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A CHESF, DA ELETROBRAS, NA MIRA DO GOVERNO MÃO FECHADA COM OS CIDADÃOS E GENEROSO COM O CAPITAL ESTRANGEIRO
A venda de empresas nacionais apenas reforçou um padrão de inserção externa frágil e subordinado
Carta Capital – CARLOS DRUMMOND – A alegação do governo de que algumas atividades podem parar por falta de dinheiro “é extremamente preocupante” e mostra que “ele está preso à armadilha que colocou: ao impor um teto real de gastos, mais regra de ouro do endividamento público, mais meta de superávit fiscal, impede o uso de instrumentos fiscais contracíclicos justamente quando são mais necessários”, afirma Luiz Fernando de Paula, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Não só tais instrumentos ficam impossibilitados de serem usados como o próprio funcionamento de programas de governo é inviabilizado. Isso em parte se deve ao fato de se usar política fiscal contracionista em um quadro em que as receitas fiscais estão praticamente estagnadas. Nessas condições, o ajuste fiscal acaba por se revelar extremamente danoso e mesmo contraproducente. É uma política autodestruidora.”
“Mas há algo além nesta política, que é a imposição de um Estado mínimo na economia brasileira, uma espécie de thatcherismo tupiniquim”, chama atenção o economista. Exemplo do caráter predatório do possível apagão em várias atividades do governo, diz, é o caso dos recursos para pesquisa e bolsas do CNPq. “É difícil e demorado construir programas e instituições, mas é fácil destruí-los.”
No quadro de governança da política macroeconômica vigente, prossegue, não há muito o que fazer. “O governo fica na dependência de recursos não recorrentes, como é o caso daqueles obtidos nos leilões de petróleo para poder afrouxar o arrocho fiscal. A alternativa é rever as metas fiscais para que se possa abrir espaço para o aumento dos investimentos públicos, que têm maior efeito sobre o crescimento, mas para isso teria não só que mudar a orientação ideológica do governo, como negociar com o Congresso. Estamos numa ‘sinuca de bico’”, resume o economista.
Os cortes e atrasos de liberação de recursos comandados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, afetam bolsas de estudos, compras de livros didáticos para escolas públicas, gastos da Polícia Federal, repasses do programa Minha Casa Minha Vida, Justiça do Trabalho e o governo acena com mais cortes.
Iniciativas tópicas e efeito acessório
Exemplo das limitações autoimpostas por uma concepção de política econômica voltada para o aumento da oferta e omissa em relação à necessidade de gerar demanda é o pacote em elaboração para combate ao desemprego. A decisão se restringirá ao estímulo ao primeiro trabalho para os jovens por meio da desoneração da folha de pagamento e da facilitação do acesso ao microcrédito aos pequenos empreendedores. Embora envolva parcelas significativas de trabalhadores, tem alcance limitado.
“São iniciativas tópicas com efeito acessório. Dependem de uma política de demanda, uma estratégia de retomada do investimento e do gasto público. É esse o nosso problema”, critica o diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, Clemente Ganz Lúcio. Há 4,38 milhões de desempregados com idade entre 20 e 29 anos, o equivalente a 18,4% da força de trabalho, acima dos 12% referentes à desocupação total. Dos desempregados nessa faixa etária, 28,96% procuram emprego há, no mínimo, dois anos, calcula o Dieese.
Há quatro décadas sem crescimento significativo e continuado, a situação só se agrava com a escalada de privatizações de empresas e recursos naturais que nem sequer deve poupar a Petrobras. As desestatizações são quase sempre desnacionalizações, mas é ilusão achar que a penetração do capital estrangeiro eleva a eficiência e a competitividade internacional do País. Ocorre o oposto, indica o trabalho “Internacionalização, desnacionalização e desenvolvimento”, de Fernando Sarti e Mariano Laplane, professores do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisadores do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia.
“O Brasil tem elevada presença de capital estrangeiro nas suas estruturas de produção e de comércio de bens e serviços. Essa participação ampliou-se substancialmente desde a crise financeira internacional, iniciada em 2008, e com a desaceleração em 2014 e posterior recessão econômica doméstica de 2015 a 2019. A participação estrangeira tem sido reforçada pelos elevados fluxos de Investimento Direto no País (IDP), sobretudo na forma de operações de Aquisição e Fusão (A&F) de empresas nacionais, promovendo um processo de desnacionalização da base produtiva. Portanto, aumenta a preocupação com a transferência de decisões e atividades estratégicas para fora”, descrevem os autores.
A VENDA DA EMBRAER RESULTOU NA TRANSFERÊNCIA DO COMANDO DA SUA CADEIA PRODUTIVA PARA OS EUA
O desenvolvimento econômico e social, sublinham, depende da diversificação e sofisticação de suas bases produtiva e tecnológica e o processo de desnacionalização em curso não tem colaborado para atingir esse objetivo. “Ao contrário, a desnacionalização, aprofundada pela globalização da economia, não promoveu as mudanças necessárias nas estruturas de produção e de comércio e apenas reforçou um padrão de inserção externa frágil e subordinado.” Longe de ser homogêneo e linear, o processo de globalização financeira, produtiva, comercial e tecnológica mostra-se “bastante assimétrico, seletivo e hierarquizado.
Isso significa que a geração e captura de valor e a distribuição de ganhos e perdas decorrentes da globalização são bastante desiguais entre países, empresas e setores de atividade econômica. As grandes corporações transnacionais controlam as cadeias regionais e globais de produção e valor. A partir da gestão de seus ativos financeiros, produtivos, tecnológicos e mercadológicos, decidem o posicionamento e a distribuição das atividades dentro da cadeia de valor, portanto, controlam a geração e captura de valor nas diferentes etapas da cadeia”.
A transferência do centro de decisão
O desmonte da Petrobras e a desnacionalização da Embraer, cabe acrescentar, têm em comum a transferência do centro de decisão das respectivas cadeias produtivas para o exterior. Trata-se de um aspecto crucial, mostra esta passagem do trabalho: “A origem do capital das corporações é um fator condicionante do perfil da base produtiva e tecnológica de um país e, por consequência, do seu padrão de inserção externa. Não é por outro motivo que os países-sede dessas grandes corporações têm adotado políticas de desenvolvimento produtivo e tecnológico com o objetivo de atraírem e reforçarem as atividades mais nobres e de maior valor agregado, incluindo pesquisa, desenvolvimento e inovação”.
Sarti e Laplane destacam, entre outros aspectos, o fato de que, do total de 1,02 trilhão de dólares de investimento direto no País que entraram em duas décadas, 75% ingressaram depois da crise internacional.
Segundo dados da Unctad, a relação entre o estoque de investimentos diretos e o PIB atingiu 37,8% em 2017 no Brasil, superando aquela da média dos países em desenvolvimento (32,6%), mas abaixo da média dos desenvolvidos (43,8%). A China, por exemplo, maior receptor desses investimentos dentre as economias em desenvolvimento, tem uma relação de 12,4%.
O Brasil é um dos espaços preferenciais de entrada de capital estrangeiro na forma de aquisições e fusões, mostra o estudo da Unicamp. Segundo a consultoria KPMG, as operações cresceram substancialmente nos últimos 25 anos e totalizaram no período 13,1 mil operações, das quais 5,9 mil (45% do total) envolveram apenas empresas domésticas e 7,2 mil (55% do total) foram operações cross-border, ou seja, consistiram na aquisição e/ou venda de ao menos uma empresa estrangeira. No período 2009-2018, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, as operações de empresas estrangeiras adquirindo companhias nacionais atingiram 781,8 bilhões de reais (39,5% do total de operações anunciadas), a preços de 2018, em um total de 310 operações.
De acordo com o Censo de Capital Estrangeiro do Banco Central, o valor do patrimônio líquido das empresas estrangeiras mais do que quadruplicou em relação a 1995 e atingiu 1,7 trilhão de reais em 2015. A receita bruta saltou de 890 bilhões para 3,5 trilhões. “Cabe destacar o aumento de receitas no período 2010-2015, com uma taxa de crescimento real de 63%. No mesmo período, o PIB aumentou em termos reais 13,8%”, ressaltam os autores do trabalho.
O Indicador de Competitividade Industrial da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial aponta que o Brasil perdeu competitividade entre as economias mais industrializadas. Em 1990, ocupava o 26º lugar no ranking de 150 países, em 2000 caiu para 30º, em 2010 para 31º e em 2017 para o 35º posto. A pior posição em 2017 foi no indicador de participação das exportações de manufaturados nas exportações totais (87ª posição dentre 150 países), refletindo o processo de reprimarização da pauta exportadora.
AS GRANDES CORPORAÇÕES ATRAEM E REFORÇAM AS ATIVIDADES MAIS NOBRES E DE MAIOR VALOR AGREGADO. RESTA AO BRASIL VENDER MINÉRIO DE FERRO E GRÃOS E LIQUIDAR ESTATAIS COMO OS CORREIOS
No indicador que avalia a qualidade das exportações, isto é, a participação dos setores de média e alta intensidade tecnológica nas exportações de manufaturados, o País ocupou a 60ª posição. No indicador de participação do Valor Agregado Manufatureiro no PIB (11% em 2017 contra 13% em 2010), um dos indicadores que mensuram a intensidade da industrialização, ficou na 83ª posição, sinalizando o aprofundamento desse processo. Quanto à participação dos setores de média e alta intensidade tecnológica no VAM, estacionou na 43ª posição.
“A acentuada desnacionalização da base produtiva torna o avanço do País mais problemático, uma vez que fragmenta o núcleo do sistema empresarial, transformando-o num arquipélago de filiais de empresas estrangeiras com pouca ou nenhuma autonomia para tomar decisões de investimento de maior escala e risco. Tende a reforçar, dessa forma, o predomínio de estratégias imitativas e de menor risco, tanto tecnológico quanto de mercado, tornando mais difícil a redução do hiato de produtividade em relação a outras economias”, alertam Sarti e Laplane.
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