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Conferência defendeu articulação de uma frente ampla contra os ataques aos bens nacionais do governo Bolsonaro. / Foto: Lia Bianchini
Conferência “O Brasil é dos Brasileiros” aconteceu na manhã deste sábado (31), durante a 18ª Jornada de Agroecologia
Lu Sudré e Pedro Carrano | Brasil de Fato | Curitiba (PR) – O terceiro dia da 18ª Jornada de Agroecologia, em Curitiba (PR), foi aberto pela conferência “O Brasil é dos Brasileiros”, um espaço de aprofundamento, preparação e mobilização contra as ameaças à soberania nacional e contra a entrega dos recursos naturais brasileiros que vem ocorrendo nos últimos anos.
Em defesa da articulação de uma frente ampla, o ex-senador Roberto Requião (MDB), um dos integrantes da mesa, ressaltou ser urgente uma “política de oposição à austeridade, ao liberalismo econômico e ao que significa um governo de Paulo Guedes e de Rodrigo Maia, com um Congresso Nacional quase totalmente subordinado aos interesses do grande capital”.
Requião também defendeu a retomada de um projeto de desenvolvimento nacional protagonizado pelo povo. “O nacional cada vez mais se confunde com o popular. Nacional é o MST, é o trabalhador brasileiro. Uma parte da elite não tem mais nada a ver com [a questão] nacional, tem como referência os outros países”.
Apenas em oito meses de governo Bolsonaro (PSL), a ofensiva contra empresas nacionais se intensificou. No último dia 21, por exemplo, o presidente anunciou a privatização de 17 estatais, entre elas a Eletrobras, os Correios, a EBC, a Lotex e a Casa da Moeda.
Na avaliação de Juliano Medeiros, presidente do PSOL, os ataques aos bens nacionais e aos direitos dos trabalhadores que ocorrem são consequências de uma fase mais radical e agressiva do sistema capitalista, iniciada após a crise estrutural de 2008.
“Essa nova etapa do capitalismo não convive com a democracia e nem com as conquistas que o povo brasileiro alcançou por meio de sua luta e mobilização, assegurados pela Constituição Federal de 1988”, explica.
“Soberania é a afirmação dos povos periféricos na busca por seu lugar no mundo”, disse Vivaldo Barbosa. | Foto: Lia Bianchini
Medeiros classificou ainda o sistema de concessão e entrega do pré-sal, instaurado pelo governo Temer, como um dos principais retrocesso para a soberania brasileira. A gestão Bolsonaro, por sua vez, tem radicalizado e aprofundado esses ataques com um programa econômico que, segundo ele, tem como objetivo de destruir a capacidade do Estado na condução dos rumos e do desenvolvimento do país.
Thiago Olivetti, que participou da mesa representando a Federação Única dos Petroleiros (FUP) e o sindicato dos Petroleiros do Paraná e Santa Catarina, que vivenciou na juventude a Petrobras como indutora do desenvolvimento nacional lamenta os impactos que as políticas de desmonte dos governos Temer e Bolsonaro têm causado à estatal.
Ele conta que, em Araucária, Região Metropolitana de Curitiba, a ampliação da Refinaria Getúlio Vargas (Repar) empregou 25 mil pessoas. “Gostaria que tivesse continuado, como orgulho para o país. A Petrobras chegou a ter 83 mil trabalhadores próprios e mais de 300 mil terceirizados. Hoje tem 200 mil terceirizados. Tínhamos 5 mil empregados (no litoral) e fechamos o estaleiro”, lembra.
Entreguismo
O fim da demarcação de terras indígenas, defendida por Bolsonaro em favorecimento à mineração estrangeira, assim como a proximidade e estímulo ao setores do agronegócio e da agropecuária – responsáveis pelas queimadas recentes na Amazônia – também foram elencadas por Juliano Medeiros como parte de uma reorientação da política externa brasileira que coloca a nação brasileira em posição de submissão.
“O Brasil hoje se tornou vassalo do governo Trump e busca se associar ao que tem de pior na política externa em nível internacional. Se aproxima da Arábia Saudita, da Itália, da Polônia, das Filipinas e dos Estados Unidos, os países que têm os governos mais atrasados do mundo”, critica o presidente do PSOL.
A entrega da mineradora Vale ao mercado estrangeiro, empresa responsável pelos crimes socioambientais de Mariana e Brumadinho (MG), também foi relembrada como um ataque à soberania do país.
A advogada e ex-deputada federal Clair Martins, autora de projeto que questiona a venda da mineradora, relata que, em 1997, a empresa estatal era a principal exportadora do país. A posição foi conquistada por meio da intensa exploração de nióbio, tungstênio, manganês, bauxita, minério de ferro e outros bens nacionais.
Apesar de seu potencial para o desenvolvimento do país, a Vale foi vendida por R$ 3,3 bilhões, valor bem abaixo do que a estatal valia.
“O lucro recente [da Vale] foi de R$ 38,5 bilhões. Ela foi doada… Esses lucros deveriam ser repartidos. Continuamos defendendo a nulidade do leilão da Vale”, afirma.
Projeto nacional
A conferência também contou com a presença de Pedro Celestino, do Clube de Engenharia, que comparou o Brasil, em extensão territorial, recursos e contingente populacional, aos EUA, China, Rússia e Índia. No entanto, ele ponderou que os outros países “cuidam de sua soberania e tem projeto nacional… Temos que ter um movimento pela soberania nacional”, convocou.
No mesmo tom, Vivaldo Barbosa, deputado federal constituinte em 1988, afirmou que a luta pela soberania perpassa a construção de uma consciência nacional, na qual todos os brasileiros firmem um vínculo real, que possibilite o desenvolvimento do sentimento de pertencimento à nação.
“A soberania é a capacidade de se posicionar contra o imperialismo, é a afirmação dos povos periféricos na busca por seu lugar no mundo. A soberania faz surgir o ser nacional e é a luta política fundamental dos nossos dias. Precisamos defender nossos valores, nossas culturas, nossas identidades. Hoje, defender a soberania e o nacionalismo, é a prática mais elevada dos nossos tempos”, afirmou Vivaldo, que atuou como ex-secretário de Justiça do Estado do Rio de Janeiro durante a gestão de Leonel Brizola (PDT).
Histórico de construção de um país
Durante o espaço, Pedro Celestino, do Clube de Engenharia, fez referência à Getúlio Vargas, que em seu governo criou a carteira de trabalho pra organizar o mercado de trabalho. “Antes disso, até telha a gente importava da Europa. Havia uma elite voltada para fora”, disse.
Segundo Celestino, depois da morte de Getúlio Vargas, houve a disputa entre dois projetos de Industrialização. De um lado, Eugênio Gudin defendia um país exportador, enquanto Roberto Simonsen um projeto de indústria nacional.
Mais tarde, Juscelino Kubicsthek trouxe a industrialização em aliança com capitais externos, não americanos. Essa visão, porém, não se sustentou na própria ditadura. A retomada ocorre só após o governo de Costa e Silva, segundo ele, com trajetória de Independência enquanto país. “Hoje não se sustenta 200 milhões de habitantes sem uma proposta industrial”, finalizou.
Edição: Cecília Figueiredo
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