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Comunidade da Vila da Ressaca, a principal atingida por Belo Sun / Foto: Catarina Barbosa
Mineradora canadense deve impactar em Senador José Porfírio (PA) moradores que já sofreram com o impacto de hidrelétrica
Catarina Barbosa | Brasil de Fato | Senador José Porfírio (PA) – Grandes empreendimentos costumam trazer consigo a promessa de geração de emprego e qualidade de vida para os trabalhadores. Os habitantes da Volta Grande do Xingu – uma curva de rio de 100 km que banha terras indígenas e é ocupada por centenas de famílias ribeirinhas –, no sudoeste do Pará, têm motivos de sobra para desconfiar dessas promessas.
A instalação da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte, em 2011, não resultou em melhorias nos serviços de energia elétrica, saúde, moradia e educação, segundo moradores. Pelo contrário, os prejuízos para as comunidades indígenas e tradicionais têm se mostrado irreparáveis. O município detém hoje o título de município mais violento do Brasil, segundo dados do Atlas da Violência de 2019, e foi palco, no dia 29 de julho, do segundo maior massacre em presídios da história do Brasil.
Agora, a mineradora canadense Belo Sun busca instalar o maior projeto de mineração a céu aberto do Brasil na cidade vizinha, Senador José Porfírio (PA), impactando mais uma vez os moradores da Volta Grande. A licença para instalação da mina está embarga pela Justiça, que exige diálogo com comunidades indígenas presentes na região.
As comunidades atingidas, porém, denunciam que a mineradora nunca deixou de trabalhar no local, tendo provocado a evasão de pelo menos metade da população da comunidade da Vila da Ressaca.
Para extrair 150 toneladas de ouro – cinco vezes o que foi extraído da Serra Pelada –, como planeja a Belo Sun, serão abertas duas cavas de 220 metros de profundidade às margens do rio Xingu. Para cada grama de ouro produzido, uma tonelada de rejeitos e de material estéril é gerada. Estéril é como se designa o rejeito que pode ainda conter alguma pequena porção de minério.
Belo Monte
Senador José Porfírio é o único município descontínuo do estado do Pará, ou seja, possui dois territórios que não possuem ligação por terra. Um deles fica na Volta Grande, onde foi instalada Belo Monte, deixando centenas de desabrigados por conta das inundações.
A licença de operação (LO) de Belo Monte diz que a Norte Energia, empresa construtora da usina, tem como obrigação realizar testes para a implantação do chamado “Hidrograma de Consenso”, a principal medida de mitigação de danos da empresa, cujo objetivo é amenizar os efeitos provocados pela redução de vazão da água na Volta Grande.
Jackson Dias (com microfone), da Coordenação Nacional do MAB, em ato, em Altamira, pelo crime da Vale em Brumadinho. Foto: Arquivo/MAB
A ideia seria reproduzir, de forma artificial, o pulso sazonal de cheias e secas que caracterizam as vazões naturais do Rio Xingu. Logo, o hidrograma deveria ser capaz de garantir a sustentabilidade socioambiental na região, isso por um período de seis anos, a partir da instalação da plena capacidade de geração da usina. Jackson Dias, da Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) afirma que na verdade o hidrograma deveria se chamar hidrograma de conflito e não de consenso.
“Para a gente do MAB é um hidrograma de Conflito, porque na elaboração desse hidrograma só participou o Ibama; a Norte Energia; e a Agência Nacional de Águas. Não houve participação das famílias atingidas. Durante seis anos, a vazão do Rio Xingu vai variar ano a ano e isso vai prejudicar a pesca, a navegação, a caça e a agricultura. Há um medo, inclusive, da diminuição da umidade relativa do ar nessa região em decorrência da diminuição da vazão. Uma série de coisas pode acontecer, já que as famílias não foram consultadas se elas aceitariam ou não esse tipo de hidrograma”, explica Dias.
A medida deve ser implementada em novembro deste ano quando está prevista a finalização da instalação das turbinas da hidrelétrica. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) chegou a estabelecer um plano de monitoramento para entender de que forma a fauna, a flora, a água e as populações serão impactadas entre 2019 e 2025.
O órgão, no entanto, está sem superintendente no Pará desde o início do governo de Jair Bolsonaro (PSL), o que coloca em risco a rigorosidade na fiscalização, não só do hidrograma, mas também de todas as violações no estado que concentra mais da metade das ocorrências de desmatamento na região amazônica.
Protesto do MAB contra a instalação de Belo Sun e contra o crime da Vale, em Brumadinho (Foto: Arquivo/MAB)
“Progresso” não compartilhado
Segundo o site da Norte Energia, mais de 30 mil empregos foram gerados na construção da Hidrelétrica de Belo Monte.
O fluxo migratório fez explodir o número de pessoas na cidade. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informa que Altamira tinha aproximadamente 99 mil habitantes em 2010, data do último Censo. Em 2013, a prefeitura municipal de Altamira, por meio da Secretaria Municipal de Saúde, calculou o número havia chegado a 170 mil habitantes, em 2013.
Em paralelo, entre 2000 e 2015, a taxa de assassinatos em Altamira cresceu 1.110%, segundo dados do Atlas da Violência, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O salário médio mensal da população em 2017 era de 2,5 salários mínimos, segundo o IBGE, mas o número de pessoas ocupadas era de, apenas, 17.1%. Ou seja, oito de cada 10 pessoas trabalhavam sem registro formal em carteira. A renda portanto mal distribuída: mais de 40% das pessoas que moram em Altamira, vivem com até meio salário mínimo: menos de R$ 500 reais por mês.
Na área da saúde, Altamira registrou elevados índices de mortalidade infantil e saneamento básico deficiente. A cada mil crianças nascidas, 14,07 morreram, em 2017, antes de completar um ano de vida. O saneamento estava disponível para apenas 17,8%, da população.
Enquanto isso, apesar de Belo Monte ser a terceira maior hidrelétrica do mundo, o paraense paga a tarifa de energia de energia mais cara do país, cerca de R$ 0,67/KWh. Para se ter uma ideia, o paulistano paga R$ 0,34/KWh, 50% a menos que o paraense que convive com os impactos de Belo Monte, segundo dados da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica).
Imóvel desocupado na Vila da Ressaca. Comunidade tinha mais de mil famílias. Boa parte migrou para Altamira com receio da instalação de Belo Sun (Foto: Catarina Barbosa)
Belo Monte, Belo Sun e a Volta Grande do Xingu
Os reservatórios de Belo Monte estão situados entre os municípios de Altamira, Senador José Porfírio e Vitória do Xingu. Contudo, as áreas impactadas da usina também chegam até os municípios de Anapu e Brasil Novo, no sudoeste do Pará. Jackson Dias, do MAB, aponta que, se instalada, a Belo Sun ainda se utilizaria da energia de Belo Monte. “Nós relatórios, ela fala que vai utilizar diretamente a energia de Belo Monte, um linhão de 230 KW. Ela vai construir da barragem de Pimental até a obra da Belo Sun”, afirma.
Senador José Porfírio fica localizado na Volta Grande do Xingu, onde já está instalada a barragem, em um trecho de aproximadamente 140 km, no qual o rio realiza uma grande curva para depois seguir e desaguar de forma linear no Rio Amazonas. Entre os impactos sentidos pela população que vive na Volta Grande estão: deslocamento compulsório das famílias; alteração das cheias e vazantes do rio em vários pontos e a navegabilidade que atingiu, sobretudo, as comunidades indígenas.
Jackson explica como um empreendimento do porte de Belo Sun impactaria ainda mais a população da Volta Grande. Segundo ele, os moradores da Vila Ressaca, o maior conglomerado populacional da região, seriam os principais afetados.
“Ali tem cerca de 500 famílias, mas antes da ameaça da Belo Sun havia mais de mil, que foram saindo aos poucos com medo desse grande projeto e de não receber nenhum tipo de compensação. As pessoas foram vendendo suas casas para poder obter algum recurso e ir para Altamira tentar algum emprego na construção de Belo Monte. O pior impacto é esse deslocamento. A Belo Sun pretende retirar essas famílias da Vila da Ressaca para uma outra área chamada Pirarara, uma comunidade que já existe na região”, explica.
De acordo com Jackson, há ainda os impactos decorrentes do inchaço populacional ocasionado pelo deslocamento dessas famílias para centros urbanos desestruturados e marcados pela desigualdade – o que já se vê em casos semelhantes na região amazônica é o aumento do consumo de drogas, da violência e da prostituição.
Segundo dados da Norte Energia S.A, de 2017, 6.673 famílias das margens dos três igarapés e da margem do Rio Xingu, em Altamira, foram deslocados. Destes, 3.579 famílias foram levadas para os Reassentamentos Urbanos Coletivos (RUCs); 2.766 foram indenizadas; e 338 famílias receberam o aluguel social, um valor fixo para quem morava, antes, de aluguel. Assim, quase um terço da população da cidade teve que abandonar suas casas.
Indígenas invisibilizados
As comunidades indígenas foram extremamente impactadas com a implantação de Belo Monte. Quando Belo Sun tentou conseguir a licença de operação, não ouviu as comunidades Juruna e Arara, localizadas na Volta Grande do Xingu.
Por isso, em dezembro de 2017, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), de Altamira, decidiu pela suspensão por tempo indeterminado do licenciamento. Além da suspensão ordenou a realização da consulta prévia, livre e informada, nos moldes do que é previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), das comunidades indígenas.
A mineradora, assim como o estado do Pará recorreram diversas vezes contra a obrigação de realizar os estudos e a consulta prévia, mas perderam todos os recursos. Em nota, a assessoria de Belo Sun, afirma que as licenças relacionadas ao projeto Volta Grande, concedidas pela Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) continuam válidas, e que a elaboração do Estudo do Componente Indígena continua a ser realizado com a coleta de dados primários com consultas às comunidades indígenas.
Entretanto, Laurilea juruna, indígena do povo Juruna, localizado na Volta Grande do Xingu, lembra que até dialogar com os funcionários da Norte Energia é complicado e que a situação se agravou no governo Bolsonaro. O presidente do PSL já deixou claro que nenhuma terra indígena será homologada em sua gestão.
“A gente vive de uma maneira bem difícil. Hoje é tudo mais complicado e agora com esse novo governo, mais complicado ainda”, relata.
O povo Juruna é um dos impactados e um dos que deve ser ouvido – por ordem judicial – por Belo Sun. O empreendimento, se instalado, ficará a apenas 50 km do município de Altamira. Mas as semelhanças entre Belo Monte e Belo Sun são mais do que geográficas, o discurso do progresso antes pregado por funcionários de Belo Monte é repetido agora pela Belo Sun.
Belo Sun mantém uma sede, na Vila da Ressaca, a poucos metros da sede da Norte Energia, construtora de Belo Monte (Foto: Catarina Barbosa)
A sede de Belo Sun na comunidade da Vila da Ressaca
Apesar de estar com a licença de operação parada, pela justiça, por prazo indeterminado, a mineradora mantém uma sede na Vila da Ressaca, em Senador José Porfírio, onde continua atuando junto às comunidades. O lugar fica praticamente em frente à sede da Norte Energia.
Seu José Pereira diz que Belo Sun cometeu uma série de irregularidades com a população da Vila da Ressaca (Foto: Catarina Barbosa)
José Pereira da Cunha, 55 anos, garimpeiro e presidente da cooperativa de garimpeiros de Senador José Porfírio denuncia uma série de irregularidades promovidas pela empresa há anos. Segundo ele, a Belo Sun chegou até a colocar uma placa na entrada da comunidade proibindo a entrada dos próprios moradores.
“A justiça cancelou a licença deles, mas eles nunca pararam de trabalhar. Eles [Belo Sun] estão comprando terras em Anapu, descendo, medindo, fazendo coisas, correndo a zona rural e a justiça não diz ‘vou prender um carro de vocês, vou prender os funcionários que estão fazendo lavagem cerebral na população’. Porque a população que está no interior e no mato precisando de um trabalho, elas pensam: se indenizar a minha terra aqui, lá na frente, eu compro outra. Mas não sabendo que 15 mil, 20 mil famílias para eles se deslocarem daqui e procurar outro lugar, eles vão dar fracasso em outra região”, afirma.
Seu José conta ainda que não pretende deixar a sua casa e lista uma série de dificuldades enfrentadas e vencidas. Moradores têm de lutar contra doenças como a malária, a hepatite, a leishmaniose. A fome, o frio, a dificuldade de acesso à cidade, a ausência de estradas e energia elétrica são outros problemas da comunidade.
“Hoje, já tem mais de mil motos na região, 30 caminhonetes. Ou seja, amansemos para entregar para os estrangeiros? Tudo feitinho? A gente vai olhar para o prato da comida e não poder comer? Não vamos desistir não. Ela nunca disse assim, a gente vai dar uma balinha para vocês. Eles falaram que vão realocar as casas, sendo que a gente nunca pediu isso. Eu estou tranquilo na minha casa, ninguém nunca pediu para sair daqui. Sem contar que não é o governo federal, aqui é um trabalho que quem vai usufruir são os estrangeiros, os canadenses”, argumenta.
Placa fixada por Belo Sun na entrada da comunidade da Vila da Ressaca (Foto: Arquivo pessoal)
150 mil toneladas de ouro
A exploração de ouro será feita em duas cavas, uma delas fica a apenas 300 metros da margem do Rio Xingu. As cavas terão 220 metros de profundidade. O projeto também prevê a instalação de uma barragem de rejeitos com capacidade de 35,43 milhões de metros cúbicos ao final da operação.
Para se ter uma ideia, a barragem do Fundão, em Mariana, que rompeu em novembro de 2015, comportava oficialmente 2,65 milhões de metros cúbicos de areia, lama e detritos de minério.
O prefeito de Senador José Porfírio Dirceu Biancardi (PSDB) apoia o projeto. Segundo ele, a exploração de ouro da mineradora Belo Sun faria com que o município, que tem 12 mil habitantes, recebesse cerca de R$ 5 milhões de royalties por ano.
A empresa é subsidiária da Belo Sun Mining Corp, que tem sede no Canadá e ações listadas na Bolsa de Valores de Toronto, a TSX (Toronto Securities Exchange).
Por um período de 17 anos, uso máximo da mina, seriam extraídos cerca de 150 toneladas de ouro. Fazendo um comparativo, Serra Pelada, em Curionópolis, no sul do Pará, extraiu 30 mil toneladas de ouro em 10 anos.
Edição: Rodrigo Chagas
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