.
Adecio Piran: “Estão fazendo uma corrente para retirar os patrocinadores do jornal. Nossa situação está muito complicada” / Foto: Joao Laet / AFP
Ameaças circularam no Whatsapp e em panfletos distribuídos pela cidade. Um Boletim de Ocorrência foi registrado
Kátia Brasil | Amazônia Real | Manaus (AM) – O jornalista Adecio Piran, de 56 anos, proprietário do jornal Folha do Progresso, que denunciou o protesto de produtores rurais, denominado de “dia do fogo”, foi atacado nesta quarta-feira (28), por meio de grupos da rede social Whastsapp, com um panfleto apócrifo, que também foi distribuído em versão impressa à população de Novo Progresso, no sudoeste do Pará. O jornalista registrou um Boletim de Ocorrência na Polícia Civil. O panfleto traz uma foto montada de Adecio, na qual ele aparece de chapéu, com o símbolo da cifra do dólar no óculos preto, uma imagem de incêndio ao fundo e a frase: “Mentiroso, Estelionatário e Trambiqueiro”.
Um dos trechos do panfleto acusa o jornalista de inventar a notícia do protesto “dia do fogo” para prejudicar o desenvolvimento de Novo Progresso, município que enfrenta alta das queimadas. “Não é de hoje que este senhor [Adecio] vem prejudicando nossa região com falsas notícias que é compartilhada por ONG´s e ativistas mundo afora fazendo com que nossa cidade seja vista como vilã em queimadas e desmatamento, o que é mentira”, diz o panfleto.
À agência Amazônia Real, o jornalista Adecio Piran revelou que sua situação de segurança estava difícil. Ele contou que nasceu em Novo Progresso e trabalha como jornalista há 20 anos, mesmo tempo que tem o veículo. “É ameaça geral aqui. São [as ameaças] de pessoas que não aceitam a verdade e que, de uma forma ou outra, atacam para se esconder dos atos praticados”, disse ele sobre os panfletos distribuídos em Novo Progresso.
Adecio Piran afirmou que os anunciantes do jornal também estão sendo ameaçados e coagidos. “Eles [os produtores rurais] estão fazendo uma corrente para retirar os patrocinadores do jornal. Nossa situação está muito complicada”, e por isso o jornalista registrou um Boletim de Ocorrência (BO) na Unidade Polícia Civil da cidade.
A reportagem teve acesso ao BO. No documento, o jornalista disse que é alvo de difamação, calúnia e ameaça por parte de grupos denominados de “Direita Unida Renovada” e “Caneta Desesquerdizadora”, ativos na rede social WhatsApp. Também responsabilizou Donizete Severino Duarte, que seria administrador do “Direita Unida Renovada”, em Novo Progresso, como um dos autores das ameaças.
A reportagem não localizou Duarte para falar sobre a denúncia. Já o presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Novo Progresso, Agamenon Menezes afirmou que o jornalista mente e também registrou um BO contra Adecio Piran por calúnia e difamação.
Em outro trecho do panfleto apócrifo, Piran é acusado de estelionato. “O que estamos sabendo é que esse cidadão é um estelionatário que extorque dinheiro de empresários e políticos há anos, antes de publicar suas matérias mentirosas, um fracassado que vive de maracutaias.”
O jornalista rebateu a denúncia, dizendo que seu veículo, que tem uma página na internet, sobrevive de pequenos anúncios e não recebe recursos públicos. Segundo ele, o jornal ganhou credibilidade ao longo dos anos, denunciando crimes ambientais.
“A imprensa na cidade não publica [as notícias dos crimes] com medo de represálias que ocorrem, principalmente sobre as causas ambientais”, afirmou Piran.
Sobre a acusação do presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Novo Progresso, Agamenon Menezes, da qual o “dia do fogo” foi uma mentira inventada pelo jornal Folha do Progresso, o jornalista Adecio Piran indagou:
“O Exército não está aqui apagando fogo? Eles [ruralistas] precisam entender que a Amazônia não é minha, é do planeta”.
A reportagem da Amazônia Real procurou instituições como o Ministério Público Federal do Pará, Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e o Artigo 19 da Constituição, que defendem a liberdade de expressão e liberdade de imprensa. No que diz respeito às instituições, elas informaram que estão acompanhando a situação do jornalista em Novo Progresso, mas ainda não se pronunciaram.
A notícia do “dia do fogo” foi publicada no jornal Folha do Progresso em 5 de agosto e relatava que os produtores rurais estavam organizando o protesto no dia 10 de agosto para “chamar atenção das autoridades” sobre a falta de apoio do governo”, e também para demonstrar que estavam “amparados pelas palavras” do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que contestou os dados dos desmatamentos na Amazônia e prometeu perdoar as multas de ruralistas por crimes ambientais.
“Precisamos mostrar para o presidente [Jair Bolsonaro] que queremos trabalhar e o único jeito é derrubando. E para formar e limpar nossas pastagens, é com fogo”, disse um fazendeiro, ouvido pelo jornal Folha do Progresso, sob anonimato.
Os dados do Inpe mostram que as queimadas explodiram no entorno da BR-163, justamente a partir do anúncio do “dia do fogo”, informou a reportagem do jornal Folha do Progresso, que repercutiu em nível internacional.
No dia 14 de agosto, a Folha de S. Paulo publicou que, após o “dia do fogo”,o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou uma explosão de focos de incêndio na região de Novo Progresso, que fica a 1.643 km de distância de Belém. O aumento dos incêndios e queimadas foi de 300% no dia 10 de agosto, um sábado, em comparação com o dia anterior. “Com 124 registros, foi o recorde do ano, mas durou pouco: no domingo (11), já pulou para 203 casos. Nos últimos dias, a cidade conviveu com uma densa nuvem de fumaça”.
A série Amazônia em Chamas publicada pela agência Amazônia Real, revelou que funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que atuam no sudoeste do Pará, solicitaram apoio da Força Nacional de Segurança (FNS), subordinada ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, para apoiar a fiscalização e deter a manifestação pelo “dia do fogo”, mas não foram atendidos, apesar de serem cobrados pelo MPF.
Ruralista registrou BO
Queimadas no Parna Jamanxim em Novo Progresso no Pará em 24 de agosto de 2019 (Foto: Victor Moriyama / Greenpeace)
Em entrevista anterior à ameaça ao jornalista Adecio Piran, o presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Novo Progresso, Agamenon Menezes, negou que existiu o “dia do fogo” e desclassificou o profissional.
“É um jornalista revoltado aqui, ele não é bem certo da cabeça. Ele de vez em quando faz umas reportagens malucas desse aí, não sei dá onde ele tirou. Como ele é jornalista, e tem o direito do sigilo, ele não conta quem foi que contou. Nós queremos saber quem é que falou para ele que iria fazer isso, mas [ele] não conta, ele fica com a lei do sigilo”, disse o ruralista.
Procurado nesta quarta-feira (28), Agamenon Menezes afirmou que registrou um Boletim de Ocorrência (BO) contra o jornalista Adecio Piran, no dia 10 de agosto. “O sindicato registrou um BO em cima do jornal e tem uma investigação em isso aí. Ele mentiu muito, inventou uma história e deu um prejuízo moral e financeiro para todo mundo”, disse o sindicalista.
Perguntado se soube da distribuição dos panfletos apócrifos com ameaças ao jornalista, Menezes afirmou: “Tô sabendo que o pessoal aqui está revoltado com ele [o jornalista]. Mas aqui a gente é ordeira; ninguém vai fazer nada com ele, que é uma pessoa imoral. Ele inventa histórias e já inventou outras vezes”, disse.
A Amazônia Real perguntou que outras inverdades o jornalista teria publicado anteriormente e o sindicalista desconversou. “Não lembro agora. ” A reportagem apresentou ao sindicalista o dado de que o Inpe havia detectado um aumento de 300% nas queimadas em Novo Progresso no “dia do fogo”, isto é, na data de 10 de agosto. Questionou a relação entre o aumento significativo das queimadas, no dia em que foi anunciado o protesto dos produtores rurais.
“Isso é também mentiroso, uma calúnia, não existiu. Eles [o Inpe] pegam um fogo de calor de uma fogueira de São João, por exemplo, e dizem que é um foco de calor de derrubada de floresta, certo! ”, afirmou Menezes. “Isso interessa muito à comunidade internacional para prejudicar nosso presidente [Jair Bolsonaro]”, completou.
Agamenon Menezes disse que está à frente do sindicato há 23 anos. Para ele, todos os anos há queimadas para a produção do pasto na região. “Muitas vezes a pessoa, por acidente, queima o pasto. O que está acontecendo agora é o clima, não é que estão tocando fogo na floresta. Aí, o Inpe coloca lá como se tudo fosse queimada”, disse o sindicalista.
A reportagem explicou para o sindicalista que nas imagens de satélites, das quais o Inpe faz o monitoramento de queimadas desde 1989, e (nas) as fotografias que estão na região de Novo Progresso e Altamira, mostram que as queimadas aumentaram por causa dos desmatamentos. Então questionou: O que o senhor tem a dizer?
“O desmatamento realmente existe, aquelas bolas de desmatamentos existem. Mas você sabe que na legislação brasileira na Amazônia, a pessoa pode usar 20% da área para desmatar com o plano de manejo. Se permite, o que eu posso fazer se não é proibido? ”, questiona Agamenon Menezes.
O presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Novo Progresso, contudo, reconhece que há desmatamento ilegal, mas questionou. “A maioria dos produtores trabalha na legalidade, mas não podem dizer que tudo que é madeira daqui é ilegal. Então tudo que desmata aqui é ilegal? Todo fogo é ilegal, é proibido? Então o que querem fazer com nós aqui da Amazônia? ”, finalizou Menezes.
O jornalista Ueliton Brizon, foi morto em 16 de janeiro de 2018 (Foto: Arquivo da família)
Segundo a organização não-governamental de direitos humanos Artigo 19, a violência contra jornalistas aumentou nos últimos anos no Brasil. De janeiro até o mês de agosto de 2019, foram 26 ameaças, 1 sequestro, 4 tentativas de homicídio e 4 assassinatos. As principais vítimas foram jornalistas (17 profissionais). Em 2018 foram 35 ameaças, mesmo número de 2012 e 2015.
Na Amazônia, em 2018, foram assassinados o jornalista Ueliton Brizon, em Rondônia, e Jairo José de Sousa, da Rádio Pérola, no Pará.
A morte de Brizon aconteceu no dia 16 de janeiro, no município de Cacoal (RO). Além dele, o radialista Hamilton Alves, da rádio Nova Jaru FM, também no Pará, sofreu um atentado no dia 20 de abril. Ninguém foi preso pelos crimes até o presente momento.
Jairo de Sousa foi assassinado em 21 de junho, em Bragança, no Pará. No programa radiofônico, ele apresentava diariamente denúncias contra a administração pública da cidade e de municípios vizinhos. O vereador Cesar Monteiro (PR), foi apontado como suspeito de ter encomendado a morte do radialista a pistoleiros, segundo informou a agência Ponte de Jornalismo.
Edição: Amazônia Real
…