JAIR BOLSONARO COGITA NOMEAR O FILHO EDUARDO COMO EMBAIXADOR DO BRASIL NOS EUA

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JAIR BOLSONARO COGITA NOMEAR O FILHO EDUARDO COMO EMBAIXADOR DO BRASIL NOS EUA

“Já foi cogitado no passado [nomear Eduardo]. Levamos em conta o custo-benefício”, afirmou o mandatário brasileiro / Foto: Sergio Lima/AFP

Segundo site, presidente considera o filho altamente qualificado para o cargo porque este “fala inglês”

Tiago Angelo – Brasil de Fato | São Paulo (SP) – O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta quinta-feira (11) que considera nomear o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), seu filho, embaixador do Brasil nos Estados Unidos.

“Já foi cogitado no passado. Levamos em conta o custo-benefício”, afirmou ele ao ser questionado sobre o assunto durante uma entrevista coletiva na posse do novo diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem.

“Imagina o filho do Macri [Mauricio Macri, presidente argentino] aqui, como embaixador da Argentina. Teria tratamento diferenciado. Está no meu radar, sim, e no meu entender,[Eduardo] poderia ser uma pessoa adequada e daria conta em Washington”, complementou.

A pergunta foi lançada a Bolsonaro após o Brazil Journal publicar uma notícia sobre o assunto. Segundo o site, Bolsonaro considera Eduardo altamente qualificado para o cargo porque o filho fala inglês.

Em março, durante visita a Washington, o deputado chegou a participar de uma reunião com o presidente dos EUA, Donald Trump, substituindo o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.

Na ocasião, segundo a Folha de S. Paulo, Araújo “teve um chilique” na presença de outros ministros brasileiros por não ter participado do encontro entre os líderes.

Inclinação pró EUA

Eduardo já demonstrou inclinação às políticas estadunidenses em diversas ocasiões, inclusive imitando a retórica anti-imigração de Trump e apoiando a construção de um muro na fronteira com  México. O deputado também já declarou considerar “uma vergonha” os brasileiros que vivem nos EUA sem documentação.

“A missão que o presidente Bolsonaro der pra mim, certamente vou desempenhar da melhor maneira. Não tem nada formal, nada oficial. O presidente falou, está falado, mas não chegou nada oficial”, afirmou Eduardo na Câmara, ao ser questionado pela Folha.

Eduardo completou 35 anos nesta quarta-feira (10), alcançando a idade mínima para assumir o posto de embaixador. O cargo na representação diplomática em Washington está vago desde abril, quando Araújo destituiu Sérgio Amaral.

Caso ele realmente seja indicado, seu nome será encaminhado à Comissão de Relações Exteriores do Senado. A Comissão é responsável por nomear um relator com a incumbência de levantar o currículo do indicado. O nome é então colocado em votação, de forma secreta, na Comissão e depois no plenário do Senado.

Edição: João Paulo Soares

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JUSTIÇA NEGA REINTEGRAÇÃO DE POSSE DE ACAMPAMENTO DO MST QUILOMBO CAMPO GRANDE, EM MG

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JUSTIÇA NEGA REINTEGRAÇÃO DE POSSE DE ACAMPAMENTO DO MST QUILOMBO CAMPO GRANDE, EM MG

Militantes aguardaram decisão em frente ao TJMG / Douglas Silva

Tribunal considerou que empresa que reivindicava o terreno já havia desistido da posse em reunião de conciliação

Brasil de Fato | São Paulo (SP) – O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) decidiu, nesta quinta-feira (11), pela suspensão da reintegração de posse do acampamento Quilombo Campo Grande, localizado município de Campo do Meio, no sul do estado.

O acampamento, onde 450 famílias vivem e produzem na terra há 20 anos, foi construído pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

A decisão favorável aos sem-terra foi assinada pelo desembargador Luciano Pinto. Na decisão, de segunda instância, o magistrado considera que a empresa falida da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (Capia), que reivindica a posse do terreno, já havia desistido anteriormente de qualquer liminar de despejo em uma audiência de conciliação.

A audiência ocorreu na sede do TJMG, em Belo Horizonte, onde os militantes sem-terra fizeram um protesto e acompanharam a decisão. A militante Débora Vieira, coordenadora do MST, comemora a decisão.

“Estamos muito emocionados que o juiz deu a decisão da terra ser nossa porque a massa falida já havia feito um acordo anterior que não ia mais reivindicar aquelas terras. Devido à suspensão do decreto e a suspensão da reintegração de posse, nós esperamos de novembro até hoje”, pontua a militante.

::Leia mais: Conheça o café Guaií e a produção do Quilombo Campo Grande (MG), ameaçado de despejo

A acampada Luciana Ribeiro, que vive no terreno, também se emociona: “É uma conquista de garra, fruto de muita luta”.

O pedido de reintegração de posse estava em tramitação no tribunal desde o ano passado e seria julgado no fim de 2018, mas foi adiado. Em breve, mais detalhes sobre a decisão.

Histórico

Conhecida como Fazenda Ariadnópolis, a área é disputada desde 1998 pelo MST, que defende sua destinação para a reforma agrária.

A Ação Reintegratória de Posse nº 0024.11.188.917-6 foi requerida em 2011 pela massa falida da Capia, antiga administradora da Usina Ariadnópolis Açúcar e Álcool S/A. Parado na Justiça por cinco anos, o processo ganhou força após a homologação, em 2016, do plano de recuperação judicial da Capia.

A empresa faliu em 1996 sem pagar os direitos trabalhistas de seus funcionários – alguns não tiveram a baixa na carteira de trabalho até o momento, assim como a rescisão, FGTS e INSS. Aproximadamente 140 das famílias do Quilombo Campo Grande são de ex-empregados ou filhos de ex-empregados da Capia.

::Leia mais: Exposição mostra cotidiano de famílias do acampamento Quilombo Campo Grande

O argumento da empresa é de que um investidor estaria disposto a garantir a produtividade do terreno. Hoje, as famílias acampadas já produzem no local. Além da produção de café, que no ano passado chegou a gerar 8,5 mil sacas, no Quilombo Campo Grande são 1.100 hectares de lavouras diversas, como milho, feijão, mandioca, amendoim, ervas medicinais, frutas, hortaliças, entre outras.

Edição: Rodrigo Chagas

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ALÉM DE ÁUDIOS, GREENWALD DIZ TER FOTOS E VÍDEOS QUE “DÃO MEDO NAS PESSOAS PODEROSAS”

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ALÉM DE ÁUDIOS, GREENWALD DIZ TER FOTOS E VÍDEOS QUE

Glenn Greenwald: “O poder dos documentos, fotos e vídeos, e dos áudios que nós temos dá medo nas pessoas que têm mais poder”. / Foto: Divulgação/UNE

No 57º Congresso da UNE, Glenn Greenwald foi homenageado e reafirmou que revelações da Vaza Jato estão só começando.

Patricia Portales – Brasil de Fato | Brasília (DF) – “Poderes, segredos e democracia”, foi o tema do debate realizado na tarde da quinta-feira, na Universidade de Brasília, como parte da programação 57º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE). O principal convidado para a mesa de debates foi o jornalista Glenn Greenwald, editor do site The Intercept Brasil, que recebeu homenagens da UNE.

Greenwald foi homenageado pelo trabalho que sua equipe tem desenvolvido ao tornar pública atuação política da força-tarefa da Lava Jato, revelando o papel de chefe e articulador do ex-juiz Sérgio Moro, atual ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro (PSL).

“Esse acervo que nós temos é muito poderoso. E o poder dos documentos, fotos e vídeos, e dos áudios que nós temos dá medo nas pessoas que têm mais poder. Esse acervo tem a capacidade de mostrar a verdade. Só isso. E isso está assustando a eles mais do que tudo”, explicou o jornalista.

Também participaram da atividade, a deputada federal Natália Bonavides (PT-RN) e a presidenta da União da Juventude Socialista (UJS), Carina Vitral, e o presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes), Pedro Gorki.

A presidente da UNE, Marianna Dias, afirmou que a entidade está à disposição para atuar na proteção do jornalista e sua família, que vem recebendo ameaças desde os vazamentos de áudios em conversas envolvendo o ex-juiz e atual ministro da Justiça Sérgio Moro e procuradores ligados à operação Lava-Jato. Segundo Greenwald, as publicações só começaram.

O editor do The Intercept Brasil afirmou que a força demonstrada pelas mulheres negras brasileiras, em especial após o assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol/RJ), serviu de inspiração para seu trabalho. Greenwald defendeu a importância do jornalismo investigativo, com objetivo de buscar mais transparência nos atos dos governantes.

“Quanto mais eles nos atacam, mais eles mostram o quanto esse tipo de jornalismo é importante”, afirmou, relembrando que devido às divulgações chegou a ser alvo de investigação da Polícia Federal, além de ter sido convidado a participar de audiência no Congresso Nacional para explicar sobre a veracidade dos arquivos divulgados.

O jornalista, que é casado com o deputado federal David Miranda (PSol/RJ), se disse fortalecido para enfrentar as declarações homofóbicas contra ele e seu marido, com quem tem dois filhos adotados. Sobre esse assunto, o editor do The Intercept alegou que, embora seja duro ouvir xingamentos e ameaças, essas situações são aproveitadas por eles como oportunidade para a construção do diálogo a respeito das questões de gênero e igualdade racial e social.

“Eu quero falar ima coisa: meu marido, David Miranda, cresceu como órfão em Jacarezinho [favela do Rio de Janeiro], como um garoto negro, obviamente com pobreza extrema, e como um menino LGBT. Ele não tem medo de nada, ele não tem medo de ninguém!”, asseverou.

Greenwald deixou ainda uma provocação para guiar a luta do público presente: “Qual tipo de país o Brasil vai ser no futuro? Vai ser uma democracia com uma Constituição, com um Judiciário que funcione junto com instituições que protegem os direitos constitucionais, como os do artigo 5º e todos os outros direitos? Ou vai escolher um outro caminho, um caminho autoritário e fascista e repressivo?”

Em sua visita ao Congresso da UNE, o estadunidense deixa uma promessa: a democracia não está perdida. “Você tem o poder para mudar tudo. Não deixe ninguém te persuadir disso!”, afirmou.

A deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP), também participou do debate e falou sobre os direitos garantidos pelo artigo 5º da Carta Magna, como a prerrogativa constitucional que garante a liberdade de imprensa e o direito ao sigilo da fonte.

“Esses que não suportam nenhum direito constituído e consolidado fingem não saber que o artigo 5º, na verdade, garante o seu trabalho como profissional, que é indispensável para ajudar a revelar para o povo brasileiro a farsa que foi montada não somente durante o processo eleitoral, mas que até hoje segue se perpetuando nos espaços de poder no nosso país”, argumentou Bomfim.

A farsa à qual a parlamentar se referiu remonta às fake news divulgadas em massa desde a campanha eleitoral de 2018, à retirada da corrida eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), à vitória do candidato “livre de corrupção” e ao fato de o juiz que prendeu o candidato favorito ser nomeado ministro. “Não fosse o trabalho do Glenn, muito dificilmente a gente conseguiria explicar pro conjunto da população brasileira essa farsa política que montaram”, concluiu.

Edição: Rodrigo Chagas

DILMA: REFORMA APROVADA NA CÂMARA LEVARÁ AO EMPOBRECIMENTO DOS IDOSOS

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DILMA: REFORMA APROVADA NA CÂMARA LEVARÁ AO EMPOBRECIMENTO DOS IDOSOS

Dilma e a escritora Pilar del Rio na frente da sede da PF em Curitiba / Ricardo Stuckert

Ex-presidenta visita Lula em Curitiba e diz que prisão sem provas em processo viciado segue padrão do golpe contra ela.

Brasil de Fato | São Paulo (SP) – A ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) vê com “grande temor” a reforma da Previdência aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados na noite de quarta-feira (10). Segundo Dilma, as novas regras da aposentadoria, se mantidas como quer o governo de Jair Bolsonaro (PSL), irão levar a um empobrecimento dos idosos no Brasil.

Ela lembrou que as políticas sociais nos governos do Partido dos Trabalhadores — como o Bolsa Família — priorizavam as famílias mais jovens justamente porque os mais velhos, com os benefícios da aposentadoria no modelo atual, estavam mais protegidos. Dilma também criticou o regime de capitalização proposto pelo governo de extrema-direita.

“Agora você vai ver o que está acontecendo no Chile: aposentados que chegaram ao fim da sua vida de trabalho e não têm recursos suficientes para sobreviver”, afirmou ela em Curitiba (PR), após a visita que fez nesta quinta-feira (11) ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na sede da Polícia Federal, acompanhada da escritora espanhola Pilar del Rio.

Recebida de forma calorosa, aos gritos de “Dilma guerreira da pátria brasileira”, a ex-presidenta afirmou que a visita foi “comovente” e que a fez lembrar de sua própria prisão durante a ditadura militar.

“Sem dúvida nenhuma, foi um momento de muita dor vê-lo assim. Porque eu já estive durante três anos em uma cela e não é lugar adequado para pessoas, principalmente inocentes, presos políticos”.

A prisão injusta de Lula, para ela, é reflexo direto do processo de impeachment que a retirou do governo sem que houvesse qualquer crime de responsabilidade.

“O sistema de Justiça brasileiro não pode ser desmoralizado e corroído. A gente sabia que, depois do processo de impeachment, havia um grande risco de outras instituições, além do Executivo, serem comprometidas por essa absurda ruptura no tecido democrático brasileiro. Se você pode mover um processo de impeachment sem crime tudo vale [no país] a partir de então, e isso ocorreu”.

Sobre as revelações de conluio entre o ex-juiz Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato, Dilma afirmou que todo o processo relativo à condenação de Lula está “viciado”. “Uma Justiça só merece o nome de Justiça se ela for imparcial. No minuto em que ela se torna parcial é injusta, por definição”.

Para ela, mais grave ainda foi a interferência no processo eleitoral de 2018, principalmente após Sérgio Moro se vincular ao governo Bolsonaro no Ministério da Justiça e Segurança Pública.

“No caso do presidente Lula, não é só um indício de vício, mas a tentativa deliberada e clara de juiz e procuradores no sentido de evitar que ele tivesse qualquer possibilidade de influenciar na eleição na qual ele era o mais votado pelas pesquisas. Um juiz que é capaz de funcionar como assessor e, em outros momentos, como dirigente da acusação não é um juiz isento nem imparcial”.

Segundo a ex-presidenta, o conluio judicial contra Lula representa a perda de credibilidade da Justiça brasileira. “Não só aos olhos da população, mas do mundo também. Isso é inadmissível em um país que se diz democrático. Estado democrático de direito sem imparcialidade da Justiça não existe”.

O cenário político desde o golpe parlamentar de 2016, para Dilma, não faz jus aos princípios civilizatórios e constitucionais. “Isso tem outro nome: chama Estado de exceção, a velha tradição que vem de 300 anos de escravidão e 21 anos de ditadura”.

Pilar del Rio, que teve encontros com Lula quando ele presidia o Brasil, disse ser muito difícil ver um líder mundial como ele submetido a esse tipo de perseguição. Mas ressaltou: “Ele está inteiro, lúcido e segue tendo capacidade de liderar a maioria da população”.

 

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PARA ENTREGAR A BASE DE ALCÂNTARA AOS EUA, GOVERNO FEDERAL PODE REMOVER QUILOMBOLAS

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PARA ENTREGAR A BASE DE ALCÂNTARA AOS EUA, GOVERNO FEDERAL PODE REMOVER QUILOMBOLAS

Base de Alcântara vista de cima / Foto: Força Aérea Brasileira (FAB)

Segundo representante do governo, esperar as titulações das terras seria “perder outra oportunidade de desenvolver”

Igor Carvalho – Brasil de Fato | São Paulo (SP) – Corria o ano de 1983 quando 312 famílias de quilombolas foram expulsas de seu território, em Alcântara, uma península do Maranhão, e transferidos para agrovilas mais ao sul do estado. Lá, ganharam lotes de 16 hectares. Três anos antes, o então governador do estado, Ivar Saldanha (PDS), desapropriou 52 mil hectares do território que era ocupado pelos quilombolas e os entregou para a União. A medida fazia parte do projeto de construção do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), encampado pelo ditador João Batista Figueiredo (1979-1985) e administrado pela Força Aérea Brasileira (FAB).

Os quilombolas expulsos de seus territórios foram transportados para agrovilas localizadas no interior do estado, em uma região coberta por areia e de solo estéril. Nos quilombos, a pesca garantia o sustento da comunidade e ditava a dinâmica de organização do local. “Não sei nem porque chama ‘agrovila’, de agro não tem nada. É um projeto que deu errado. Eu moro em uma das agrovilas, nunca deu certo, nos colocaram em um lugar onde não temos como nos sustentar”, explica Antônio Marcos Pinho Diniz, presidente do sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara.

Em 1991, o ex-presidente Fernando Collor desapropriou mais 10 mil hectares de Alcântara para a construção do CLA, totalizando 62 mil hectares.

Já no ano de 2008, o jogo virou em favor das famílias quilombolas. Um Relatório Técnico de Identificação e Delimitação elaborado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), garantiu 78,1 mil hectares da região para as comunidades quilombolas e limitou o espaço da base aérea a 8 mil hectares.

Em 2010, no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Estado reivindicou outros 12 mil hectares na área costeira de Alcântara. A nova aquisição nunca foi confirmada, mas as 792 famílias de quilombolas que vivem na região vivem, desde então, com medo dessa possibilidade.

Em março deste ano, Brasil e Estados Unidos firmam um contrato que garante aos americanos o direito de explorar a base de Alcântara. O acordo prevê salvaguardas tecnológicas e permite o lançamento de foguetes e satélites na região.

A possibilidade de ampliação da área do CLA, – que hoje é de 8 mil hectares – está prevista no documento. Isso fez com que os quilombolas se mobilizassem para conseguir definitivamente a titulação de suas terras, o que lhes garantiria estabilidade na região e poder em uma futura negociação com o Estado.

Governo não quer titular as terras

Na última quarta-feira (10), uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados discutiu o acordo entre Brasil e EUA e as consequências para as comunidades quilombolas.

Representando o governo federal, Carlos de Almeida Baptista Junior, tenente brigadeiro da FAB, não mostrou disposição para negociar. “O que nós queremos do nosso futuro? […] Nós não podemos condicionar a tramitação e aprovação desse acordo à titulação de terras quilombolas e qualquer outro ‘se’, pois estaremos perdendo outra oportunidade de desenvolver aquela região”, impôs o militar.

Deborah Duprat , procuradora federal dos Direitos dos Cidadãos do Ministério Público Federal, em entrevista ao Brasil de Fato, disse que compreende o receio dos quilombolas, que não querem ser enviados para agrovilas.

“Eu acho que é impossível, diante de tantos eventos ocorridos ao longo de quase 40 anos, esperar que elas sejam crédulas em relação sobre a não ampliação da base e que elas não serão removidas. Para que tenhamos conversas sérias e responsáveis, nós precisamos deixar as partes em posições simétricas. Isso só se resolve com a segurança territorial desse grupo, só falta a titulação. A titulação não traz ônus para a União, já que a área é toda pública”, defendeu a procuradora.

Na audiência pública, Baptista Junior afirmou que conversou com quilombolas que vivem nas agrovilas e que teria lhes perguntado se eram mais felizes na época dos quilombos. “Todos que estavam conversando comigo, afirmaram que são mais felizes hoje”, argumentou.

A afirmação do militar foi combatida por quilombolas. “Aquele povo ali sobrevive da aposentadoria rural e da Bolsa Família. Quem não tem salário naquela região, não está bem. Isso é conversa, brigadeiro”, afirmou Leonardo dos Anjos, coordenador-geral do Movimentos dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (MABE).

“O que foi tão perverso nas agrovilas, você retirou comunidades que viviam da pesca na beira do mar e levaram para o interior. Até hoje, elas viajam cinco horas para ir e cinco horas para voltar porque elas não se entenderam fora dessa atividade ancestral, famílias centenárias, que praticavam a pesca e que são obrigadas a viver em solo infértil”, rebate Duprat, do MPF.

Célia Cristina da Silva Pinto, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) criticou a postura do brigadeiro. “Dizer que as pessoas disseram que estavam mais felizes nas agrovilas do que em seus territórios é mentira. Pra eu sobreviver na agrovila, tenho que ter um emprego, para comprar na cidade o que eu não posso produzir. Nós temos dito que não somos contra o acordo, mas esse acordo não pode se sobrepor às vidas humanas. Não me digam que estou mais feliz numa agrovila do que no meu quilombo”, exclamou a quilombola.

O presidente da Agência Espacial Brasiliera (AEB), Carlos Augusto Teixeira de Moura, defendeu o acordo na audiência. Mas antes admitiu que o Estado falhou com os quilombolas expulsos de seus territórios em 1986: “O programa espacial não atendeu todas as expectativas”.

Em seguida, Moura afirmou que em conversas com representantes do setor em outros países, é cobrado por uma solução para o CLA. “ Eles ficam espantados de ver como nós temos uma Alcântara e não estamos utilizando. Aí, eles olham os jornais e observam que estão sendo construídas outras bases em outras partes do mundo”, expôs o representante da AEB.

“Convivência pacífica”

A negativa do governo federal em negociar com as comunidades quilombolas preocupa o deputado federal Helder Salomão (PT-ES). “Eles querem resolver o acordo sem resolver o passivo que há naquela região, sem resolver as questões sociais, de direitos humanos, daquelas comunidades. Não dá para falar das salvaguardas tecnológicas sem garantir os direitos daquela posição”, explica o parlamentar.

A posição do governo federal também preocupa o deputado federal Bira do Pindaré (PSB-MA), para quem as comunidades quilombolas correm “sério risco” de serem expulsas de seus territórios para que a base seja ampliada. Para ele, há a possibilidade de encontrar um caminho comum. “Ora, você não lança foguetes todos os dias. Então, defendo que haja uma convivência pacífica, em que as comunidades fossem assistidas na época de lançamento, com despesas garantidas pela base”, encerra.

Edição: Rodrigo Chagas

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LANÇAMOS AS MICROBOLSAS LAVA JATO

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LANÇAMOS AS MICROBOLSAS LAVA JATO

Na décima edição do concurso de Microbolsas, convidamos jornalistas investigativos a fazerem reportagens sobre a força-tarefa

APUBLICA – A Operação Lava Jato está no centro das atenções da política brasileira, agora mais do que nunca. Uma investigação de corrupção sem precedentes no Judiciário Brasileiro, levou à prisão doleiros, empresários e políticos e teve, apenas no Paraná, mais de 2.400 procedimentos instaurados ao longo de 5 anos de existência, com 99 acusações criminais contra 437 pessoas.

Mas as recentes revelações sobre os seus bastidores mostram que, do ponto de vista jornalístico, há muito o que se investigar ainda sobre episódios e personagens relacionados à operação.

Empolgada com o impacto e alcance da operação, que jogou luz sobre a prática corrupta entre empreiteiras e políticos, a imprensa deixou de buscar o contraditório – essencial na exposição pública dos fatos. Não se aprofundou sobre os casos julgados, nem sobre o histórico de corrupção de empresas e políticos envolvidos, as condições de acordos de leniência, os benefícios a delatores – incluindo criminosos contumazes – com enormes redução de pena, muitas vezes sem comprovar com fatos o que denunciaram em juízo. Também deixou de examinar os argumentos de defesa, incluindo ilegalidades cometidas durante a operação, denunciadas exaustivamente por advogados, réus e juristas. A operação teve, também, impactos econômicos para o país.

Por isso, nessa 10ª edição do programa Microbolsas de Reportagem que desde 2012 concede bolsas a jornalistas investigativos através de edital, a Agência Pública elege a Lava Jato como tema e convida profissionais experientes em apurações de fôlego para apresentarem seus projetos de investigação relacionados ao tema – da pauta (com pré-apuração) ao planejamento da execução da reportagem.

A originalidade, relevância pública e viabilidade das pautas, bem como a capacidade do profissional em executar o que propõe, serão os critérios da equipe da Pública para selecionar 4 projetos que receberão bolsa de R$ 7 mil para realizar suas investigações.

Os repórteres selecionados trabalharão em conjunto com os editores da Agência Pública dentro da mais estrita ética jornalística – da apuração à publicação da reportagem.

Desde 2012, a Pública já realizou 9 edições das Microbolsas, distribuindo 191 mil reais que garantiram a produção de 36 reportagens. Seis reportagens foram finalistas de prêmios nacionais e internacionais, como Prêmio Gabriel Garcia Marques, Prêmio Roche de Jornalismo e Saúde e Prêmio Iberoamericano de Jornalismo. Dessas, duas foram vencedoras dos prêmios Délio Rocha e Prêmio José Lutzenberger de Jornalismo Ambiental, ambos em 2016.

EM BUSCA DO 4º MANDATO NA BOLÍVIA, EVO MORALES ENFRENTA OPOSIÇÃO DE 8 CANDIDATOS

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EM BUSCA DO 4º MANDATO NA BOLÍVIA, EVO MORALES ENFRENTA OPOSIÇÃO DE 8 CANDIDATOS

Morales assumiu o cargo pela primeira vez em janeiro de 2006 / Foto: Mauricio Valenzuela/AFP

Presidente, que tem 45% de intenção de votos, é o favorito para as eleições de outubro no país vizinho

Brasil de Fato | Tiago Angelo | São Paulo (SP) – O presidente da Bolívia, Evo Morales, tenta conquistar neste ano seu quarto mandato consecutivo, tendo contra si todos os demais oito candidatos.

O principal trunfo do atual mandatário é a diminuição drástica dos índices de pobreza e extrema pobreza no país. Favorito à reeleição em 20 de outubro, ele é acusado pelos opositores de “driblar” a lei para garantir sua candidatura – autorizada pelo Tribunal Eleitoral Boliviano em dezembro de 2018.

Confira os principais fatos da corrida eleitoral:

Primárias

A lei boliviana prevê que os candidatos à presidência participem de eleições primárias. Nessa fase, que ocorreu em 27 de janeiro, nove partidos definiram os seus representantes.

Uma peculiaridade das primárias é a de que nenhuma sigla lançou mais de uma candidatura. Desta forma, além de indicar quais seriam os representantes de cada partido, o pleito não teve nenhuma função prática.

A necessidade de primárias é recente no país, tendo sido aprovada apenas no segundo semestre de 2018. Os representantes são escolhidos por pessoas filiadas aos partidos políticos.

Além de Morales, do Movimento ao Socialismo (MAS), as primárias definiram as candidaturas do ex-vice-presidente Víctor Hugo Cárdenas (Unidade Cívica Solidariedade); o senador Oscar Ortiz (Bolívia Diz Não); e dos ex-presidentes Carlos Mesa (Comunidade Cidadã) e Jaime Paz Zamora (Partido Democrata Cristão). Quatro representantes de partidos menores também participarão do pleito. Todos os presidenciáveis fazem oposição a Morales.

Principais candidatos

Segundo uma pesquisa divulgada em 27 de março pelo Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica (CELAG), Morales lidera as intenções de voto com 45%.

Sob seu governo, iniciado em 2006, a Bolívia conseguiu manter um crescimento econômico de cerca de 4% ao ano e reduziu drasticamente os índices de pobreza. Em 2005, 38,2% das pessoas (quatro a cada 10 habitantes) viviam em condição de pobreza extrema. Em 2018, esse índice caiu para 15,2%.

Já a pobreza moderada atingia 60,6% dos bolivianos, tendo diminuído para 36.4%. As pessoas com renda média cresceram sob a gestão Morales, saltando de 3,3 milhões de pessoas em 2005 para 7 milhões em 2018.

O candidato enfrenta, no entanto, o desgaste causado pelos 13 anos à frente do país e é acusado pela oposição de tentar se perpetuar no poder.

Em segundo lugar, com 35%, aparece o ex-presidente de direita Carlos Mesa, que comandou o país entre outubro de 2003 e março de 2005. O presidenciável tem uma postura mais próxima ao do mandatário argentino Mauricio Macri.

Para o jornalista e cientista político boliviano Juan Luis Gutierrez, as propostas do candidato da Comunidade Cidadã ainda são pouco claras.

“Mesa ocupa o segundo lugar nas pesquisas sem um plano de governo, capitalizando o voto anti-Morales mais moderado. Os problemas internos que apresentou ultimamente – como denúncias de corrupção pouco esclarecidas e contradições, como por exemplo chamar Morales ao debate e ao mesmo tempo dizer que ele não é um candidato legal – o obrigaram a se movimentar ao espectro radical da oposição”, afirma.

Segundo ele, Mesa se apresenta como um intelectual moralmente superior, de convicção democrática, um ‘defensor da democracia’.

“Vão elegendo seus acompanhantes sob essa premissa. Por outro lado, sua falta de clareza na hora de enfrentar acusações, além de sua indiferença e contradições, afastam os eleitores que ainda estão indecisos. Sua tendência é de queda”.

Gutierrez explica que é difícil antecipar quais temas irão dominar a corrida eleitoral, mas já é possível identificar o tom dos embates que ganharão força nos próximos meses.

“O partido dirigente promove um discurso muito ligado às fortalezas do modelo econômico, às potencialidades da gestão do governo […] A oposição projeta um discurso com ênfase na divisão ‘ditadura x democracia’, promovendo mobilizações de rua ‘em defesa da democracia’ e o respeito aos resultados do referendo de 21 de fevereiro”.

Outras pesquisas de intenção de voto apresentam uma distância menor entre Morales e Mesa. Um levantamento do jornal Página Siete aponta empate técnico entre os presidenciáveis.

O senador Oscar Ortiz, de direita, também aparece bem posicionado, segundo as pesquisas, porém muito abaixo dos líderes, variando entre 8% e 9% das intenções de voto.

Candidatura de Morales

Parte das críticas a Morales se devem ao fato de ele ter optado por concorrer a um novo pleito. A lei boliviana determina a possibilidade de apenas uma reeleição presidencial. No entanto, Morales irá concorrer ao seu quarto mandato consecutivo.

Carta Magna do país, de 2009, estabelece que o presidente pode ser reeleito “por uma só vez de maneira contínua”, e que “os mandatos anteriores à vigência desta Constituição serão tomados em conta no cômputo dos novos períodos de funções”. O mandato é de 5 anos.

Morales assumiu o cargo pela primeira vez em janeiro de 2006, mas este mandato durou só quatro anos devido a acordos políticos. No final dele, reelegeu-se para mais um governo, desta vez de 5 anos, de 2010 a 2015. Argumentando que o primeiro mandato não cumpriu o período integral previsto na lei, Morales conseguiu candidatar-se uma terceira vez – e venceu novamente, assim prolongando sua presença à frente da nação até 2020.

Para poder concorrer nas eleições de outubro, Morales chamou um referendo. Em 21 de fevereiro de 2016, 48,7% das pessoas consultadas apoiaram uma nova eleição, enquanto 51,3% optaram pelo “não”. Ainda assim, em dezembro de 2018, o Tribunal Eleitoral Boliviano autorizou sua participação no pleito

Congresso

Além das eleições presidenciais, os bolivianos irão escolher novos deputados e senadores. Atualmente, o partido de Morales comanda dois terços dos assentos das duas câmaras da Assembleia Legislativa Plurinacional.

O pleito é importante porque irá definir se Morales, caso ganho, permanecerá tendo um amplo apoio. Segundo Gutierrez, “tanto o partido dirigente quanto a oposição estão em um processo de seleção de candidatos para a Assembleia”.

O pleito do dia 20 irá preencher 130 assentos na Câmara dos Deputados e 36 no Senado para o período 2020-2025.

Edição: João Paulo Soares

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POR QUE A TAXA DE HOMICÍDIOS NA AMÉRICA LATINA AUMENTOU, NA CONTRAMÃO DA MÉDIA GLOBAL? 

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POR QUE A TAXA DE HOMICÍDIOS NA AMÉRICA LATINA AUMENTOU, NA CONTRAMÃO DA MÉDIA GLOBAL? 

Américas concentram 37% dos homicídios do planeta / Arquivo / Agência Brasil

Especialistas apontam desigualdade social, racismo e crime organizado como responsáveis por alta letalidade

Brasil de Fato | Rute Pina | São Paulo (SP) – A América Central e América do Sul são as regiões mais violentas e lideram o número de homicídios no mundo. O dado é do relatório global sobre homicídios do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc), da Organização das Nações Unidas (ONU).

O documento, divulgado esta semana, estima que 464 mil pessoas foram vítimas de homicídios intencionais em 2017 em todo o mundo. Os territórios americanos mantiveram altos índices, mas a tendência global das últimas três décadas é a diminuição das taxas de homicídio, segundo o relatório.

Enquanto a média global é de 6,1 homicídios a cada 100 mil habitantes, a América Central e a América do Sul têm 25,9 e 24,2 a cada 100 mil pessoas, respectivamente. Nas Américas, que concentram 37% dos homicídios, as principais causas de morte estão relacionadas ao uso de armas de fogo.

O segundo continente mais violento é a África, que concentra 35% dos assassinatos. A taxa de homicídios na África (13,0) é menor que nas Américas (17,2) – embora o estudo da ONU pondere que a falta de dados consistentes em vários países africanos compromete a análise.

Análise

Embora o estudo mostre que o número de homicídios aumentou de quase 400 mil em 1992 para mais de 460 mil em 2017, o relatório explica que a taxa global real caiu (de 7,2 em 1992 para 6,1 em 2017) quando levado em conta o crescimento populacional.

Professor de Direito Internacional e integrante do Núcleo de Estudos para a Paz da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), Gustavo Oliveira Vieira afirma que há um conjunto de fatores que explicam esse fenômeno na região. “Crime organizado com desigualdade social é um tempero que acaba fomentando a violência”, resume.

“O que a gente pode concluir é que existe uma disfuncionalidade institucional e histórica que acontece para termos um dado que é cinco vezes mais que a média mundial de homicídios intencionais”, pontua Vieira. “Parte disso é a necessidade de desenhos, de políticas públicas específicas”.

O professor também atribui os altos índices de homicídios à ineficiência da justiça criminal e à baixa taxa de resoluções sobre os crimes. “Tem estados que chegam a ter apenas 4% de homicídios em que se consegue identificar a autoria”, lembra. Essa fragilidade, segundo o especialista, transmite uma sensação de que quem mata pode ficar impune.

A advogada Dina Alves, do departamento de Justiça e Segurança Pública do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), concorda: “A justiça criminal é um elemento importante de produção de violência”, diz. “Tem uma ineficiência da Justiça, até porque, quando a gente pensa no encarceramento, a maioria da população não está presa porque cometeu algum tipo de homicídio, mas por conta da guerra às drogas”, completa.

Alves afirma que é importante levar em conta o recorte racial dos dados quando se analisa a realidade latino-americana e brasileira. “Nas nações fundadas na escravidão como Brasil, Bolívia, México e nações da América Central, um elemento fundante que pode nos dar respostas é o racismo e a violência contra grupos historicamente discriminados, como a população negra e indígena”, finaliza.

Cenário brasileiro

Com 30,5 homicídios a cada 100 mil habitantes, o Brasil tem a segunda maior taxa de homicídios da América do Sul, atrás apenas da Venezuela. O relatório aponta um “aumento dramático” de 350% do número de homicídios no país vizinho, que passou de 13 para 56,8 homicídios a cada 100 mil habitantes.

O relatório chama atenção para certas disparidades. Em números absolutos, o país africano Nigéria e o Brasil, que respondem por cerca de 5% da população global, concentram cerca de 28% dos homicídios no mundo. Mesmo com a maior população entre os continentes, a Ásia aparece em terceiro lugar no ranking dos continentes mais violentos em números absolutos, concentrando 23% dos casos.

Outro alerta do relatório é o alto número de homicídios cometidos por policiais no Brasil na comparação com outros países das Américas. Em 2015, a polícia no Brasil assassinou 1.599 pessoas – em El Salvador, um dos países mais perigosos da América Central, foram 218; nos Estados Unidos, 442; na Jamaica, 90. No mesmo ano, 80 policiais foram mortos no Brasil, contra 33 em El Salvador, 41 nos Estados Unidos e oito na Jamaica.

Alves pondera que os dados de violência policial no país são subnotificados e que em 90% dos casos são abertos inquéritos inconclusivos. Para a advogada, o poder público não tem dado respostas adequadas à alta letalidade. Ela pontua que o principal projeto do ministro da Justiça, Sérgio Moro, para a segurança pública, o pacote “anticrime”, pode aumentar ainda mais a violência no país.

Moro apresentou a proposta em fevereiro. O projeto, que foi fatiado em três para tramitar no Congresso Nacional, altera 14 leis, incluindo o Código Penal, a Lei de Execução Penal, a Lei de Crimes Hediondos e o Código Eleitoral.

O pacote prevê a redução da condenação ou a não aplicação dela quando agentes de segurança agem em legítima defesa, além de mudar a definição de organização criminosa.

“O Brasil está criando programas para acelerar a violência”, diz a advogada. “O pacote ‘anticrime’ dá carta branca para que a polícia mate. O alargamento da hipótese de legítima defesa para que o policial seja perdoado ou tenha sua pena diminuída é uma autorização para matar”.

A proposta também determinava a execução da pena após o julgamento em segunda instância, mas esse ponto foi retirado nesta terça-feira (9) pelo grupo de trabalho da Câmara dos Deputados que analisa o pacote apresentado pelo ministro.

Em fevereiro, entidades e organizações do movimento negro brasileiro protocolaram uma denúncia contra o projeto na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA). No documento, os movimentos denunciam diversos pontos que tendem a prejudicar diretamente a realidade da população negra.

Outras estatísticas

O crime organizado foi responsável por 19% de todos os homicídios e “causou muito mais mortes em todo o mundo do que conflitos armados e terrorismo, combinados”, pontua o relatório.

A partir de uma análise de gênero, constatou-se que meninos e homens entre 15 e 29 anos são os que mais correm risco de homicídio globalmente. Mas o documento também alerta que, embora mulheres e meninas representam uma porcentagem menor de vítimas em relação aos homens, elas continuam lidando com os homicídios cometidos por parceiros íntimos ou por familiares. Mais de nove a cada dez suspeitos em casos de homicídio são homens.

Edição: Daniel Giovanaz

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A QUEM INTERESSA AUMENTAR A DESIGUALDADE?

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A QUEM INTERESSA AUMENTAR A DESIGUALDADE?

VALOR ECONÔMICO – (Atualizada às 11h13 de 11/7/2019) O Brasil discute uma reforma da previdência que tende a aumentar desigualdades, embora sua propaganda aluda ao combate de privilégios. O país também se prepara para debater uma reforma tributária de modo independente da previdência. Se a redução das desigualdades fosse finalidade das reformas, as mudanças na previdência deveriam ser outras. E ambas as reformas deveriam ser debatidas conjuntamente.

A reforma da previdência proposta aumenta muito a desigualdade de acesso à aposentadoria. Muitos brasileiros pobres começam a trabalhar muito cedo, mas não conseguem contribuir pelos 20 anos exigidos para obter a aposentadoria parcial, para não falar dos 40 anos para a aposentadoria integral.

Nas regras atuais, a primeira alternativa para aposentadoria é somar um tempo mínimo de contribuição (30 anos para mulheres e 35 para homens) com sua idade para alcançar um período de 86 anos para mulheres e 96 para homens, que aumentará a cada dois anos até chegar à soma 90/100 em 2027. A segunda opção é alcançar a idade mínima de 60 anos para mulheres e 65 para homens, com pelo menos 15 anos de contribuição. A desvantagem é o desconto do valor da aposentadoria pelo “fator previdenciário” que varia com a idade, o tempo de contribuição e a expectativa de sobrevida.

A proposta atual elimina a primeira opção. Aumenta a idade mínima feminina para 62 anos (com os mesmos 15 anos de contribuição) e mantem 65 anos para homens, mas exige 20 anos de contribuição. Também reduz a aposentadoria integral (obtida com 40 anos de contribuição) e aumenta o desconto da aposentadoria parcial (entre 20 e 39 anos de contribuição).

O problema é que os cidadãos que só conseguem se aposentar hoje por idade são trabalhadores precários que estão longe de alcançar o tempo de contribuição e idade exigidos nas novas regras: 56,6% dos homens e 74,82% das mulheres não alcançam. Em média os homens só conseguem contribuir 5,1 vezes por ano, e as mulheres 4,7 vezes, segundo estudo de Denise Gentil (UFRJ) e Claudio Puty (UFPA) para a Anfip.

Se precisarem contribuir mais 60 meses, supondo que continuem empregados e consigam contribuir no mesmo ritmo na velhice (o que é uma proposição absurda), a idade mínima real de aposentadoria parcial seria 74,8 anos para mulheres e 76,8 para homens, na média. Na prática, milhões não chegariam a se aposentar ou, com “sorte”, seriam transferidos para a assistência social, mas suas contribuições não seriam nem devolvidas.

Como são trabalhadores em empregos precários, aumentar seu tempo de contribuição não significa combater privilégios, mas aumentar a desigualdade. Significa retirar recursos de muitos trabalhadores pobres e vulneráveis que não conseguirão se aposentar.

De nada adianta reduzir a alíquota mensal de contribuição para os pobres se a contribuição se alonga por mais 60 meses e, no fim, nem garante a aposentadoria. O incentivo

é para que não contribuam, o que coloca em risco até o pagamento das atuais aposentadorias.

O risco ao sistema advém igualmente do fim da contribuição fiscal dos empregadores, como a Cofins e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Com o PIS-Pasep, somam cerca de metade das receitas da Seguridade Social.

A proposta atual retira as contribuições fiscais do financiamento das aposentadorias (mantendo-as na Seguridade). O financiamento tripartite da aposentadoria acabaria, no sentido em que a reforma deixaria apenas o contrato de trabalho formalizado entre o trabalhador e seu empregador como fonte de recursos (através da contribuição previdenciária sobre a folha salarial).

Isto tudo provavelmente já inviabilizaria o sistema, mas para completar o governo Bolsonaro promete reforma tributária que libera o empregador de contribuir para a Previdência com uma percentagem da folha salarial, além de abolir a Cofins e a CSLL.

Se o objetivo for mesmo combater privilégios e reduzir desigualdades, a proposta deveria, explicar em detalhe as projeções atuariais e demográficas que justificam atrasar e até inviabilizar a aposentadoria de milhões de brasileiros pobres

Em um país tão desigual, deixar apenas os trabalhadores e, a depender da reforma tributária, talvez os empresários como responsáveis por um sistema contributivo de aposentadoria é condená-lo, especialmente nas circunstâncias atuais. A crise e o desemprego levaram 6,2 milhões de trabalhadores e milhares de empresas a deixaram de contribuir para o sistema, contraindo as receitas em cerca de R$ 230 bilhões entre 2014 e 2017 em termos reais.

Para completar, o desvio das contribuições sociais da Seguridade Social para o Tesouro aumentou de 20% para 30% em 2016, saltando da média de R$ 63,4 bilhões entre 2013-2015 para nada menos que R$ 113 bilhões em 2017.

Foi a crise econômica que contribuiu para o déficit, e não o contrário. Quando a crise for superada, porém, não é provável que as receitas se recuperem o suficiente caso o emprego do futuro venha sem contribuição empresarial sobre a folha salarial.

Se, como hoje, a solução proposta para a insuficiência de receitas no futuro for elevar de novo a idade mínima, a alíquota média e o tempo de contribuição, qual segurança jurídica terão os trabalhadores para serem incentivados a contribuir para a previdência pública mesmo que tenham empregos estáveis?

Em suma, trabalhadores com emprego e renda precários não terão capacidade de alcançar o tempo de contribuição requerido para se aposentar, enquanto trabalhadores com emprego estável e maior renda não terão incentivos para contribuir para um sistema insustentável.

É por isso que, se o objetivo for realmente combater privilégios e reduzir desigualdades, a proposta deveria, primeiro, explicar em detalhe as projeções atuariais e demográficas que justificam atrasar e até inviabilizar a aposentadoria de milhões de brasileiros pobres.

Segundo, deveria focar no topo do funcionalismo público e não nos trabalhadores pobres e precários. Nas projeções do governo para a proposta original, no entanto, a suposta “justiça fiscal” com o aumento das alíquotas de contribuições de funcionários públicos representa 1% da economia, enquanto 91% (R$ 4,1 trilhões em 20 anos) viria da assistência social e do regime geral, onde 90% dos aposentados recebem até 2 salários mínimos.

Terceiro, a reforma previdenciária deve ser necessariamente complementada pela reforma tributária, mantendo o financiamento tripartite da Previdência, mas combatendo os privilégios na tributação. Afinal, o Brasil parece um paraíso fiscal para detentores de capital e para a elite de profissionais de alta renda.

Quase metade da receita de impostos (49,19% em média entre 2008 e 2017) vem embutida em bens e serviços que não distinguem o consumidor miserável do endinheirado. Como o pobre consome tudo ou quase tudo o que ganha, paga proporcionalmente mais impostos que o rico.

Por sua vez, a alíquota máxima do imposto de renda (27,5%) captura tanto o assalariado de R$ 5 mil quanto o de R$ 10 milhões. Já o detentor do capital simplesmente não paga imposto pessoal sobre sua renda em lucros e dividendos. Profissionais que prestam serviços como pessoas jurídicas têm o mesmo privilégio. Outra jabuticaba brasileira é que as empresas deduzem o “pagamento” de juros sobre seu “capital próprio”, o que aumenta os lucros distribuídos sem impostos.

Combater estes privilégios pode levantar bem mais de R$ 100 bilhões ao ano como quer o governo. Ademais, a sonegação se aproximou de R$ 620 bilhões em 2018, segundo nova estimativa do Sinprofaz. Isto é muito mais que a economia com o corte de aposentadorias e pensões proposto pelo governo Bolsonaro. Isto sem falar de outras isenções e das dívidas tributárias.

Ainda é tempo de debater com honestidade como combater privilégios e reduzir desigualdades. Porém, levar adiante a reforma da previdência nos termos atuais tornaria o Brasil um exemplo mundial de como destruir um sistema solidário de previdência e aumentar a desigualdade.

Thomas Piketty é diretor da l´Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (EHESS) e professor da Paris School of Economics (PSE).
Marc Morgan e Amory Gethin são pesquisadores do World Inequality Lab da PSE.
Pedro Paulo Zahluth Bastos é professor do IE-Unicamp e pesquisador do Cecon-Unicamp.