A AGONIA DA LAVA JATO

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A AGONIA DA LAVA JATO

Com mensagens vazadas e derrota no STF, operação sofre sequência inédita de abalos

Bernardo Barbosa Do UOL, em São Paulo | Fernando Frazão/ Agência Brasil – Em seu quinto ano, a Operação Lava Jato enfrenta uma sequência de reveses sem precedentes na história de uma investigação que parecia imparável e chegou a colocar dois ex-presidentes da República na cadeia — Luiz Inácio Lula da Silva (PT), condenado e ainda preso, e Michel Temer (MDB), detido duas vezes e depois solto por ordem judicial.

A mais recente derrota veio na terça, quando a Segunda Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) anulou a condenação de Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras. Os ministros entenderam que Bendine teve seu direito à defesa cerceado por não ter prazo para rebater acusações feitas por delatores que respondiam ao mesmo processo.

Com isso, abriu-se a porta para uma nova forma de questionar condenações ocorridas na operação. A decisão do Supremo também traz consigo o simbolismo de ter sido a primeira vez em que a Corte anulou uma sentença dada na Lava Jato pelo então juiz e hoje ministro da Justiça, Sergio Moro.

O julgamento do caso de Bendine engrossa uma linha do tempo que inclui um frustrado fundo anticorrupção; o poder para a Justiça Eleitoral julgar casos de crimes comuns ligados a crimes eleitorais; a aprovação da lei contra o abuso de autoridade; e a avalanche de diálogos de procuradores da Lava Jato noticiados pelo site The Intercept Brasil e outros veículos de imprensa, entre eles o UOL, que revelam interações potencialmente ilegais.

Apesar das turbulências do momento, a Lava Jato continua na ativa. A 64ª fase da operação ocorreu no dia 23. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, recentemente assinou portaria estendendo a força-tarefa da operação no MPF (Ministério Público Federal) em Curitiba por mais um ano. Há também forças-tarefas no Rio e em São Paulo.


Diego Herculano/NurPhoto/Getty Images Diego Herculano/NurPhoto/Getty Images

A atual fase de abalos à Lava Jato começou em março, quando veio a público um acordo selado entre a força-tarefa de Curitiba e a Petrobras, com aval da Justiça Federal do Paraná, que originou um fundo de R$ 2,5 bilhões oriundos de uma multa paga pela estatal nos EUA.

Segundo o acordo, metade do valor seria destinado ao ressarcimento de acionistas da Petrobras no Brasil; a outra iria para uma fundação anticorrupção cujo comitê gestor seria indicado por organizações escolhidas pelo MPF.

A própria chefe do MPF, Raquel Dodge, decidiu entrar com uma ação no STF pedindo a suspensão do acordo. Para ela, os integrantes da Lava Jato em Curitiba extrapolaram suas atribuições constitucionais e “assumiram compromissos administrativos e financeiros pelo Ministério Público Federal, falando pela própria instituição sem poderes para tanto”.

A reação levou a própria força-tarefa a recuar e anunciar que buscaria o diálogo com outros órgãos públicos sobre a destinação do dinheiro. Não foi o suficiente para segurar a pressão. Respondendo à ação aberta por Dodge, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu o acordo.

Este mês, os R$ 2,5 bilhões voltaram ao noticiário. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pediu ao Supremo para que o dinheiro seja destinado ao meio ambiente — incluindo o combate a queimadas — e à educação. Ainda não houve decisão sobre o caso.


STF / Secretaria de Comunicação STF / Secretaria de Comunicação

Ainda em março, a Lava Jato sofreu outro baque vindo do STF. A Corte decidiu, por maioria de votos, que casos de crimes comuns ligados a delitos eleitorais — o que ocorre em vários processos da operação — devem ser julgados pela Justiça Eleitoral.

Naquele momento, procuradores da Lava Jato vinham defendendo publicamente a separação dos processos entre crimes eleitorais, como caixa 2 de campanha, e crimes comuns, como corrupção e lavagem de dinheiro. Para eles, a Justiça Eleitoral não tem estrutura para tratar destes casos.

“Hoje, começou a se fechar a janela de combate à corrupção política que se abriu há cinco anos, no início da Lava Jato”, publicou Deltan Dallagnol em seu Twitter no dia em que o STF julgava o caso.

Para outro procurador da força-tarefa, Roberson Pozzobon, o Supremo “passou uma mensagem de esperança para poderosos criminosos de colarinho branco.”

Os ministros do STF que deram os votos vencedores defenderam que a lei prevê a tramitação destes casos no ramo mais especializado do Judiciário — no caso, a Justiça Eleitoral.

Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo

Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo

Antes de o primeiro semestre do ano chegar ao fim, aqueles que viraram símbolos da Lava Jato — Deltan Dallagnol e Sergio Moro — passaram a se ver sob um escrutínio público até então inédito para a operação e seus envolvidos.

Na noite do dia 9 de junho, um domingo, o The Intercept Brasil começou a publicar reportagens com base em mensagens privadas trocadas por Moro e Dallagnol, assim como por outros procuradores da força-tarefa.

Logo de cara, veio a público um diálogo no qual Moro orienta investigações da Lava Jato em mensagens trocadas com Dallagnol. A lei brasileira é clara ao dizer que um juiz não pode trocar informações ou orientar qualquer uma das partes de um processo, seja defesa ou acusação — neste caso, representada pelo Ministério Público.

Esta semana, em parceria com o Intercept, o UOL noticiou que procuradores da Lava Jato ironizaram a morte da ex-primeira-dama Marisa Letícia, que era casada com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o luto do político.

Moro e os procuradores da Lava Jato em Curitiba negam ter cometido irregularidades e evitam confirmar a veracidade das mensagens. Para eles, o conteúdo foi obtido por meio de hackeamentos e pode ter sido alterado.

Em entrevista publicada ontem pela BBC Brasil, Dallagnol disse não se lembrar das declarações sobre Lula, nem saber se elas de fato ocorreram. Mesmo assim, respondeu as críticas ao comportamento dos procuradores.

“As pessoas têm que entender que essas conversas são conversas que você teria na mesa de casa com a família, são pessoas que estão trabalhando há cinco anos juntas, são amigas. São conversas que você tem com o círculo de intimidade, conversas que você fica à vontade para falar até alguma besteira, uma bobagem, para ser até certo modo irresponsável”, disse.

No entanto, horas após o UOL e o Intercept noticiarem as conversas sobre Marisa e Lula, a procuradora Jerusa Viecili pediu desculpas pelas mensagens — o que confirma a veracidade da conversa.

Protegido pela Constituição, que garante à imprensa o sigilo das suas fontes, o Intercept nunca disse de que forma obteve as mensagens, nem quem as enviou. A Polícia Federal prendeu quatro pessoas em julho sob suspeita de invasão das contas do aplicativo Telegram usadas pelos procuradores — uma delas, Walter Delgatti Filho, afirma ter cometido o crime.


Carlos Moura/ STF Carlos Moura/ STF

A Lava Jato também se viu atingida pela decisão do presidente do STF, Dias Toffoli, de restringir o uso de informações do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). O órgão, que monitora transações financeiras e ajuda a descobrir o caminho do dinheiro, elaborou relatórios de inteligência cruciais para as investigações da operação.

Durante o recesso de julho do Supremo, Toffoli atendeu pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) — filho mais velho do presidente — e decidiu suspender todas as investigações que usam dados do Coaf sem prévia autorização da Justiça. A investigação sobre Flávio no MP-RJ (Ministério Público do Rio) teve início com informações compartilhadas pelo órgão.

“A referida decisão contraria recomendações internacionais de conferir maior amplitude à ação das unidades de inteligência financeira, como o Coaf, inclusive em sua interação com os órgãos públicos para prevenir e reprimir a lavagem de dinheiro”, disseram em nota as forças-tarefas da Lava Jato e da operação Greenfield.

Antes da decisão de Toffoli, Moro já tinha perdido, por decisão do Congresso, o comando do Coaf para o Ministério da Economia. Este mês, Bolsonaro assinou medida provisória que leva o conselho para o Banco Central sob o nome de UIF (Unidade de Inteligência Financeira) e abre brecha para indicações políticas no órgão.


Pedro Ladeira/Folhapress/ Pedro Ladeira/Folhapress Pedro Ladeira/Folhapress

Em paralelo ao avanço das reportagens que jogaram luz nos bastidores da Lava Jato, o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei contra o abuso de autoridade — mais uma iniciativa vista como uma ameaça pelos integrantes da operação.

O texto aprovado pelos deputados e senadores tem a premissa de que só existe abuso de autoridade quando as condutas previstas na lei são “praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.”

O projeto prevê, por exemplo, pena de prisão para um juiz que não deferir um habeas corpus “quando manifestamente cabível”; obter provas por meios ilícitos ou usá-las contra alguém; ou divulgar gravações “sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade” do investigado.

Para a Lava Jato, o projeto “intimida a atuação combativa dos agentes públicos, ao permitir que investigados e réus os acusem por crimes indefinidos, o que enfraquece a independência das Instituições e, assim, o combate à corrupção e à criminalidade.”

Para entrar em vigor, a lei precisa ser sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL).

Há menos de um ano, em outubro, procuradores da Lava Jato em Curitiba demonstravam esperança com o resultado das eleições para o Senado, quando novatos conquistaram 24 das 32 cadeiras de senadores que tentavam a reeleição. Reportagem do UOL em parceria com o Intercept mostrou que alguns integrantes da força-tarefa cogitaram até articular o impeachment de Gilmar Mendes, ministro do STF e notório crítico da operação.

Em entrevista à GloboNews, o ex-procurador Carlos Eduardo dos Santos Lima, que integrou a força-tarefa de Curitiba, admitiu inclusive que “lavajatistas” apoiaram Bolsonaro no segundo turno, em oposição a Fernando Haddad (PT), diante da visão de que o PT “tinha o objetivo claro de destruir a Lava Jato”.

No entanto, o respaldo político e institucional à operação sob um governo que tem em seu ministério um símbolo da Lava Jato ainda não aconteceu.

O primeiro ato de Sergio Moro como ministro da Justiça, ainda em fevereiro foi a apresentação de seu “projeto anticrime”, que teve trechos elogiados por Deltan Dallagnol, mas o texto pouco avançou no Congresso. Nem a Lava Jato, nem Moro tiveram força política para conter os movimentos que afetaram o Coaf.

Este mês, no Facebook, Bolsonaro respondeu a uma usuária que pedia a indicação de Deltan Dallagnol para a PGR (Procuradoria-Geral da República) com um post no qual o procurador é chamado de “esquerdista tipo PSOL”. Junto com a frase, havia imagens de posts de Dallagnol em que o procurador reproduzia reportagens sobre a investigação de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, e do esquema dos candidatos laranjas do PSL.

O desgaste da Lava Jato não parece perto do fim. As reportagens com base nas mensagens vazadas do Telegram dos procuradores continuam sendo publicadas — até hoje não se sabe ao certo o tamanho do conteúdo vazado, nem quais são todos os assuntos tratados nas conversas.

Em paralelo, a PGR teme um efeito cascata após a decisão do STF no caso de Aldemir Bendine. A força-tarefa da Lava Jato em Curitiba contabilizou 32 sentenças que podem ser anuladas com base no entendimento da Corte. Advogados criminalistas consideram o caso como um “divisor de águas” na operação.

A decisão da Segunda Turma do Supremo sobre Bendine ainda vai passar pelo plenário da Corte. O julgamento não tem data para acontecer.