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Boletim semanal traz indicações de leituras e informações selecionadas para o leitor do Brasil de Fato / Foto: Johannes Eisele / AFP
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Brasil de Fato | Redação – Na semana que terminou movimentada, com o vento virando cada vez mais contra a operação Lava Jato, não esqueçamos de Ágatha, mais uma vítima da política que exalta a morte. A edição de número 60 do Ponto também reúne boas análises sobre a estreia de Bolsonaro na ONU e quais podem ser as consequências da radicalização da sua retórica.
1. A Lava Jato no telhado. No que foi interpretado como uma derrota da Lava Jato, o STF formou maioria a favor da tese que poderia levar à anulação de condenações da operação. A sessão de quinta (26) terminou com 7 votos a 3 a favor do entendimento de que réus delatores devem apresentar suas alegações finais em processos antes dos demais acusados e ações que não seguiram esse rito anteriormente devem ter suas condenações revistas. Na Lava Jato, todos eram ouvidos ao mesmo tempo. Porém, apesar da derrota, o presidente Dias Toffoli teve as manhas de deixar para quarta que vem (2) a discussão sobre os casos em que a tese poderia ser aplicada. O ministro Barroso, que nesta semana foi o personagem de mais um capítulo da Vaza Jato, mostrando sua proximidade com Deltan Dallagnol, já anunciou que defende uma curiosa saída intermediária, considerando que o novo entendimento seja aplicado apenas daqui para frente. “A tal modulação vem sendo discutida com muito interesse nos meios jurídicos e políticos em Brasília porque, obviamente, ela determinará se Luiz Inácio Lula da Silva poderá deixar sua cela e voltar ao debate público”, escreve na Folha o articulista Igor Gielow, prevendo um cenário de esvaziamento da Lava Jato e do lavajatismo, inclusive como força política.
No mesmo dia em o STF impunha uma derrota à operação, Dallagnol esteve em Brasília para uma reunião na casa da senadora Selma Arruda (Podemos) com representantes do movimento Muda Senado, para buscar apoio político semanas antes de seu julgamento no CNMP, marcado para 8 de outubro. A senadora, diga-se de passagem, teve o mandato cassado pelo TRE e aguarda decisão do TSE. Ainda na noite da movimentada quinta-feira, Veja e Estadão publicaram entrevistas de Rodrigo Janot em que o ex-procurador geral da República relata ter levado um revólver ao STF e quase atirado em Gilmar Mendes. A história pode ter sido para esquentar as vendas de seu livro, mas ajuda a enterrar de vez a reputação dos valentes combatentes da corrupção.
A virada de vento contra a Lava Jato prossegue. Um novo capítulo da Vaza Jato nesta sexta (27) mostra que a força-tarefa da Lava Jato utilizou sistematicamente contatos informais com autoridades da Suíça e Mônaco para obter provas ilícitas com o objetivo de prender alvos considerados prioritários, muitos que se tornaram delatores. Mesmo alertados sobre a violação das regras, os procuradores da força-tarefa tiveram acesso a provas ilegais sobre vários dos mais importantes delatores da operação. Na Folha, o ex-senador Aloysio Nunes afirma que Léo Pinheiro forjou sua delação e ainda critica a Lava Jato. Impossível não notar que esta mudança de opinião de personagens do impeachment surja só agora. Por fim, Lewandowski anunciou que mandará para o plenário do STF os 80 recursos da PGR contra decisões suas em que reconheceu o direito do réu aguardar em liberdade o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, fechando assim uma semana ruim para a Lava Jato, o que, já sabemos, sempre antecede uma reação.
2. A pulsão de morte de Wilson Witzel. Ágatha Vitória Sales Félix tinha apenas oito anos e cursava o terceiro ano do ensino fundamental. Frequentava o balé e era boa em inglês. As boas notas nos dois primeiros bimestres no Centro Educacional Rodrigues Silva (Ceros), em Ramos, zona norte do Rio, fizeram com que o professor a inscrevesse, na sexta (20), em um torneio de xadrez que seria disputado em outubro. Mas não deu tempo. No Brasil, CEP e cor da pele selam destinos e no mesmo dia Ágatha foi morta com um tiro nas costas quando desembarcava de uma Kombi, após um passeio com a mãe, no Complexo do Alemão. Segundo moradores, policiais atiraram contra uma moto que passava pelo local, e o tiro atingiu a menina. Este foi o relato também do motorista do veículo. O Intercept contou as histórias das nove crianças baleadas em 2019 devido à política de segurança de Wilson Witzel. Destas, cinco crianças foram mortas em tiroteios e até agora apenas um caso foi esclarecido pela Polícia Civil. Todas as famílias apontam o envolvimento de policiais militares. Na terça (24), mais uma criança foi baleada, sem envolvimento da PM, segundo as primeiras informações.
O governador do Rio bancou sua política de segurança e reclamou de quem faz da morte um palanque, num cinismo característico da Nova Era: Witzel é o mesmo que subiu num palanque em que a placa em homenagem a Marielle Franco foi quebrada e também o mesmo sujeito que comemorou, como se fosse um gol, a morte de um jovem com distúrbios mentais que sequestrou um ônibus há cerca de um mês. Parlamentares fluminenses protocolaram na PGR uma notícia-crime contra o governador, pedindo a instauração de um inquérito policial para investigar se as declarações de Witzel, que manda mirar na cabecinha e atirar, seriam um incentivo à prática de crimes em regiões mais pobres. Inacreditavelmente, Witzel publicou no Diário Oficial de terça um decreto que suspende a redução de mortes cometidas por policiais como um dos indicadores do Sistema Integrado de Metas. Na prática, com a medida, os policiais não serão mais incentivados a reduzir a letalidade em operações. Deputados estaduais já protocolaram um projeto de lei para anular o decreto.
Uma outra consequência política da morte de Ágatha ocorreu na Câmara dos Deputados. O grupo de trabalho que analisa o pacote anticrime enviado por Sérgio Moro derrubou a ampliação do conceito de excludente de ilicitude, previsto no Código Penal, que permitiria aumentar as garantias legais de policiais em caso de confronto.
3. Um maluco no pedaço. Bolsonaro estreou na assembleia geral das Nações Unidas com um discurso repleto de informações falsas e afirmações exageradas. Tendo a Amazônia como tema central de sua fala, levou na comitiva uma jovem indígena, natural do Parque do Xingu em Mato Grosso mas que vive em São Paulo desde a adolescência, conhecida por vídeos no YouTube com posições à direita, mas que não tem reconhecimento de sua etnia como liderança. Bolsonaro também elegeu o velho Cacique Raoni como alvo e leu uma carta de apoio de um certo Grupo de Agricultores Indígenas, cuja única notícia da sua existência foi a realização de um encontro em fevereiro deste ano, com a participação de ministros de Bolsonaro.
Especialistas que esperavam um discurso moderado, capaz de mostrar ao mundo que o Brasil vive dias de normalidade, se deram mal. Na visão de Helena Chagas, o presidente brasileiro resolveu bater para não apanhar e usou a tribuna da ONU como palanque, criando inimigos externos para falar à sua base fiel de eleitores, o que pode não dar exatamente certo: “A grande maioria dos que votaram nele não é adepta das grosserias, e sabe distinguir um discurso de estadista de uma fala de palanque”, analisa a jornalista. Em direção semelhante, o colunista da Deutsche Welle, Philipp Lichterbeck, avalia que Bolsonaro, como não cumpre suas promessas de campanha, radicaliza sua retórica para desviar o assunto. Para o ex-diplomata Rubens Ricupero, o horizonte de Bolsonaro é imediato, e isso significa que ele está mais preocupado com o apoio interno e não tem condições de fazer um cálculo mais amplo sobre os efeitos de médio prazo na política internacional, como os prejuízos ao agronegócio. No fleumático mundo da diplomacia, o discurso de Bolsonaro foi visto como a última chance de ele ser respeitado.
Uma boa reportagem sobre os bastidores do discurso, que ajuda a entender as reais intenções do governo, foi feita pela Folha de São Paulo. No texto, ficamos sabendo por exemplo que o texto final teve influência dos olavistas Ernesto Araújo, Eduardo Bolsonaro e Filipe Martins (assessor internacional), com direito a pitacos de Steve Bannon. O general Augusto Heleno, que seria uma voz mais ponderada, não pôde ver a versão final. A ideia foi, em resumo, causar. De acordo com a reportagem, Bolsonaro não queria se policiar e a verborragia tinha como objetivo “marcar o que os bolsonaristas chamam de nova era para o Brasil e imprimir a imagem de um governo revolucionário”.
A truculência, porém, já traz consequências. Um dia após o discurso, deputados democratas pediram que os Estados Unidos cancele a designação do Brasil como aliado preferencial fora da Otan. Para o professor de Relações Internacionais da FGV, Oliver Stuenkel, o discurso enterrou de vez o acordo entre Mercosul e União Europeia, dificultou o ingresso do Brasil na OCDE e se torna por outro lado uma oportunidade para a China ampliar sua relação com o Brasil. Internamente, representa uma vitória do olavismo sobre a ala neoliberal do governo Bolsonaro. Na quinta, ativistas do Greenpeace invadiram a residência do embaixador brasileiro em Paris, Luís Fernando Serra, para protestar contra uma reunião que acontecia no local entre o ministro Ricardo Salles e executivos de grandes empresas francesas, entre elas, a petrolífera Total. Sem esquecer que Bolsonaro levou azar a mais um chefe de Estado: depois de ouvir um “i love you” do mandatário brasileiro, Donald Trump passou a encarar um processo de impeachment na Câmara.
4. Regra dos três terços. Uma mostra de que a aposta de Bolsonaro é arriscada, mas não tresloucada: pesquisa CNI/Ibope divulgada na quarta (25) mostra que sua aprovação apenas oscilou um ponto para baixo, dentro da margem de erro, na comparação com o levantamento feito em junho. A pesquisa mostra que 31% dos brasileiros avaliam o governo como ótimo ou bom (eram 32% em junho), enquanto 34% o veem como ruim ou péssimo (contra 32% anteriormente). Mas chama atenção a queda brusca na popularidade do presidente na região Sul do Brasil. Além disso, a mesma pesquisa mostrou que a confiança no presidente também vem caindo: em abril, 51% dos entrevistados diziam confiar, índice que caiu para 46% em junho e chega agora a 42%.
Apesar da queda na popularidade e dos atritos dentro da própria base, o relacionamento entre Bolsonaro e o Congresso segue relativamente estável, mas com sinais de alerta. Câmara e Senado parecem empenhados em dar prosseguimento à agenda econômica como uma espécie de anexo independente do governo. Na terça, o Congresso derrubou 18 vetos presidenciais ao projeto de lei do abuso de autoridade, mantendo outros 15, mas segundo o Estadão Bolsonaro teria avalizado a derrubada dos vetos, deixando para os congressistas o ônus de aprovar medidas impopulares e de impingir uma derrota a Sérgio Moro. Em outra frente, Bolsonaro viu Augusto Aras, seu indicado para a Procuradoria Geral da República, ser aprovado com folga no Senado, inclusive com apoio da esquerda. Ameaçadora mesmo só a CPI das Fake News, que convocou quatro empresas que prestaram serviços de envio de mensagens para a candidatura Bolsonaro. Outra questão em aberto fica por conta da Reforma da Previdência: Davi Alcolumbre anunciou que de terça (1º) não passa a votação da proposta em primeiro turno. Helena Chagas lembra que qualquer mudança aprovada fará o texto retornar para o Câmara e vê uma clara procrastinação dos senadores, aborrecidos com a ausência de emendas e com a operação da Polícia Federal no gabinete do senador Fernando Bezerra. O governo teria que começar a mexer os pauzinhos para garantir o andamento da reforma, mas sofre com a falta de competência na articulação política.
5. Tem um 2020 no caminho de 2022. Se Bolsonaro está fazendo a sua parte na sua campanha de reeleição, mantendo sua tropa em alerta, por outro lado, ainda não se sabe se poderá contar com saco de gatos que atende pelo nome de PSL. Segundo o El País, um terço da bancada, entre 15 e 20 deputados, podem deixar o partido, seja por disputas internas nas eleições municipais, como o caso de Joice Hasselmann que tem as pretensões de concorrer a prefeitura de São Paulo barradas por Eduardo Bolsonaro, seja a fração lavajatista descontente com o arquivamento da CPI da Lava Toga. O Podemos tem se oferecido como porto aos dissidentes. E até o próprio Bolsonaro cogita sua saída, em direção a outra legenda ou refundando a UDN. Por outro lado, se hoje o PSL tem apenas 30 prefeituras e nenhuma maior que 100 mil habitantes, para as próximas eleições, o partido terá acesso a R$ 500 milhões pelo fundo partidário. Já a oposição, pela direita ou pela esquerda, caminha em direção ao centro. Segundo Daniel Carvalho, na Folha, os partidos derrotados em 2018 apostam que se o governo não der certo, a decepção da população pode trazer o eleitor para o centro em busca não de uma outra ideologia, mas de um novo nome. No PT, analisa Carvalho, a variável é a condição de Lula, livre ou preso. Fora da prisão, poderia conduzir articulações com partidos do campo de centro-esquerda, enquanto em Curitiba, tende a querer elevar o tom de enfrentamento, restringindo alianças. Em análise semelhante, Thomas Traumann avalia que Lula, ao contrário de Bolsonaro, quer adiar ao máximo o debate sobre 2022, usando o tempo para manter também a sua tropa animada e ajustando a unidade do partido.
6. Educação. A maioria das universidades federais já tomou a decisão de não aderir ao Future-se, programa proposto pelo Ministério da Educação para que as instituições busquem recursos na iniciativa privada e sejam geridas por organizações sociais. Isso não significa que o ministro Abraham Weintraub vá recuar dos ataques às instituições federais. Em palestra nesta quinta (26) no Fórum Nacional de Educação Superior Particular, ele disse que precisa “atacar a zebra mais gorda”, referindo-se ao salário de professor universitário federal. O MEC desbloqueou parte das bolsas de pesquisa que haviam sido bloqueadas e vem realizando liberação de parte do orçamento contingenciado das universidades, mas a situação é crítica em quase todas elas (vejam relatos recentes sobre a situação na Universidade Federal do Paraná e na Universidade Federal da Bahia). O problema de Weintraub não é só com o que é público, mas com a educação em si. Para representantes de instituições privadas de ensino, falando sobre o FIES, avisou que não esperem apoio nenhum do governo. O ministro defendeu a auto regulação do setor, sem gerência do MEC na criação e aprovação de cursos e faculdades. Na educação básica, como o projeto Escola Sem Partido não é aprovado, Weintraub adotou a estratégia de incentivar as escolas públicas a adotarem a filosofia do programa. Os professores preparam uma mobilização pela educação na próxima semana.
7. Agora vai. Depois da reforma da Previdência, da MP da Liberdade da Econômica e do avassalador crescimento de 0,5% no PIB, agora é a redução da taxa Selic que se apresenta como a salvadora da economia nacional. Mas, a taxa de 5,5% ano ano, a menor de toda a série histórica, não será suficiente para impulsionar o crescimento econômico se não vier acompanhada de outras medidas de combate ao desemprego e de redução da inadimplência, explicam os economistas. E quem realmente não vai ajudar nisso são os bancos. Além de demorarem para repassar a redução dos juros aos consumidores, o sistema financeiro está aproveitando para lucrar com a diferença entre o que eles captam no mercado e o que repassam em empréstimos. Se os juros atingiram o menor patamar da história, na outra ponta, a dívida pública também bateu um recorde, atingindo R$ 4 trilhões. A BBC Brasil aproveita para lembrar pelo menos outras quatro promessas e fracassos de Paulo Guedes, como a privatização total, a volta da CPMF, a capitalização da previdência e zerar o déficit público.
8. Ponto final: nossas recomendações de leitura
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- As referências de Bolsonaro à ditadura não são ornamentais, ele realmente sabe que seu projeto não pode ser implementado pelas vias democráticas e só não recorreu a uma saída autoritária e de ruptura institucional por não ter força para tanto, opina Guilherme Boulos em entrevista para o Sul 21.
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- Longo artigo de Thais Oliveira na Carta Capital recapitula tudo o que sabemos sobre o que pensam e como se comportam os bolsonaristas, subdivididos em “periféricos de direita”, “cidadãos de bem” lavajatistas, “isentos” e “meritocratas”, “machões e bolsogatas” acuados pelos avanços na questão de gênero, e os apoiadores pragmáticos, estritamente ligados ao programa ultraliberal de Guedes. Todos esses perfis têm em comum emoções como o medo, o ódio ou o ressentimento. Uma das fontes da reportagem, a antropóloga Isabela Kalil também é entrevistada pelo El País, onde discute como o bolsonarismo mudou o comportamento da direita e como os discursos de ódio são uma tática para aumentar a amplitude destes setores, o que nos ajuda a entender o discurso na ONU. “É justamente a radicalização que sustenta o protagonismo de Bolsonaro na direita”, diz.
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- Em artigo para o Congresso em Foco, Thaynara Mello critica a proposta das escolas cívico-militares: “O que ninguém fala é que o alto investimento financeiro nesses colégios é que faz eles funcionarem e não o fetichismo da disciplina militar”, escreve.
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- A crise econômica atinge cada vez mais os mais pobres, enquanto os mais ricos recuperam-se cada vez mais rápido. Longa reportagem da BBC detalha os dados de como o encolhimento da economia foi acompanhado de concentração de renda no topo da pirâmide e aumento da desigualdade como um todo, enquanto retrata o cotidiano dos desempregados com menor qualificação.
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- A jornalista Gabriela Moreira e o historiador Luiz Antônio Simas fazem um rico apanhado sobre a história e a cultura das favelas do Rio de Janeiro no podcasts Encruzilhadas.
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Edição: Brasil de Fato
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