BNEGÃO: “NÃO SOU MÚSICO PRA NÃO ME POSICIONAR”

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BNEGÃO: “NÃO SOU MÚSICO PRA NÃO ME POSICIONAR”

apublica.org | Ethel Rudnitzki – Artista falou sobre a interrupção do seu show pela PM em Bonito, Mato Grosso do Sul. Para ele, a cultura está sendo perseguida pelo governo Bolsonaro.

No último final de semana, de 24 a 28 de julho, aconteceu o 20º Festival de Inverno de Bonito, no Mato Grosso do Sul. O evento foi marcado por manifestações contrárias ao governo Jair Bolsonaro durante os shows e atividades culturais. Um vídeo da cantora Gal Costa dançando ao som de gritos de ordem e xingamentos ao presidente Jair Bolsonaro viralizou na internet.

Também nas redes foram denunciados diversos relatos de repressão policial no evento. Na quinta, 25 de julho, dois produtores do evento foram presos, conforme nota divulgada pelo Fórum Estadual de Cultura do Estado do Mato Grosso do Sul. A servidora da Fundação de Cultura, Lidiane Lima acusa cinco policiais militares que a levaram algemada à delegacia de agressão. “Outro integrante da produção do Festival foi detido ilegalmente após filmar a ação ilegal da polícia e teve seu celular confiscado”, diz a nota.

Além disso, o artista BNegão teve seu show com a banda Seletores de Frequência interrompido pela Polícia Militar na madrugada do sábado para domingo (28). Em suas redes sociais, BNegão divulgou relatos de truculência durante a dispersão do evento.

Segundo ele, isso nunca tinha acontecido antes, nem mesmo quando tocava com o grupo Planet Hemp. “Já passei por várias situações ao longo do tempo, mas os caras terem o poder de parar foi um absurdo.”

Conhecido por se posicionar politicamente durante seus shows, BNegão assinou manifesto junto com outros artistas do hip-hop contra Jair Bolsonaro no ano passado, durante a corrida presidencial e não poupa críticas ao atual presidente, cujo governo ele diz não reconhecer. “O cara é um ditador clássico”.

Em entrevista à Agência Pública, o artista contou o que aconteceu em seu show em Bonito e falou do caráter político de sua música. Em nota, a prefeitura de Bonito repudiou as manifestações políticas durante o festival de inverno. Procurada, a Polícia Militar não se manifestou até a publicação.

No último sábado você e sua banda tiveram o show no Festival de Inverno de Bonito interrompido pela Polícia Militar do Estado do Mato Grosso do Sul. Você pode contar melhor como foi o episódio? A polícia te abordou?

Então, eles não entraram em contato diretamente com a gente. Foi uma perseguição anterior. Na passagem de som, esse cara da produção foi lá, e ele tinha apanhado da polícia militar, apanhou a noite inteira e foi demonstrar pra mim o linchamento. Ele tava todo inchado na passagem de som, revoltado. Estava rezando pela vida mas ao mesmo tempo querendo se expressar, querendo contar o que aconteceu.

E muita gente veio dizer o que rolou, que lincharam outra menina da organização, e que a PM falou que a mina agrediu 5 policiais. Não tem como. E daí o cara contou essa história.

E no meio do show eu também contei essa história. Eu cheguei e falei é o seguinte, aconteceu isso com os caras da produção e tal, acusei a polícia. Aí deu duas músicas, os caras [policiais] vieram pra acabar com o show.

E eu já tinha falado também sobre Bolsonaro, sobre Sérgio Moro, sobre o que aconteceu na tribo no Pará e tantas outras coisas que eu tinha pra falar.

Aí falaram pra acabar. Deu tempo de tocar mais duas músicas, eu toquei. Deu tempo também de xingar o Bolsonaro mais umas dez vezes e fui embora.

Mas foi nesse esquema, na hora que a gente desceu pra tocar uma música instrumental, foi a hora que chegou o cara da organização, tremendo e apavorado falando que a secretaria [de cultura de Bonito] tinha ido em cima dele junto com a polícia falando que tinha que encerrar o show.

Então não foi a PM que chegou pra você diretamente?

Não. Não chegou diretamente, eles chegaram nos caras [da organização] e estavam em volta ali do palco, porque o show foi aberto. E daí era um show em lugar público para três mil pessoas, numa lona de circo.

E eles falaram que se não acabasse o show até às três da manhã – que era 10 minutos depois que eu recebi a notícia – eles iam fazer o uso da força. E aí ia sobrar pra todo mundo, pro público, inclusive. Aí a gente decidiu acabar no meio do show e ficou esse clima geral.

O cara [da organização] disse que o policial que veio falar foi o mesmo policial que bateu nele. E fizeram isso tudo que fizeram sem nenhuma identificação. E o policial que tá sem identificação a gente sabe que tá preparado pra

fazer qualquer parada que está fora da legislação. E eles estavam sem identificação.

A gente ficou esperando um tempo lá pra esfriar a cabeça e esperar a poeira baixar e pros caras [da organização] poderem explicar pra gente o que aconteceu. E aí começou a chegar mensagem dizendo que o público foi dispersado com os policiais mostrando armas, com cassetete, e teve uma galera que disse que jogaram gás de pimenta na cara, como se fosse inimigo.

Na nota da polícia eles dizem que na verdade foi porque tinha passado o tempo do show. E a organização de fato atrasou o show, eu não faço ideia do porquê, mas atrasou. Era pra começar 1h40 e a gente começou a montar o palco 1h40 e o show começou às 2h. Eram duas horas de show. Deu 1h e teve que acabar. Daí eles usaram essa parada de que tinha atrasado e que não tinha acontecido nada de diferente.

Você atribui essa interrupção do show ao fato de você ter denunciado a agressão desses dois produtores do evento? Ou tem a ver com as manifestações políticas contra o governo que aconteceram no seu show e em outros?

A polícia somou tudo. Porque o Bolsonaro é o ídolo desses caras, né? Eles têm essa resistência contra nós muito por conta disso. Pra esses caras [policiais] ele [Bolsonaro] é o cara, ele e o Sérgio Moro.

Sérgio Moro com o excludente de ilicitude penal e Bolsonaro com esse discurso também. E enfim toda mais essa questão de faroeste que já rola no ambiente do Mato Grosso do Sul. Então é todo um clima favorável. Tem foto do Bolsonaro em restaurante lá. É um negócio assim, como se ele fosse o deus dos caras.

Além da interrupção do seu show e da prisão e agressão a esses organizadores, você soube de mais algum ato truculento durante o festival?

Durante o evento todo estava um clima estranho. O nosso show foi o auge da parada. Em todos os outros shows, todo mundo, todos os outros artistas, quando o público começava a cantar [contra Bolsonaro] eles faziam uma regência, mas sem falar nada. Já a gente costuma falar mais diretamente. Isso faz a gente ficar na linha de frente, bater de frente com os limites que os caras botam. E aí saiu nota do prefeito falando que o festival não é lugar de manifestação política, não sei o que.

Como você disse, no mesmo festival outros artistas fizeram manifestações contrárias ao governo e não tiveram seus shows interrompidos – como a Gal Costa que dançou ao som de gritos contra o Bolsonaro. Por que você acha que só o seu show foi interrompido?

Uma coisa é você fazer uma regência e dando sorriso. Outra coisa é falar que é um governo, ladrão, essa coisas, e falar do Sérgio Moro. Outra coisa é quando o público faz a manifestação. Ninguém falou diretamente como a gente. Então acho que foi por isso.

Você não acha então que teve um viés de recorte de classe e raça?

Não, de raça não. Mas tenho certeza que foi por raiva. Porque no nosso show não tem manifestações pontuais, o nosso show inteiro é político. A gente fala o tempo inteiro da parada. E eles se sentem agredidos o tempo todo. A gente mexe com os caras. Foi esse o crime, na verdade.

É como eu te falei. O show da Gal a galera ouve a platéia e fala ‘ah, legal, tá rolando’, não fala sobre a parada diretamente e musicalmente. A nossa ideia de punk rock faz a gente falar as coisas exatamente como é.

Você já teve algum outro show interrompido antes?

Eu já tive show cancelado antes deu chegar, vários, cancelados pela justiça, cancelados por perseguição policial. Fiquei vetado em Salvador por três anos. Em Curitiba fiquei vetado por cinco anos. E já teve as confusões, mas ter show interrompido assim, não. Já teve não fazer o show só.

Já teve policial entrando e dizendo que não podia tocar tal música, mas a gente tocou mesmo assim e não aconteceu nada porque não tinha mandato. Enfim, já passei por várias situações ao longo do tempo, mas os caras terem o poder de parar foi um absurdo. Com certeza os caras somaram muitos fatos e se não tivesse o Bolsonaro não ia acontecer o que aconteceu. E como o festival começou atrasado acabou dando esse aval pra eles.

O governo de Jair Bolsonaro, ao qual você se opõe publicamente em shows e publicações em suas redes sociais, tem feito diversas manifestações contrárias à produção de cultura no Brasil, dentro de um discurso de guerra cultural. Como você vê a postura do governo em relação à cultura?

É um governo contrário à vida. E cultura como parte da vida também é perseguida. Eu nem considero um governo, considero um momento da história que em algum momento pode ser corrigida. Não reconheço esse governo. E logicamente está afetando tudo, porque afeta o Brasil.

Os caras são contra a felicidade, contra a nossa alegria. E a cultura é isso. Os caras já acabaram com o ministério da cultura e os conselhos participativos da sociedade foram dissolvidos e só tem militar na parada. E ele [Bolsonaro] está fazendo tudo que é possível para ser um golpe sem ser um golpe. Ele está fazendo tudo que é possível e impossível. O cara é um ditador clássico, com o apoio dos militares. Não tem como a gente não brigar contra isso.

Você acha que isso tem afetado a produção cultural no Brasil? Você vê algum crescimento de conservadorismo na música?

Na verdade, acho que só afeta pela intimidação, e corte de projetos institucionais. Não vejo a produção conservadora avançando, não. A questão é bater de frente mesmo quando as coisas forem acontecendo. Mas é geral, também contra a pesquisa, é a produção de uma cultura de ignorância. Quanto mais ignorante, melhor.

Você costuma manifestar bastante suas opiniões políticas nas redes sociais. Já sofreu algum tipo de ameaça, xingamento ou perseguição online devido a seus posicionamentos?

Ah, sim. Já sofri até ameaça de morte, inclusive. Acontece. Daí eu printo e chamo os advogados. Xingamentos já, vários, é normal. Mas eu não dou bola pra isso porque, enfim, entrei na música pra isso. Não sou músico pra não me posicionar. Eu entrei na música para dar opinião. Desde o início era isso. Essa é a minha base, sou cria do punk rock nacional, e do rap nacional. Eu sou filho de gente que lutou contra a ditadura militar, vivi tudo isso desde criança. Estou acostumado com todas as consequências de viver nesse modo de vida. Nasci dentro disso.

Alguns movimentos políticos e sociais têm organizado eventos de música e cultura por suas causas, como foi o Festival Lula Livre. Qual sua opinião sobre esses eventos que juntam a cultura e política?

Eu participei do Lula Livre no Rio, só não participei em São Paulo porque eu tava tocando em Belo Horizonte no dia. Eu acho fundamental. A música tem esse privilégio de unir pessoas por uma mesma causa num festival, acho importante. Agora tem uma galera tentando agitar um festival contra esse governo. Contra essas questões todas que a gente falou. E se rolar eu pretendo tocar com certeza.

Frente à essa situação que você e a banda passaram, e as ações que você apontou desse governo ser contrário à cultura e à música, como você acha que os artistas devem se colocar?

Então, acho que cada um cada um. Eu não consigo dizer o que cada um tem que fazer. Eu acho que cada um tem que ver o que está sentindo, mas a minha história é essa e faço isso desde sempre. Mas eu acho que é bom as pessoas pensarem e se posicionarem agora, porque talvez mais tarde não de pra gente fazer isso. Como um conselho acho que seria bom as pessoas estarem ligadas, porque a gente está num dos momentos mais complicados da história do país de todos os tempos. Estamos à beira do pior.

Mas falando de música especificamente, que tem um histórico de resistência no país, frente à ditadura militar e desde antes. Você vê a música dessa maneira hoje ou você acha que deveria ser mais?

O que acontecia na verdade nas antigas era que tinha uma galera com mais expressão fazendo essas músicas. Eles não podiam falar, então era a música que eles tinham para se expressar. Então minhas produções agora vão contribuir de forma pesada contra esses retrocessos todos. Eu pretendo bater de frente de forma brutal contra isso que está posto.

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MINISTRO DO STF SUSPENDE INVESTIGAÇÃO DA RECEITA CONTRA AUTORIDADES

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MINISTRO DO STF SUSPENDE INVESTIGAÇÃO DA RECEITA CONTRA AUTORIDADES

Alexandre de Moraes é o relator do caso e tomou a decisão

Por André Richter – Repórter da Agência Brasil Brasília – O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, decidiu hoje (1º) suspender investigação fiscal aberta pela Receita Federal contra 133 contribuintes para apurar suspeitas de irregularidades fiscais. A fiscalização é realizada pela Equipe Especial de Fraudes (EEF), especializada na investigação de autoridades, entre elas, ministros da Corte.

No entendimento do ministro, há graves indícios de ilegalidades na investigação e “direcionamento das apurações em andamento”. Na mesma decisão, Moraes determinou o afastamento temporário de dois servidores da Receita Federal por quebra de sigilo.

“Considerando que são claros os indícios de desvio de finalidade na apuração da Receita Federal, que, sem critérios objetivos de seleção, pretendeu, de forma oblíqua e ilegal investigar diversos agentes públicos, inclusive autoridades do Poder Judiciário, incluídos ministros do Supremo Tribunal Federal, sem que houvesse, repita-se, qualquer indicio de irregularidade por parte desses contribuintes”, decidiu.

Em fevereiro deste ano, a Receita negou que o ministro do STF Gilmar Mendes e sua esposa, Guiomar Mendes, sejam investigados pelo órgão. A manifestação foi divulgada após a imprensa divulgar que o casal seria citado em uma apuração preliminar de “possíveis fraudes de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência”. Reportagens também afirmaram que a esposa do ministro Dias Toffoli, Roberta Rangel, também seria alvo do Fisco.

O pedido de suspensão das investigações foi assinado dentro do inquérito aberto pelo presidente, Dias Toffoli, para apurar notícias falsas (fake news) e ofensas que tenham a Corte como alvo. O inquérito tramita de forma sigilosa e foi prorrogado hoje por mais 180 dias pelo ministro Alexandre de Moraes, que é relator do caso.

Assista na TV Brasil: STF retoma os trabalhos com processos polêmicos em pauta:

Edição: Fábio Massalli

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APÓS REQUISITAR MENSAGENS, STF ARTICULA AFASTAMENTO DE DELTAN DA LAVA JATO

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APÓS REQUISITAR MENSAGENS, STF ARTICULA AFASTAMENTO DE DELTAN DA LAVA JATO

Cópias de conversas são solicitadas por Fux e Moraes, que já havia suspendido investigações contra ministros do Supremo.

Folha Uol – Depois de requisitar à Polícia Federal as mensagens hackeadas de autoridades, ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) articulam o afastamento do procurador da República Deltan Dallagnol do comando da Lava Jato, em Curitiba.

Nos bastidores, eles buscam os caminhos para que isso ocorra. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, tem sido pressionada a determinar essa medida a partir de Brasília. Nesta quinta-feira (1º), ela chamou uma reunião de emergência para discutir o assunto.

Pessoas próximas a ela dizem, porém, que Dogde não estaria disposta a se indispor com os colegas de Ministério Público Federal. Com isso, o destino de Deltan na Lava Jato teria de ser decidido pelo STF.

A decisão, segundo a articulação em curso no tribunal, pode caber a Alexandre de Moraes, no âmbito do inquérito das fake news, relatado por ele.

Na noite desta quinta, Moraes determinou que as mensagens apreendidas pela PF com os suspeitos de terem hackeado celulares de autoridades, como o ministro da Justiça, Sergio Moro, sejam encaminhadas ao Supremo no prazo de 48 horas.

Assim, o caso dos hackers também passa a estar sob a alçada do Supremo.

A reação do STF se deu no dia em que mensagens publicadas pela Folha, em parceria com o site The Intercept Brasil, revelaram que, em 2016, Deltan incentivou colegas a investigar Dias Toffoli, hoje presidente do Supremo.

De acordo com relatos feitos à Folha, os ministros criticaram duramente a atuação de Deltan, que, na avaliação deles, passou a usar a operação de combate à corrupção como instrumento de intimidação.

Conforme as mensagens, Deltan buscou informações sobre as finanças pessoais de Toffoli e sua mulher, Roberta Rangel, e evidências que os ligassem a empreiteiras envolvidas com o esquema de corrupção na Petrobras.

A Constituição determina que ministros do STF não podem ser investigados por procuradores de primeira instância, como Deltan e colegas.

“Diante de notícias veiculadas apontando indícios de investigação ilícita contra ministros desta corte [STF], expeça-se ofício ao juízo da 10ª Vara Federal Criminal de Brasília solicitando cópia integral do inquérito e de todo o material apreendido” na operação, determinou Moraes no pedido à PF.

A Justiça Federal decretou nesta quinta a prisão preventiva, sem prazo para vencer, dos quatro suspeitos presos temporariamente desde a semana passada.

Conforme a Folha antecipou, Moro informou a autoridades alvos dos hackers que as mensagens, obtidas pelo grupo preso, seriam destruídas.

A comunicação provocou a reação de ministros do STF e de especialistas em direito, que afirmaram que a decisão de destruir ou não o material não cabe ao ministro da Justiça, mas ao Judiciário.

Além de Moraes, o ministro Luiz Fux também requisitou o material apreendido pela PF. Em decisão liminar, o ministro atendeu a pedido do PDT e determinou a preservação das provas.

“Há fundado receio de que a dissipação de provas possa frustrar a efetividade da prestação jurisdicional, em contrariedade a preceitos fundamentais da Constituição, como o Estado de Direito e a segurança jurídica”, escreveu.

O ministro foi citado em uma das mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil, que as publica desde junho.

Conforme as mensagens, Deltan relatou a colegas uma conversa em que o ministro teria declarado que a força-tarefa poderia contar com ele “para o que precisar”.

Numa conversa com Deltan, o então juiz Moro escreveu: “In Fux we trust [em Fux nós confiamos]”.

Também nesta quinta, Moraes determinou a suspensão imediata de procedimentos investigatórios instaurados na Receita Federal que atingiram ministros da corte e outras autoridades. Para Moraes, há “graves indícios de ilegalidade no direcionamento das apurações em andamento”.

Além da suspensão, Alexandre de Moraes decidiu afastar temporariamente dois servidores da Receita por indevida quebra de sigilo apurada em procedimento administrativo disciplinar.

Em um dos diálogos, o coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba sugere que recebeu da Receita informações sobre pesquisas em andamento nas contas do escritório de advocacia da mulher de Toffoli.

“São claros os indícios de desvio de finalidade na apuração da Receita Federal, que, sem critérios objetivos de seleção, pretendeu, de forma oblíqua e ilegal investigar diversos agentes públicos”, afirmou Moraes.

O ministro também pediu informações detalhadas sobre os critérios que levaram a Receita a realizar a fiscalização de 133 contribuintes e pediu esclarecimentos sobre eventual compartilhamento dessas informações com outros órgãos.

Moraes ainda criticou a Receita por ter informado ao Supremo Tribunal Federal que se baseou em “notícias da imprensa”.

A decisão ocorreu no âmbito de um inquérito aberto em março para apurar fake news e ameaças contra integrantes da corte. Essa investigação foi prorrogada por mais 180 dias.

Após a publicação das novas conversas de Deltan, o ministro Gilmar Mendes disse à coluna Mônica Bergamo que o aparato judicial brasileiro vive sua maior crise desde a ditadura militar (1964-1985).

Pouco depois, Gilmar voltou a criticar o uso da Receita e, sem mencionar o nome de Deltan, comparou sua atuação a “conversa de botequim”.

“Isso virou um jogo de conversa de botequim, quando o procurador diz assim: ‘Eu tenho uma amiga na Receita que me passa informações’. Coloquem-se cada um de vocês nessa situação. Que segurança o cidadão tem? Quando isso se faz com o presidente do STF, o que não serão capazes de fazer com o cidadão comum?”, disse.

O ministro Marco Aurélio Mello também fez críticas aos procuradores.

“Isso é incrível, porque atua no STF o procurador-geral da República. É inconcebível que um procurador da República de primeira instância busque investigar atividades desenvolvidas por ministro do Supremo”, afirmou Marco

Aurélio. Segundo o magistrado, “o problema do Brasil é que não se observa a lei”.

Quando as primeiras mensagens vieram à tona, em 9 de junho, o Intercept informou que obteve o material de uma fonte anônima, que pediu sigilo. O pacote inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, no aplicativo Telegram, a partir de 2015.

As mensagens obtidas pelo Intercept e divulgadas até este momento pelo site e por outros órgãos de imprensa, como a Folha, revelam que o então juiz Moro atuou em parceria com os procuradores em diferentes processos, aparentemente sem a imparcialidade diante de acusação e defesa exigida a um magistrado segundo as regras do Judiciário.

Caso haja entendimento de que Moro estava comprometido com a Procuradoria (ou seja, era suspeito), as sentenças proferidas por ele podem ser anuladas. Isso inclui o processo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que está sendo avaliado pelo Supremo e deve ser julgado no segundo semestre deste ano.

Segundo o Código de Processo Penal, “o juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes” se “tiver aconselhado qualquer das partes”. Afirma ainda que sentenças proferidas por juízes suspeitos podem ser anuladas.

Já o Código de Ética da Magistratura afirma que “o magistrado imparcial” é aquele que mantém “ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes e evita todo o tipo de  comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”.

Sergio Moro tem repetido que não reconhece a autenticidade das mensagens, mas que, se verdadeiras, não contêm ilegalidades.

Colaboraram Reynaldo Turollo Jr., de Brasília, e Mônica Bergamo, de São Paulo

Entenda as mensagens e as decisões do STF

O que as mensagens revelaram sobre Sergio Moro?
As mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil e divulgadas também por outros veículos, como a Folha, indicam que Sergio Moro, então juiz da Lava Jato, atuou em parceria com os procuradores em diferentes processos. Entre outras coisas, Moro indicou uma testemunha, pediu que o MPF incluísse uma prova em uma denúncia, interferiu na ordem de fases da Lava Jato e em negociações de acordos de colaboração premiada e sugeriu mudanças na equipe da Procuradoria

E sobre Deltan?
Nesta quinta (1º), a Folha publicou reportagem, baseada nas mensagens, que aponta que Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, buscou informações sobre as finanças pessoais do ministro do STF Dias Toffoli e de sua mulher e evidências que os ligassem a empreiteiras envolvidas com a corrupção. Em um dos diálogos, Deltan sugere que recebeu da Receita informações sobre pesquisas em andamento nas contas do escritório de advocacia da mulher de Toffoli, Roberta Rangel. A competência para atuar em processos ligados ao Supremo é da PGR

O que decidiu o ministro Alexandre de Moraes?
Após a revelação da Folha, Moraes, do STF, determinou a suspensão de procedimentos investigatórios instaurados na Receita Federal que estejam relacionados a ministros do Supremo e outras autoridades. Ele entendeu que a Receita pretendia investigar contribuintes sem que houvesse indícios de ilegalidades

E o ministro Luiz Fux?
Em decisão provisória, Fux determinou que o material apreendido com os suspeitos de hackear o aplicativo

Telegram de autoridades seja preservado. Ele também solicitou que uma cópia do conteúdo seja encaminhada ao STF. Logo depois da decisão de Fux, Moraes também ordenou que o material fosse enviado ao Supremo

Qual o contexto da decisão sobre as mensagens?
Logo após a prisão pela PF dos quatro suspeitos de hackear autoridades, Sergio Moro, atual ministro da Justiça, afirmou que as mensagens apreendidas seriam destruídas

Que consequências as mensagens vazadas podem ter para a Lava Jato?
Segundo o Código de Processo Penal, “o juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes” se “tiver aconselhado qualquer das partes”. Caso haja entendimento de que Moro estava comprometido com a Procuradoria, as sentenças proferidas por ele podem ser anuladas. Isso inclui o processo de Lula, que está sendo avaliado pelo STF e deve ser julgado no segundo semestre deste ano. Ministros do Supremo também articulam o afastamento de Deltan da operação

Como as conversas foram obtidas?
O Intercept informou que obteve o material de uma fonte anônima. O pacote inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, no aplicativo Telegram, a partir de 2015. Um dos presos pela PF, Walter Delgatti Neto, disse em depoimento que hackeou os procuradores e repassou o conteúdo ao Intercept de forma anônima, voluntária e sem cobrança.

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MINHA COLUNA NA FOLHA: DELTAN TEM DE DIVIDIR A CELA COM DELGATTI

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MINHA COLUNA NA FOLHA: DELTAN TEM DE DIVIDIR A CELA COM DELGATTI

Deltan Dallagnol: qual é mesmo o “business” do coordenador da Operação Lava Jato?

Blog do Reinaldo Azevedo – Deltan Dallagnol tem de dividir a cela com Walter Delgatti. Ambos são hackers —o segundo, em sentido estrito; o primeiro, em sentido derivado. Um recorre a seus conhecimentos técnicos para roubar dados de celulares; o outro se aproveita de sua condição para cometer abuso de autoridade e roubar institucionalidade.

Sim, há diferenças brutais entre eles, a exemplo daquelas caracterizadas por Padre Vieira em célebre sermão ao distinguir o ladrão grande do pequeno. Um rouba “debaixo de seu risco”; o outro, “sem temor nem perigo”; um, se rouba, é enforcado; outro “rouba e enforca”.

Atentem para o que vai em negrito:
Mas será mesmo necessário violar a legalidade para cassar corruptos? A resposta é ‘não!’.

Polícia Federal, Ministério Público e Justiça Federal, cada um por seu turno e, às vezes, em ações conjugadas, têm ignorado princípios básicos do Estado de Direito. Não é difícil evidenciar que prisões preventivas têm servido como antecipação de pena.

Basta ler as petições dos procuradores e os despachos do juiz Sergio Moro para constatá-lo. Mandados de busca e apreensão, como os executados contra senadores, um ano e quatro meses depois de iniciada a investigação, são só uma exibição desnecessária de musculatura hipertrofiada do poder punitivo do Estado (…).

Delações premiadas exibem contradições inelutáveis entre os autores e versões antagônicas de um mesmo delator. Parece estar em curso uma espécie de ‘narrativa de chegada’. A cada depoimento, ao sabor de sua 

conveniência, as personagens vão ajustando a sua história. Acumulam-se riscos de anulação de todo o processo, o que seria péssimo para o país.

Infelizmente, procuradores, policiais e juiz parecem não se contentar em fazer a parte que lhes cabe na ordem legal.
(…)
Um dos doutores do Ministério Público disse em entrevista ser necessário refundar a República. Moro aventou a hipótese de soltar um empreiteiro em prisão preventiva desde que sua empresa rompesse todos os contratos com o poder público, uma exigência que acrescentou por conta própria ao artigo 312 do Código de Processo Penal.”

É um trecho de uma coluna que escrevi neste espaço no dia 17 de julho de 2015. Não foi a primeira crítica dura à Lava Jato nem a última. Os bravos rapazes se vingaram vazando conversa minha com uma fonte.
(…)
Enquanto engendravam o Estado policial, eram tratados em reportagens e capas de revista como os novos iluministas do Estado brasileiro. São ainda os cavaleiros sem mácula do Jornal Nacional e do Fantástico, apesar das evidências de crimes. O pedido de perdão pelo “erro” pode vir daqui a 40 anos.

Quando essa nova metafísica pariu seu estadista, deu à luz Jair Bolsonaro. Alguma surpresa?

A “Portaria Glenn Greenwald”, de Sergio Moro, o Pai de Todos, para a expulsão sumária de estrangeiro “que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição” —seja lá o que isso signifique— é a “666”.

É um número de fama milenar. Vou citar o mesmo João de Bolsonaro, só que o do texto do Apocalipse: “Aquele que tem entendimento calcule o número da besta; porque é o número de um homem, e o seu número é seiscentos e sessenta e seis”.

Também sou cristão e metafórico; “terrivelmente” só às vezes.
Íntegra aqui

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APÓS REQUISITAR MENSAGENS, STF ARTICULA AFASTAMENTO DE DELTAN DA LAVA JATO

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APÓS REQUISITAR MENSAGENS, STF ARTICULA AFASTAMENTO DE DELTAN DA LAVA JATO

PLANTÃO BRASIL – Depois de requisitar à Polícia Federal as mensagens hackeadas de autoridades, ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) articulam o afastamento do procurador da República Deltan Dallagnol do comando da Lava Jato, em Curitiba.

Nos bastidores, eles buscam os caminhos para que isso ocorra. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, tem sido pressionada a determinar essa medida a partir de Brasília. Nesta quinta-feira (1º), ela chamou uma reunião de emergência para discutir o assunto.

Pessoas próximas a ela dizem, porém, que Dogde não estaria disposta a se indispor com os colegas de Ministério Público Federal. Com isso, o destino de Deltan na Lava Jato teria de ser decidido pelo STF.

A decisão, segundo a articulação em curso no tribunal, pode caber a Alexandre de Moraes, no âmbito do inquérito das fake news, relatado por ele.

Na noite desta quinta, Moraes determinou que as mensagens apreendidas pela PF com os suspeitos de terem hackeado celulares de autoridades, como o ministro da Justiça, Sergio Moro, sejam encaminhadas ao Supremo no prazo de 48 horas.

Assim, o caso dos hackers também passa a estar sob a alçada do Supremo.

A reação do STF se deu no dia em que mensagens publicadas pela Folha, em parceria com o site The Intercept Brasil, revelaram que, em 2016, Deltan incentivou colegas a investigar Dias Toffoli, hoje presidente do Supremo.

De acordo com relatos feitos à Folha, os ministros criticaram duramente a atuação de Deltan, que, na avaliação deles, passou a usar a operação de combate à corrupção como instrumento de intimidação.

Conforme as mensagens, Deltan buscou informações sobre as finanças pessoais de Toffoli e sua mulher, Roberta Rangel, e evidências que os ligassem a empreiteiras envolvidas com o esquema de corrupção na Petrobras.

A Constituição determina que ministros do STF não podem ser investigados por procuradores de primeira instância, como Deltan e colegas.

“Diante de notícias veiculadas apontando indícios de investigação ilícita contra ministros desta corte [STF], expeça-se ofício ao juízo da 10ª Vara Federal Criminal de Brasília solicitando cópia integral do inquérito e de todo o material apreendido” na operação, determinou Moraes no pedido à PF.

A Justiça Federal decretou nesta quinta a prisão preventiva, sem prazo para vencer, dos quatro suspeitos presos temporariamente desde a semana passada.

Conforme a Folha antecipou, Moro informou a autoridades alvos dos hackers que as mensagens, obtidas pelo grupo preso, seriam destruídas.

A comunicação provocou a reação de ministros do STF e de especialistas em direito, que afirmaram que a decisão de destruir ou não o material não cabe ao ministro da Justiça, mas ao Judiciário.

 

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A CASA CAIU: STF PROÍBE QUE MORO DESTRUA AS MENSAGENS DO HACKER

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A CASA CAIU: STF PROÍBE QUE MORO DESTRUA AS MENSAGENS DO HACKER

PLANTÃO BRASIL – O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar que impede a destruição de provas da Operação Spoofing, que apura a Vaza Jato. A decisão atende pedido feito pelo PDT, que apontou violação constitucional por parte do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, ao afirmar a autoridades que o material apreendido pela Polícia Federal com os acusados de hackear autoridades seria destruído.

“Defiro a liminar, ad referendum do Plenário, (…) para determinar a preservação do material probatório já colhido no bojo da Operação Spoofing e eventuais procedimentos correlatos até o julgamento final desta ADPF”, decidiu o ministro. Ele ainda determinou que a Justiça Federal do Distrito Federal envie cópia do inquérito que apura o caso e também das provas colhidas no decorrer da apuração. A informação é do site Jota.

De acordo com a ação do PDT, a destruição das provas apreeendidas representaria um “perigo de dano irreversível” e causaria prejuízos “às investigações, à defesa dos investigados e à busca pela verdade real no processo penal que será instaurado após a conclusão do inquérito”.

Na decisão, Fux reforça que “há fundado receio de que a dissipação de provas possa frustrar a efetividade da prestação jurisdicional”. E diz ainda que tal medida contraria “preceitos fundamentais da Constituição, como o Estado de Direito (art. 1º, caput) e a segurança jurídica (art. 5º, caput)”.

“Em acréscimo, a formação do convencimento do Plenário desta Corte quanto à licitude dos meios para a obtenção desses elementos de prova exige a adequada valoração de todo o seu conjunto. Somente após o exercício aprofundado da cognição pelo colegiado será eventualmente possível a inutilização da prova por decisão judicial, consoante determina o art. 157, § 3º, do CPP

De acordo com a ação do PDT, a destruição das provas apreeendidas representaria um “perigo de dano irreversível” e causaria prejuízos “às investigações, à defesa dos investigados e à busca pela verdade real no processo penal que será instaurado após a conclusão do inquérito”.

Na decisão, Fux reforça que “há fundado receio de que a dissipação de provas possa frustrar a efetividade da prestação jurisdicional”. E diz ainda que tal medida contraria “preceitos fundamentais da Constituição, como o Estado de Direito (art. 1º, caput) e a segurança jurídica (art. 5º, caput)”.

“Em acréscimo, a formação do convencimento do Plenário desta Corte quanto à licitude dos meios para a obtenção desses elementos de prova exige a adequada valoração de todo o seu conjunto. Somente após o exercício aprofundado da cognição pelo colegiado será eventualmente possível a inutilização da prova por decisão judicial, consoante determina o art. 157, § 3º, do CPP (“Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente”)”, escreveu o ministro.

Glenn Greenwald comentou a decisão: “Tribunais de numerosos tipos estão mostrando forte oposição e até indignação aos abusos de poder de Sergio Moro e Deltan Dallagnol”.

BOLSONARO LANÇA PROGRAMA PARA SUBSTITUIR MAIS MÉDICOS, MAS SE LIMITA A ATACAR CUBANOS

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BOLSONARO LANÇA PROGRAMA PARA SUBSTITUIR MAIS MÉDICOS, MAS SE LIMITA A ATACAR CUBANOS

O “Médicos pelo Brasil” foi lançado por meio de Medida Provisória (MP). Para virar lei, o texto precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional / Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Há 8 meses sem garantir assistência médica, presidente desqualifica cubanos e faz discurso contraditório

Brasil de Fato | Cecília Figueiredo – Saúde Popular – Durante o lançamento do programa Médicos pelo Brasil, nesta quinta-feira (1º), o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e o ministro da Saúde Henrique Mandetta distribuíram críticas e falas ofensivas a profissionais cubanos e ao programa Mais Médicos, criado em 2013 pelo governo da presidenta Dilma Rousseff (PT).

Em nenhum momento, nos 40 minutos de cerimônia, Bolsonaro falou sobre o novo programa. Em suas intervenções, preferiu  atacar Dilma, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e os cubanos que participaram do Mais Médicos.

O Médicos pelo Brasil foi lançado por meio de Medida Provisória (MP). Para virar lei, o texto precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional até o final deste ano.

Diferente do que foi dito na semana passada pela médica Mayra Isabel Correa Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde do Ministério da Saúde, a contratação dos profissionais não se dará por concurso, mas por CLT.

O ministro da Saúde projeta que até o final de 2020 seja possível preencher as 18 mil vagas oferecidas pelo programa em 4 mil municípios do país. Cerca de 60%, segundo Mandetta, estarão nas regiões Norte e Nordeste.

Mandetta informou, ainda, que pretende ampliar em cerca de 7 mil vagas a oferta de médicos para municípios com “maiores vazios assistenciais”.

“Enquanto se criam factoides, a gente responde com políticas que vão em direção ao ser humano”, disse, em referência ao consórcio criado pelos governadores do Nordeste, que prevê a contratação de médicos para 11 estados, em parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas).

Grosserias

Para justificar sua oposição ao Mais Médicos, durante a cerimônia Bolsonaro voltou a desqualificar o programa que atendeu a mais de 60 milhões de brasileiros.

“Se os cubanos fossem tão bons assim, teriam salvado a vida de Hugo Chávez [presidente da Venezuela que faleceu em 2013, vítima de câncer]. Não deu certo. Deu azar. Se os cubanos fossem tão bons assim, [ os presidentes] Dilma e Lula teriam aqui no Planalto para atendê-los cubanos e não brasileiros”.

Num novo ataque aos petistas, o chefe do Estado brasileiro disse que o governo ignorou “uma questão de direitos humanos, humanitária”, em razão do programa não prever a vinda de familiares do médicos caribenhos. Curiosamente, o então deputado Bolsonaro discursou na Câmara contra a vinda de familiares dos médicos cubanos.

Ele afirmou também que, quando Dilma lançou o Mais Médicos, em 2013, a preocupação não era com a saúde dos brasileiros, mas com questões ideológicas.

Contrariando a versão de Bolsonaro, uma pesquisa realizada em 2014 pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com o Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), concluiu que 96% dos entrevistados afirmou que os profissionais cubanos eram competentes. Foram entrevistadas, à época, um ano após o lançamento do programa, 4 mil pessoas em 200 municípios atendidos pelo Mais Médicos.

Outro estudo, encomendado pela Opas em parceria com a Organização Mundial da Saúde, constatou que diversos indicadores de saúde melhoraram com o programa. Houve por exemplo uma expressiva redução no número de internações e hospitalizações por conta da ampliação da atenção primária.

Meritocracia

No evento de lançamento do Médicos pelo Brasil, o ministro da Saúde ressaltou que a escolha do local para onde o médico será enviado será por “meritocracia”. Os médicos que optarem por locais com maior dificuldade de acesso, “mais complexas, eles ganharão, sim, mais incentivos”.

A contratação terá quatro níveis salariais com progressão a cada três anos de participação no programa. Também haverá gratificações. Assim, o primeiro nível salarial poderá chegar a R$ 21 mil e a R$ 31 mil, conforme a localidade de atuação.

A seleção será por meio de prova objetiva. O programa também pretende intensificar a formação de profissionais médicos como especialistas em medicina de família e comunidade.

De acordo com o plano do governo, o Mais Médicos será substituído pelo Médicos pelo Brasil de forma gradual, respeitando os atuais contratos em vigor.

“Vamos conviver com o programa anterior e o programa novo, porque eu não vou anular a lei anterior [do Mais Médicos] de uma vez. Eu poderia criar um vazio até se fazer todo o processo seletivo. Então, a gente vai coexistir”, afirmou o ministro.

O ministro disse também que a distribuição dos médicos considerará critérios técnicos.

“Não há mais indicação política, como víamos antigamente. Era comum as pessoas se utilizarem, conseguir arrumar quatro cubanos, oito cubanos. Tinha virado quase que uma espécie de commodity, para substituir por razões financeiras. Agora entra o IDH, o Bolsa Família, o BPC, o nível de previdência abaixo de dois salários mínimos, agora entra mortalidade infantil, expectativa de vida, um conjunto de indicadores que mostra com precisão aqui é necessário apoiar, aqui é necessário a presença do governo federal”, afirmou Mendetta.

A especialização em Medicina da Família e Comunidade, investimento iniciado durante o governo Dilma Rousseff, foi outro ponto destacado. Para o ministro, não há como fazer Atenção Primária sem especialistas. “É preciso formar. O Brasil chega a 5.500, se não me engano, médicos de famílias especialistas em saúde da Família e Comunidade. Todos os médicos que entrarem no programa terão a especialização em Saúde da Família e Comunidade por dois anos”.

Somente depois, segundo o ministro, será contratado como médico de família. “E nós vamos ter o melhor time de médicos do mundo”, prometeu.

Médicos cubanos permanecem no limbo

A incorporação dos cerca de 2 mil médicos cubanos que permaneceram no país, após o fim do acordo com o governo de Cuba, não está confirmada no novo programa.

Portaria publicada nesta semana pelos ministérios da Justiça e das Relações Exteriores regulamentou a residência de cubanos que participaram do programa Mais Médicos no Brasil. A apresentação do requerimento de autorização de residência em território brasileiro deverá ser feita junto à Polícia Federal.

De acordo com a portaria, o imigrante poderá requerer a autorização de residência – que poderá ter prazo indeterminado – no período de 90 dias anteriores à expiração do prazo de 2 anos, previsto para que as autoridades brasileiras concluam o processo de autorização de residência. A autorização de residência implicará na “desistência expressa e voluntária de solicitação de reconhecimento da condição de refugiado”.

Em busca de agradar a plateia presente, reunindo representantes de várias entidades médicas, Mandetta reforçou que é necessário que a sociedade se proteja, através da fiscalização efetiva dos conselhos regionais e Conselho Federal de Medicina. “Por isso este programa só admite médicos com inscrição nos conselhos de medicina, com diplomas legalizados, seja pelo Revalida, seja por provas”, informou.

Edição: Rodrigo Chagas

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MILTON NASCIMENTO – PARA LENNON E MCCARTNEY

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MILTON NASCIMENTO - PARA LENNON E MCCARTNEY

YouTube – “Leise, eterna namorada de Fernando Brant, estava na cozinha preparando uma macarronada. Mamãe Maricota e seu Salomão também confraternizavam com os filhos e os amigos dos filhos, tomando cerveja no meio da turma. Papai não perdia a chance de pegar um no canto e arriar filosofia. Mamãe o repreendia, vendo-lhe a sofreguidão cervejeira:
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-Não vá exagerar, héin, Salim.
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Na saleta de piano, Lô Borges convocou a mim (Márcio Borges) e ao Fernando Brant para ouvirmos um tema que acabara de compor ali na hora, no meio daquela confusão de irmãos, amigos e cervejada.
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Todos os que estavam por perto na hora se acercaram do piano, para ouvir o tema de Lô. Então, depois de executá-lo por diversas vezes, a ponto de todos estarmos cantarolando os “lá-Iá-Iás” em uníssono com ele, sem erros, Lô parou de tocar e nos propôs:
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-Então? Vocês dois não querem meter uma letra nisso não?
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-Só se for agora – respondeu Fernando.
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-Qual é o tema que você pensou pra ela? – perguntei.
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-Na verdade, eu (Márcio Borges) estava pensando na parceria do John e do Paul… nas parcerias, né. A gente aqui, também fazendo as nossas … e eles nunca vão saber. Mas pode ser outra coisa qualquer que vocês sentirem – Lô se apressou em dizer.
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-Por mim esse tema está ótimo – disse Fernando.
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-Eu faço a primeira parte e você faz a segunda – combinei com ele. Providenciei canetas e papel e nos trancafiamos no quarto de meus pais. Eu não queria perder a festa, nem Fernando. Em menos de meia hora, portanto, estávamos de volta à saleta do piano, bem a tempo de pegar a saída da macarronada de Leise. Já havia até alguns de prato na mão, ao redor do piano, quando Lõ cantou pela primeira vez os rabiscos que colocamos diante dele, na estante do piano. Na minha parte estava escrito:
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Porque vocês não sabem do lixo ocidental
Não precisam mais temer
Não precisam da timidez
Todo dia é dia de viver
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Porque você não verá  meu lado ocidental
Não precisa medo não
Não precisa da solidão
Todo dia é dia de viver …
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Na parte de Fernando estava escrito:
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Eu sou da América do Sul
Eu sei vocês não vão saber
Mas agora sou cowboy
Sou do ouro, eu sou vocês
Sou do mundo, sou Minas Gerais.
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Daí, fomos com disposição à macarronada da Leise, convictos de que acabávamos de compor uma bela música – apesar da rapidez. Quanto ao nome, ficou sendo o que Lô sugeriu: ‘Para Lennon e McCartney’.”

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O CENTENÁRIO DE PRIMO LEVI E A NECESSIDADE IRRESISTÍVEL DE HUMANIZAÇÃO

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O CENTENÁRIO DE PRIMO LEVI E A NECESSIDADE IRRESISTÍVEL DE HUMANIZAÇÃO

Rede Brasil Atual | Publicado por Urariano Mota* – * Publicado originalmente em Vermelho – Sobrevivente e maior narrador que já houve sobre o Holocausto, o escritor uniu o particular da sua história em Auschwitz ao universal da espécie humana.

O maior narrador que já houve sobre o Holocausto nasceu na Itália em 31 de julho de 1919. De lá até a sua morte em 1987, em circunstâncias até hoje não esclarecidas – pois não é certo se cometeu suicídio, se caiu por desmaio do terceiro andar do apartamento onde morava, ou se foi morto por fascistas –, Primo Levi muito escreveu. Mas de todos os seus livros e textos, o principal é mesmo É isto um Homem?, que tenho ao meu lado agora.

Nele, o escritor faz uma narração imortal pela capacidade de unir o particular da sua história em Auschwitz ao universal da espécie humana. Isso posto, observo de passagem que primeiro lemos um livro por necessidade irresistível de humanização. Depois, ao penetrar no humano que poderemos ser, lemos para apreender a vida de que apenas desconfiávamos existir. E mais adiante, lemos para aprender lições que nos iluminem em nossa própria caminhada. Começo então pelo fim, pelas lições aprendidas na leitura de Primo Levi.

Na primeira delas, aprendemos que a memória é uma compreensão da realidade. E no escritor, em geral, a memória é a própria compreensão do mundo. Aquilo que vimos em Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos, quando o “paraíba” nos revelou magistral a prisão política no Estado Novo e dessa narração fez a sua maior obra, em Primo Levi temos fortalecida a estranha descoberta, a saber, que escritores são melhores quando escrevem sem pretensiosa fantasia. E neste momento me acode a basilar referência do capítulo “Massangana”, de Minha Formação, de Joaquim Nabuco, o primeiro embaixador brasileiro em Washington. Mas não nos percamos.

No mundo revelado, ou em processo de revelação, da memória para entender a vida, no que ela possui da desgraça para todos nós, ou da rara felicidade, menos vivida que sonhada, esse passo todos nós temos por experiência. Mas agora vem a segunda lição. É natural que não alcancemos a compreensão da vida que lembramos. Isto é, a maioria não tem consciência da memória que reside no seu ser. Ou até mesmo nem deseja ter essa consciência, quando a memória é trauma, o que vale dizer, quando a memória atinge o limite da abjeção do que passamos.

Então entro no É isto um Homem?, de Primo Levi. Como é bem escrito! A dor trafica nas suas páginas com a melhor literatura como se fosse um tráfico sem troca e sem ênfase. Isso quer dizer: numa versão mais dura que a escolha de João Cabral de Melo Neto, quando o poeta fala que o verso não deve perfumar o perfume da flor, Primo Levi escreve:

“O enfermeiro aponta as minhas costelas ao outro, como se eu fosse um cadáver na sala de anatomia; mostra as pálpebras, as faces inchadas, o pescoço fino; inclina-se, faz pressão com o dedo em minha canela, indicando a profunda cavidade que o dedo deixa na pálida carne, como se fosse cera.

Desejaria não ter falado ao polonês; parece-me que nunca sofri, na minha vida toda, insulto pior. O enfermeiro acabou sua demonstração, em sua língua que não entendo e que soa terrível; dirige-se a mim e, em quase alemão, compassivamente, fornece-me uma síntese: – Tu judeu liquidado, tu em breve crematório, acabado”.

Walter Benjamin em uma de suas iluminações escreveu que eram cada vez mais raras as pessoas que sabiam narrar devidamente. Que ao se pedir num grupo que alguém narrasse alguma coisa, o embaraço se generalizava. Isso parecia que estávamos sem uma faculdade antes certa e inalienável: a faculdade de intercambiar experiências. A transmissão da experiência, notou muito bem Walter Benjamin, não se realizava na imprensa, pois todas as manhãs recebemos notícias de todo o mundo, e, no entanto, somos pobres em histórias surpreendentes.

A razão era que os fatos já nos chegavam acompanhados de explicações (e até mentiras e deformações, acrescentamos no Brasil de hoje). Em outras palavras: quase nada do que acontecia estava a serviço da narrativa, e quase tudo estava a serviço da informação. Péssima informação, fake news, acrescento, pois Walter Benjamin não viveu a imprensa brasileira destes dias.

É claro, que já antes, mas agora mais que nunca, a experiência para ser transmitida a todos precisa da literatura. No mesmo passo em que a literatura precisa de modo avassalador, bocarra insaciável, da experiência humana. Sob pena de perecer como a folha do jornal de ontem. A vida sofrida em campo de concentração – não fosse uma experiência monstruosa – carecia de ser narrada além das fotos inumanas dos corpos empilhados em Auschwitz. Se comparo mal, muito mal, a memória do escritor é um impresso sem pauta. Então, como poderia aparecer no jornal a página de Primo Levi que escreveu o que não saberia dizer a ninguém? Diria um editor: “Se ele próprio não sabe o que escreve, imagine o nosso leitor…”.

A razão disso não é técnica, é avessa a oficinas de literatura. Está fora de qualquer manual de redação dos jornais. Trata-se de falar o que não é falável. Como assim? No livro É isto um Homem?, são muitos os trechos que poderiam ilustrar o indizível. Com verdadeira violência, consigo retirar estes:

“Pannwitz é alto, magro, loiro; tem olhos, cabelos, nariz como todos os alemães hão de tê-los, e está sentado, formidável, atrás de uma escrivaninha cheia de papéis. Eu, Häftling 174517, estou de pé em seu escritório, que é realmente um escritório, reluzente, limpo, bem-arrumado; tenho a sensação de que, se tocasse em qualquer coisa, deixaria uma marca de sujeira.

O Dr. Pannwitz termina de escrever e olha para mim….

Quando tornei a ser um homem livre, desejei encontrá-lo outra vez, não por vingança, só por uma curiosidade minha quanto à alma humana. Porque esse olhar não foi cruzado entre dois homens. Se eu soubesse explicar a fundo a natureza desse olhar, trocado como através do vidro de um aquário entre dois seres que habitam dois meios diferentes, conseguiria explicar a essência da grande loucura o Terceiro Reich”.

“Em termos concretos, essa história restringe-se a bem pouco: um operário italiano me trouxe um pedaço de pão e os restos de suas refeições, cada dia, durante seis meses; deu-me de presente uma camiseta cheia de remendos; escreveu por mim um cartão-postal à Itália e conseguiu resposta. Por tudo isso não pediu nem aceitou compensação alguma, porque ele era simples e bom e não pensava que se deve fazer o bem a fim de receber algo em troca”.

“Evitar a seleção para a morte, para o gás, é bem difícil. Quem não pode, procura defender-se de outra maneira. Nas latrinas, nos lavatórios, mostramos um ao outro o peito, as nádegas, as coxas, e os companheiros nos animam: – Fica tranquilo, não vai ser a tua vez … Ninguém nega aos outros essa esmola; ninguém está tão seguro da sua própria sorte que possa animar-se a condenar os demais. Eu também menti descaradamente ao velho Wertheimer; disse-lhe que, se o interrogassem, respondesse ter 45 anos e que não deixasse de se barbear na noite anterior, ainda que isso lhe custasse um quarto da ração de pão”.

“Agora, todo o mundo está raspando com a colher o fundo da gamela para aproveitar as últimas partículas de sopa; daí, uma barulheira metálica indicando que o dia acabou. Pouco a pouco faz-se silêncio. Do meu beliche, no terceiro andar, vejo e ouço o velho Kuhn rezando em voz alta, com o boné na mão, meneando o busto violentamente. Kuhn agradece a Deus porque não foi escolhido para a morte. Insensato! Não vê, na cama ao lado, Beppo, o grego, que tem 20 anos e depois de amanhã irá para o gás e bem sabe disso, e fica deitado olhando fixamente a lâmpada sem falar, sem pensar? Não sabe, Kuhn, que da próxima vez será a sua vez? Não compreende que aconteceu, hoje, uma abominação que nenhuma reza propiciatória, nenhum perdão, nenhuma expiação, nada que o homem possa fazer, chegará nunca a reparar?
Se eu fosse Deus, cuspiria fora a reza de Kuhn.”

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SUS EM XEQUE: REDE DE MÉDICOS POPULARES PROMOVE DEBATE NESTA QUINTA (1º)

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SUS EM XEQUE: REDE DE MÉDICOS POPULARES PROMOVE DEBATE NESTA QUINTA (1º)

Atividade marca a retomada do Ciclo de Debates “Pipoca com Saúde”, que busca trazer referências na história da construção do SUS. / Foto: Arte do evento

Gastão Wagner e Lumena Castro irão debater financiamento, APS e iniciativas como consórcio de governadores do Nordeste

Brasil de Fato | Cecília Figueiredo | Saúde Popular – Para contribuir com a mobilização da 16ª Conferência Nacional de Saúde (8ª+8), que começa no próximo domingo (4), em Brasília, a Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares promove nesta quinta-feira (1º), a partir das 19h, o debate “O SUS em xeque: Os desafios da Saúde no governo Bolsonaro”.

A Conferência Nacional de Saúde, segundo a médica Nathália Neiva, é um momento em que a sociedade, as organizações, a população e os conselheiros se reúnem para debater as políticas relativas ao Sistema Único de Saúde.

“Reivindicam e apontam diretrizes para fortalecer o sistema e, ao mesmo tempo, se manifestar contrariamente ao desmonte do SUS”, acrescenta a integrante da Rede, uma das responsáveis pela organização do evento.

O debate tem como convidados o médico sanitarista Gastão Wagner, professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e ex-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), e a psicóloga Lumena Castro, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e integrante do Instituto Sílvia Lane. Haverá transmissão ao vivo pela internet.

A atividade marca a retomada do Ciclo de Debates “Pipoca com Saúde”, que busca trazer para a roda de conversa referências na história da construção do SUS – um dos focos da Conferência Nacional. A proposta temática para o evento (8ª + 8) resgata a memória da 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, que deu origem SUS.

“Fazer esse debate antes da conferência é uma tentativa de qualificarmos as discussões de como o SUS tem sido colocado em xeque pelo atual governo Bolsonaro. Quais políticas têm sido desmontadas? Debater sobre as tentativas de terceirização /privatização do sistema, de redução da cobertura assistencial”.

Entre as ameaças aos princípios do SUS estão o fim da universalidade e do próprio controle social.

Revisitar acordos da 8ª Conferência

A psicóloga Lumena Castro, uma das expositoras do debate, reitera a importância das possibilidades de discussão e reflexão.

“Estamos vivendo um momento muito especial no Brasil, porque algumas políticas públicas, como o SUS, a política de saúde mental, vinham há 30 anos sendo construídas numa direção dada pela Constituição de 1988. A saúde como direito, que era cuidado em liberdade. Estamos vendo agora o rompimento com esse caminho que a sociedade vinha fazendo por meio das políticas públicas. Então, a 16ª Conferência Nacional tem esse objetivo, essa pretensão de poder revisitar esses acordos, esses princípios, aquilo que foi colocado por um movimento muito mais amplo de atores”, diz a debatedora.

Segundo Lumena, as forças políticas que tratam a saúde como mercadoria estão em desacordo com o capítulo da Saúde na Carta Magna.

“Tem muita mudança importante acontecendo na condução da saúde, que na verdade deixa distante cada vez mais a proposta que o sistema único tinha na Constituição. Então, debates como esse, que vão poder refletir coletivamente, colocar questões, apontar possibilidades de resistência para esse desmanche, são fundamentais. Primeiro, porque ampliam a possibilidade de conversa sobre o desmanche claramente colocado pelo governo Bolsonaro. E também por fortalecer o processo de discussão e reflexão”.

Maior política pública

Outro debatedor, o sanitarista Gastão Wagner, professor da Unicamp, lembra que, embora o SUS atenda a mais de 70% dos brasileiros, o repasse dos recursos para o sistema equivale a 46% do orçamento da saúde. “A maior parte vai para o setor privado, que atende a apenas 25% da população”, afirma.

“Desde o governo Temer, até um pouquinho antes, a gente já tem um desmonte gradativo, progressivo do SUS, uma redução do seu âmbito. A crise de financiamento vem se agravando com o Teto de Gastos, o ajuste econômico muito rígido, não se priorizando saúde, educação. O que nós temos que fazer? Tem que reforçar a relação de setores importantes da sociedade com o SUS; reforçando esses movimentos sociais. Porque claramente o governo federal e boa parte dos estaduais – 2/3 talvez – têm uma política de redução do SUS, contra o direito universal à saúde, de restrições financeiras”.

Segundo ele, a fabricação de vacinas, a manutenção e funcionamento de setores de urgência/emergência no país e a continuidade no processo de expansão da Atenção Primária à Saúde, por meio do investimento na Estratégia Saúde da Família, são questões próximas da população e que dependem de mais investimento.

Mais R$ 50 bi

“O SUS gasta – já chegou a R$ 220 bilhões – R$ 203 bilhões. Se a gente tivesse mais 50 bilhões de reais em investimentos bem divididos para esses problemas que estamos falando, a gente avançaria muito”, projeta Wagner.

No Brasil, o gasto per capta com saúde é inferior ao de Argentina, Uruguai e Portugal, por exemplo. De acordo com o economista Francisco Funcia, em artigo recente, os serviços que a gestão pública do SUS entrega à população recebem R$ 3,60 per capita/dia.

“Todas as propostas do ministério do governo Bolsonaro têm uma roupagem técnica, de gerencialismo racional, mas o objetivo é reduzir o gasto com as prefeituras, com a Atenção Primária. Essa proposta de só pagar [repassar recursos] a quem estiver cadastrado, é corretas, mas precisaria ser realizada em 5 anos, com apoio aos municípios. Sendo aplicado agora, a minha estimativa é que irão gastar 35%, 40% a menos com os municípios, que é o objetivo do Teto [de Gastos]”.

A restrição de investimentos na Atenção Primária, que é a porta de entrada do sistema público de saúde, na opinião do médico, significará a “barbárie”. Segundo ele, várias pesquisas indicam que a Atenção Primária tem uma influência direta na redução da mortalidade infantil e na mortalidade de menores de cinco anos, e no aumento da esperança de vida de diabéticos, hipertensos adultos, por meio de medicação e orientação.

O grande objetivo desse corte, que pode chegar aos 40%, explica o professor, é acabar com a universalidade, dificultar o acesso e diminuir o repasse federal para os municípios.

Wagner é cético em relação aos resultados da Conferência, devido à burocratização e ao volume de propostas, que pode gerar dispersão. Ao comparar as resoluções da 8ª Conferência, que tinha 19 páginas, com o relatório da 16ª, com 1000 páginas, ele acredita que será difícil para gestores planejarem as prioridades e se comprometerem.

Por outro lado, o professor alimenta expectativas com iniciativas como a do Consórcio de governos do Nordeste, lançado oficialmente nesta semana..

“O que me animou é que há um espírito de fazer tudo que for necessário, independente do Ministério da Saúde, com uma certa autonomia. Juntaram as secretarias estaduais e municipais do Espírito Santo, da Bahia, da Paraíba, Rio Grande do Norte, do Piauí…e a gente avançar nessa integração sanitária, na construção das regiões de saúde, organizar as filas dos pacientes por risco, não por ordem de chegada. Comprometer os hospitais com atendimento imediato, ampliar o investimento na Atenção Primária”.

Na opinião do especialista, é preciso que se amplie a Atenção Primária à Saúde (APS) para 80% da população brasileira. O que significa quase dobrar o número de equipes.

Outra prioridade é fazer a conexão entre Atenção Básica e Ambulatório de Especialidades e hospitais, saúde mental e reabilitação física.

O debate “SUS em xeque: Os desafios da Saúde no governo Bolsonaro” terá transmissão ao vivo pelas páginas do Facebook: Rede de Médicas e Médicos Populares, Saúde Popular e Brasil de Fato. 

Serviço:

Ciclo de debates “Pipoca com Saúde

“O SUS em xeque: Os desafios da Saúde no governo Bolsonaro”

Data: 1º/08

Horário: 19h

Local: Armazém do Campo – Alameda Eduardo Prado, 499 – Campos Elíseos

Edição: João Paulo Soares

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