DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA DISPARA E CRESCE 60% SOB BOLSONARO

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DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA DISPARA E CRESCE 60% SOB BOLSONARO

A falta de compromisso do governo de Jair Bolsonaro com o meio ambiente está expressa nos números do desmatamento na Amazônia. No acumulado de 2019, o Brasil viu uma redução de aproximadamente 1,5 vez o território da cidade de São Paulo: 2.273,6 km². Este é o pior registro desde 2016

Brasil247 – O governo de Jair Bolsonaro, que representa interesses de ruralistas e tem pouco compromisso com o meio ambiente, tem sido responsável por um avanço sem precedentes do desmatamento na Amazônia. É o que aponta reportagem de Johanns Eller, publicada nesta terça-feira no jornal O Globo.

“O desmatamento na Amazônia aumentou, em junho, quase 60% em relação ao mesmo mês em 2018. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a floresta perdeu, no mês passado, 762,3 km² de mata nativa, o equivalente a duas vezes a área de Belo Horizonte “, aponta o texto. “No mesmo período, em junho de 2018, o desmatamento havia sido de 488,4 km². No acumulado de 2019, o Brasil viu uma redução de aproximadamente 1,5 vez o território da cidade de São Paulo: 2.273,6 km². Este é o pior registro desde 2016. Na comparação mês a mês com relação a 2018, os dados estavam estáveis até abril. De abril a maio, o desmatamento deu um salto, de 247,2 km² a 735,8 km² de floresta destruída.”

A reportagem lembra ainda que, na série histórica da plataforma Terra Brasilis, disponibilizada pelo Inpe e iniciada em 2015, os números deste ano até agora só são superados pelos de 2016, que registrou, até junho daquele ano, 3.183 km² de áreas desmatadas, no consolidado do ano. Naquela ocasião, os índices foram os piores desde 2008.

EUROPA-MERCOSUL: O ACORDO DE RECOLONIZAÇÃO

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EUROPA-MERCOSUL: O ACORDO DE RECOLONIZAÇÃO

Por Antonio Martins| Imagem: Diego Rivera, A grande cidade de Tenochtitlán (1945)

Nada assegura que o pré-compromisso de “livre” comércio assinado em 28/6 torne-se realidade um dia. Se assim for, haverá retrocesso secular. Felizmente, já se anuncia resistência — e não apenas na América do Sul

OUTRAS PALAVRAS – por Antonio Martins – Governos em final de mandato, ou precocemente enfraquecidos, são ainda mais propensos a atos espalhafatosos e imprudentes. Na sexta-feira (28/6), em Bruxelas, ministros do Mercosul e o presidente da Comissão Europeia (CE) anunciaram ter chegado ao que poderá ser, um dia, um acordo de “livre” comércio entre os dois blocos. No Brasil, o governo Bolsonaro, representantes das grandes transnacionais e a mídia conservadora comemoraram o fato, que julgam “histórico”. Não há, porém, nenhuma garantia de que os compromissos firmados entrarão em vigor um dia. O caminho para a aprovação final é longo e pedregoso. Os primeiros obstáculos já começaram a surgir – e vão muito além dos movimentos sociais e da “esquerda”. Mas se um dia prevalecer o que se tramou na cidade-sede da União Europeia (UE), haverá três consequências claras. Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai cimentarão sua condição de produtores de bens primários vulgares, em condições sociais e ambientais cada vez mais precárias. Os direitos dos trabalhadores, a natureza e a pequena produção serão atingidos também na Europa. No lado dos ganhadores, estarão apenas as megacorporações e setores econômicos conhecidos por sua ação predatória, como o ruralismo brasileiro.

Três dias após a assinatura, o teor exato do compromisso firmado em Bruxelas permanece oculto – como para confirmar a falta de transparência do modelo de globalização atual. Mas algumas das bases vieram à tona, em comunicados e entrevistas. Como tornou-se costume em acordos assim, as cláusulas são de dois tipos. Uma parte trata propriamente de comércio; outra, em geral pouco debatida pelas sociedades, inclui normas muito mais amplas, que frequentemente alteram a ordem econômica, social e mesmo política dos países implicados.

O capítulo comercial, no que se conhece, estabelece três mudanças. Os produtos industriais europeus (em especial os mais presentes na pauta de exportações para o Mercosul) entrarão no bloco sem pagar qualquer imposto de importação. A eliminação das barreiras que hoje salvaguardam as produções locais ocorrerá num prazo de cinco a dez anos. Os comunicados falam explicitamente em automóveis (que hoje pagam 35%), suas peças (de 14% a 18%), equipamentos industriais (de 14% a 20%), produtos químicos (até 18%), vestidos e calçados (até 35%) e farmacêuticos (até 14%). Além destes, os europeus introduzirão, sem barreiras, produtos agroalimentares sofisticados, como vinhos (hoje, tributados a 27%), chocolates (20%), uísque e outros destilados (de 20% a 35%), queijos (28%) biscoitos (16% a 18%), pêssegos em lata (55%) e até refrigerantes (de 20% a 35%).

A nota emitida pela chancelaria brasileira comemora, em tom pueril: “Os consumidores serão beneficiados pelo acordo, com acesso a maior variedade de produtos a preços competitivos”. Não menciona o preço: devastação do que resta de indústria nacional, diante da concorrência de empresas europeias com acesso muito maior a infraestrutura, tecnologia e, em especial, fontes de financiamento. Os primeiros sinais de alerta já surgiram, vindos do Instituto Aço Brasil, que reúne as empresas do setor siderúrgico. “Qualquer abertura sem corrigir assimetrias só agrava a situação da siderurgia”, afirmou, neste fim de semana, o presidente da entidade, Marco Polo Neves.

Em contrapartida totalmente desigual, a União Europeia abrirá ao Mercosul seu mercado de produtos agrícolas. Os comunicados referem-se à exportação de itens pouquíssimo elaborados: suco de laranja, frutas, café solúvel, carnes, açúcar e etanol. É curioso que o próprio textoproduzido pelo governo brasileiro fala de modo grandiloquente, porém fornece previsões pífias. A entrada em vigor do acordo elevaria o PIB em algo entre “US$ 87,5 bilhões e USS 125 bilhões, em quinze anos”. Faça as contas: na hipótese mais otimista, seriam US$ 8,3 bilhões a mais por ano, ou… meros 0,4% de aumento na produção nacional, hoje estimada em cerca de US$ 2 trilhões anuais.

Mesmo assim, atenção: nem isso está garantido. Os negociadores europeus cercaram-se de salvaguardas adicionais. Para produtos como carnes, açúcar e etanol, haverá cotas – ou seja, volumes máximos de exportação. Em relação à carne, por exemplo, serão 99 mil toneladas anuais – ou 1,2% do consumo anual do item na UE. Além disso, algo está claramente definido: os europeus poderão, sempre que julgarem necessário, invocar o “princípio da precaução” e bloquear a importação de produtos agrícolas do Mercosul sobre os quais pese suspeita de prejudicarem a saúde ou o ambiente.

Um terceiro aspecto, sempre no capítulo das relações comerciais, ajuda a compreender os interesses a que serve o pré-compromisso assinado sexta-feira. Haverá ampla liberalização do comércio intracorporações. Isso permitirá, a transnacionais instaladas nos dois lados do Atlântico, ampliar a competição entre seus trabalhadores, deslocando a produção para onde forem menores os salários e mais frágeis os direitos trabalhistas. Se a Volkswagen, por exemplo, julgar muito cara, ou muito protegida, a mão-de-obra empregada na produção de freios, no Brasil, poderá importá-los da Eslováquia ou da Hungria. Poderá, alternativamente, “convencer” seus assalariados brasileiros a “optar” entre produzir por menos e perder seus empregos…

II.

Os itens extracomércio do pré-acordo são mais obscuros, mas nem por isso menos ameaçadores. Os comunicados divulgados até agora fazem menção aos seguintes temas:

Liberalização” do setor de serviços: É, em todas as economias contemporâneas, o setor mais importante. Divide-se em centenas de ramos que foram, durante décadas, fortemente protegidos. Muitas destas proteções perduram. Um grupo estrangeiro não pode hoje, por exemplo, constituir um escritório de advocacia no Brasil, ou controlar uma empresa de telecomunicações. As transnacionais lutam para eliminar o que resta destes limites. O comunicado lançado pelo governo brasileiro afirma: “O acordo garantirá acesso efetivo em diversos segmentos de serviços, como comunicação, construção, distribuição, turismo, transportes e serviços profissionais e financeiros”…

Endurecimento das patentes e ataque aos medicamentos genéricosEm dezembro de 2017, quando as negociações estavam em curso, dezenas de organizações da sociedade civil, da Europa e do Mercosul, alertaram pra a construção secreta de regras mais draconianas de “propriedade intelectual”. Este endurecimento tornou-se comum em acordos de “livre” comércio. Num tempo de forte crescimento da produção imaterial, as grandes corporações querem fechar as brechas ao controle tecnológico e simbólico que exercem. A primeira possível consequência é a ampliação do direito de patentes farmacêuticas, com restrições à produção de medicamentos genéricos. A nota conjunta emitida em Bruxelas, em 28/6, é extremamente lacônica – mas afirma que o pré-acordo inclui itens ligados à propriedade intelectual.

Concorrências públicas e compras governamentais: O poder de compra e de contratação dos Estados é, tradicionalmente, um instrumento de promoção do desenvolvimento. Ao licitar uma ferrovia ou parque eólico, ou adquirir produtos como medicamentos ou comida para a merenda escolar, os governos podem favorecer empresas ou cooperativas locais, estimulando sua existência e expansão. Há décadas, as corporações lutam para anular esta prerrogativa. Querem impor seu poder e fechar mesmo as pequenas brechas para modelos de produção não-hegemônicos. O tema foi incluído, desde o início, nas tratativas para o pré-acordo agora firmado. Embora sem entrar em detalhes, todos os comunicados lançados a respeito do texto, desde 28/6, sugerem que as transnacionais alcançaram seu objetivo.

Direitos do investidor” acima dos sociais e ambientais: Os acordos de “livre” comércio firmados nas últimas décadas incluem, quase sempre, a instituição do “direito do investidor” e a constituição de estranhos tribunais, denominados “painéis de solução de controvérsias”. Trata-se de um claro atentado à democracia. O “direito do investidor” significa que as empresas transnacionais instaladas num país qualquer podem reivindicar indenizações, sempre que se julgarem prejudicadas por leis que instituem direitos sociais ou ambientais. Segundo este princípio, uma corporação mineradora pode, por exemplo, alegar que seus lucros diminuíram, devido à obrigação de construir barragens mais seguras – e que, portanto, precisa ser ressarcida. Pior: muitos acordos de “livre” comércio estabelecem que, nestes casos, as disputas não são resolvidas no âmbito dos Estados nacionais, mas por “painéis de solução de controvérsias” totalmente opacos – não submetidos, portanto, a nenhum controle democrático.

Os comunicados oficiais pós-28/6 não fazem referência a tais painéis, mas a preocupação se mantém. Ao longo das duas décadas de negociação do acordo UE-Mercosul, o tema foi seguidamente suscitado.

III.

Ao referir-se, ainda durante a reunião do G-20, ao pré-acordo firmado em Bruxelas, Jair Bolsonaro deu-o como favas contadas. Mais: previu que teria efeito dominó, desencadeando uma série de outros compromissos de “livre” comércio, entre o Brasil e muitos países do mundo. Nos dias que se seguiram, contudo, tem ficado claro que pode se tratar de propaganda enganosa. Há um longo caminho até a entrada em vigor do que foi anunciado em 28/6. Mais importante: há amplo espaço para resistir; e a batalha que se anuncia se dará tanto nos países do Mercosul quanto na União Europeia.

A fragilidade do pré-acordo começa pela situação precária de seus três protagonistas principais. Na Argentina, Maurício Macri cumpre um fim de mandato melancólico, marcado por empobrecimento inédito, crise cambial e disparada da inflação. As pesquisas eleitorais sugerem que sua coalizão de direita será derrotada nas urnas, em outubro. No Brasil, a popularidade de Jair Bolsonaro caiu para o patamar mais baixo vivido por um presidente em início de mandato, desde a redemocratização. E a própria Comissão Europeia está de saída, com processo de sucessão já aberto, depois de seus integrantes sofrerem fortes revezes nas eleições para o Parlamento Europeu.

Os trâmites para a efetivação do pré-acordo também são complicados. Primeiro, o texto proposto terá de aparecer – algo que estava prometido para o fim de semana e não se deu até hoje. Em seguida, o conjunto da obra será submetido tanto ao Parlamento Europeu quando aos legislativos dos quatro integrantes do Mercosul. Por fim, as cláusulas mais importantes serão novamente levadas aos 28 parlamentos dos Estados-membros da UE.

Este conjunto de instâncias amplia as oportunidades de crítica, resistência e alternativas – embora não se deva subestimar as pressões que serão exercidas, em favor do acordo, pelo grande poder econômico, ruralistas, mídia conservadora e, no Brasil, o próprio governo Bolsonaro. Diversas vozes, aliás, já começam a desafinar o triste coro dos contentes. No Mercosul, onde há ameaça de recolonização, elas são nítidas. Horas depois do anúncio do pré-acordo, o Partido Peronista (“Justicialista”) já apontava os riscos de submissão do país. Alberto Fernández, seu candidato às eleições presidenciais de outubro, fez o mesmo em comício. “Não há o que celebrar”, afirmou. Sua possível vitória significaria, provavelmente, o primeiro grave revés para o pré-compromisso.

No Brasil, as primeiras críticas vieram do ex-chanceler Celso Amorim e dos ex-ministros da Fazenda Bresser Pereira e Ciro Gomes. Mas também os movimentos sociais começaram a se mexer. Ainda em 28 de junho, a Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul frisava, em comunicado, sua “absoluta rejeição ao presente acordo, tanto em relação a suas formas quanto a seu conteúdo”.

Se na América do Sul o eixo das críticas é anticolonialista, na Europa o foco é a devastação dos direitos sociais e dos arranjos produtivos baseados em solidariedade, em favor das corporações e das lógicas capitalistas. Os agricultores foram os primeiros a protestar. Defensores ativos da pequena propriedade e de um modelo agrícola que valoriza o orgânico, o local e o cooperativo, eles temem sofrer a concorrência desleal da produção baseada em latifúndio, agrotóxicos, expulsão dos trabalhadores rurais e devastação da natureza.

Mas a resistência está se espalhando – inclusive entre os ambientalistas, que compõem o bloco que mais cresceu nas recentes eleições para o Parlamento Europeu. Ainda nesta segunda-feira (1º/7), Nicolas Hulot, ex-ministro do Ambiente do presidente francês Emmanuel Macron, disparou: “este acordo representa o oposto de nossas ambições para o clima”. Há horas, o próprio presidente foi obrigado a fazer a primeira concessão, apesar de seu compromisso com as políticas neoliberais. Temeroso das reações do eleitorado, Macron prometeu lançar, “nos próximos dias”, uma “avaliação independente, completa e transparente deste acordo, em especial sobre as questões do ambiente e da biodiversidade”…

As reações indicam a possibilidade de ressurgir um cenário político particular. Assim como nas lutas contra o “livre” comércio travadas na virada do século, ele colocaria frente a frente dois blocos de forças e dois projetos de futuro. De um lado, em favor do acordo, as maiores corporações, a mídia cada vez mais atrelada a elas e a maioria dos governos – tanto na União Europeia, quanto no Mercosul. De outro, contra a recolonização e a lógica do grande poder econômico, uma vasta galáxia de movimentos e de atores políticos que resistem dos dois lados do Atlântico – e buscam alternativas baseadas em novas lógicas produtivas e sociais.

Reconstituir este choque de projetos, e em especial a vasta coalizão que pode se articular no segundo pólo da disputa, teria enorme efeito transformador e pedagógico — bem na hora em que a crise civilizatória amplia-se e parece chegar a um ponto crucial.

OPOSIÇÃO REAGE A OFERTA DE R$ 20 MI PARA QUEM APROVAR REFORMA: “ESCÁRNIO” E “FRAUDE”

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OPOSIÇÃO REAGE A OFERTA DE R$ 20 MI PARA QUEM APROVAR REFORMA:

Ao centro, Jair Bolsonaro e Rodrigo Maia durante protocolo do texto oficial da reforma / Marcos Correa/AFP

Valor teria sido oferecido pelo governo, via liberação de emendas parlamentares, em troca de apoio à PEC da Previdência.

Cristiane Sampaio – Brasil de Fato | Brasília (DF) – A promessa do governo Jair Bolsonaro (PSL) de liberar R$ 20 milhões em emendas parlamentares para cada deputado e deputada que votar a favor da reforma da Previdência, segundo noticiado pela agência Reuters, recebeu pesadas críticas da oposição.

“É o mesmo ‘toma lá da cá’ dos outros governos, indo na contramão do discurso eleitoral do senhor Bolsonaro, então, é o mesmo e velho método. É instrumento de ‘convencimento remunerado’. Isso é um absurdo”, critica a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), vice-líder da minoria.

A declaração da parlamentar é uma referência ao discurso de Bolsonaro – antes e depois da campanha eleitoral – de que ele praticaria uma “nova política”, em contraposição a práticas históricas de negociatas entre atores políticos.

“É um grande absurdo de um governo que está desesperado pra dar sinais ao mercado, ou seja, é uma fraude. Você ter um parlamentar que vai receber uma quantidade maior de emendas porque vai votar a favor de uma matéria que retira a aposentadoria de milhões de pessoas é um escárnio”, considera o deputado Glauber Braga (Psol-RJ).

As emendas orçamentárias são meios pelos quais os parlamentares decidem sobre a alocação de recursos públicos nos seus respectivos estados, permitindo a canalização de verba para projetos, instituições, serviços públicos etc. O dinheiro vem do Orçamento Geral da União, definido pela Lei Orçamentária Anual (LOA). Pelas normas atuais, os parlamentares têm direito obrigatoriamente a cerca de R$ 15,4 milhões em emendas.

No tatame da política, é comum que elas sejam usadas como objeto do jogo de forças entre Executivo e Legislativo, servindo para facilitar ou dificultar a adesão de parlamentares a projetos de interesse da Presidência da República. Também são utilizadas por deputados e senadores nas relações com prefeitos e vereadores nas suas bases. A liberação de emendas fora do orçamento, no entanto, não tem previsão normativa, embora também seja usada como instrumento de negociação.

Comissão e plenário

Na comissão especial, a aprovação da reforma, chamada oficialmente de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 6/2019, é tida como certa, por conta das negociações entre governo e partidos do chamado “centrão”, espectro que reúne partidos da direita liberal, como PP, PR, Solidariedade, MDB e PSD. O grupo, que tem alinhamento neoliberal, é maioria no colegiado, contando com pelo menos 21 das 49 cadeiras da comissão.

No plenário, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem afirmado que o governo teria hoje entre 314 e 320 apoios ao texto, podendo chegar a 380 – número considerado ideal porque garantiria uma margem de segurança diante do risco de traição, um componente sempre presente no jogo político. Alguns deputados, no entanto, acreditam que a projeção pode não corresponder à realidade e põem em xeque as contas de Maia, acreditando que o governo ainda não teria atingido os 308 votos necessários.

Na avaliação de Glauber Braga, o resultado eleitoral de 2018, o primeiro após a aprovação da reforma trabalhista do governo de Michel Temer (MDB), ainda seria motivo de trauma e, por isso, estaria inspirando cautela em parlamentares que estejam indecisos diante da votação da PEC. Para o psolista, a pressão popular também contribui para a indefinição em torno da proposta, que tem sido duramente criticada por sindicatos, movimentos populares e outros atores.

“Vários deputados que votaram a favor da reforma trabalhista não retornaram à Câmara e outros que retornaram tiveram uma diminuição sensível nas suas votações. Os deputados que estão chegando agora e aqueles que já são mais experientes sabem disso. Quando o deputado imaginar que, levando uma emenda ele vai estar desculpado por votar contra o direito das pessoas, acho que as pessoas vão cobrar essa fatura”, calcula, acrescentando que espera uma mobilização popular nesta primeira quinzena de julho para tentar frear a PEC.

No calendário do governo, a ideia seria aprovar o texto antes do recesso parlamentar, que se inicia em 18 de julho. Apesar disso, a leitura geral é de que as disputas que envolvem a reforma tendem a empurrar a votação em plenário para o próximo semestre.

Governo

O Brasil de Fato procurou a assessoria de imprensa de Maia para tratar da suposta promessa, mas ele preferiu não se manifestar. O mesmo procedimento foi adotado em relação à Casa Civil, que não deu retorno até o fechamento desta matéria.

Esta não é a primeira vez que a imprensa denuncia a chamada “compra de votos” via emendas no governo Bolsonaro. Em abril, uma reportagem da Folha de S.Paulo revelou suposto oferecimento de até R$ 40 milhões em emendas extras a cada deputado até 2022. A proposta teria sido apresentada pelo ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, durante reunião com líderes partidários na residência de Maia, principal entusiasta e articulador da pauta da Previdência dentro da instituição.

Edição: João Paulo Soares

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61% SÃO CONTRA PRIVATIZAÇÃO DA PETROBRAS E 55% CONTRA DOS CORREIOS

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61% SÃO CONTRA PRIVATIZAÇÃO DA PETROBRAS E 55% CONTRA DOS CORREIOS

Pesquisa de opinião mostra que maioria dos brasileiros ainda é contra a venda de empresas estatais.

R7 PLANALTO – Mariana Londres, de Brasília – Pesquisa publicada nesta segunda-feira (1º) pelo Instituto Paraná Pesquisas mostra que 61,5% dos brasileiros são contrários à privatização da Petrobras. 32% são favoráveis e 6,5% não sabem ou não responderam.

Já em relação aos Correios, o apoio à privatização é maior. 38,2% dos entrevistados são favoráveis à venda da empresa, 55,1% são contra e 6,6% não sabem ou não responderam.

O governo Bolsonaro deve começar uma séria de privatizações de estatais assim que aprovar a reforma da Previdência no Congresso, que é a prioridade número um da gestão.  O presidente já falou da intenção de privatizar os Correios. Já a Petrobras deve ser mantida no modelo atual, de economia mista, com foco na sua principal atividade: a exploração do petróleo.

O Instituto Paraná Pesquisas entrevistou 2.102 brasileiros maiores de 16 anos em 158 municípios brasileiros das 27 unidades da federação entre os dias 20 e 25 de junho. O grau de confiança é de 95% e a margem de erro é de aproximadamente pontos percentuais para os resultados gerais.

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CAMISAS AMARELAS VÃO PARA O REVIDE E DEFENDEM MORO COM RAIVA NA PAULISTA

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CAMISAS AMARELAS VÃO PARA O REVIDE E DEFENDEM MORO COM RAIVA NA PAULISTA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Da dupla de senhores de cabelos brancos que desfilava com um cartaz atacando a imprensa ao discurso num caminhão de som pedindo bullying sobre o Congresso, o tom do novo protesto dos camisas amarelas na avenida Paulista foi raivoso.

Certamente, a indignação era maior do que a da manifestação anterior dos bolsonaristas, em 26 de maio, que tinha uma pauta mais difusa. Neste domingo (30), a defesa do ministro da Justiça, Sergio Moro, esteve em um claro primeiro plano e contaminou o humor da multidão, mesmo quando o tema era outro.

O sentimento dominante era a necessidade de uma reação urgente para resgatar Moro, após uma sequência de revezes que incluiu os diálogos revelados pelo The Intercept, a aprovação do projeto de abuso de autoridade pelo Senado e o susto da quase soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Moro, afinal, é hoje uma das duas últimas figuras a unificarem a direita (a outra é o ministro da Economia, Paulo Guedes). Mesmo movimentos que se distanciaram de Bolsonaro, caso do MBL (Movimento Brasil Livre), mantêm seu apoio ao herói da Lava Jato e estiveram presentes na avenida, embora de maneira relativamente discreta.

Vendo o ex-juiz ser atacado, seus defensores foram para o revide. Por onde se olhasse era possível ver cartazes e ouvir palavras de ordem com provocações. Esquerda escrota, pare de atrapalhar!, era apenas um exemplo.

Até o vice, general Hamilton Mourão, há muito visto com desconfiança pelo público fiel ao presidente, foi resgatado em um cartaz que pedia: General Mourão, faça a intervenção. Fim do congresso e do STF.

As críticas ao Congresso, sempre presentes em protestos da direita, foram especialmente duras desta vez. Do alto do carro de som do movimento Vem Pra Rua, normalmente visto como mais moderado em comparação com os congêneres, um orador entoou: Eu estou vendo que o povo está bravo! O povo quer que o Congresso Nacional acorde!.

À grita contra o projeto do abuso de autoridade somou-se a constatação, de resto óbvia, de que o sucesso do governo de Jair Bolsonaro depende da recuperação econômica e da reforma da Previdência em particular.

Rodrigo Maia, presta atenção, nós queremos a reforma de 1 trilhão!, puxou em coro um locutor no caminhão do Vem Pra Rua, em referência ao montante que, segundo o Ministério da Economia, será economizado com a reforma em dez anos.

No vizinho caminhão do movimento Nas Ruas, o recado foi mais direto, e quase ameaçador. Todo mundo aqui tem que pressionar os deputados pela reforma. É para fazer bullying digital, sim, afirmou um coordenador.

Segurando um cartaz em defesa de Moro, Jaime Araújo, 51, funcionário de uma empresa que fabrica plástico, disse que a vontade do povo estava na avenida, e não no Congresso. Existe uma parcela do Congresso que não foi renovada na eleição, por isso é importante a pressão popular, disse.

Glenn Greenwald e a imprensa em geral foram alvos preferenciais. A Folha de S.Paulo foi chamada de esquerdiota, “escrota e “comunista, entre outros termos, por pessoas que viravam as costas e se recusavam a dar entrevistas.

A imprensa comprou a versão do Intercept. Perdeu o norte, transformou o jornalismo em militância”, disse Irineu Ramos, que se apresentou como jornalista e, ao lado do empresário Jorge Fernandes, segurava um cartaz escrito “Imprensa Inimiga do Brasil.

Não conseguiam dar dez passos sem ter de parar para um pedido de foto.

LULA É O PRINCIPAL PRESO POLÍTICO DO MUNDO, DIZ NOAM CHOMSKY

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LULA É O PRINCIPAL PRESO POLÍTICO DO MUNDO, DIZ NOAM CHOMSKY

Em entrevista ao site catalão El Critic, publicada no último dia 26 de junho, o intelectual disse que o ex-mandatário foi preso para ser “silenciado” e impedido de disputar as eleições presidenciais de 2018 no Brasil.

Do Ópera Mundi
Diário do Centro do Mundo – Publicado por Vinicius Segalla – “O principal preso político do mundo, na minha opinião, é Lula da Silva. É o caso mais extremo que conheço de alguém que é um preso político de maneira bastante clara e que foi encarcerado para ser silenciado, para que não pudesse participar das eleições que provavelmente teria ganhado”, disse.

O linguista e filósofo norte-americano Noam Chomsky afirmou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o principal preso político do mundo e que seu caso é “o mais extremo” das prisões políticas que conhece.

Chomsky ainda classificou as condições em que Lula vive na prisão como “extremas” e disse que “são totalmente desproporcionais em relação a esse tipo de sentença”. “[Lula] está preso em regime de isolamento, impedido de receber material impresso, de fazer declarações públicas, com opções de visitas muito limitadas. Não se pode levar a sério essa justiça”, afirmou.

“Lula da Silva é uma figura muito importante no âmbito nacional e internacional e, por isso, é um processo que eu me envolvi de maneira direta indo visitá-lo na prisão e também escrevendo sobre o tema e denunciando em entrevistas”, afirmou.

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O QUE QUEREM OS LOBISTAS

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O QUE QUEREM OS LOBISTAS 

A PUBLICA – Evento reuniu os principais lobistas do país e bancada ruralista foi usada como case de sucesso do setor.

A sala de convenções de um luxuoso hotel na zona Sul de São Paulo estava cheia na manhã de quinta-feira, 13 de junho. Homens e mulheres de traje executivo se distribuíam ao longo de grandes mesas dispostas em formato linear. À sua frente, um palco onde se revezavam palestrantes que faziam apresentações num telão. Ao fundo, a mesa do café servia de ponto de encontro. Dos microfones aos murmúrios, o assunto discutido era um só: lobby — o ato de defender interesses junto a um tomador de decisão.

Em volta do pescoço um crachá com o nome da empresa identificava os presentes. Danone, Porto Seguro, Cielo, Ambev, Roche, Syngenta e Dow Chemical eram algumas das corporações representadas no Congresso de Relações Governamentais (ConRelGov), um dos nomes alternativos dados à atividade com o intuito de afastar a carga pejorativa atrelada ao título original. Para assistir ao evento, realizado pela primeira vez, os 197 participantes pagaram inscrições que podiam chegar a mais de R$ 4.500. Entre eles, a Pública não encontrou integrantes de movimentos sociais ou representantes do terceiro setor.

Em dois dias de palestras — foram 12 no total —, ficou evidente que os lobistas brasileiros querem tirar seu ofício das sombras. Convencidos de que é legítimo — o artigo 5 da Constituição garante o direito à petição aos Poderes Públicos —, os lobistas não escondem o que fazem e falaram abertamente sobre seu trabalho, que consideram “essencial à democracia”. Nada parecido com o estereótipo do negociante que age por baixo dos panos e mantém seus interesses ocultos.

Esses profissionais se reúnem em duas entidades: a Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), criada em 2007, e o Instituto de Relações Governamentais (Irelgov), fundado em 2015. Este último, que se descreve como um think tank para o campo, foi o organizador do congresso acompanhado pela Pública.

Segundo o site do instituto, um de seus pilares de atuação é valorizar a profissão de relações governamentais, objetivo encerrado no eixo “reputação”, motivo de preocupação para a categoria: em pesquisa feita pelo Irelgov em 2017 com 157 lobistas, 66% dos entrevistados responderam acreditar que sua atividade não é bem vista pela opinião pública. “O lobby foi sempre muito vinculado à corrupção”, disse Cátilo Cândido, presidente da Abralatas, associação que reúne fabricantes de latas de alumínio e defende os interesses do setor. “Para mim, só existe um lobby, o lobby do bem. O que chama de lobby do mal não é lobby, é corrupção, tráfico de influência, é crime”, disse durante um dos painéis.

Ao lado de Cândido estava Fabio Rua, diretor de Relações Governamentais e Assuntos Regulatórios da multinacional IBM na América Latina. Ele entrou na discussão dizendo que os lobistas brasileiros têm um “problema sério de autoestima”, já que ele mesmo “nunca foi hostilizado, maltratado ou sofreu bullying”. “Temos que fazer o lobby pelo lobby, mas temos uma séria dificuldade de nos comunicarmos”, afirmou. “O governo sacou o poder das redes sociais muito antes da gente. Os caras foram eleitos pelas redes sociais, se comunicam com a população o dia inteiro por elas, exercem o mandato pelas redes sociais, não estão nem preocupados com o que estão discutindo no plenário, querem dizer o que estão fazendo e defendendo. E a gente não pode falar nada, escrever nada, tem que continuar falando baixinho e se reunindo secretamente com a, b ou c. Não, gente!”

Utilizar as plataformas digitais para se comunicar com seu público é algo que Rua tem feito: começou protagonizando vídeos sobre tecnologia em um dos canais da IBM no YouTube e hoje tem o seu próprio. Engajado no tema, cofundou o movimento Brasil, País Digital, liderado pela Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes), que agrega entidades na luta “por uma agenda de transformação digital para o Brasil” – área de interesse da empresa em que trabalha.

“NÓS QUEREMOS NOS JUNTAR A ELES, ENTRAR PELA PORTA DA FRENTE”

“NÓS QUEREMOS NOS JUNTAR A ELES, ENTRAR PELA PORTA DA FRENTE”

diplomatique.org.br – Entrevista com Prof. Yara Frateschi (Unicamp) sobre desequilíbrio de gênero na Filosofia no Brasil. Mais um artigo do especial Família Verde.

Um breve olhar sobre os currículos de Filosofia no Brasil – e no mundo – e podemos ver que as mulheres filósofas são poucas ou ausentes nas bibliografias, o que não significa, contudo, que elas não existam ou existiram. É este o pano de fundo da I Conferência Internacional das Mulheres na Filosofia Moderna, que traz não apenas pesquisas de filósofas como Émilie du Châtelet e Anne Conway, mas discute a presença destas pensadoras no cânone filosófico. Um mesmo olhar para a presença das mulheres nas pós-graduações e corpo docente de departamentos de Filosofia no Brasil nos conduz a uma conclusão parecida: são minoria. Esta é a razão que levou a professora livre-docente do departamento de Filosofia da Unicamp, Yara Frateschi, a uma das mesas na conferência que aconteceu na última semana na UERJ, no Rio de Janeiro. Ainda que o trabalho acadêmico de Frateschi esteja voltado para filósofas políticas contemporâneas (como Seyla Benhabib e Hannah Arendt), a professora tem se dedicado a compreender os números que revelam esta baixa presença e se engajado em ações que possam transformá-los.

O fato das mulheres serem minoria nos programas de pós-graduação e docência em Filosofia no Brasil foi provado em 2017 numa pesquisa levada a cabo pela professora Carolina de Araújo (UFRJ). Os números que Araújo apresentou à comunidade acadêmica revelam a seguinte fotografia da área: entre os 3.652 estudantes de mestrado e doutorado, as matrículas de alunas respondiam por 28,45% do total em 2015. Já as docentes permanentes desses programas são 20,94% do total. O que Frateschi tem buscado compreender é por que o corredor é estreito para as mulheres na Filosofia no Brasil? Para isso, diz a professora, é preciso ouvir as estudantes e docentes da área para compreender quais são as barreiras que enfrentam na permanência da área. Ela tem se dedicado a este trabalho de pesquisar as razões que justificam esses números, entrevistando alunas e docentes e deve publicar no próximo ano resultado desta pesquisa. Nesta entrevista, a professora indica, por exemplo, a importância de se compreender o impacto das bibliografias de curso unanimemente dominadas por homens. Da mesma forma, diz Frateschi, é importante considerar que grande parte desses filósofos é misógina e dissemina o mito da precariedade racional, moral e política das mulheres.

Veja a entrevista completa AQUI.

‘NÓS VAMOS VER OS MILITARES NA POLÍTICA BRASILEIRA POR UM BOM TEMPO’, DIZ PESQUISADOR

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‘NÓS VAMOS VER OS MILITARES NA POLÍTICA BRASILEIRA POR UM BOM TEMPO’, DIZ PESQUISADOR

Rodrigo Lentz: “O ativismo está no DNA das Forças Armadas brasileiras desde o nascimento da República”. (Foto: Luiza Castro/Sul21)

Para militares, Estado não deve ser empresário, mas regulador, e o eixo da economia deve ser o mercado e a empresa privada.

SUL21 – Marco Weissheimer – O retorno dos militares à cena política brasileira, ocupando postos no primeiro escalão do governo Bolsonaro, não é um acontecimento casual e momentâneo. Desde o nascimento da República, os militares jamais abandonaram o papel de atuar como uma espécie de poder moderador. O ativismo está no DNA das Forças Armadas brasileiras desde o nascimento da República. Com a crise do sistema político brasileiro, especialmente a partir das manifestações de 2013, vistas como uma ameaça à estabilidade da sociedade, os militares colocaram em marcha a doutrina de ação política prevista em seus manuais. E não pretendem sair de cena tão cedo. A avaliação é do advogado Rodrigo Lentz, ex-coordenador da Comissão de Anistia e doutorando em ciência política da Universidade de Brasília com a tese “As relações de poder entre civis e militares no Brasil: o pensamento político da Escola Superior de Guerra pós-88”.

Em entrevista ao Sul21, Rodrigo Lentz fala de sua pesquisa sobre o pensamento militar brasileiro, suas manifestações mais recentes e sobre por que esse retorno dos militares à cena política não deve ser de curto prazo. “Eles identificaram fortes pressões ao sistema político e as consideraram como uma potencial e contundente ameaça à expressão política do poder nacional e, consequentemente, às outras expressões desse poder. Quando um juiz de primeiro grau quebra o sigilo de forma ilegal, torna público o diálogo do comandante em chefe das Forças Armadas e o comando das Forças Armadas não dá um único pio e depois disso ainda condecora esse juiz, ficou claro que, quem estava dando suporte a esse juiz, eram eles, o que vem se confirmando cada dia mais”, sustenta o pesquisador.

No método de ação política dos militares, acrescenta Lentz, aparece de modo muito claro o uso das instituições jurídicas e políticas para resolver os distúrbios funcionais do sistema político. Esse uso está previsto como uma das medidas preventivas que podem ser adotadas. O pesquisador também acredita que os militares estiveram por trás da guerra tecnológica na campanha eleitoral. “É praticamente impossível que não estivessem. É uma técnica (de guerra eletrônica) que eles dominam mais do que qualquer outro civil. Eles têm um batalhão de guerra eletrônica e formaram oficiais para atuar especialmente em redes sociais”.

Devemos nos preparar para ver os militares na vida política por um bom tempo, adverte. Um dos indicadores mais recentes disso é que não apenas generais da reserva estão ocupando postos no governo. A presença de Luiz Eduardo Ramos, um general da ativa, na Secretaria de Governo, leva mais ainda a política para dentro dos quarteis. “Não tenho dúvida nenhuma que eles estão estudando e planejando o que devem ser para os próximos anos. Não é uma entrada pueril. Nós vamos ver os militares na política por um bom tempo”.

Sul21: Qual o objeto central de sua pesquisa sobre o pensamento militar brasileiro?

Rodrigo Lentz: Muita gente foi pega de surpresa quando os militares vieram para o centro político nacional de uns anos para cá. Muitas pessoas não acreditavam nesta atuação política dos militares e hoje estão atrás de respostas prontas e conclusivas a respeito dessa atuação. Já te adianto que eu não tenho essas respostas. O trabalho que estou desenvolvendo é procurar enxergar uma tradição no pensamento militar brasileiro que, com o passar dos anos, vai sofrendo algumas mudanças conservadoras. A primeira versão de manual doutrinário da Escola Superior de Guerra, fundada formalmente em 1949, é de 1974. Eles demoraram, então, 25 anos para conseguir formatar um pensamento dos militares a respeito do Brasil. A partir de 1974, foram sendo feitas atualizações neste manual doutrinário básico que orienta o sistema de ensino das Forças Armadas. Apesar de haver uma relação de autonomia entre as escolas de Estado Maior das três forças, há uma integração em torno dos termos mais gerais desse pensamento.

Sul21: Qual é a matriz conceitual desse manual doutrinário? A que tradição suas ideias se filiam?

Rodrigo Lentz: Estou procurando fazer essa construção. Eu organizo esse conteúdo em três grandes grupos: um núcleo duro, um núcleo político e um núcleo operacional. No primeiro, que é o centro nervoso dessa doutrina, há uma forte presença do pensamento de Santo Tomás de Aquino. Eles afirmam claramente a existência de uma crença em Deus, em um princípio transcendental e na ideia de um bem comum. Há também a ideia de que o fim do ser humano é a felicidade e que ela jamais vai ser alcançada na terra, mas somente no reino dos céus. Quando a gente vê hoje os militares ou o próprio Bolsonaro falando em Deus é por que isso faz parte do tronco do pensamento deles. Além disso, há uma crença na natureza humana, que também vem um pouco de Tomás de Aquino, e uma noção orgânica da sociedade, baseada na Teoria dos Sistemas, segundo a qual a sociedade tem uma organização sistemática, esse sistema tem um objetivo e para ele ser atingido os seus órgãos, as partes que compõem o todo, devem ser preservados.

Sul21: A citação a Tomás de Aquino é explícita?

Rodrigo Lentz: Sim, é explícita nos manuais pré-1988. O que acontece pós-1988 é uma pasteurização do vocabulário, que vai inclusive alterar a nomenclatura utilizada. Não se fala mais, por exemplo, em segurança nacional, mas sim em defesa nacional, o que, na prática, é a mesma coisa, mesmo que teoricamente exista uma distinção entre defesa e segurança. A segurança é muito mais ampla que a defesa, que está mais voltada para a parte externa. ‘Segurança’ envolve segurança nacional e uma soma de várias outras coisas.

Sul21: O conceito do “inimigo interno” aparece neste núcleo duro da doutrina?

Rodrigo Lentz: Sim, mas isso vem muito mais da Teoria dos Sistemas. A ideia é que todo sistema recebe e faz incentivos e tem como pressuposto a própria sobrevivência e preservação. Isso é intrínseco ao conceito de sistema. Então, um sistema sempre vai estar suscetível a pressões, tanto do âmbito interno quanto do meio ambiente. No caso do sistema político, essas pressões podem ser antagônicas ou não antagônicas. O inimigo é o antagônico. Ainda estou trabalhando com esse tema, mas dá pra perceber nesta formulação do pensamento militar alguns traços de Carl Schmitt e a concepção de antagonismo como definidor da própria política, de que sem antagonismo a política não existe.

Sul21: Nos textos com os quais está trabalhando, há uma referência explícita a que inimigos seriam estes?

Rodrigo Lentz: Ainda não terminei de ler todos os manuais mais recentes, das décadas de 70 e de 80. No da década de 70 há uma referência explícita, no de 80 bem menos.

Sul21: E essa referência explícita é o comunismo…

Rodrigo Lentz: Sim, o comunismo. No de 70, isso aparece muito carregadamente. O de 80 bem menos, embora chegue a citar também. A partir dos anos 90, deixa de existir a nominação desse inimigo, desse poder antagônico; passa a ser uma referência mais pausterizada.

Sul21: Esses manuais tratam também de geopolítica, de uma visão sobre qual deve ser o papel no mundo, quais aliados e inimigos?

Rodrigo Lentz: Existe uma leitura, digamos, historicista, sobre o Brasil com base numa concepção geopolítica que tem o Golbery (do Couto e Silva) como principal referência. Essa visão de geopolítica coloca o Brasil alinhado, em razão do território e da história, com os Estados Unidos, a grande potência das Américas. As outras referências históricas e culturais são Inglaterra e França. Portugal é referido em outros termos. Há um caráter brasileiro que decorre da história nacional e essa história está estreitamente vinculada aos Estados Unidos. Cabe lembrar que a própria república brasileira recebe a denominação de Estados Unidos do Brasil. Então, há um alinhamento geopolítico com os Estados Unidos, mas em momento algum eles dizem que isso significa subordinação. A ideia é que, até por uma questão de segurança continental, o Brasil deve ter os Estados Unidos como amigo.

Sul21: Em certos momentos no período da ditadura, os militares brasileiros contrariaram interesses dos Estados Unidos, como no caso do acordo nuclear com a Alemanha. Além disso, a política externa teve uma aproximação com países não alinhados na África e em outras regiões. Aparentemente, havia um interesse nacional que justificava esses movimentos. Agora, no governo Bolsonaro, isso parece ter desaparecido com os militares abraçando esse alinhamento total com os EUA. Como entender essa posição atual que parece representar uma mudança importante?

Rodrigo Lentz: Essa é uma das grandes questões, mas antes de tentar responder tua pergunta, gostaria de fazer um retrospecto. As forças armadas brasileiras começam a se profissionalizar principalmente a partir da década de 1920. O serviço militar passa a ser obrigatório a partir de 1918. Até então, o pensamento militar estava associado à ideia de bacheralismo, algo, aliás, que aparece ainda hoje. Quando o general Villas Boas criticou Olavo de Carvalho pelo Twitter, ele foi acusado de ser um bacharelista, um papo que já tem mais de cem anos de idade.

Na década de 20 surgiram os chamados jovens turcos, militares brasileiros que participaram de missões na Alemanha e na França e tiveram contato com militares turcos que, na transição de século, estavam tomando as rédeas da construção de uma república a partir do fim do Império Otomano. Esses militares voltaram para o Brasil com uma concepção transformadora do Exército, que não era apenas de obediência ao poder civil. Foi daí que surgiu a doutrina do general Góes Monteiro, segundo a qual a questão militar não era mais somente militar, mas também envolvia a economia, a política e as questões sociais. O Exército passa a pensar o país a partir de uma visão mais ampla, não estritamente militar. Góes Monteiro participa da Revolução de 30, do governo Getúlio Vargas, do Estado Novo.

É neste contexto que surge a Escola Superior de Guerra, que começa a tentar formular um pensamento nacional que esteja acima dos partidos políticos, mas que tenha uma concepção ideológica e uma doutrina de ação política. Essa doutrina terá uma visão geopolítica, posições sobre as instituições políticas, sobre a cultura brasileira, questões psicossociais, além das questões estritamente militares. Eles desenvolverão uma concepção de poder nacional, que é a estratégia. Os fins são os objetivos nacionais e os meios são os poderes nacionais, ou o poder nacional que é composto por várias expressões. Quando conseguem consolidar esse pensamento, passam a ter uma expressão política, que envolve os três poderes constitucionais, o poder militar, que envolve as três armas e seus poderes auxiliares, a expressão econômica e a expressão psicossocial. Na década de 80, surge uma quinta expressão, que é a da ciência e tecnologia.

Desse emaranhado todo eles extraem também uma concepção sobre o papel do Estado na economia. Desde o início da consolidação dessa doutrina, está muito claro que defendem uma concepção de Estado regulador. O Estado não deve ser empresário, mas regulador, e o eixo da economia deve ser o mercado e a empresa privada. Ao Estado, nesta concepção, cabe agir como um ajustador das disfunções do capitalismo. Assim, a Petrobras é estatal não porque há uma convicção ideológica de que uma empresa desse tipo deve ser nacional e estatal. Nada disso. Não vi esse argumento nem na década de 70 nem na de 80.

Sul21: Não aparece a ideia da Petrobras como uma empresa estratégica para a soberania energética do país, que também é um elemento relacionado à segurança nacional?

Rodrigo Lentz: Mas isso não implica que ela seja estatal nem nacional. Há um histórico de disputa dentro das Forças Armadas, com a presença de grupos mais nacionalistas e estatistas que defendiam capital nacional e empresa nacional, com outra concepção sobre o papel do Estado. Mas com a limpa que aconteceu depois de 1964, essa disputa praticamente desapareceu. No início da ditadura, entre 1964 e 1967, o ministro da Economia era Roberto Campos, que é igual ao Paulo Guedes. Esses três primeiros anos foram super liberalizantes, de abertura total ao mercado e ao capital externo.

Mas essa orientação começou a dar errado. A minha hipótese de interpretação é que ocorre então uma intervenção do Estado na economia não por uma crença ideológica nacionalista, mas sim por uma questão de segurança. Em razão de um conjunto de ameaças e da insuficiência do setor privado para enfrentá-las, era necessária a intervenção do Estado. Isso está presente na doutrina militar. Ela tem um método de ação política onde eles vão identificando as ameaças e vão mobilizando todas as expressões, inclusive a econômica. Há cenários previstos na doutrina, por exemplo, onde é preciso estocar comida, estatizar certos setores de forma temporária, proibir o capital estrangeiro em determinadas áreas estratégicas. Mas tudo isso por uma questão de segurança nacional.

Então, se você me perguntar por que os militares não se opõem hoje à venda de empresas como Embraer, Petrobras ou Eletrobrás – e se a minha hipótese estiver certa – é porque eles não enxergam nestas operações uma ameaça à segurança nacional. Essa é a resposta que eu daria. Até bem pouco tempo era meio que proibido falar sobre segurança nacional, pois esse era um tema associado à ditadura. A própria esquerda interditou o debate sobre segurança nacional.

Sul21: O Livro Branco da Defesa Nacional, lançado em 2012, não faz esse debate?

Rodrigo Lentz: O Livro Branco propõe uma estratégia nacional do ponto de vista das relações externas e representa um grande avanço. Esse documento apresenta com transparência vários conceitos estratégicos e programáticos acerca do Estado nacional e da sociedade em geral, sob a perspectiva do Brasil para fora. Não fala nada do Brasil para dentro. E os maiores problemas políticos que estamos enfrentando dizem respeito ao Brasil para dentro.

Nós deixamos de conversar sobre esse conceito mais amplo de segurança e interditamos esse tipo de assunto. Fizemos de conta que ele deixou de existir dentro das forças armadas. Agora esse é o nosso grande problema. O sistema político não conseguiu responder à crise que o atingiu, especialmente a partir de 2013. Mais do que uma crise, na verdade, podemos falar de uma falência desse sistema que ruiu. O sistema de financiamento eleitoral ruiu, o modelo de representação política idem. E a resposta desse sistema não foi capaz de resolver os problemas que surgiram. Essa é uma das hipóteses que explicam por que os militares passaram a ser ativos nos acontecimentos a partir daí.

Sul21: As cenas de grandes multidões nas ruas protestando, em 2013, foi vista pelos militares como uma potencial ameaça à segurança nacional?

Rodrigo Lentz: Com certeza. Identificaram fortes pressões ao sistema político e as consideraram como uma potencial e contundente ameaça à expressão política do poder nacional e, consequentemente, às outras expressões desse poder. Não tenha dúvida disso. Quando um juiz de primeiro grau quebra o sigilo de forma ilegal, torna público o diálogo do comandante em chefe das Forças Armadas e o comando das Forças Armadas não dá um único pio e depois disso ainda condecora esse juiz, ficou claro que, quem estava dando suporte a esse juiz, eram eles, o que vem se confirmando cada dia mais.

No método de ação política dos militares aparece de modo muito claro o uso das instituições jurídicas e políticas para resolver os distúrbios funcionais do sistema político. Esse uso está previsto como uma das medidas preventivas que podem ser adotadas.

Sul21: Existe algum dissenso dentro das Forças Armadas em relação a essas questões ou esse pensamento é totalmente hegemônico?

Rodrigo Lentz: Sim. Tudo o que estou te dizendo compõem um quadro estrutural que vem formando o pensamento dos militares há mais de 70 anos. Nada se mexeu. O conteúdo desse quadro, sobre quais devem ser os objetivos nacionais, sobre como se interpreta a conjuntura política a partir das informações colhidas, quem faz essas interpretações, tudo isso é algo que muda. Há o fator humano aí que vai estar sujeito à ideologia, a preferências políticas, econômicas e profissionais. Dentro desse campo, há divergências.

Nosso grande problema é fazer um levantamento e conseguir entender todo esse quadro. Temos pouquíssimos contatos e pontos de diálogo e de comunicação. Posso dizer com segurança que os militares, em geral, sentem falta disso também. Eu sempre trabalhei com o tema da ditadura. Militar, para mim, era sinônimo de tortura, mortes, desaparecimentos, terrorismo de Estado. Essa era a imagem que eu tinha deles. Quando comecei a ter um contato mais direto com eles, por conta do meu trabalho em Brasília, conheci outra realidade. Há inclusive pessoas que podem ser consideradas de esquerda dentro das Forças Armadas. Existe um grupo de pesquisa no Rio que está fazendo um estudo, financiado pelo Ministério da Defesa, para pensar as forças armadas do século 21. Eles conseguiram aplicar um questionário para mais de nove mil oficiais e conseguiram fazer um perfil desses oficiais. O Exército tem uma boa distribuição em termos de classe social, mas não tanto em termos de raça. Mas dentro de suas fileiras há representantes de várias classes sociais.

Sul21: Em que medida os trabalhos da Comissão da Verdade impactaram a relação com os militares?

Rodrigo Lentz: A grande questão em relação, não só à Comissão Nacional da Verdade, mas à apuração do que aconteceu neste passado autoritário, é exigir que os militares façam uma auto-crítica, reconheçam seus erros e peçam desculpas quando várias instituições do Estado e da sociedade não fizeram isso. Isso causa uma certa indignação entre os militares, com razão eu diria. Nós vemos, por exemplo, a OAB, entidade da minha classe, se vangloriando como defensora da democracia e das liberdades individuais, quando ela apoiou o golpe de 1964. A CNBB apoiou o golpe de 64. Do mesmo modo o fizeram várias empresas de comunicação, a FIESP e o próprio STF para citar algumas instituições. Os militares pensam: tudo bem, nós somos os vilões da ditadura, fizemos o serviço sujo e vocês saem como os defensores da democracia. E nós temos que fazer a auto-crítica primeiro?

Sul21: Você referiu antes que o pensamento dos militares valoriza muito o princípio do realismo. Tendo esse princípio em mente, o que se pode dizer da relação dos militares com o presidente Jair Bolsonaro e figuras como Olavo de Carvalho? Uma relação que, em poucos meses de governo, vem sendo marcada por várias trombadas.

Rodrigo Lentz: Eu escrevi um artigo recentemente fazendo uma crítica a um ensaio do professor Costa Pinto, da Economia da UFRJ, que defendeu a existência de uma congruência ideológica dos olavistas com os militares a partir de uma doutrina do general Coutinho, um general da reserva que é muito ativo nas redes sociais. Ele faz uma série de críticas ao marxismo cultural e procura construir uma série de conceitos de algo que poderíamos chamar de anticomunismo do século 21. O comunismo e o marxismo não morreram com a queda do Muro de Berlim, diz ele, e desenvolveram uma roupagem nova com o politicamente correto, o marxismo cultural, a ideia de direitos humanos e por aí vai. Isso estaria quebrando a coesão dos valores tradicionais da sociedade. Costa Pinto tomou algumas declarações do Mourão e do Villas Boas dizendo que há um dissenso na sociedade que tem promovido a quebra da coesão nacional e que o politicamente correto está sendo usado contra essa coesão nacional.

No meu texto, eu sustento que não tem nada a ver uma coisa com outra. A ideia de coesão interna vem muito mais da visão orgânica de sociedade, baseada na teoria dos sistemas, do que de uma suposta congruência com a doutrina do general Coutinho. Os militares não endossam o olavismo. Já tivemos vários episódios demonstrando isso. A critica ao marxismo cultural não aparece no pensamento dos militares. Por serem realistas, eles não endossariam uma teoria dessas. O que eles têm em comum é a crítica ao sistema político em geral.

Há, é certo, uma certa convergência de valores conservadores. Os militares são uma instituição conservadora. O modelo de sociabilidade dos militares também desempenha um papel importante aí. O chefe da memória institucional da Escola Superior de Guerra, que é um tenente-coronel, está fazendo uma tese de doutorado em História onde sustenta que a ESG é uma maçonaria estatizada. Os militares caíram no colo do Bolsonaro muito mais por gravidade do que por convicção ideológica. O que eles têm em comum que não é trivial é uma mesma sociabilidade. Eles convivem em vilas militares, em casas de fraternidade da Maçonaria, da Rosa Cruz e outras organizações do tipo.

Sul21: Qual é o tamanho dessa presença da maçonaria?

Rodrigo Lentz: É fortíssima. Tanto entre os militares quanto no Judiciário. Eles têm um processo de sociabilidade muito comum que os aproxima. Eles consideram também que há um preconceito em relação aos militares em alguns setores da sociedade. Esse preconceito existe, em parte, porque o trauma da ditadura não foi enfrentado pela instituição militar e pelas instituições civis. Esse trauma e esse preconceito vão continuar até essa questão seja resolvida. A instituição militar precisa entender também que eles não precisam carregar esse fardo. Os militares se posicionaram fora do sistema político pós-1985. Essa turma do Bolsonaro, embora estivesse dentro, era um desvio do sistema. As próprias intervenções do Bolsonaro sempre foram à margem da Constituição de 1988.

Sul21: Essa aproximação parece ter se acentuado significativamente na campanha eleitoral de 2018, não?

Rodrigo Lentz: Eu acho que os militares estavam por trás da guerra tecnológica na campanha eleitoral. É praticamente impossível que não estivessem. É uma técnica (de guerra eletrônica) que eles dominam mais do que qualquer outro civil. Eles têm um batalhão de guerra eletrônica e formaram oficiais para atuar especialmente em redes sociais. Além disso, fazem operações psicológicas com base na tecnologia desde a década de 60. Desde 1966 o Exército brasileiro organiza cursos de operações psicológicas.  Em 2009, foi criado o Comando de Comunicações e Guerra Eletrônica do Exército (CCOMGEX), com um batalhão especializado em guerra eletrônica.

Sul21: Quando esteve em Porto Alegre, há alguns dias, o general Mourão disse que o Brasil estava sendo alvo de uma guerra cibernética, referindo-se às mensagens divulgadas pelo The Intercept envolvendo o ex-juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol.

Rodrigo Lentz: O Brasil sempre esteve em guerra, na visão dos militares. Os militares sempre estão em guerra, mesmo em tempos de paz. Quem é o inimigo objetivo hoje? O inimigo objetivo já existia, mesmo antes dos comunistas. Os métodos usados contra a oposição política, no período pós-64, já eram usados contra os presos comuns: os instrumentos de tortura, os esquadrões da morte, tudo isso já existia. A própria Lava Jato fez uso de métodos que eram largamente aplicados pelo direito penal brasileiro, especialmente contra negros pobres. Quem é do direito criminal sabe bem disso. Então, nem o sistema nem os instrumentos são novidades. A novidade é o alvo. Eu não sei as Forças Armadas têm hoje a Rússia e a China como inimigos como no tempo da Guerra Fria. Está tudo muito solto, não tem uma doutrina que afirme isso. Há um alinhamento geopolítico com os Estados Unidos que é doutrinário e tem uma longa tradição.

Como é que o campo democrático se posiciona diante desse cenário? Nosso grande problema é a falta de informação. Não temos um nível de informação minimamente razoável para definir nossa ação política nesta conjuntura. Especula-se demais, projeta-se muito mais do que o que realmente existe e, assim, a tendência de erro é gigantesca, como ficou demonstrado nos últimos cinco anos. O que se errou neste período foi uma barbaridade.

Sul21: Vários oficiais que desempenharam funções de comando na missão internacional chefiada pelo Brasil no Haiti assumiram postos no primeiro escalão do governo Bolsonaro. De que maneira, essa experiência no Haiti pode ter afetado a visão dos militares brasileiros sobre a situação interna do Brasil?

Rodrigo Lentz: Desde o nascimento da República, os militares jamais abandonaram o papel de atuar como uma espécie de poder moderador. No Haiti, e em outras missões internacionais, os militares foram chamados a se envolver na política. Os militares começaram a executar os planos dessas missões e a ver problemas que não eram resolvidos pelos civis. A área da segurança pública é um ótimo exemplo disso. Os militares foram chamados pelos civis para se envolver mais neste problema. Chega um ponto que eles se dizem: se os civis não conseguem resolver, nós temos que resolver. Os generais que foram para as missões externas passaram a desempenhar boa parte das funções do Poder Executivo. Eles eram os articuladores políticos e os donos da ordem.

Então, o Haiti foi um ótimo laboratório e eles voltaram para o Brasil com todos os problemas que o país tinha, com um sistema político desacreditado e uma estrutura de financiamento eleitoral falida, estimulando ativismo que está no DNA das forças armadas desde o nascimento da República. Não é à toa que são justamente esses oficiais que estão no governo Bolsonaro. É quem as Forças Armadas têm de melhor para desempenhar essas funções. Não tenho dúvida nenhuma que eles estão estudando e planejando o que devem fazer para os próximos anos. Não é uma entrada pueril. Nós vamos ver os militares na política por um bom tempo. O desafio é como integrá-los na política sem perder a soberania democrática, civil e popular, que está submetida às ruas e não a uma interpretação dos anseios populares definida na doutrina dos militares.

Editoria: Entrevistas, z_Areazero – Palavras-chave: Bolsonaro, Escola Superior de Guerra, Haiti, Lava Jato, Maçonaria, militares, pensamento militar, Rodrigo Lentz

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MAIS TRABALHADORES TERÃO QUE TRABALHAR AOS DOMINGOS E FERIADOS

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MAIS TRABALHADORES TERÃO QUE TRABALHAR AOS DOMINGOS E FERIADOS

Dentre os novos segmentos atingidos está o comércio em geral / Foto: Adriano Rosa/SindiVarejista Campinas

Decisão do governo Bolsonaro amplia setores autorizados a convocar empregados.

Brasil de Fato – Pedro Rafael Vilela – Brasil de Fato | Brasília (DF) – O secretário especial de Previdência e Trabalho do governo federal, Rogério Marinho, assinou no mês passado uma portaria que ampliou para 78 os setores da economia que tem autorização permanente para que funcionários trabalhem aos domingos e feriados. Até então, eram 72. Os novos segmentos que a portaria inclui são: indústria de extração de óleos vegetais e de biodiesel; indústria do vinho e de derivados de uva; indústria aeroespacial; comércio em geral; estabelecimentos destinados ao turismo em geral; e serviços de manutenção aeroespacial.

Na prática, o que o governo faz é ampliar as exceções à regra, já que o trabalho aos domingos e feriados é proibido na maioria das profissões. O trabalhador tem assegurado o direito de descanso semanal de 24 horas consecutivas, sendo que, com exceção “de conveniência pública ou necessidade imperiosa do serviço, deverá coincidir com o domingo, no todo ou em parte”, como estabelece o artigo 67 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

“Essa portaria amplia as categorias que podem trabalhar aos domingos. O mais importante é que torna de caráter permanente e não eventual. A maioria das convenções coletivas diziam que precisava de autorização [para o trabalho aos domingos e feriados] e agora não precisa mais dessa autorização”, explica a advogada trabalhista Lariane Del-Vechio, do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados. Para Lariane, os trabalhadores desses novos setores serão prejudicados pela mudança na regra.

“Agora, como fica autorizado o trabalho ao domingo, tornando esse um dia ‘normal’ para essas categorias, os trabalhadores não vão mais receber dobrado por trabalhar aos domingos, mas apenas a compensação de um dia de folga durante a semana”, argumenta.

Na opinião de Graça Costa, que é secretária de Relações Trabalhistas da Central Única dos Trabalhadores (CUT), a portaria mostra um viés autoritário do governo. “A CLT determina a jornada de trabalho e os setores liberados para trabalho aos domingos e feriados. E agora o governo Bolsonaro vem com essa novidade de legislar por portaria. A gente considera a medida ilegal”.

Um dos argumentos usados por Rogério Marinho no dia do anúncio da medida foi que ela geraria mais empregos, num país que amarga cerca de 13 milhões de desempregados. A previsão é contestada por Graça Costa. “Na nossa visão, a medida não gera emprego, não vai melhorar a questão do desenvolvimento do país, para tirar o Brasil do desemprego e vai aumentar a carga de trabalho desses que já estão trabalhando”.

A advogada Lariane Del-Vechio também duvida dos efeitos positivos da portaria para a economia. “A gente precisa ver o reflexo disso na prática, porque a reforma trabalhista também tinha a ideia de criar mais empregos e a gente que viu que não gerou mais empregos”, afirma.

Mesmo com autorização para que mais empregados trabalhem aos domingos e feriados, Lariane Del-Vechio ressalta que, do ponto de vista jurídico, prevalece o disposto na CLT sobre descanso preferencial e mesmo esses novos setores deverão garantir pelo menos um domingo de folga por mês aos seus funcionários.

“A cada três domingos trabalhados, deve ter um domingo de folga. E a empresa deve fazer uma escala de revezamento”, explica.

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