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Folha Uol | Thais Arbex – Um mês depois de confirmar ter intermediado o contato do hacker Walter Delgatti Neto com o jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil, a ex-deputada Manuela d’Ávila (PC do B) disse que não foi sua a decisão de fazer parte dessa história.
Em entrevista à Folha, nesta sexta-feira (30), ela disse que sua participação “não faz uma grande diferença diante dos fatos”.
“A decisão que tomei me honra porque, hoje, o Brasil sabe a partir do trabalho do Glenn, do Intercept e de outros veículos de comunicação, o envolvimento dessas autoridades em crimes horrendos”, afirmou.
Antes de fazer a ponte, porém, a ex-parlamentar disse ter consultado seus advogados —o ex-ministro José Eduardo Cardozo e o criminalista Alberto Toron— para ter segurança jurídica.
Na quarta (28), ela esteve na sede da Polícia Federal em Brasília para entregar seu celular e, na condição de vítima e testemunha, prestar depoimento sobre seu contato com Delgatti, preso sob suspeita de hackear autoridades, como procuradores da Lava Jato.
Hoje à frente do Instituto E Se Fosse Você, de combate à fake news, ela, que foi candidata a vice-presidente na chapa de Fernando Haddad (PT) nas eleições 2018, diz: “Fui a fonte de um jornalista. Foi só o que eu fiz.”
Como foi o primeiro contato do hacker com a sra.? No Dia das Mães, em 12 de maio, no final da manhã, estava organizando um almoço na minha casa, quando recebi uma notificação do Telegram que o meu telefone havia sido invadido. Logo em seguida, recebi uma mensagem de um contato da minha agenda telefônica dizendo que precisava falar comigo urgente.
Tentei ligar, mas não consegui falar. Chegou, então, uma nova mensagem dizendo que não era aquela pessoa, mas sim outra que dispunha de muitas informações de crimes cometidos e queria me passar essas informações.
Essa pessoa saiu, então, do telefone da pessoa da minha agenda e fez contato comigo a partir de outro perfil, não telefônico, também pelo Telegram, de forma anônima e escrita.
Não sei quem é a pessoa fisicamente, não sei como é a voz dela. Ela relatou crimes de autoridades envolvidas na Operação Lava Jato, especificamente. Imediatamente liguei para os meus advogados.
Como a pessoa tinha invadido o meu telefone, achei que poderia se tratar de uma armação contra mim. Não fazia sentido na minha cabeça uma pessoa invadir meu telefone e querer me passar conteúdo. A invasão não fazia sentido naquele desenho, de a pessoa estar me oferecendo documentos. Fiquei na linha com os meus advogados, e sugeri, então, que ela fizesse contato com o Glenn.
Telefonei para o Glenn e perguntei se poderia estabelecer o contato, se tinha condições de aferir a veracidade dos documentos. A aferição da veracidade dos documentos era algo que me preocupava também, para eu ter claro que não se tratava de uma armação contra mim.
A sra. tentou saber quem era essa pessoa? Em nenhum momento. Não disse nome, não disse absolutamente nada, mas disse que não morava no Brasil, o que não se confirmou. Foi a única coisa que ela disse a respeito de si.
Em entrevista à Folha, o hacker afirmou que lhe procurou porque sabia que a sra. tinha proximidade com o Glenn Greenwald e o marido dele, o deputado David Miranda (PSOL-RJ). Há, no entanto, uma contradição nessa declaração, já que a sra. disse que foi sua a sugestão para que ele procurasse o jornalista. Para mim, o mais importante na entrevista e também em toda a operação ‘Vaza Jato’ é a relevância dos documentos que estamos tendo acesso.
Os documentos que eu entreguei para a polícia, e que a polícia fará a perícia, comprovam as informações que prestei de forma voluntária. Tenho absoluta tranquilidade em relação a isso. A minha versão, que será comprovada pela perícia voluntária, é algo irrelevante diante dos fatos. A minha participação não faz uma grande diferença.
A decisão de sugerir que ele procurasse o Glenn foi feita por orientação de seus advogados? Não. A ideia foi minha. Achava que, tecnicamente, ele era um jornalista com muitas condições de aferir a legitimidade dos documentos.
Na minha cabeça de jornalista, o Glenn preenchia um conjunto de critérios: fazer parte de uma equipe de jornalismo investigativo, não ter um editor-chefe ali todo dia [perguntando] se vai sair ou não vai sair. Alguém que tem um [prêmio] Pulitzer não queima o seu Pulitzer para dar um furo no Twitter.
Tecnicamente, ele tem muita capacidade. Sabia que qualquer um de nós jornalistas tínhamos a questão do sigilo de fonte, que estaríamos protegidos por isso, mas imaginei que, tecnicamente, ele teria plenas condições de aferir porque ele já tinha lidado com algo que essa pessoa anunciava —embora eu não tivesse conhecimento se era verdadeiro ou não— e que era similar ao caso Snowden.
Consultei meus advogados para saber se o contato era algo que eu poderia fazer. Sabia que eu tinha direito ao sigilo de fonte e o Glenn também, mas não tinha certeza se esse contato se enquadrava nisso. E eles me disseram que sim.
A sra. chegou a pedir detalhes do material que ele tinha? Ele me enviou prints, mas parou imediatamente. Ele estava preocupado em me mostrar que realmente tinha [o material]. Ele tinha muita preocupação em me dizer que não queria dinheiro. Essa preocupação explícita está manifesta nas conversas, a polícia terá condições de aferir isso. Ele também dizia que não era nem de esquerda nem de direita e que queria ajudar o Brasil.
A sra. temeu ser envolvida em um crime? Sou jornalista, né? Sabia que poderia exercer o meu direito de jornalista se tomasse a decisão de receber as informações. Não queria fazê-lo porque não me sentia tecnicamente preparada para aferir a veracidade ou não das informações.
Se eu tivesse mandato, poderia fazer na condição de deputada. Eu queria ter segurança jurídica. O meu receio era só o de poder dar passos com plena segurança jurídica.
A sra. comunicou a polícia sobre a invasão a seu celular? Não. Quando a gente recebe a notícia de que autoridades estão envolvidas em crimes, a gente não denuncia a essas mesmas autoridades os crimes em que elas podem estar envolvidas. Essa era a questão em que a invasão do meu celular estava envolvida.
Como foi o período entre o contato e a publicação da primeira reportagem pelo The Intercept Brasil? A minha maior tensão nesse período foi relacionada a minha segurança. Como eu não tinha ciência do que se tratava o conteúdo, do tipo de conversas que estavam estabelecidas, tem que ter muito foco para se manter inteiro. Já é um clima de muita violência política, já é um clima de permanente violência contra mim.
Depois da revelação de que havia intermediado o contato do hacker com o Glenn, a sra. se arrependeu? Não tenho como me arrepender porque não foi uma decisão minha fazer parte dessa história. Tenho plena consciência que a decisão que eu tomei foi a mais correta que poderia ter tomado. Tive conhecimento de crimes cometidos por autoridades do Estado brasileiro. Não sou mais deputada, mas se fosse deputada e não fizesse nada, o nome do crime seria prevaricação. Recebi uma denúncia.
Não tenho segurança, não tenho colete, não tenho carro blindado. A decisão que tomei, como jornalista e como cidadã, foi passar para o maior jornalista do mundo aferir a veracidade dos crimes que se revelam, cotidianamente, cometidos por autoridades do Estado brasileiro.
Não tomei a decisão de entrar, porque o meu celular foi invadido e recebi essas denúncias pelo meu telefone. Mas a decisão que tomei me honra, me honra porque hoje o Brasil sabe, a partir do trabalho do Glenn, do Intercept e de outros veículos de comunicação, o envolvimento dessas autoridades em crimes horrendos.
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