos retiraram da lei crimes como a decretação de prisão sem fundamentação legal e a violação de prerrogativas de advogados.
Os exemplos dados pela jurista são ainda mais profundos: o artigo 13 – “constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência” – não tem pena correspondente.
Já o artigo 3º, que determinava quem poderia propor ações contra autoridades abusivas, foi totalmente vetado. Essa questão, de acordo com Oliveira, é central quando se trata de crimes cometidos por autoridades e, formalmente, o veto deixa dúvidas quanto a quem poderia fazê-lo.
Reação
A expectativa em torno dos vetos, que são prerrogativa presidencial, no caso da lei de abuso de autoridade criou um clima de tensão no Congresso, que, por sua vez, tem o poder de derrubá-los.
Antes da decisão de Bolsonaro, parlamentares do chamado “centrão” sinalizaram ao Planalto que, se os vetos fossem além do artigo sobre uso indevido de algemas – dispositivo que afeta policiais, categoria vista como base eleitoral do presidente –, todos os cortes promovidos pelo Executivo cairiam no Parlamento.
Edição: Rodrigo Chagas
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