MÃES ALERTAM SOBRE FIM DO MECANISMO DE COMBATE À TORTURA NOS PRESÍDIOS: ‘VAI MORRER GENTE DEMAIS’.

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MÃES ALERTAM SOBRE FIM DO MECANISMO DE COMBATE À TORTURA NOS PRESÍDIOS: ‘VAI MORRER GENTE DEMAIS’.

Alessandra Félix começou a lutar contras as violações de direitos depois de acompanhar as passagens de seu filho, Israel, no socioeducativo do Ceará | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

Paloma Vasconcelos – Ponte conversou com duas mães que lutam por melhores condições no sistema prisional de Ceará e Goiás, estados com mais torturas no país, para mostrar a importância do Mecanismo; há um mês, presidente Jair Bolsonaro exonerou todos os peritos do órgão.

“Eu sou Alessandra Felix, mãe do Israel. Eu gosto muito de falar meu nome e sobrenome porque o racismo institucional me chama de ‘mãe do preso’. Então a gente precisa reafirmar o nosso nome e o nosso sobrenome e os nossos filhos também. Eu sou periférica, mulher negra, pedagoga, professora e mãe do Israel”, é assim que Alessandra começa a entrevista concedida à Ponte.

Alessandra Félix, 29 anos, é uma das mães do movimento Vozes de Mães e Familiares do Socioeducativo e Prisional do Ceará. Ela teve contato com o MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura) durante as passagens de seu filho, Israel, 20 anos, em centros socioeducativos e no sistema prisional. Dos 14 aos 18 anos, o jovem passou por diversos centros socioeducativos. Aos 20, foi preso no sistema prisional. Alessandra sabe a importância do órgão e teme pelo seu fim.

Há exatamente um mês, em 10 de junho, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) exonerou todos os peritos do Mecanismo de Combate à Tortura. O MNPCT é responsável por investigar violações de direitos humanos em locais de privação de liberdade, como penitenciárias, hospitais psiquiátricos e abrigos de idosos. Entidades de direitos humanos denunciaram o decreto do governo à ONU, mas Bolsonaro não voltou atrás.

Nesse período de visitas à Israel, Alessandra começou a notar que ele estava passando por diversas violações de direitos. “A história que eu conto não é só minha, é de todas as famílias. A nossa pauta prioritária era garantir os direitos básicos para os meninos, como água, comida e visita. A gente queria visitar os nossos filhos e que parassem de espancar eles. Nesse contexto todo, os meninos começaram a sair e serem assassinados, então passamos a ter uma segunda bandeira, que era a bandeira da memória e da justiça. Começamos a falar que os meninos estavam sendo mortos”, explica Felix.

Percebendo o modus operandi do Estado, tanto no socioeducativo quanto no sistema prisional, Alessandra começou a mobilizar as famílias para que as denúncias começassem a aparecer. “Denunciamos para a Defensoria Pública, que entrou e não atestou tortura. Denunciamos para a OAB, que entrou e não viu nada. Denunciamos para o Ministério Público, que também não viu nada. Aí pedimos para que viesse o Mecanismo de Combate à Tortura”, relembra.

Só com a chegada dos peritos do MNPCT, os familiares começaram a ter apoio. “Eles conversaram com a gente e pelas nossas narrativas já sabiam o que iam encontrar. Foram lá, fizeram uma inspeção e viram, detectaram, atestaram, documentaram. São pessoas preparadas para isso. Que bom que eles vieram, porque hoje nós temos esse documento (leia aqui). Enquanto o portal de transparência do Estado mostra que está tudo bem, o Mecanismo mostra o contrário. Quem é que vai contrapor essa narrativa do Estado além do Mecanismo?”, indaga Alessandra.

Israel desenha como funciona o sistema prisional para mostrar para a mãe as violências do Estado | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

Para Alessandra, a educação de Israel foi institucional, já que ele passou a adolescência sob tutela do Estado. “Israel tem uma educação institucional. Hoje, para eu ver meu filho, eu atravesso dez portões – desde a entrada do presídio até chegar ele, são dez portões. Quando ele vem, ele vem com a bíblia e a mão na cabeça. O agente prisional aponta uma arma de cano muito longo ou para a cabeça ou para o peito de meu filho. Isso é uma memória muito viva. Eles são condicionados o tempo inteiro à violência”, diz a mãe emocionada.

Em Goiás, a situação dos centros socioeducativos e dos presídios não é diferente das prisões do Ceará. Há um ano, em maio de 2018, dez adolescentes foram queimados vivos no Centro de Internação Provisória, instalado no 7º Batalhão da Polícia Militar de Goiás. Assim como notificou o El País, o governo de Goiás reconheceu responsabilidade nas mortes e indenizará as famílias.

Lucas Rangel Lopes, 16 anos, estava entre as vítimas fatais. O jovem estava preso há 6 meses e vivia em uma cela superlotada, sem escola, banho de sol, roupas e muitas vezes material de higiene. O único benefício que os meninos tinham era jogar bola por 40 minutos, depois de realizar a faxina do presídio. Em entrevista à Ponte, a auxiliar de cozinha Luciana Ferreira Lopes, 34 anos, mãe de Lucas, conta que só teve acesso ao Mecanismo de Combate à Tortura depois da morte do filho.

“Até então eu só ouvia falar, não conhecia. Quando nossos filhos vão para lá, não temos nenhuma instrução de onde temos que ir, para quem podemos pedir apoio. As mães ainda não sabem quem são as pessoas, não sabem a quem recorrer. Ficamos sozinhas, abandonadas, sofrendo as humilhações de lá de dentro e não sabemos para quem falar”, conta. “Nossos filhos são agredidos lá dentro. Meu filho foi esfaqueado uma vez e eu não sabia para quem recorrer. A questão de maus tratos, de apanhar, ele sofreu isso e eu não sabia. Vim saber a quem procurar depois que o meu filho morreu”, afirma Luciana.

Lucas é um dos dez jovens mortos queimados dentro de um centro socioeducativo de Goiás | Foto: arquivo pessoal

Lucas foi preso aos 16 anos acusado de roubar uma moto com um amigo. Foi a própria Luciana que levou o filho para a delegacia em novembro de 2017. Depois que Lucas foi encaminhado para o centro socioeducativo, a mãe o visitava uma vez por semana: toda quinta-feira, das 8h às 11h, a agenda de Luciana estava reservada para passar um tempo com o filho.

Luciana teme que, sem o Mecanismo, mais mortes podem acontecer. “Se com eles atuando já acontece tanta morte, tanta tortura, tanta agressão dentro dos presídios, tanto para menores de idade quanto para maiores, sem esse pessoal vão sumir pessoas. Vão ter mães que vão chorar e não vão ter um corpo para velar. Muito mais do que já tem. Sem o Mecanismo vai ser pior”, projeta. “Esse Mecanismo é um pouco de segurança que eles têm. Sem o Mecanismo… eu não desejo para ninguém o que eu passo, mas sem esse Mecanismo eu sei que muitas mães vão passar por tudo isso que eu estou passando. O Estado não nos ajuda, o Estado não nos ampara. Eles tiram os nossos filhos e tiram o nosso direito de exercer a nossa cidadania. Sem esse Mecanismo vai morrer gente demais. Muito mais gente”, suspira a mãe.

A história de Israel e Alessandra

Falar da história de Israel e Alessandra é falar também do atual cenário vivido atualmente dentro dos centros socioeducativos do Ceará, já que há seis anos o jovem vive dentro do sistema prisional. Para contar o todo, é preciso voltar em 2010, quando, aos 19 anos, Alessandra passou de irmã à mãe de Israel.

Israel foi adotado pela mãe de Alessandra quando vivia em uma situação de abandono e de violência. Com a sua morte, como os documentos da adoção ainda estavam em trâmite, Alessandra assumiu a responsabilidade e terminou o processo. Na cidade interiorana do Ceará, Ibiapina, que fica cerca de 300 km da capital Fortaleza, Alessandra se tornou mãe do pequeno Israel.

“Minha mãe era nossa base, era o equilíbrio de tudo. Com ela, eu poderia estudar e trabalhar e ele era a criança da casa. Quando ela falece tudo se torna muito mais difícil, pois eu trabalhava o dia inteiro como professora em uma escola e estudava de noite, fazia faculdade, estava no meu processo de formação em pedagogia”, conta Félix.

Alessandra Felix esteve em São Paulo para participar do segundo dia do Seminário Internacional Amparar | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

“Com isso, Israel começa a ficar em casa sozinho, crescendo em um contexto muito ruim. Não se tinha nessa época facções criminosas como existe hoje no estado do Ceará, que é todo dominado, mas já se tinha gangues e tinham os meninos que usavam drogas. Mas eu precisava trabalhar, era mãe solteira e precisava dar uma qualidade de vida melhor para ele e para mim”, continua Alessandra.

Até os 13 anos, a rotina de Israel era estudar pela manhã e parte da tarde e esperar sua mãe retornar para casa de noite, depois da faculdade. Alessandra contava com a ajuda de vizinhos para ver se estava tudo bem com seu filho. Mas, aos 14 anos, a dinâmica das coisas mudou. Alessandra teve o primeiro contato com o Conselho Tutelar depois de Israel se envolver em uma briga na escola. Na mesma época, o menino decidiu procurar sua família biológica. Alessandra e Israel agora estão em Fortaleza, capital do Ceará.

“Ele nunca se afastou totalmente da família biológica, sempre teve contato com a mãe, com todos seus problemas, e eles se aproximaram mais. Aí foi quando tudo começou. Eu não justifico que tenha sido ela e nem atribuo essa culpa, mas a permissividade dela. Lá ele podia fazer tudo o que queria, estar com quem queria e fazer o uso do que queria, dificultou muito na educação que eu tentei propor, mediar para ele”, relembra Alessandra.

A primeira passagem de Israel pelos centros socioeducativos acontece nessa época, mas Alessandra só soube depois. “Ele foi apreendido e eu nem soube, ele passou o telefone de outra pessoa, falou que eu morava no interior e foi liberado. Ele tava promovendo bagunça com outros meninos. Na segunda vez, Israel estava cometendo pequenos furtos e foi encaminhado para o Semiliberdade Martir Francisca, que tem liberdade assistida, e foi a primeira entrada em centros socioeducativos”, explica.

Poeta, Israel usa as tampas das quentinhas para escrever poesias | Foto: Maria Teresa Cruz/Ponte Jornalismo

No mesmo período em que Israel começava a sua trajetória com o sistema prisional, Alessandra aprendia direitos humanos e lia sobre o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) na faculdade. Até esse momento, Félix acreditava que o Estado estava ali para ajudar, mas percebeu que a realidade era bem diferente.

“Ele começou a ter contato com os meninos que tinham outras experiências dentro dos centros. É isso que os centros fazem. O Israel deu uma piorada no seu comportamento depois da estadia dentro dos centros, por causa das trocas que eles fazem, por conta do ócio, por conta das metodologias que não são alcançadas, a objetividade dos próprios centros”, explica a professora.

Pouco depois, em 2015, os centro socioeducativos de Fortaleza passavam por rebeliões severas por causa de maus tratos e das torturas. “Nesse período, os meninos estavam sempre sinalizando: a gente apanha, a gente passa fome, a gente passa sede. E nós, as mães, não acreditávamos muito naquilo, como que podia o Estado propor isso? Chegávamos lá e muitas vezes eles estavam machucados, eu cheguei a ver o Israel machucado, roxo. E eles falavam que não era nada. O Israel já chegou a me dizer que foi o orientador que bateu nele. Mas a gente achava que aquilo era normal, que era disciplina”, conta Alessandra.

Depois de duas grandes rebeliões, no centro São Miguel e São Francisco, um para jovens de 16 anos e o outro para 15 anos, respectivamente, em que os jovens quebraram os dois centros, Alessandra se deparou com a primeira morte. “Um guariteiro atirou contra um menino chamado Márcio e ele saiu entre a vida e a morte do centro. Os que não foram espancados, se esconderam. Foi ali que começamos a nos preocupar com o que estava acontecendo”, explica.

Como os centros foram destruídos, o Estado levou os menores para duas escolas de Fortaleza. “Fecharam as escolas e colocaram eles lá. Foi um fim de semana torturante. As pessoas vizinhas das escolas escutavam os gritos e os latidos dos cachorros enviados para conter os meninos. O Estado resolve, depois disso, mandar os meninos para um presídio em Aquiraz, que é onde contém todo o complexo de penitenciárias aqui do Estado. Israel foi para lá porque não tinha como superlotar os centros daqui. Ele estava com 16 anos nessa época”.

‘Em Aquiraz foi onde tudo começou’

Com a mudança de endereço, as visitas firam mais difíceis. A mães foram avisadas apenas quando chegaram na porta dos centros socioeducativos que seus filhos foram encaminhados para outro município, a cerca de 33 km de distância.

“Eles mandaram uma van para irmos a Aquiraz. Quando descemos lá, não passamos da porta do complexo de cadeias. Eles não permitiram. Ficamos tentando chamar a mídia para denunciar aquilo, tinha muita mãe chorando, muita mãe passando mal. Sabíamos que meninos tinham sido machucados. Nisso eu começo a entender que o Estado não nos acolhe, não nos dá informações”, relembra Alessandra.

Os jovens foram encaminhados para uma unidade militar em Aquiraz, que foi reformada com urgência para recebê-los. “Os banheiros não tinham sido concluídos, os meninos começaram a fazer suas necessidades dentro de quentinhas [o recipiente das marmitas]. Não tinha água na caixa d’água. Achamos que as coisas fossem melhorar, mas foi lá que toda a tortura, toda violação que eles poderiam passar foi piorada”, conta Félix.

Um dos desenhos de Israel mostrando para mãe como é a vida dentro do presídio | Foto: Maria Teresa Cruz/Ponte Jornalismo

Nas visitas que se seguiram, Alessandra começou a não reconhecer mais seu filho. Foi nesse período que o adolescente mais teve contato com as drogas. “O Estado viciou o meu filho. Quando chegava lá, os meninos que não estavam drogados estavam dopados, não tinham uma direção. Foram colocadas ali pessoas na pressa para dar uma resposta. Foi um período muito ruim”, desabafa a mãe.

Em 2016, uma nova rebelião acontece depois que comidas azedas foram oferecidas aos jovens, que se revoltam e jogam as “quentinhas” fora. No dia seguinte vem a punição. “Trinta orientadores fizeram uma roda na quadra, abriram todas as vivências [celas] e espancaram os meninos. Foram 113 meninos machucados e o Israel foi um deles”, conta Alessandra.

Dos centros socioeducativos ao sistema prisional

Em 2018, aos 18 anos, Israel finalmente saiu de vez dos centros socioeducativos. Era a chance de começar de novo. Mas a realidade das ruas é outra: agora Fortaleza está tomada por facções criminosas, principalmente o CV (Comando Vermelho).

“Percebi que o Estado transformou meu filho em uma pessoa pior. Eu compreendi que ele precisava ser responsabilizado pelos atos infracionais deles, mas não da maneira que o Estado faz, que é na base do espancamento e da violação da própria identidade dele. O Israel chegou a tomar cinco tiros, mas graças a Deus ele sobreviveu a isso”, confessa Alessandra.

Com medo do filho ser assassinado, Alessandra manda Israel para o interior do Ceará. Durante meses, Israel procura por um emprego, mas sem sucesso. Para sobreviver, o jovem encontrava apenas bicos. Pouco tempo depois, Alessandra decide mandar o filho para o Rio de Janeiro, para morar com a tia. Mas, como também não consegue um emprego, aos 19 anos ele retorna para Fortaleza.

“Quando ele retorna, procuramos por muito tempo por um emprego. Tentamos impulsionar ele para muitas coisas, mas infelizmente, e eu culpo o Estado, existe uma polícia repressiva da minha cidade, onde não há equipamentos públicos de cultura que possamos acessar. Não há segurança para isso. Quando a polícia aparece é para reprimir, não para guardar a vida dos meninos. E com isso ficou muito difícil do Israel transitar. Eu fui pedir autorização para os donos do bairro, para as pessoas envolvidas com facção, pela vida do meu filho”, critica Alessandra.

Quando o Estado não chega, garante Alessandra, outros poderes chegam. Foi nessa época que o tráfico chegou na vida de Israel. “O Israel começou a usar novamente. Ele foi preso de novo, completou 20 anos dentro do sistema prisional. Aí eu levantei outra bandeira, porque os nossos filhos, a geração de 2013, 2014 e 2015, eles todos, os que não foram assassinados migraram para o sistema prisional. Eu hoje sou uma mãe do sistema prisional”, lamenta.

O maior medo de Alessandra é que Israel vire um homem faccionado. “Se ele se faccionar é como se eu tivesse perdido essa luta para o Estado. Se faccionar dentro de um presídio é uma questão de sobrevivência, porque o Estado não te garante segurança, não te garante nada”, conta.

Para evitar isso, Alessandra pede para o filho usar todas as suas energias nas poesias. Como não há papel lá dentro, o jovem usa as tampas das quentinhas para escrever. É pelo afeto que Alessandra, e muitas outras “mães do enfrentamento”, tentam recuperar seus filhos.

Israel usa as tampas das quentinhas para escrever suas poesias | Foto: Maria Teresa Cruz/Ponte Jornalismo

“Quem conhece um presídio é quem mora dentro de um, quem trabalha e quem visita. Fora isso, ninguém tem autorização ou propriedade de fala para dizer o que se passa lá”, defende Alessandra. “Vemos esses meninos crescendo, acompanhamos o processo de escolarização, queremos que eles sejam pessoas boas. Mas, infelizmente, eles desviam suas condutas. Isso não se apaga das nossas memórias, do nosso coração”, lamenta. “Talvez seja nesse momento que a gente mais se aproxima porque é o momento em que eles mais estão precisando da gente. Eu o amo incondicionalmente. Eu sei que sou uma luz na vida dele, porque nós, as famílias, somos a única humanização que uma pessoa privada de sua liberdade tem”, conclui.

POLÍTICAS PREVENTIVAS DE HIV/AIDS ESTÃO AMEAÇADAS, DIZEM ESPECIALISTAS

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POLÍTICAS PREVENTIVAS DE HIV/AIDS ESTÃO AMEAÇADAS, DIZEM ESPECIALISTAS

AUMENTO DE CASOS ENTRE JOVENS DE 15 A 24 ANOS PREOCUPA

Carta Capital – GIOVANNA GALVANI – Há restrição a campanhas de conscientização mais incisivas e diretas, corte no apoio às ONGs e muita apreensão. Nos anos 80, o início da epidemia mundial de Aids deu à palavra o peso de estigmas, preconceitos e desconhecimentos frente a uma doença que se assemelhava a um veredito de morte. Os anos passaram e o cenário mudou. Houve avanço. Houve aceitação e respeito. E agora há mudança de direção: depois de anos de pesquisas e de se tornar referência no tratamento de pacientes infectados com HIV e diagnosticados com Aids, o Brasil decidiu retroceder.

Em maio, o Ministério da Saúde decidiu alterar o nome do Departamento de ISTs, Aids e Hepatites Virais para Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. A retirada do nome da doença que ainda mata 12 mil pessoas por ano no Brasil foi vista com preocupação pelas organizações que fizeram com que o País caminhasse para superar a doença, mas demonstram um caminho há tempos percorrido – o da supressão das estratégias que visam a prevenção à doença.

“A retirada do nome favorece a invisibilidade crescente da epidemia nas políticas públicas, assim como favorece a desmobilização de Estados e municípios. Seguindo o exemplo do ministério de retirar o nome, pode estimular mais negligência ou banalização da epidemia”, avalia Veriano Terto, vice-presidente do Observatório Nacional de Políticas de AIDS.

Para Ligia Kerr, médica sanitarista, epidemiologista e professora titular aposentada da Universidade Federal do Ceará, uma das razões que colocou o Brasil na vanguarda do tratamento gratuito e efetivo para HIV e Aids foi a união entre sociedade civil e membros de organizações pela causa – que carregavam consigo dados técnicos e informações precisas. “Isso permitia uma reflexão o tempo todo sobre onde e como precisávamos mudar”, diz Kerr.

A pesquisadora afirma que as mudanças, no entanto, não são de hoje e se acumulam desde 2012, ainda sob gestão de Dilma Rousseff. “O novo nome é uma consolidação, no sentido de dizer: ‘estamos dando tão pouca importância que vamos tirar até o nome Aids disso daí’ ”, afirma. Para ela, a restrição a campanhas de conscientização mais incisivas e diretas e o corte no apoio às ONGs consolidaram esse cenário.

“Em uma pesquisa que fizemos em 2012, cerca de 550 homens em um total de quase 4200 descobriu apenas na hora que era infectado com o HIV”, relata Kerr. “Há um crescimento grande na população jovem e de classes mais baixas. Para eles, Aids não é mais problema porque já tem tratamento.”

Contraponto

O Ministério da Saúde foi notificado pelo Ministério Público Federal no dia 24 de junho, por maiores explicações sobre como vem sendo dada a continuidade e eficiência da política brasileira de enfrentamento ao HIV/Aids. A resposta deveria ser dada em um prazo de 15 dias, mas ainda não foi concluída.

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que “a estratégia de resposta brasileira ao HIV não será prejudicada com a reestruturação da Secretaria de Vigilância em Saúde. A intenção do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis é trabalhar com as doenças mais comuns nas populações com maior vulnerabilidade e com os mesmos condicionantes sociais.”

“O Brasil é reconhecido internacionalmente pelo protagonismo e pioneirismo na assistência ao paciente com HIV/Aids. A ampliação da assistência e a melhoria do diagnóstico são ações que continuarão sendo adotadas pelo departamento, visando garantir acesso ao tratamento e melhoria da qualidade de vida dessa população”, diz o Ministério.

Para Veriano, a diferença de prevenção, contágio e tratamento entre o HIV, sífilis e tuberculose, que são citados pelo governo, causa desconfiança. “São doenças de dinâmicas epidemiológicas, de vias de transmissão diferentes, com impactos sociais muito diferenciados – tanto na vida individual quanto na coletiva.”

Para o pesquisador, o prenúncio de um conservadorismo que ‘arrase terras’, como tem ocorrido com o meio ambiente e a educação, pode prejudicar os empenhos em divulgar informações responsáveis sobre a prevenção de HIV, Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis – uma temática que passa, necessariamente, por discussões de sexualidade.

“A gente não vai poder explicar para um adolescente o que é sífilis e como se previne falando em abstinência sexual. Não funciona assim. Os dados do Ministério mostra que os jovens começam a idade sexual no Brasil aos 13 e 14 anos. Qual é a família que vai orientar? Muitos não conseguem”, analisa Terto.

“Sem informação e oportunidade de discussão e espaço seguro de fala e escuta, as pessoas não podem refletir, escolher e tomar decisões mais bem informadas e mais racionais sobre a vida sexual”, conclui.

“POLÍTICA DE BALCÃO”: OS BASTIDORES DA APROVAÇÃO DA REFORMA DA PREVIDÊNCIA NA CÂMARA

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Plenário da Câmara dos Deputados votou texto da reforma da Previdência em clima eletrizante e sob protestos de opositores / Michel Jesus/Câmara dos Deputados

Saiba os detalhes da votação, que se deu em meio a protestos e instabilidade política nesta quarta-feira (10)

Cristiane Sampaio – Brasil de Fato | Brasília (DF) – A reforma da Previdência foi aprovada em primeiro turno na noite desta quarta-feira (10), na Câmara dos Deputados, sob protestos das siglas PT, PSOL, PCdoB, PSB, PDT e Rede, que orientaram seus membros a votarem contra a proposta.

Do outro lado da disputa, estiveram PP, MDB, PTB, PL, PSD, PSDB, DEM, Solidariedade, Podemos, Pros, PSC, Cidadania, Novo, Avante, Patriota, PHS e PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, que pediram aos correligionários um voto favorável à medida. O PV, que tem quatro membros, liberou a bancada para votar livremente, tendo registrado dois votos de cada lado.

O placar terminou em 379 votos a favor e 131 contrários, com a participação de 510 dos 513 parlamentares da Casa.

“É uma decisão lamentável de uma maioria que votou olhando apenas os números, sem ver as pessoas. É preciso achar o equilíbrio ideal entre estes dois lados, para que a dose do remédio não vire veneno, tanto para o povo como para a nossa economia. Infelizmente, não foi isso que vimos aqui hoje”, disse o líder da oposição na Câmara dos Deputados, Alessandro Molon (PSB-RJ), ao ressaltar que os parlamentares do campo defendem mudanças no sistema previdenciário, mas rejeitam as regras propostas pelo governo.

“Essa fatura será cobrada da Câmara quando o povo brasileiro sentir na pele os efeitos das crueldades aprovadas esta noite. Tenho certeza de que a Casa será obrigada a rever essa decisão mais à frente”, acredita Molon.

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 6/2019, nome técnico da reforma, entra agora na fase de votação dos destaques (sugestões de alteração) e, depois, precisa de um segundo turno de votação, que pode ocorrer ainda esta semana.

Em linhas gerais, o texto aprovado exige idade mínima para requerer aposentadoria, fixando a norma em 65 anos para homens e 62 para mulheres, impõe alterações no cálculo dos benefícios e regras de transição para quem está na ativa atualmente. Também determina, por exemplo, que o piso do benefício será de 60% da média das contribuições feitas pelo trabalhador, enquanto exige 40 anos de contribuição para ter direito a 100% dessa marca.

“É a reforma mais perversa e mais cruel que um presidente encaminhou a esta Casa. Nem nos tempos do FHC e do Temer [foi assim]. Todos queriam reforma. O Lula fez, a Dilma fez, mas ninguém teve a ousadia que o Bolsonaro está tendo de quebrar a ordem constitucional e fazer a mais drástica e ampla restrição de direitos”, criticou o deputado José Guimarães (PT-CE), um dos articuladores políticos da bancada petista.

“Eu duvido que cada um desses deputados que votam na reforma tenha coragem de voltar às suas cidades para apertar a mão do motorista, do operário da construção civil, do cobrador de ônibus, daqueles que fazem a vida das cidades e do Brasil crescer e dizer ‘olha, eu pedi o seu voto ano passado para ser deputado em Brasília e agora estou voltando para dizer que aprovei uma reforma da Previdência que ferra com sua aposentadoria’”, provocou Lídice da Mata (PSB-BA) durante os debates desta quarta, que se deram em clima eletrizante.

Obstrução

A oposição tentou insistentemente obstruir o processo de votação e utilizou, para tanto, recursos previstos no regimento para desacelerar as sessões da PEC. Na sessão desta quarta-feira, um requerimento de retirada de pauta, por exemplo, terminou com o placar de 334 votos contrários e 29 favoráveis, com três abstenções.

Na terça (9), quando começou oficialmente o debate no plenário, um requerimento do campo pediu a retirada da proposta de pauta. O resultado, no entanto, foi favorável aos aliados do governo, que exerceram pressão do outro lado para atropelar as discussões.

Um requerimento apresentado pelo PSL, partido de Bolsonaro, para encerrar o debate e agilizar o processo de votação, por exemplo, terminou em 353 votos favoráveis e 118 contrários. O placar serviu de termômetro para indicar a configuração de forças que se revelaria adiante na votação da PEC.

Instabilidade

A tramitação da reforma até a fase atual de análise teve como traço fundamental a instabilidade política. Apesar das fortes investidas de Rodrigo Maia, considerado o embaixador da proposta no Poder Legislativo, nos últimos meses, o andamento da PEC cambaleou diante de uma soma de intempéries que cercam a gestão Bolsonaro.

Os problemas de articulação política do governo, que ainda não formou uma base oficial de partidos apoiadores na Câmara, e a impopularidade da reforma tiveram destaque entre os elementos da disputa, que se manteve em nível de insegurança até esta quarta-feira.

Na terça (9), enquanto o Palácio do Planalto e aliados afirmavam ter uma média de 320 a 340 votos, cálculos feitos pela oposição após consulta aos parlamentares da Casa apontavam que o governo não teria mais de 260, segundo anunciado pela líder da minoria, Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Como os nomes dos apoiadores de cada lado não foram publicamente divulgados, o placar da corrida esteve imerso em dúvidas até o momento da votação.

Por consequência desse cenário, os últimos dias foram marcados por intensas articulações de ambos os lados, com diversas reuniões paralelas nos bastidores de Brasília para tentar alinhavar apoios.

A instabilidade fez com que o governo investisse, mais uma vez, num troca-troca de parlamentares. Os ministros Onyz Lorezoni (Casa Civil), Marcelo Álvaro Antônio (Turismo) e Tereza Cristina (Agricultura), que têm mandatos de deputado federal e estavam licenciados para atuar no Poder Executivo, foram exonerados temporariamente por Bolsonaro para retornar à Câmara e garantir mais três votos em favor da PEC no plenário.

O ministro da Cidadania, Osmar Terra, que também tem mandato na Casa, não passou pelo mesmo procedimento porque tem como suplente o deputado Darcísio Perondi (MDB-RS), vice-líder do governo e um dos principais interlocutores da reforma.

A dança das cadeiras também foi adotada pelos governistas nas vésperas da votação da PEC na comissão especial que avaliou a proposta.

Dissidências

O apoio à reforma foi marcado por dissidências dentro de diferentes siglas, com destaque especial para o chamado “centrão”, grupo situado no espectro da direita liberal, em que houve divergências em partidos como PL e PSD, que registraram, respectivamente, 95% e 94% de adesão à PEC, segundo levantamento da consultoria XP Política.

No campo progressista também houve fissuras. PDT e PSB chegaram a ter, respectivamente, 30% e 34% de apoios à reforma, apesar de o diretório nacional dos dois partidos ter fechado questão contra a pauta. Com isso, os deputados que se posicionaram a favor podem sofrer processos no âmbito institucional e exclusão do quadro partidário.

Somente PT, PSOL, PCdoB, Rede e PMN, este último com apenas um membro, tiveram 100% de votos contrários.

 “Velha política”

Teve realce ainda, nas prévias da votação da reforma, a concessão de emendas para garantir o apoio de parlamentares à proposta. Ao todo, foram liberados, nos cinco primeiros dias deste mês, mais R$ 2,5 bilhões em emendas, de acordo com levantamento feito pela ONG Contas Abertas. Segundo a entidade, o valor supera o total empenhado pelo governo no primeiro semestre do ano, que foi de R$ 1,7 bilhão.

Apesar de utilizado por outros presidentes da República em diferentes contextos para garantir apoio a medidas legislativas, o método tem sido bastante criticado pelos opositores do governo por conta do discurso encampado por Bolsonaro, que se elegeu sob a promessa de acabar com a “velha política” e promover o que chama de “nova política”.

“É a velha política do balcão, vergonhosa. Os professores, os trabalhadores de minas, os garis, os próprios policiais eu tenho certeza que vão lembrar que fizeram com que sua aposentadoria fosse prejudicada em troca disso”, criticou o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ).

PSOL e PT apontaram que houve liberação irregular e que a prática caracterizaria crime de responsabilidade. Os dois partidos ingressaram com uma representação na Procuradoria-Geral da República (PGR) e também acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF).

Como reação à denúncia, o presidente Jair Bolsonaro disse, na terça (9), que as emendas seriam do orçamento aprovado para este ano.

“Nada foi inventado, não tem mala, não tem conversa escondidinha em lugar nenhum, é tudo à luz da legislação. É isso que deve estar acontecendo”, afirmou o presidente.

Sociedade civil

A votação ocorreu em meio a um protesto popular que se formou nas laterais da Câmara dos Deputados contra a PEC. A ação reuniu manifestantes de diferentes segmentos sociais, entre servidores públicos, movimentos populares e outros atores.

A militante Mazé Morais, coordenadora-geral da Marcha das Margaridas, criticou o impedimento de acesso aos prédios da Câmara, que chegou a fechar as portas da entrada onde os manifestantes se aglutinaram.

“Nós repudiamos [isso], porque sempre dizem que aqui é a ‘casa do povo’. Como é que nós, trabalhadores, não temos direito de entrar neste momento tão importante pras nossas vidas? Nós vamos continuar aqui, na resistência, na luta em defesa dos nossos direitos”, disse a militante ao Brasil de Fato.

O acesso às galerias do plenário também não foi liberado para a população, assim como ocorreu durante a votação de outras medidas impopulares nos últimos anos. “Nós não recebemos, pelo menos na minha bancada, senhas de acesso às galerias ou a qualquer outro recinto com possibilidade de assistência à sessão, que é pública”, queixou-se, em plenário, a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), vice-líder da minoria, reclamando ainda que a polícia usou gás de pimenta para dispersar manifestantes que tentaram furar o bloqueio.

Questionado a respeito da interdição, o presidente Rodrigo Maia disse que “cabe à Câmara, respeitando cada cidadão, cumprir a determinação de não deixar a Casa ser invadida”. Segundo ele, foi autorizada a entrada de 15 professores e de mais um grupo que teria conseguido uma liminar no STF.

Edição: Daniel Giovanaz

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FIM DA SOLIDARIEDADE E DO ESPÍRITO SOCIAL NA PREVIDÊNCIA BRASILEIRA

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FIM DA SOLIDARIEDADE E DO ESPÍRITO SOCIAL NA PREVIDÊNCIA BRASILEIRA

Atual Previdência atende com uma proteção social mínima em especial nas regiões mais pobres – Bruno Santos-11.abr.2018/ Folhapress

Atual Previdência atende com uma proteção social mínima em especial nas regiões mais pobres

É o fim da Previdência Social no Brasil. O projeto de reforma da Previdência do governo Jair Bolsonaro já significava o término de um sistema que protege milhões de pessoas —e mesmo com as alterações no Congresso isto não deixará de ocorrer.

Ainda que com suas insuficiências, a atual Previdência atende com uma proteção social mínima —em especial nas regiões mais pobres— idosos, doentes, desempregados.

Enfim, pessoas que contribuem e, diante de contingências como idade avançada e doença, por exemplo, são afastadas do mercado, necessitando da proteção previdenciária.

O projeto tinha três bases: capitalização; retirada das futuras reformas, em questões fundamentais, da Constituição; e severa diminuição de direitos.

As duas primeiras foram afastadas pelo Congresso, e a última permaneceu, ainda que com pequenas variações.

A nossa Previdência pública é montada na solidariedade social. Quem está recebendo benefícios hoje depende da contribuição dos que estão trabalhando —que receberão a partir dos recolhimentos futuros.

Uma maneira de destruição da Previdência Social era exatamente o regime de capitalização. Nesse, o dinheiro deixaria de ser gerido pelo poder público e passaria a ser tratado na perspectiva de investimento por instituições bancárias.

Como teríamos de continuar pagando os benefícios de quem já está aposentado, o Estado (leia-se, todos nós) teria um prejuízo, para essa passagem, estimada pelo próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, em R$ 1 trilhão.

A forma de se fazer a passagem era economizar, diminuindo direitos, nos benefícios de quem estivesse recebendo e de quem receberia, até o último segurado que permanecesse na Previdência pública.
Retirada a capitalização (que passa a impressão de ter sido o bode posto na sala de negociações), nada justificaria a manutenção da radical diminuição de direitos em valor excessivamente superior ao suposto déficit atual.

Não foi o que aconteceu. Mesmo com suas modificações, o projeto continuou a atingir drasticamente a situação de trabalhadores e trabalhadoras diversos, provocando a maior redução de direitos já vista em nossa história.

Dificulta o acesso a benefícios previdenciários e diminui alguns de seus valores. Atinge até mesmo a assistência social —aquela destinada às camadas mais vulneráveis da população—, incluindo critério oneroso, já afastado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), para a concessão de benefício assistencial.
Os privilégios de alguns foram mantidos, os pobres punidos.

E como se dará o fim gradual da proteção previdenciária no Brasil?

Simples. A reforma prevê condições para a obtenção de benefícios (relacionadas à contribuição e à idade) que serão impossíveis de serem atendidas pelos trabalhadores e trabalhadoras em geral, o que é agravado pela reforma trabalhista, que generalizou o acesso a trabalhos instáveis, dificultando a continuidade da vida contributiva.

Ao lado disso, o governo conseguiu a edição de lei supostamente destinada ao combate de fraudes. No entanto, ali foram inseridas normas que criaram prazos que dificultam o trabalhador da iniciativa privada a obter benefícios ou a permanecer sob a proteção previdenciária.

Somada esta lei às novas disposições constitucionais, será, no futuro, praticamente impossível a obtenção ou manutenção de benefícios.

Teremos, enfim, um sistema em que as pessoas pagarão contribuições, mas dificilmente elas acessarão os benefícios.

E mais: teremos de fazer outra reforma diminutiva de direitos de quem ainda está recebendo —já que não haverá, para mantê-los, contribuições suficientes, em vista da drástica redução de postos de trabalho formais e da possibilidade, não afastada, de isenções para as empresas de contribuições.

Certamente não teremos problemas com as futuras gerações, uma vez que, destruídas as suas possibilidades de acesso a benefícios, não haverá que se preocupar com eventual situação deficitária.
Enfim, encontrou-se a fórmula para o suposto déficit da Previdência: basta dar um remédio que mate o paciente.

APÓS LIBERAR R$ 2,5 BI EM EMENDAS, GOVERNO APROVA REFORMA DA PREVIDÊNCIA EM 1º TURNO

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APÓS LIBERAR R$ 2,5 BI EM EMENDAS, GOVERNO APROVA REFORMA DA PREVIDÊNCIA EM 1º TURNO

Deputados de oposição levaram cartazes contra a reforma durante a votação do projeto / Luís Macedo | Agência Câmara

Carro-chefe da equipe econômica de Bolsonaro, projeto obteve 379 votos favoráveis e 131 contrários no plenário

Brasil de Fato | São Paulo (SP) – João Paulo SoaresDepois de abrir o cofre e distribuir R$ 2,5 bilhões em emendas nos primeiros dias de julho – sobretudo a parlamentares do chamado “centrão” –, o governo Bolsonaro (PSL) conseguiu aprovar nesta quarta-feira (9), em primeiro turno, o texto base da reforma da Previdência.

O projeto obteve 379 votos a favor e 131 contrários, após oito horas de debate. Por se tratar mudança constitucional, a proposta precisava da aprovação de no mínimo 308 deputados (3/5 do total).

Os partidos que se posicionaram oficialmente contra a reforma foram PT, PSOL, PSB, PDT e PCdoB. No caso do PSB, 34% dos parlamentares descumpriram a determinação da legenda e votaram a favor da reforma; no PDT, 30% foram favoráveis ao projeto do governo Bolsonaro

O projeto terá de passar por uma segunda votação na Câmara. A base governista espera votar na sexta-feira (12) – quando também serão necessários 308 votos. Se confirmada a aprovação, o projeto segue para análise do Senado.

Crime de responsabilidade?

Deputados de oposição afirmaram que a liberação de bilhões de reais em emendas às vésperas da votação caracteriza “compra de votos”.

“Comprar voto para a Previdência com dinheiro público é um crime lesa pátria contra o povo brasileiro”, acusou o líder petista Henrique Fontana(RS).

A bancada do PSOL denunciou a liberação de quase R$ 500 milhões a maisdo que o previsto originalmente nas emendas, o que caraterizaria crime de responsabilidade. “Isto aqui é uma ilegalidade, é uma fraude. Nós vamos questionar juridicamente”, afirmou o deputado Ivan Valente (SP).

Valente entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir a votação, mas o presidente da Corte, Dias Toffoli, recusou o pedido.

Mudanças

O texto aprovado nesta quarta aumenta a idade mínima de aposentadoria das mulheres para 62 anos e dos homens para 65 anos, além de instituir tempo maior de contribuição (40 anos) para quem quiser se aposentar com o benefício integral.

A proposta também diminui o valor do benefício. Hoje, com 15 anos de contribuição, homens e mulheres se aposentam com 85% das 80% maiores contribuições, excluindo as 20% menores. Com a reforma, esse valor passa a ser de apenas 60% com 20 anos de contribuição dos homens e 15 anos das mulheres.

Para aposentar com o valor integral, serão necessários 30 anos de contribuição.

Viúvas e viúvos só receberão 60% do valor da pensão, mais 10% por dependente. Caso a pensão fique abaixo do salário mínimo, só terão direito aos R$ 998 se não tiverem nenhuma outra fonte de renda. Caso contrário, poderão receber uma pensão menor do que o valor do mínimo.

Edição: João Paulo Soares

 

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PF INVESTIGA GRAMPO DA LAVA JATO NA CELA DE YOUSSEF

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PF INVESTIGA GRAMPO DA LAVA JATO NA CELA DE YOUSSEF

Brasil247 – A Polícia Federal ouviu o doleiro Alberto Youssef há poucas semanas,  em São Paulo, sobre a instalação de um grampo ilegal na cela dele, em Curitiba, em 2014; a notícia do grampo não é nova, mas as investigações foram reabertas na esteira das revelações da Vaza Jato. Quando era juiz da Lava-Jato, Moro ignorou a denúncia sobre o grampo; há indícios de que a propria operação pode ter plantado o grampo na cela. A informação é do  blog da Bela Megale.

Youssef é um dos primeiros delatores da Lava-Jato. Cinco anos depois, as apurações sobre o grampo encontrado pelo doleiro na cadeia não terminaram, assim como todas as investigações da PF sobre ilegalidades cometidas ao longo dos anos pela operação de Curitia. Em depoimento, um agente da PF disse ter instalado o grampo no local em 2014 e que o objetivo era, efetivamente, vigiar Youssef. A PF passou a investigar o caso, que segue sem conclusão.

Na época, Moro era o juiz da Lava-Jato e ignorou a  denúncia. Atualmente, ele é chefe da pasta à qual a PF está subordinada. Se vier a ser comprovado que a instalação do aparelho ocorreu quando a Lava-Jato estava sob sua tutela, Moro pode ter novos problemas.

COAF SE RECUSA A INFORMAR SE ESTÁ INVESTIGANDO GLENN GREENWALD

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COAF SE RECUSA A INFORMAR SE ESTÁ INVESTIGANDO GLENN GREENWALD

Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) alegou sigilo e não esclareceu ao Tribunal de Contas da União (TCU) se está realizando algum tipo de análise sobre movimentações financeiras do jornalista Glenn Greenwald, editor do site The Intercept. A manifestação, em resposta a uma solicitação de informações do TCU, foi protocolada no tribunal na tarde desta terça-feira, 9. O ministro da Economia, Paulo Guedes, também enviou ao tribunal um ofício no qual se disse “intrigado” com o pedido do tribunal e explicou que apenas o Coaf, por ser um órgão autônomo, poderia dar informações.

Os documentos foram enviados após o ministro do TCU Bruno Dantas, relator da representação feita pelo Ministério Público de Contas, solicitar esclarecimento sobre uma notícia publicada no site O Antagonista segundo a qual a Polícia Federal pediu ao Coaf análise de movimentações financeiras do jornalista.

Na resposta enviada pelo órgão inteligência ao TCU, falando apenas em tese, o presidente substituto do Coaf, Jorge Luiz Alves Caetano, disse que “não compete ao Coaf atender a pedidos de RIF (relatórios de inteligência financeira) feitos pela Polícia Federal”.

Sem abordar o caso específico, o Coaf explicou ser possível o intercâmbio de informações entre órgãos, a partir do qual, se encontrado algum indício de crime, aí sim, poderia fazer uma análise de ofício (por conta própria). “Eventual material intercambiado se manterá coberto por conhecidas normas de sigilo”, disse.

“Tanto intercâmbio porventura iniciado pela Polícia Federal quanto eventual RIF (relatório de inteligência financeira) disseminado seguiriam cobertos pelo sigilo imposto pela Constituição Federal e pelas leis do País, ressalvadas as estritas hipóteses de quebra de sigilo. Por essa razão, ao longo de 20 anos de existência, o Coaf não e pronuncia sobre casos concretos, tampouco acerca de matérias e especulações jornalísticas ou de qualquer natureza”, afirmou o Coaf.

Uma das preocupações apontadas pelo subprocurador-geral do TCU Lucas Rocha Furtado, e endossadas pelo ministro Bruno Dantas, era a de “manipulação do aparelho repressor do estado contra jornalistas que divulgam informações que trazem incômodo aos membros do governo”. Em relação a esse ponto, o Coaf se manifestou, ao afirmar que “seus procedimentos internos para tratamentos de dados e informações recebidas por meio de seus canais regulares inibem arbítrio ou qualquer avaliação personalística, quer de empresas ou pessoas naturais”.

Substituto do presidente Roberto Leonel – que está de férias até o próximo dia 12 –, Jorge Luiz Alves Caetano acrescentou que “jamais será o Coaf a vasculhar contas bancárias em busca de operações suspeitas de lavagem de dinheiro”. “Além de ser materialmente impossível, já que o Coaf não dispõe de acesso direto a contas bancárias, falta-lhe sobretudo competência legal para tanto. O órgão termina a manifestação de quatro páginas se dizendo “à disposição para eventuais esclarecimentos adicionais julgados necessários”.

O subprocurador-geral do TCU Lucas Rocha Furtado, autor da representação, havia pedido que o relator decidisse suspender liminarmente a eventual elaboração, pelo Coaf, de um relatório das atividades financeiras do jornalista Glenn Greenwald. O ministro decidiu ouvir o órgão e o Ministério da Economia antes. Agora, a resposta já foi encaminhada ao procurador, que deverá voltar a analisar o caso e se pronunciar sobre qual encaminhamento julga adequado. Só então o relator irá decidir.

 

BISPO LICENCIADO DA UNIVERSAL E ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO ENTRAM NA LISTA PARA MINISTRO “TERRIVELMENTE EVANGÉLICO” DO STF

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BISPO LICENCIADO DA UNIVERSAL E ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO ENTRAM NA LISTA PARA MINISTRO “TERRIVELMENTE EVANGÉLICO” DO STF

André Mendonça, da AGU, e Marcos Pereira, com Bolsonaro (Montagem)

Como opções, Bolsonaro ainda analisa os nomes do ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e do juiz Marcelo Bretas, responsável pela Lava Jato no Rio de Janeiro.

Os nomes do deputado Marcos Pereira (PRB/SP), bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, e do advogado-geral da União, André Mendonça, estão no topo da lista para a escolha de um ministro “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal Federal (STF), como foi anunciado nesta quarta-feira (10) por Jair Bolsonaro durante evento no plenário da Câmara que comemorou os 42 anos da igreja do bispo Edir Macedo.

Marcos Pereira foi um dos mais entusiasmados parlamentares que discursou durante o evento. Formado em Direito pela Universidade Paulista e especialista em Direito e Processo Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Pereira atua como professor de Direito Penal no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), que pertence ao ministro Gilmar Mendes, do mesmo STF. É o atual 1º vice-presidente da Câmara dos Deputados e do Congresso Nacional do Brasil.

Já Mendonça, que tem apoio de parte da bancada evangélica, tem recebido elogios de ministros da corte por sua defesa do governo, mas seria muito jovem para o posto.

Como opções, Bolsonaro ainda analisa os nomes do ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e do juiz Marcelo Bretas, responsável pela Lava Jato no Rio de Janeiro.

 

MORO REAPARECE AO LADO DE GENERAL E COMEMORA PREVIDÊNCIA

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MORO REAPARECE AO LADO DE GENERAL E COMEMORA PREVIDÊNCIA

(Foto: Reprodução/Twitter)

Brasil247 – Desaparecido desde seu desastroso depoimento sobre a Vaza Jato na Câmara, em 2 de julho, Sérgio Moro reapareceu na noite desta quarta-feira (10)  com um tweet em que comemorou a vitória do governo na votação do fim da Previdência, alinhando-se ao coração econômico do governo Bolsonaro; além disso postou uma imagem simbólica, com uma conotação ameaçadora: uma foto da visita que recebeu do general Villas Bôas, que ameaçou o STF publicamente em abril e setembro de 2018, caso a Corte acolhesse um habeas corpus a favor de Lula e, depois se o Supremo autorizasse a candidatura do ex-presidente; o general voltou a ameaçar o STF novamente logo após a Vaza Jato.

Villas Bôas é o mais destacado líder do Exército, apesar de sua doença grave (ele tem esclerose lateral amiotrófica – ELA). Nomeado comandante do Exército em fevereiro de 2015 por Dilma Roussef, cumpriu papel similar ao do general chileno Augusto Pinochet que, nomeado pelo então presidente Salvador Allende comandante do Exército daquele país, comandou o golpe militar de 1973. Villas Bôas não precisou movimentar suas tropas, mas foi o fiador do golpe parlamentar contra Dilma e depois ameaçou o STF explicitamente por duas vezes, contra Lula.

Por seu papel no golpe e na eleição de Bolsonaro -que a ele atribiuiu sua vitória- ganhou um cargo importante no Palácio do Planalto, no Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Se não fosse por sua doença, seria ministro.

Villas Bôas está em campo para garantir Moro no cargo e, mais uma vez, ameaçando o STF. Dois dias depois das primeira revelações da Vaz Jato, mostrando a conspiração da operação da Lava Jato contra o país e Lula, o general lançou mais um de seus tweets sombrios:  ““Momento preocupante o que estamos vivendo, porque dá margem a que a insensatez e o oportunismo tentem esvaziar a operação lava a jato, que é a esperança para que a dinâmica das relações institucionais em nosso país venham a transcorrer no ambiente marcado pela ética e pelo respeito ao interesse público. Expresso o respeito e a confiança no Ministro Sérgio Moro.”

Veja a seguir o tweet de Moro com o encontro de ontem, o de Villas Bôas em apoio ao ex-juiz e a celebração pelo fim da Previdência Social:

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BOLSONARO LEVARÁ À ONU UM BRASIL CONTRA AS MINORIAS

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BOLSONARO LEVARÁ À ONU UM BRASIL CONTRA AS MINORIAS

Brasil247 – Bolsonaro pretende dar um passo dramático no giro da postura internacional do país e lançará a candidatura à reeleição do Brasil para o  Conselho de Direitos Humanos da ONU com base numa plataforma regressiva, de fundo fundamentalista e de ataque às minorias. Foi o que ele anunciou em um tweet na manhã desta quinta-feira

“As principais pautas estão ligadas ao fortalecimento das estruturas familiares e a exclusão das menções de gênero”, defendeu Bolsonaro em um claro ataque contra as minorias.

A ideia do governo é apresentar a candidatura do Brasil à reeleição no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, para o triênio de 2020 a 2022.

Vergonha

Na visão do colunista internacional Jamil Chadeque cobre a ONU“o Brasil está rasgando sua história”.

Ele ressalta que, anteriormente, “havia uma lógica que remontava ao DNA da diplomacia de Rio Branco”.

“Hoje, o Brasil abriu mão dessa coerência e dessa tradição. Transportando para a política externa valores ultra-conservadores do grupo no poder, desconsiderando a multiplicidade da população brasileiras e ignorando seus compromissos internacionais, o Itamaraty passou a colocar em prática uma diplomacia ideológica-religiosa. E que passou a minar o consenso até mesmo dentro do Ocidente”, observa o jornalista. Leia mais aqui.

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