BOLSONARO ATACA RUI COSTA ANTES DE EMBARCAR PARA A BAHIA

.

BOLSONARO ATACA RUI COSTA ANTES DE EMBARCAR PARA A BAHIA

Brasil247 – Governador da Bahia Rui Costa e Presidente Jair Bolsonaro (Foto: Mateus Pereira/GOVBA | PR) – Poucas horas antes de embarcar para a Bahia, às 9h30, Jair Bolsonaro lançou novo ataque contra o governador Rui Costa em um tweet no qual acusou-o de não liberar a PM baiana “para a nossa segurança”; o novo ataque soma-se a uma série de agressões cometidas contra o povo nordestino e dos governadores da região nos últimos dias; na inauguração do novo aeroporto de Vitória da Conquista, uma barreira de tapumes irá impedir a aproximação do povo; clima é de intervenção federal em Vitória da Conquista.

Poucas horas antes de embarcar para a Bahia, às 9h30, Jair Bolsonaro lançou novo ataque contra o governador Rui Costa em um tweet no qual acusou-o de não liberar a PM baiana “para a nossa segurança”. O novo ataque soma-se a uma série de agressões cometidas contra o povo nordestino e os governadores da região nos últimos dias. 

Na inauguração do novo aeroporto de Vitória da Conquista, uma barreira de tapumes irá impedir a aproximação do povo. Forte esquema de segurança foi montado para a solenidade, numa ação de quase intervenção federal em Vitória da Conquista.

Veja o tweet: 

Na tarde desta segunda-feira (22), o governador Rui Costa anunciou oficialmente que não mais iria à inaguração do aeroporto. Veja a explicação de Costa:

A crise entre Bolsonaro e o Nordeste está em uma escalada vertiginosa, desde que ele,  num café da manhã com correspondentes estrangeiros, no dia , ofendeu os nordetinos chamandos de “paraíbas” e atacou diretamente o governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B) -as agressões foram feitas numa conversa com o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, na abertura do encontro, quando ambos não se deram conta que os microfones estavam ligados. Assista:

https://www.facebook.com/Brasil247/videos/367658483948148/

Em outro momento, Bolsonaro ofendeu os nordestinos chamando-se de “pau-de-arara” e “cabeça chata” e rindo de maneira escandalosa, comprazendo-se de seu preconceito. Assista:

Além de Rui Costa, os vereadores de Vitória da Conquista decidiram. Em nota oficial, a Câmara Municipal da cidade anunciou que não participaria do ato de inauguração, esclarecendo que defendia que o ato de inauguração deveria ser “público, aberto a toda a população” (leia aqui).

…………….

MORO E DELTAN, OS VALENTÕES, FOGEM DO “CASO FLÁVIO”. E AINDA: GLOBO E STF

.

MORO E DELTAN, OS VALENTÕES, FOGEM DO “CASO FLÁVIO”. E AINDA: GLOBO E STF

A valentia loquaz de Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato, tem um limite: não desagradar ao governo Bolsonaro. E nisso ele encontra um parceiro e tanto: Sergio Moro. Novos diálogos revelados pelo site “The Intercept Brasil” demonstram a administração política que Dallagnol dá até às suas declarações. Um episódio ilustra a politicagem na força-tarefa de maneira constrangedora.

Os folguedos de Flávio Bolsonaro (centro) desarrumaram o discurso oficial dos paladinos Deltan Dallagnol (esq.) e Sério Moro (dir.): sobrou a empulhação

A valentia loquaz de Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato, tem um limite: não desagradar ao governo Bolsonaro. E nisso ele encontra um parceiro e tanto: Sergio Moro. Novos diálogos revelados pelo site “The Intercept Brasil” demonstram a administração política que Dallagnol dá até às suas declarações. Um episódio ilustra a politicagem na força-tarefa de maneira constrangedora.

Dallagnol recebe um convite da reportagem do “Fantástico”, da TV Globo, para dar uma entrevista sobre o fim do foro especial para deputados e senadores, uma das militâncias a que se dedicou a direção de jornalismo da emissora. A personagem principal da notícia, que receberia tratamento necessariamente negativo, dadas as circunstâncias, era o deputado Paulo Pimenta (RS), do PT. Processo de que é réu sairia do Supremo e iria para a primeira instância porque relativo a caso anterior ao mandato e sem relação com este. Mas o “Fantástico” deixa claro que se vai falar também sobre Flávio Bolsonaro.

No dia 21 de janeiro deste ano, Dallagnol envia a seguinte mensagem a seus pares no grupo “Filhos de Januário 3” (conforme o original):
DALLAGNOL – 16:44:44 –  Pessoal, temos um pedido de entrevsita do fantástico sobre foro privilegiado. O caso central é bom, envolvendo o Paulo Pimenta, se isso for verdade rs. O risco é eles decidirem no fim focar no Flávio Bolsonaro e usarem nossas falas nesse outro contexto. De um modo ou de outro, o que temos pra falar é a mesma coisa. Além disso, algumas informações que buscam não temos (são da PGR). A questão é se é conveniente darmos entrevista para essa reportagem ou não. Eu não vejo que tenhamos nada a ganhar porque a questão do foro já tá definida. Diferente de uma matéria sobre prisão em segunda instância…

Que coisa fabulosa!

Notem que, segundo o coordenador da força-tarefa, “o caso central é bom, envolvendo o Paulo Pimenta”. Ou por outra: bater num petista era uma vantagem e estava adequado à metafísica influente na turma. E, de fato, a mensagem enviada pela Globo, repassada por Dallagnol, deixa claro: “suspeita contra o Pimenta será nosso principal case numa reportagem sobre os casos em que políticos perderam o foro, devido ao entendimento do Supremo de que a prerrogativa só existe para crimes cometidos durante o mandato e que dizem respeito ao mandato.” Mas aí acrescenta o jornalista (no caso, da RBS, filiada no Rio Grande do Sul): “Citaremos também o caso F. Bolsonaro, que surgiu após o início da nossa apuração”.

E aí Dallagnol treme nas bases: “O risco é eles decidirem no fim focar no Flávio Bolsonaro e usarem nossas falas nesse outro contexto.”  A desconfiança do procurador não faz jus à fidelidade da emissora à Lava Jato, de quem é a mais vistosa e poderosa porta-voz — e não apenas da força-tarefa de Curitiba.

Dallagnol não vê nada de útil em conceder a entrevista porque eles já ganharam a batalha do fim do foro especial. E falar sobre Flávio não lhe pareceu conveniente… Se fosse só para malhar o petista Pimenta, aí seria bom… Mas Flávio???

NÃO ERA A PRIMEIRA VEZ

Não era a primeira vez que Dallagnol evidenciava que melhor seria não mexer muito com o Zero Um. No mesmo grupo, no dia 8 de dezembro do ano passado, escreveu:
DALLAGNOL – 09:04:38 – Em entrevistas, certamente vão me perguntar sobre isso [Flávio]. Não vejo como desviar da pergunta, mas posso ir até diferentes graus de profundidade. 1) é algo que precisa ser investigado; 2) tem toda a cara de esquema de devolução de parte dos salários como o da Aline Correa que denunciamos ou, pior até, de fantasmas.

Em outra conversa, com o procurador Roberson Pozzobon (o “Robito”, aquele com quem queria criar empresa de palestras em nome das respectivas mulheres para “lucrar”), o próprio Dallagnol pondera:
“DALLAGNOL – 10:04:00 – Não sei se convém o nível 2. Não podemos ficar quietos, mas é neste momento um pouco como com RD [Raquel Dodge]. Vamos depender dele pra reformas… Não sei se vale bater mais forte

CADÊ O VALENTÃO?

Pois é… Nada disso lembra aquele procurador sempre valentão, que dava plantão nas redes sociais quando algo estava em votação no Supremo e que saía por aí tonitruando a sua moralidade impecável, posando, se necessário, de vítima; afirmando que a função que exercem os membros da força-tarefa lhes cobra quase uma dedicação de mártires — no seu caso, um mártir que anunciou à própria mulher ganhos líquidos de R$ 400 mil com palestras em 2018.

O COMPORTAMENTO DE MORO

Os procuradores também falam do comportamento de Sergio Moro depois que o caso Flávio Bolsonaro veio a público. Prestem atenção a esta sequência daquele mesmo 8 de dezembro de 2018, pouco antes de Dallagnol decidir entre a coragem e covardia, ficando com a segunda.

A conversa começa com o envio de um link de reportagem do UOL sobre o depósito de R$ 24 mil que Fabrício Queiroz fizera na conta de Michelle Bolsonaro, mulher do, à época, presidente eleito:

DELTAN DALLAGNOL – 00:56:50 – https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2018/12/07/bolsonaro-diz-que-ex-assessor-tinha-divida-com-ele-e-pagou-a-primeira-dama.htm
DALLAGNOL – 00:58:15 –
[imagem não encontrada]
DALLAGNOL – 00:58:15 – [imagem não encontrada]
DALLAGNOL – 00:58:38 –
COAF com Moro
DALLAGNOL – 00:58:40 – Aiaiai
JULIO NORONHA – 00:59:34 – (figurinhas de macaquinhos tampando os olhos)
DALLAGNOL – 01:04:40 –
[imagem não encontrada]
JANUÁRIO PALUDO – 07:01:20 – Isso lembr
PALUDO – 07:01:48 – Lembra algo Deltan?
PALUDO – 07:03:08 – Aiaiai
JERUSA VIECILLI – 07:05:24 – Falo nada … Só observo
DALLAGNOL – 08:47:52 –
Kkk
DALLAGNOL – 08:52:01 – É óbvio o q aconteceu… E agora, José?
DALLAGNOL – 08:53:37 – Moro deve aguardar a apuração e ver quem será implicado. Filho certamente. O problema é: o pai vai deixar? Ou pior, e se o pai estiver implicado, o que pode indicar o rolo dos empréstimos?
DALLAGNOL – 08:54:21 –
Seja como for, presidente não vai afastar o filho. E se isso tudo acontecer antes de aparecer vaga no supremo?
DALLAGNOL – 08:58:11 – Agora, Bolso terá algum interesse em aparelhar a PGR, embora o Flávio tenha foro no TJRJ. Última saída seria dar um ministério e blindar ele na PGR. Pra isso, teria que achar um colega bem trampa
ATHAYDE RIBEIRO COSTA – 08:59:41 – É so copiar e colar a ultima denuncia do Geddel
ROBERSON POZZOBON – 09:02:52 – Acho que Moro já devia contar com a possibilidade de que algo do gênero acontecesse
POZZOBON – 09:03:19 – A questão é quanto ele estará disposto a ficar no cargo com isso ou se mais disso vir

Moro, como sabemos, silenciou sobre o caso Fabrício. O paladino contra a corrupção enfiou o rabo da moralidade entre as pernas e preferiu fugir do assunto. Fez o mesmo também em outro caso que chega a ser vexaminoso: o de seu colega de ministério Marcelo Álvaro Antonio (Turismo) e o laranjal que o cerca.

Os diálogos divulgados neste domingo mostram a parcialidade e o direcionamento político da “luta contra a corrupção” travada por Moro e Dallagnol, entre outros.

A VAGA NO STF

E agora muito importante corre o risco de se perder em meio às conversas. Escreve Dallagnol:
DALLAGNOL – 08:54:21 – Seja como for, presidente não vai afastar o filho. E se isso tudo acontecer antes de aparecer vaga no supremo?

No dia 12 de maio, em entrevista a Milton Neves, da Band, Bolsonaro afirmou que, ao convidar Moro para o Ministério da Justiça, prometeu que o indicaria para uma vaga no Supremo. Ficou claro que tal promessa tinha feito parte do pacote de ofertas para que aceitasse a pasta. No dia seguinte, o ministro da Justiça desmentiu o chefe. E ficou o dito pelo não-dito.

Notem que, muito antes, ainda em dezembro, Dallagnol já tratava da indicação de seu amigo de fé, irmão, camarada para a vaga no tribunal. E ainda deixa claro que, se Moro resolvesse se engajar na apuração das lambanças havidas no gabinete de Flávio, a indicação não sairia.

E Moro, como sabemos, não se engajou.

Só não sei se haverá tempo para ser ministro do Supremo.

Digam: a Lava Jato não lhes parece, a cada dia, mais isenta, mais independente, mais imparcial e interessada apenas em combater os malfeitores?

Ah, sim: os valentes todos afirmam não reconhecer a autenticidade das conversas. A Globo diz não comentar conversa de seus jornalistas com fontes. Mas não nega, claro!, o envio da mensagem. Nem poderia. Ela é verdadeira, a exemplo de todas as outras.

….

BACO EXU DO BLUES, O HOMEM QUE COLOCOU O RAP BAIANO NO 1º PLANO

.

BACO EXU DO BLUES, O HOMEM QUE COLOCOU O RAP BAIANO NO 1º PLANO

PEDRO ALEXANDRE SANCHES – CARTA CAPITAL – O rapper achava que era um rebelde sem causa, mas descobriu depois que tinha várias causas. Um garotinho negro afirma que quer ser médico quando crescer. Um jovem negro corre a toda a velocidade, ofegante, aparentemente fugindo de algo ou de alguém. Entra a voz do jovem rapper baiano Baco Exu do Blues, de 23 anos, que fala em nome de todo um gênero musical, o blues: “Eu sou o primeiro ritmo a formar pretos ricos/ o primeiro ritmo que tornou pretos livres”. Baco Exu do Blues, codinome de Diogo Moncorvo, assume nessas palavras ser o blues (a tristeza?) em pessoa. O curta-metragem Bluesman desenvolve-se por dez minutos, complexo e cheio de alçapões em música e imagem.

O vídeo convenceu o júri do Festival Internacional de Criatividade Cannes Lions, que deu ao rapper o grande prêmio na categoria entretenimento para música, empatado com o vídeo de This Is America, de Childish Gambino, uma cortante discussão sobre o racismo nos Estados Unidos. O jovem artista baiano, autor de versos como tá tudo confuso como meus sonhos eróticos com a Beyoncé/ me desculpa, Jay-Z, queria ser você/ minha vida tá chata, quero enriquecer (de Me Desculpa Jay-Z), ganhou justamente o prêmio que poderia ter sido do casal de estrelas negras formado por Beyoncé e Jay-Z, que concorria com o vídeo de Apeshit, gravado no Museu do Louvre, em Paris. Bluesman é uma cortante discussão sobre o racismo no Brasil. “Esta é a primeira fresta a se abrir”, avalia Baco, enquanto almoça carne no restaurante Sujinho, no Centro de São Paulo, onde tem morado ultimamente. “Você pode conseguir aumentar essa fresta ou deixar ela aí e daqui a pouco ela se fechar”, divaga o jovem que afirma almejar fama e reconhecimento mundiais.

Assista a Bluesman aqui:

VÍDEO:

Diogo é filho de um Brasil que alargou horizontes nas duas primeiras décadas do século XXI e hoje vê a funkeira Anitta fazer sucesso internacional, inclusive participando de uma canção pop no disco de Madonna, e tem filmes nacionais como A Vida Invisível de Eurídice Gusmão (de Karim Aïnouz) e Bacurau (de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles) premiados na mesma cidade europeia onde Baco triunfou. Ele não estava presente, porque não tem passaporte e nunca saiu do Brasil. Quer fazer sucesso mundial em português. Diz que seu diferencial é ter nascido numa família de classe média, de mãe branca professora de literatura e pai negro professor de tai chi chuan (que morreu quando ele tinha 7 anos).

Baco Exu conta que sempre encontra pessoas que veneravam seu pai: “Sempre foi muito isso, em todos os encontros que eu tinha com quem conheceu meu pai. Eram encontros que me pesavam até as costas, porque era como se eu fosse filho do ser humano mais fantástico e correto do mundo, e na época eu não era nada, era só um garoto perdido. Era como se as pessoas me comparassem a essa imagem intocável do cara que salvava vidas e que entregava a vida para os outros de diversas formas”.

A memória pesou-lhe nas costas, mas se fez referencial também. “A autoridade máxima dentro da casa, tanto para as pessoas da família quanto para os discípulos de fora, era um homem negro.” As coisas mudaram quando Diogo começou a frequentar colégios particulares (foi expulso de vários) e viu-se como único ou um dos únicos negros em meio a uma população branca. “Mudou o ambiente e eu sofria de diversos lados, de diversas formas, e não entendia por que estava sofrendo. Digo que acabei virando rebelde sem causa. Mas existia uma causa. Eu só não entendia qual era.” E complementa, apontando o encontro da causa da rebeldia: “Por que eu era tão expulso? Eu não era o problema, mas estava num ambiente onde não era aceito, então, obviamente, os problemas iam cair  em mim. Era a falta de conseguir me comunicar, tá ligado? Eu tentava me comunicar e me embolava. Tinha coisas importantes pra falar, queria que as pessoas entendessem, e as pessoas não entendiam, e eu ficava indignado. E aí comecei a escrever”.

Na reflexão sobre esse difícil lugar no mundo nasceu, primeiro, o poeta, influenciado pela mãe e, em seguida, o rapper, que em 2016 atraiu atenções com um rap provocativo em dupla com o pernambucano Diomedes Chinaski, chamado Sulicídio, em que os parceiros criticavam a supremacia dos rappers do eixo Rio-São Paulo e exigiam respeito aos rappers do Nordeste. A canção rendeu também atenção negativa, devido aos versos homofóbicos pelos quais Baco logo pediu desculpas. Apesar dos percalços, foi um passo a mais para o reconhecimento de toda uma leva de rappersfora do eixo, que hoje somam pernambucanos, baianos (como O Quadro e Larissa Luz), cearenses (Don L, Nego Gallo), mineiros (Djonga) etc.

Filho de mãe branca e pai negro, professores, Baco é agora reverenciado mundialmente

Em 2017, Baco debutou com o álbum Esú, ainda mais provocativo que Sulicídio. O título, Esú, estabelece conexão direta entre Exu e Jesus, na reivindicação de um Jesus Cristo negro que contemple mais que a sempre contemplada sociedade branca. Entre as faixas do disco misturaram-se referências à literatura (Capitães da Areia) e ao cinema (A Pele Que Habito), que o segundo álbum, Bluesman (2018), ampliaria em raps denominados Minotauro de Borges ou Girassóis de Van Gogh. A essa altura, o público de Baco já era uma multidão, em shows sempre lotados nos quais a plateia canta em uníssono seus intrincados versos.

Baco Exu do Blues diferenciou-se dos rappers que o antecederam por encontrar terreno fértil para compreender os porquês do racismo, do machismo, da homofobia. Eu sou dos poucos que não escondem o que sentem, canta em Bluesman. “Quando você fala de racismo, fala de masculinidade tóxica de uma forma visceral. Ela destrói você de diversas formas, nos seus relacionamentos. Eu chutaria que a masculinidade tóxica, para o homem negro, é páreo a páreo com os motivos de depressão, juntamente com o racismo. Por ter depressão e por ter depressão dentro de um relacionamento, fui entendendo isso pouco a pouco, e como me atingia.”

VÍDEO:

Eis outro diferencial do jovem artista: ele gosta de falar abertamente sobre suas dificuldades psicológicas. “Eu vejo como uma parte da minha vida. A depressão é tipo um amigo que você não tem certeza se é seu amigo. Você pensa: esse cara pode me passar a perna qualquer dia, mas é aquela pessoa que é muito próxima e, se passar a perna em você, vai te derrubar de verdade. É uma coisa que me faz escrever muito. Quando tenho minhas crises, meu Deus do céu, viro o poeta maior do mundo”. O encadeamento lógico leva a outras conclusões de grande monta: “Todo jovem negro sofre racismo quando é criança. Se teve um gatilho para a depressão, muito provavelmente a gente já sabe qual foi o motivo desse gatilho.” Toda pessoa negra sofre de depressão, ele acredita.

A fonte do sucesso é outro elemento de incessante indagação para Diogo. Eu sou o preto mais odiado que você vai ver, canta em Kanye West da Bahia (2018). “O dinheiro não legitima a gente. Essa falsa sensação de que o dinheiro compra o respeito das pessoas brancas é mentira”, afirma. “Vai chegar um momento que você não é querido nem pelos seus nem pelos outros. Para os brancos, você está no lugar deles, e as pessoas brancas não querem que você esteja ali. E os negros vão olhar pra você e dizer: ‘Ah, ele agora só está no lugar de branco, ele perdeu a essência dele’. Todo mundo quer chegar no lugar onde você está, e você não mostrar que está mal. E qual é a forma mais prática de você mostrar pras pessoas que não sente a dor? Tendo tênis caro, roupa boa, saindo pra festa cara que todo mundo queria ir. Se você vê, a gente está numa corrida de rato numa rodinha de hamster.”

Minotauro de Borges incide em cheio sobre essas reflexões: Negro correndo da polícia com tênis caro/ tipo Usain Bolt de Puma não paro/ correndo mais que os carros/ eu não fui feito do barro/ pisando no céu enquanto eles se perguntam, ‘como esse negro não cai?’/ dizem que o céu é o limite/ eles se perguntam: ‘por que esse negro não cai?’ 

Diogo segue em frente, equilibrando-se entre os sentimentos negativos e os positivos. No vídeo premiado de Bluesman, o jovem negro corre sem parar, ao longo de 11 minutos. Em nossos pensamentos racistas, nos induzimos a pensar que ele foge da polícia. Na cena final vem a revelação: estava atrasado para a aula de música. Eles querem um preto com arma pra cima/ num clipe na favela gritando ‘cocaína’/ querem que nossa pele seja a pele do crime, canta Bluesman. Baco Exu do Blues entrega o contrário do que o racismo e a depressão esperam dele.

 

…………..

 

CRIME OCULTO: O MASSACRE QUE TENTARAM APAGAR DA HISTÓRIA DA CONSTRUÇÃO DE BRASÍLIA

.

CRIME OCULTO: O MASSACRE QUE TENTARAM APAGAR DA HISTÓRIA DA CONSTRUÇÃO DE BRASÍLIA

Havia resistência política à ideia de mudar a capital, e um massacre, se viesse à tona, traria graves prejuízos aos planos de JK / Foto: Mario Fontenelle / Acervo Público do DF

Um ano antes da inauguração da capital brasileira, dezenas de operários foram mortos após questionarem más condições

Pedro Rafael Vilela | Brasil de Fato | Brasília (DF) – A revolta de um grupo de operários que atuou na construção de Brasília, que acabou sendo vingada com um verdadeiro banho de sangue, é a expressão de como poderosos interesses atuam para reescrever a história ou silenciá-la.

O chamado massacre da construtora Pacheco Fernandes, ocorrido em 8 de fevereiro de 1959, em pleno carnaval, pode ser considerada uma das maiores tragédias brasilienses. Mas a história oficial buscou desacreditar sua gravidade, e até mesmo a sua existência. Até hoje não é possível afirmar com exatidão quantas pessoas morreram naquele dia.

Meses antes da sua inauguração, Brasília chegou a abrigar mais de 40 mil operários, trabalhando em jornadas extenuantes de trabalho, que não raro ultrapassada as 18 horas, em turnos ininterruptos. Muitos desses trabalhadores trouxeram familiares, que se aboletaram em barracos precários ao redor dos principais monumentos da cidade.

Alguns anos mais tarde, uma operação de remoção retiraria as mais de 80 mil famílias desses locais, realocando-as em zonas distantes do centro da capital, sem qualquer amparo do poder público.

A área que hoje abriga uma das principais metrópoles do país era um imenso canteiro de obras no final da década de 1950 (Foto: Mário Fontenelle/Arquivo Público do DF)

Chacina

A história do massacre começa com uma revolta no refeitório da construtora Pacheco Fernandes, local onde hoje existe a Vila Planalto, bairro que fica a poucos quilômetros da Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes.

As condições oferecidas pelas construtoras aos seus operários eram muito precárias, segundo a professora Nair Bicalho, da Universidade de Brasília (UnB), autora do livro “Construtores de Brasília”, que narra a trajetória desses trabalhadores.

— Os galpões possuíam dez a quinze quartos com beliches de dois a três andares. Os sanitários eram um buraco cavado no chão e protegidos com uma porta de lona. O acampamento também tinha problema de falta de água. As camas tinham colchões de capim e predominava enorme falta de higiene: pulgas, percevejos e piolhos se espalhavam pelo ambiente, sendo necessário diversas vezes queimar os colchões. As cantinas tinham longas filas devido ao grande número de operários dos alojamentos, o que deixava trabalhadores famintos esperar muito tempo para o café, almoço ou jantar. Esta situação de desconforto e privação resultava inúmeras vezes em quebras das cantinas por motivo da comida crua, estragada ou com pequenos animais mortos dentro dela —, detalha.

A indignação com a comida servida no acampamento foi o estopim para o massacre. Dois operários foram reclamar do que seria uma refeição estragada, o que gerou uma confusão.

Chamada para reinstalar a ordem no acampamento, a Guarda Especial de Brasília (GEB) – criada para cuidar da segurança pública da capital em construção – enviou dois soldados, que foram cercados pelos operários e recuaram.

Horas mais tarde, quando boa parte dos trabalhadores estava dormindo nos alojamentos, a GEB retorna com quase 30 homens e executa vários deles.

O inquérito oficial sobre o incidente confirma a versão de que os soldados retornaram ao acampamento e atiraram, mas a apuração só teria oficializado uma morte e 48 feridos.

“O que consta nos depoimentos que eu recolhi é que a polícia atirou nos operários enquanto eles dormiam. Obtive depoimentos sobre dezenas de operários atingidos. Um total 120 malas nunca foram buscadas no alojamento”, relata Nair Bicalho, que entrevistou mais de 30 pessoas sobre o caso, inclusive um coronel responsável pela operação policial.

“Eu não tenho a menor a dúvida sobre massacre na empresa Pacheco Fernandes. Eu interpretei assim a partir dos documentos e algumas entrevistas”, acrescenta.


Trabalhadores fazem fila para se cadastrar na construção de Brasília. (Foto: Arquivo Público do DF)

Silenciamento

No filme “Conterrâneos Velhos de Guerra”, do cineasta Vladimir Carvalho, o massacre é contado em detalhes por quem testemunhou o episódio.

Dezenas de corpos de operários mortos teriam sido recolhidos com caminhão basculante e depositados em lugar ignorado.

A repercussão na imprensa foi mínima. Os dois únicos veículos a noticiarem o massacre foram os jornais O Binômio, de Belo Horizonte, que chegou a mandar um repórter, e o diário O Popular, de Goiânia.

Ao longo dos anos acabou prevalecendo o discurso oficial que nega a existência da chacina. Até mesmo Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, respectivamente o arquiteto e o urbanista que desenharam a cidade, disseram desconhecer totalmente esse acontecimento.

“Foi uma tentativa de apagamento. As mídias se curvaram aos poderosos do momento”, o cineasta.

“Como a capital estava sendo construída para ser inaugurada, naquela política de crescer 50 anos em cinco – do Juscelino Kubitschek –, então estavam todos muito empenhados que a capital não ficasse manchada com esse acontecimento histórico”, afirma Nair Bicalho.

Parte da classe política resistia à ideia de mudar a capital do país, e um massacre como esse, se viesse à tona, traria graves prejuízos políticos aos planos de JK.


Retirantes, que ficaram conhecidos na história como candangos, chegam para trabalhar na construção da nova capital, em janeiro de 1959 (Foto: Arquivo Público do DF)

O papel da Guarda também é emblemático.

Essa força militar era formada, em boa medida, por jagunços oriundos de outras regiões do país, sem treinamento, e cumpriu um papel de forte repressão durante a construção de Brasília.

— [A GEB] era recrutada pelos piores elementos que vieram a Brasília, que só conheciam a linguagem da violência. Havia uma impunidade, um deserto, uma coisa que não tinha polícia constituída, não tinha Justiça constituída. Era plausível que um conflito como esse terminasse em brutalidade —, afirma Vladimir Carvalho.

Segundo ele, a impunidade pode ser vista como um fator cíclico, recorrente pano de fundo na história do Brasil. “O distanciamento, o desprezo e o descaso que orientam essa relação. Dizimaram os índios, escravizaram os negros e a fusão de tudo isso está aí”, analisa Carvalho.

Outro aspecto importante sobre o massacre, afirma Nair Bicalho, é a construção da memória, que exclui o papel das classes populares como atores políticos.

“Qual é o papel do povo brasileiro na história brasileira? Onde ele fica? Os estudos vão para os vencedores, a história oficial. Tanto que o Juscelino tem vários livros, mas você não vai achar isso nos livros dele”, assevera.

Para ela, o “Massacre da Pacheco Fernandes” é um desses casos em que se aplicou a lógica de manipulação da história. “É todo um pacto de silêncio que as nossas elites sempre tiveram, em relação a eventos, acontecimentos, violências cometidas contra as classes populares. É uma tradição brasileira de não reconhecer o lugar da memória nacional que exige os esclarecimentos de todos os fatos históricos, bons ou ruins”, afirma.

Edição: Rodrigo Chagas

ANÚNCIOS DA ÉPOCA DA ESCRAVIDÃO MOSTRAM POR QUE O BRASIL PRECISA ACERTAR AS CONTAS COM O PASSADO

.

ANÚNCIOS DA ÉPOCA DA ESCRAVIDÃO MOSTRAM POR QUE O BRASIL PRECISA ACERTAR AS CONTAS COM O PASSADO
Alexandre Andrada – The Intercept Brasil – AS ELITES BRASILEIRAS parecem ter um hábito secular de pôr uma pedra sobre o nosso passado. Apesar de sermos o país com a maior população negra fora da África, quase não há museus sobre o tema e mal estudamos o assunto nas escolas. O desconhecimento do brasileiro médio em relação aos horrores e às consequências da escravidão é enorme. O esquecimento não é um acaso, é um projeto.

O Brasil é o país mais importante na história da diáspora africana. Foram mais de 4 milhões de escravizados que desembarcaram em nossos portos, principalmente nos do Rio de Janeiro, Salvador e Recife, entre 1530 e 1850.

Na primeira metade do século 19, mais de 2 milhões de africanos aportaram no Brasil. Era uma multidão de gente. No censo de 1872, o primeiro de nossa história, o país tinha 10 milhões de habitantes e mais da metade (58%) da população era formada por pretos e pardos, incluindo livres, libertos e escravizados.

Os escravizados, nascidos no Brasil e na África, foram a mão de obra utilizada na criação da riqueza derivada do açúcar, do algodão, do ouro, do diamante e do café, principais produtos de exportação do país. Mas eles eram também empregados domésticos, amas de leite, sapateiros, barbeiros, vendedores de rua, pedreiros, pescadores, alfaiates, ferreiros. As ruas e as casas brasileiras do século 19 transbordavam escravidão.

Em 1872, apenas 0,08% dos escravizados eram alfabetizados. Isso, por si, só explica a ausência de relatos em primeira pessoa sobre esse drama. Por sorte, existe uma única autobiografia conhecida de um africano que passou pela experiência do navio negreiro e foi escravizado no Brasil. Ele se chamava Mahommah Baquaqua.

Nascido por volta de 1820, Baquaqua era filho de um comerciante muçulmano e frequentou uma escola religiosa localizada no atual estado de Benin. Sequestrado na África, foi trazido como escravo para o Brasil em 1845. O tráfico de escravizados já era proibido no Brasil desde 1830, graças a um acordo com a Inglaterra, e desde de 1831, por força de uma lei de iniciativa nacional. Se valessem essas leis, Baquaqua deveria ser declarado livre assim que pisasse o solo brasileiro; e seu traficante, preso. Mas esse era o mundo imaginário das leis, não o dos fatos.

Em sua autobiografia, publicada originalmente em 1854 nos Estados Unidos, Baquaqua relata o drama comum aos mais de 4 milhões de africanos escravizados que aqui desembarcaram.

Capa-do-livro-de-Baquaqua-1562012079

Imagem da edição do livro de Mahommah G. Baquaqua. – Foto: Bruno Veras (Public domain)

O relato dos horrores vividos no navio negreiro é pujante. Baquaqua conta que ele e seus companheiros de infortúnio foram empurrados “para o porão do navio em estado de nudez”, com “os homens amontoados de um lado e as mulheres do outro”. Como “o porão era tão baixo”, eles eram obrigados a “se agachar” ou ficar sentados no chão.

A escravidão implica na desumanização completa do indivíduo. Perder o direito à religião e ao nome escolhido por seus antepassados é parte desse processo.

Uma viagem de navio de Angola até o Recife demorava em torno de 30 dias. Amontoados e acorrentados em posição desconfortável, o porão acumulava resquícios de urina, fezes, vômitos sob um forte calor. Relatos dão conta que as pessoas nas cidades primeiro sentiam o mau cheiro desses navios antes mesmo de os verem no horizonte. “A repugnância e a sujeira daquele lugar horrível nunca será apagada da minha memória”, escreveu Baquaqua.

As terríveis condições de higiene e alimentares faziam com que a taxa de mortalidade nas viagens superasse os 10% dos embarcados. Os que morriam pelo caminho tinham seus corpos atirados ao mar, o que torna o Atlântico um gigantesco cemitério de africanos.

Baquaqua conta que “a única comida” que eles tiveram durante a viagem era um “milho encharcado e cozido”. A água também era racionada: “um pint (equivalente a 400 ml) por dia era tudo o que era permitido e nada mais”.

“Houve um pobre rapaz que ficou tão desesperado por falta de água, que tentou arrancar uma faca do homem branco que trouxe a água, quando foi levado para o convés e eu nunca soube o que aconteceu com ele. Eu suponho que ele foi jogado ao mar.

A violência era crucial para manter a “ordem”. Baquaqua conta que, “quando qualquer um de nós se tornava desobediente, sua carne era cortada com uma faca”, então, “pimenta ou vinagre” eram esfregados na ferida.

Os grandes traficantes de escravos eram brasileiros e portugueses aqui residentes. Eram ricos comerciantes, cuja fortuna superava a dos produtores de açúcar e algodão. Eles eram os ricaços do Rio, Salvador, Recife etc. No Recife, na década de 1820, o maior traficante era o comerciante português Elias Coelho Cintra, que tinha o costume marcar seus escravos com a letra “E” com ferro em brasa no peito, feito gado.

Anúncio do furto de três africanos recém-chegados (“negros novos”) de Angola, que tinham “no peito esquerdo a marca E”, de Elias Coelho Cintra.

Anúncio do furto de três africanos recém-chegados (“negros novos”) de Angola, que tinham “no peito esquerdo a marca E”, de Elias Coelho Cintra. – Fonte: Diário de Pernambuco, 1829

Anúncio reporta a chegada do paquete Pernambuco, vindo de Angola, numa viagem que durou 26 dias. Embarcaram 257 cativos, sendo que 26 morreram, que se destinavam a Elias Coelho.

Anúncio reporta a chegada do paquete Pernambuco, vindo de Angola, numa viagem que durou 26 dias. Embarcaram 257 cativos que se destinavam a Elias Coelho. Vinte e seis morreram na travessia. – Fonte: Diário de Pernambuco, 1830

Um dos bairros ainda hoje mais miseráveis e violentos do centro do Recife é o dos “Coelhos”, nome derivado do fato daquela região ser de propriedade da família do maior traficante de escravos da cidade. Sempre que passo por aquela área, fico pensando que parte dos seus habitantes que sobrevivem em condições desumanas, muitos dos quais em palafitas à beira do rio Capibaribe, pode ser formada por descendentes dos escravizados marcados a ferro quente por Elias.

Ao chegarem no Brasil, esses africanos eram postos em quarentena em portos ou mesmo no interior dos navios. Sobrevivendo a essa fase, os escravizados eram obrigatoriamente batizados na fé católica e recebiam nomes à portuguesa. Viravam todos Josés, Franciscos, Marias, Catarinas – Baquaqua não diz qual era seu nome que teve em seus tempos de Brasil. A escravidão implica na desumanização completa do indivíduo. Perder o direito à religião e ao nome escolhido por seus antepassados é parte desse processo.

A viajante estrangeira Maria Graham, que esteve no país na década de 1820, retrata o horror da visão de uma dessas localidades.

“Mal tínhamos percorrido cinquenta passos no Recife, quando ficamos absolutamente enojados com a primeira vista de um mercado de escravos. Era a primeira vez que (…) estávamos em um país de escravos; e, por mais fortes e pungentes que sejam os sentimentos em casa, quando a imaginação retrata a escravidão, eles não são nada comparados à visão desconcertante de um mercado de escravos. (…) Cerca de cinquenta jovens criaturas, meninos e meninas, com toda a aparência de doença e fome, resultante da escassez de comida e longo confinamento em lugares insalubres, estavam sentados e deitados entre os animais mais sujos das ruas ”.

Ao chegar aqui, sendo ainda “boçal” (termo utilizado para descrever os cativos que não dominavam o português), Baquaqua foi colocado para realizar trabalhos puramente físicos. Seu primeiro ofício foi carregar pedras para a construção de uma casa para o seu proprietário.

Depois de ganhar algum domínio da língua, Baquaqua foi para a rua vender pão. Muitos dos escravizados no Brasil do século 19 eram os chamados “pretos de ganho”, isto é, cativos que trabalhavam na rua vendendo alguma mercadoria ou realizando algum serviço, para garantir uma renda diária ao seu proprietário.

Fotografia do acervo do Instituto Moreira Salles mostra vendedoras de rua no Rio na década de 1870.

Fotografia do acervo do Instituto Moreira Salles mostra vendedoras de rua no Rio na década de 1870. – Foto: Acervo/Instituto Moreira Salles

A escravidão não era exclusividade da agricultura para exportação e o escravizado não era “mercadoria” acessível apenas aos ricaços. O Brasil era uma sociedade escravista no sentido mais preciso do termo. Os anúncios de compra, venda, aluguel e fuga de escravos eram a matéria mais ordinária nas páginas dos jornais brasileiros neste período.

Um viajante escocês que passou pelo Recife em 1820 relata sua visão:

“Acho que nenhuma impressão fica mais profundamente impressa em minha mente do que a visão melancólica de centenas… de milhares de escravos negros que vi na cidade… Você não pode se mover em nenhuma direção, sem que a escravidão, com todas as suas misérias multiplicadas, prenda sua atenção. Se você anda pelas ruas, você encontra os escravos, a cada hora do dia, em centenas, gemendo e suando sob seus fardos, e gastando suas vidas miseráveis no desempenho daqueles trabalhos pesados que são feitos por cavalos na Escócia e na Inglaterra”.

Sendo vendedor de rua, Baquaqua conta que tentou ser obediente ao seu proprietário para evitar castigos e ter uma existência um pouco menos miserável. Mas mesmo sendo obediente, era agredido e humilhado. E como tantos outros escravizados, na busca de uma fuga da dureza do cotidiano, abusou do álcool. Além da bebida, Baquaqua imita o comportamento de outros milhares de escravizados: foge. Porém, também como era a regra, acaba recapturado.

Homens, mulheres, jovens e crianças viviam tentando fugir. Era uma luta desigual. Alguns, com sorte, podiam se aquilombar em Catucá, o mais famoso quilombo existente no Recife na primeira metade do século 19, que tanto amedrontava o “cidadão de bem” da cidade.

Trecho de uma carta escrita por um desembargador reclamando do “Quilombo dos negros dos palmares do Catucá”.

Trecho de uma carta escrita por um desembargador reclamando do “Quilombo dos negros dos palmares do Catucá”. – Fonte: Diário de Pernambuco, 1829

Mesmo “com ferro no pescoço” e com “uma ferida na canela direita”, Sebastião do Rosário tentou fugir da sua condição de escravo. Os anúncios de escravos fugidos eram parte obrigatório dos jornais brasileiros do período.

Mesmo “com ferro no pescoço” e com “uma ferida na canela direita”, Sebastião do Rosário tentou fugir da sua condição de escravo. Os anúncios de escravizados que fugiam eram parte obrigatória dos jornais brasileiros do período. – Fonte: Diário de Pernambuco, 1829.

Anúncio da fuga de uma criança de nove anos com “marcas pela cara” provocadas pelo uso “de uma máscara de flandres”.

Anúncio da fuga de uma criança de nove anos com “marcas pela cara” provocadas pelo uso “de uma máscara de flandres”. – Fonte: Diário de Pernambuco

Gravura mostrando um escravizado com ferros no pescoço e máscara de flandres.

Gravura mostrando um escravizado com ferros no pescoço e máscara de flandres. – Ilustração: Jacques Arago/Museu Afro Brasil (São Paulo)

Baquaqua conta que, após uma recaptura, saiu para vender pão, mas usou o dinheiro arrecadado para comprar bebida. Voltando a casa do senhor embriagado e sem dinheiro. Foi violentamente espancado. Revoltado e humilhado, Baquaqua tenta o suicídio:

“Eu preferiria morrer a viver para ser um escravo. Eu então corri para o rio e me joguei, mas sendo visto por algumas pessoas que estavam em um barco, fui resgatado do afogamento.”

Depois disso, ele é posto à venda.

Anúncio publicado no Diário de Pernambuco em 1830, em que anuncia: “vende-se por [ser] fujão”. O termo “ladino” significava que, apesar de o escravo ser africano, ele já dominava o idioma e os costumes locais.

Anúncio publicado no Diário de Pernambuco em 1830, em que anuncia: “vende-se por [ser] fujão”. O termo “ladino” significava que, apesar de o escravo ser africano, ele já dominava o idioma e os costumes locais. – Fonte: Diário de Pernambuco

Baquaqua é vendido “para fora da província”. Essa era uma outra forma comum de punição e de controle dos escravizados: os que se comportavam mal eram vendidos sob a condição de serem levados para localidades distantes. Toda a sociabilidade construída pelo escravizado naquela cidade era, de repente, desfeita, em uma repetição das agruras do navio negreiro.

Anúncio de venda de escravo no Diário de Pernambuco.

Anúncio de venda de escravo no Diário de Pernambuco. – Fonte: Diário de Pernambuco

Seu destino foi o Rio de Janeiro, a capital do Império e maior cidade do país. Passou então a trabalhar a bordo de um navio. Após algumas viagens – ele narra passagens por Santa Catarina e Rio Grande do Sul –, a embarcação teria como destino Nova York.

Em 1847, em solo estadunidense, Baquaqua conseguiu finalmente fugir da condição de escravizado e se tornou, mais uma vez, um homem livre. Seus companheiros no Brasil, porém, teriam que esperar até 1888 para terem a mesma sorte.

Livres, mas sem nenhuma indenização por séculos de trabalho forçado, sem acesso à terra, à educação, marcados pelo preconceito e vítimas do racismo “científico” que ganha força no final do século 19 e começo do século 20. Enquanto os imigrantes italianos que aqui aportavam aos milhares a partir de 1890 tinham passagem subsidiada, salário, terra e liberdade para trocar de emprego depois de cinco anos, os pretos e pardos não tinham nada.

Nos EUA, neste exato momento, está em debate no Congresso a questão da reparação dos descendentes de escravizados. No Brasil, diz-se ainda que cotas são “racismo reverso”. O esquecimento da escravidão é um projeto muito bem elaborado pela elite.

PARAGUAIOS LANÇAM CAMPANHA PARA ANULAR TRATADO DE ITAIPU E GARANTIR SOBERANIA

.

PARAGUAIOS LANÇAM CAMPANHA PARA ANULAR TRATADO DE ITAIPU E GARANTIR SOBERANIA

A Usina Hidrelétrica Binacional de Itaipu responde por 17% do mercado brasileiro de eletricidade e 85% do consumo paraguaio / Christian Rizzi/AFP

Segundo organizadores da campanha, o tratado é fruto de invasão brasileira ao território do país vizinho

Brasil de Fato | São Paulo (SP) – A campanha Itaipu ñane mba’e, com nome em guarani, foi lançada na última quarta-feira (17) no Paraguai. Como diz o próprio nome, “Itaipu patrimônio nosso”, a campanha reivindica, entre outros pontos, a anulação do Tratado de Itaipu como forma de recuperar a soberania nacional do país sul-americano.

Para os organizadores da campanha, o tratado, firmado em 1973 durante as ditaduras brasileira e paraguaia, é “fruto de uma invasão brasileira do território paraguaio”, como afirmam na nota divulgada durante o lançamento.

A proposta busca dialogar com a sociedade do país e com a brasileira sobre a revisão do tratado que acontecerá em 2023, mais especificamente, a revisão de seu anexo C, que corresponde à parte financeira do acordo, com o fim da dívida da construção do acordo.

Entre as reivindicações apresentadas no documento divulgado pelos organizadores está “a recuperação da hidrelétrica para o desenvolvimento integral dos povos paraguaio e brasileiro, através da produção, comercialização e manejo soberano da entidade”.

Em uma entrevista concedida ao Brasil de Fato, Gustavo Codas, economista paraguaio que ocupou a diretoria geral da Itaipu Binacional entre 2010 e 2011, analisou o que está em jogo na revisão do Anexo C do tratado em 2023.

Segundo Codas, as duas ditaduras militares definiram que Itaipu funcionaria por 50 anos, de 1973 até 2023, fora das regras do mercado. Mas, a partir de 2023, este princípio será modificado.

“A energia de Itaipu vai entrar no lado brasileiro pelas mesmas regras que entra outra hidrelétrica, vendendo sua energia com as regras do mercado livre. O que vai acontecer a partir de 2023 é que o Paraguai — não sei agora com o novo governo, mas era a reivindicação do governo Lugo —  vai ter livre disponibilidade da sua energia, para vender ao mercado brasileiro ou a terceiros países. Há que se dizer que o Brasil, unilateralmente — sem o acordo do Paraguai — comercializa energia com a Argentina”, explicou o economista.

Para os organizadores da campanha “Itaipu ñane mba’e”, o Paraguai deve comercializar a energia de Itaipu a partir do setor público para gerar renda e investir em áreas estratégicas para o desenvolvimento social do país como educação, saúde, trabalho, terra e indústria.

“O Estado paraguaio deve controlar e dirigir a entidade para acabar com a corrupção e impunidade , administrando e destinando os fundos da Itaipu para a produção e desenvolvimento social”, diz o documento da campanha.

A apresentação da proposta esteve a cargo dos organizadores da campanha, entre eles, Cecilia Vuyk, cientista política paraguaia, Graciela Congo, secretaria da Central Unitária de Trabalhadores do Paraguai (CUT-Autêntica) e Guillermo Achucarro, especialista em hidrologia.

Apresentação da campanha “Itaipu ñane mba’e” na última quarta-feira (17)

Embora a revisão do tratado esteja prevista para 2023, os governos do Brasil e do Paraguai já começam a discutir suas propostas para o acordo. Em fevereiro deste ano, o Ministério de Minas e Energia do Brasil formalizou a organização de um grupo de trabalho formado pela pasta junto com o Ministério de Relações Exteriores o “com o objetivo de coordenar o desenvolvimento de estudos, para subsidiar o processo de revisão do Anexo C ao Tratado de Itaipu”, como publicado no Diário Oficial da União.

O presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PSL) e o presidente paraguaio Mario Abdo Benítez já se reuniram em duas ocasiões em 2019. Na primeira delas, em fevereiro, durante cerimônia de posse do diretor-geral da Itaipu Binacional, Bolsonaro homenageou o ditador Alfredo Stroessner, um dos responsáveis pelo acordo, gerando constrangimento para o presidente paraguaio – seu aliado, também de direita – que tenta afastar-se da memória da ditadura, embora seu pai tenha sido funcionário de Stroessner.

Na segunda ocasião, Benítez visitou Brasília em março deste ano para uma reunião bilateral com o presidente brasileiro. Um dos pontos tratados foi a revisão do Anexo C do Tratado, no entanto, nenhum acordo sobre a contratação de energia de Itaipu foi sinalizado pelos governos.

Edição: Luiza Mançano

………..

BOLSONARO DIZ QUE PODE AVALIAR REDUÇÃO NA MULTA DO FGTS NO FUTURO

.

BOLSONARO DIZ QUE PODE AVALIAR REDUÇÃO NA MULTA DO FGTS NO FUTURO

“O valor não está Constituição Federal. O FGTS está no artigo sétimo. Eu acho que o valor é uma lei. Vamos pensar lá na frente”, disse o presidente – Mudança não será estudada neste momento. União lançará pacote econômico na 4ª feira.

MARLLA SABINO – PODER 360 – O presidente Jair Bolsonaro disse neste domingo (21.jul.2019) que pode avaliar, no futuro, a redução da multa de 40% do saldo do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) paga a trabalhadores que são demitidos sem justa causa. O militar ressaltou que a mudança não será considerada neste momento.

“O valor não está na Constituição Federal. O FGTS está no artigo 7º. Eu acho que o valor é uma lei. Vamos pensar lá na frente”, disse ao chegar a 1 restaurante de galetos, onde almoçou com a primeira-dama Michelle Bolsonaro.

“Eu não quero manchete amanhã: ‘o presidente está estudando reduzir o valor da multa’. O que eu estou tentando levar para o trabalhador é o seguinte: menos direitos e emprego. Todos os direitos e desemprego”, afirmou.

Na 6ª feira (19.jul), o presidente criticou a criação da multa e afirmou que o pagamento prejudica os próprios trabalhadores a conseguirem empregos. Segundo o presidente, “é quase impossível ser patrão no Brasil”.

“Olha só, especialmente os 40%, foi quando o Dornelles era ministro do Fernando Henrique Cardoso, quando ele aumentou a multa para evitar demissão. O que aconteceu depois disso? O pessoal não emprega mais por causa da multa”, afirmou.

Pela Constituição de 1988, em caso de demissão sem justa causa, a empresa deve pagar 1 adicional de 40% sobre o valor do saldo da conta do FGTS do empregado. Por esse motivo, a alteração no percentual precisaria ser feita por meio de uma lei complementar –que requer o voto da maioria absoluta dos congressistas na Câmara e no Senado.

A discussão sobre o valor da multa acontece às vésperas do anúncio de 1 pacote de medidas pela equipe econômica. Na próxima 4ª feira (24.jul), o governo deve apresentar as regras para flexibilização dos saques dos recursos das contas do FGTS e PIS/Pasep. Essa é uma das medidas estudadas pelo governo para estimular a economia brasileira, que caminha em ritmo lento.

“É algo paliativo? É. É aquela vitamina que toma agora porque o ano está acabando você pode ver a sinalização da Previdência com placar alto no 1º turno já faz a bolsa se estabilizar acima de 100 mil pontos”, disse.

O ministro Paulo Guedes (Economia) afirmou que o saque só do FGTS pode injetar R$ 42 bilhões na economia. O valor, no entanto, deve ser menor devido às negociações com o setor imobiliário. A liberação do PIS/Pasep, segundo projeções do governo, deve trazer “mais R$ 21 bilhões”.

RÊGO BARROS: ‘TEM FEITO 1 BOM PAPEL’

Questionado sobre as críticas do deputado federal Marco Feliciano (Pode-SP) contra o porta-voz da Presidência, o general Otávio de Rêgo Barros, Bolsonaro disse que o militar tem feito “1 bom papel” no governo. No sábado (20.jul), o congressista chamou o militar de “incompetente ou mal-intencionado“.

“Rêgo Barros está fazendo 1 bom papel no governo. Já tinha essa atividade no Exército. É uma pessoa que tem tratado com muito zelo e preocupação. Me ajudou a convencer com esses cafés [com jornalistas]”, disse.

De acordo com Feliciano, o porta-voz expõe o presidente à imprensa e criticou os encontros com a imprensa. O vereador do Rio de Janeiro e filho do presidente, Carlos Bolsonaro (PSC) também já se posicionou contra os cafés. Disse que “absolutamente tudo que [Bolsonaro] diz é tirado do contexto para prejudicá-lo”.

CULTO NA SARA NOSSA TERRA

Na de domingo (21.jul), o presidente recebeu os ministros Onyx Lorenzoni (Casa Civil), Augusto Heleno (Segurança Institucional) e o general Ramos (Secretaria de Governo) no Palácio da Alvorada. Logo depois, deixou a residência oficial para participar de 1 culto na igreja Sara Nossa Terra.

Durante a cerimônia, o presidente afirmou que a solidão sentida por estar em 1 cargo no governo, como dita por diversas autoridades, é devida a “a uma deslealdade com o povo brasileiro” e afastamento de Deus. Assista ao vídeo:

NÚMERO DE INDÚSTRIAS FECHADAS EM SÃO PAULO É O MAIOR EM UMA DÉCADA

.

NÚMERO DE INDÚSTRIAS FECHADAS EM SÃO PAULO É O MAIOR EM UMA DÉCADA

Portão de fábrica fechada Imagem: ADNAN ABIDI/REUTERS

O Estado de São Paulo, maior polo industrial do País, registrou o fechamento de 2.325 indústrias de transformação e extrativas nos primeiros cinco meses do ano. O número é o mais alto para o período na última década e 12% maior que o do ano passado, segundo a Junta Comercial.

O dado indica que a fraca recuperação da economia brasileira após a recessão de 2014 a 2016 continua levando ao encolhimento do setor produtivo, deixando um rastro de fábricas desativadas e desempregados.

Entre 2014 e 2018, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro acumulou queda de 4,2%, enquanto o da indústria de transformação em todo o País caiu 14,4%. “Significa que a produção caiu bastante e obviamente teve impacto nas empresas, com fechamento de fábricas e demissões”, diz o economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados.

Em paralelo, foram abertas de janeiro a maio 4.491 indústrias em São Paulo. Tradicionalmente há mais abertura do que baixa de fábricas, mas isso nem sempre é um indicador positivo. Para Mendonça de Barros, independentemente dos números de novas indústrias, a queda do PIB industrial mostra que houve encolhimento da produção e, provavelmente, foram fechadas empresas grandes e médias e abertas unidades de menor porte.

O presidente do Sindicato da Indústria de Calçados de Jaú, Caetano Bianco Neto, afirma que, nos últimos anos, várias empresas consideradas de grande porte para a atividade, com 300 a 400 funcionários, encerraram atividades. “Quando fecha uma grande, muitas vezes surgem outras três ou quatro micro e pequenas fabricantes, algumas inclusive abertas por ex-funcionários, mas com pouca mão de obra”, diz Bianco Neto.

O polo calçadista de Jaú, referência nacional na produção de calçados femininos, já empregou 12 mil trabalhadores em meados dos anos 2000. Hoje tem 5 mil funcionários, diz Bianco Neto. Recentemente, ele e dirigentes da

indústria de calçados das vizinhas Franca e Birigui entregaram ao governador João Doria (PSDB) um plano de recuperação do setor.

No grupo das que fecharam as portas, há indústrias nacionais e multinacionais. Algumas transferiram filiais para outras unidades da mesma companhia para cortar custos e outras acabaram com a produção, deixando um contingente de desempregados, parte deles sem receber salários e indenizações.

A indústria de autopeças Indebrás, na zona oeste de São Paulo, deixou de operar em abril e colocou na rua 150 funcionários. Com salários atrasados e sem verbas rescisórias, eles ficaram acampados em frente à fábrica por 48 dias. Após acordo na Justiça do Trabalho, a empresa propôs fazer o pagamento em 18 parcelas mensais.

“O receio é que a empresa pague as primeiras parcelas e depois suspenda o pagamento, como já ocorreu em acordos anteriores fechados por outras empresas”, diz o diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, Érlon Souza.

Conjuntura difícil

A situação da indústria paulista se repete em todo o País. Além do encerramento das atividades de empresas de pequeno porte, grandes grupos fecharam unidades consideradas menos produtivas e concentraram a produção em outras mais modernas, quase sempre sem levar a mão de obra.

A fabricante de pneus Pirelli anunciou em maio o fechamento da unidade de Gravataí (RS) e a demissão dos 900 funcionários. A produção de pneus de motos será unificada à de pneus para carros em Campinas (SP) onde serão geradas 300 vagas ao longo de três anos. A empresa alega necessidade de reestruturação “tendo em vista o cenário conjuntural difícil do País”.

Entre as empresas que fecharam fábricas este ano estão PepsiCo/Quaker (RS), PepsiCo/Mabel (MS), Kimberly-Clark (RS), Nestlé (RS), Malwee (SC), Britânia (BA) e Paquetá (BA). No ABC paulista, a autopeça Dura informou em janeiro que fecharia a fábrica em maio e demitiria 250 funcionários. Após greve e negociações envolvendo a prefeitura de Rio Grande da Serra e o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, a medida foi adiada.

Empregados ‘abandonados’

José Marques da Silva, 22 anos de casa; Ademir Francisco Santos, 18 anos; Célio Florêncio Nogueira, 13 anos; Nelson Franco de Oliveira, 12 anos; e José Maria da Silva, 4,5 anos, chegaram ao trabalho no dia 28 de janeiro, ocuparam os postos e ligaram as máquinas, com outros 45 funcionários da Lustres Projeto, na zona sul de São Paulo. Após duas horas, descobriram que os donos tinham abandonado o negócio, deixando equipamentos e veículos no local.

Passados mais de cinco meses, suas carteiras de trabalho continuam assinadas, o que os impede de sacar o FGTS, de receber salário-desemprego e de conseguir outro emprego.

“Apareceu um serviço em uma metalúrgica no bairro da Lapa, mas, quando viram a carteira, não quiseram contratar porque não foi dada baixa”, afirma Santos, de 59 anos. Ele era torneiro repuxador e levantava todos os dias às 3h40 para chegar ao trabalho às 6h30, pois mora em Francisco Morato. Hoje, sem salário, diz estar “com o nome sujo” por dívidas com o cartão de crédito.

Oliveira, de 55 anos, aguarda a liberação do FGTS para voltar com a família para o Piauí, de onde saiu em 1985 em busca de trabalho. “Minha intenção era ficar, mas agora São Paulo está tão ruim quanto o Piauí; a diferença é que lá o aluguel é mais barato”, diz o ex-motorista. Casado e pai de duas meninas, de 4 e 11 anos, ele aproveitou o tempo parado para aprender um novo ofício que vai exercer no Piauí: afiação de alicates de unha.

É fazendo bicos, assim como a mulher, que presta serviços de manicure em casa, que tem conseguido pagar o aluguel, de R$ 800 mensais, e comprar alimentos. Ele vendeu o Corsa 1998, mas diz que a reserva financeira está no fim. “A gente está amarrado aqui há cinco meses; se demorar muito para liberar a carteira, só Deus sabe o que acontecerá.”

Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, a tradicional fábrica de lustres e luminárias, aberta há 40 anos, foi vendida em 2017 e, desde então, a situação só piorou. “Já não depositavam o FGTS havia dois anos e os novos donos continuaram a não depositar”, relata Silva, de 44 anos, o mais antigo funcionário do grupo. Subencarregado de expedição, ele vive com dois filhos, de 5 e 11 anos, e a mulher, que trabalha como auxiliar administrativa e banca os gastos da família.

Um grupo de 27 trabalhadores entrou na Justiça por meio do sindicato para conseguir a baixa da carteira e pelo menos receber o FGTS e o salário-desemprego. “Já tivemos duas audiências e a terceira, marcada para 3 de julho, foi remarcada para 2 de setembro”, diz Silva. “Fomos abandonados há cinco meses e ainda teremos de esperar mais dois, sem ter certeza de que os juízes vão nos atender.”

O faxineiro José Maria, de 55 anos, mora sozinho na comunidade de Heliópolis e aceita bicos como pedreiro, encanador, eletricista “ou qualquer outra coisa”, mas diz que está difícil conseguir serviço. Ele também veio do Piauí há 30 anos e sempre trabalhou na área de limpeza. “Essa é a situação mais difícil que já passei na vida.” Ele ajuda nos estudos do filho, de 21 anos, que quer “ver formado”.

“Tenho enviado currículos, mas sem carteira liberada ninguém aceita”, diz Nogueira, soldador, de 57 anos. Renan de Aquino, empregado por 11 anos, conseguiu a baixa na carteira e recebe salário-desemprego. O dono da Projeto não foi localizado.

Usina fechada abala Sud Mennucci

Anunciado em maio, o encerramento das atividades da Usina Santa Adélia Pioneiros, instalada há mais de 40 anos em Sud Mennucci, interior de São Paulo, já tem impacto na economia local. Produtora de açúcar, etanol e bioenergia, é a única grande indústria e a maior empregadora privada da cidade de 7,7 mil habitantes. Com o fechamento previsto para o fim de 2020 serão extintos 140 empregos na planta industrial e parte dos 500 do canavial.

Segundo o prefeito Julio Cesar Gomes (MDB), apesar do cronograma prever a continuidade das operações em duas safras, a produção de açúcar já foi encerrada. “Eles continuam produzindo etanol e bioenergia, mas já houve redução de mão de obra.” As operações serão transferidas para a usina de Pereira Barreto, a 50 km de distância. Empresas terceirizadas que atuavam no transporte de cana foram dispensadas.

Gomes prevê impacto “monstruoso” na economia local. “Vamos ter uma perda significativa nos repasses de ICMS pelo Estado, incidente sobre a produção direta da usina, e também no ISS que as terceirizadas e oficinas pagam ao município.”

O comércio também será afetado. “Mesmo que parte dos funcionários seja reaproveitada em Pereira Barreto, muitos vão passar a consumir lá. Já perdemos a oficina que fazia a manutenção da frota”, diz Gomes.

O prefeito e lideranças da Câmara tentaram reverter o fechamento, mas não conseguiram. “Eles apontam a crise que afeta a economia e o setor sucroalcooleiro, mas garantiram que vão transferir parte dos funcionários. Também prometeram manter trabalhadores rurais, pois o

cultivo da cana será mantido. Tenho dúvida, pois aos menos três fazendas arrendadas para o plantio foram devolvidas.”

Gomes busca um plano B para evitar o colapso da economia. “Conseguimos incluir Sud Mennucci na relação de Municípios de Interesse Turístico do Estado e apostamos no turismo, pois estamos na beira de um Rio Tietê totalmente limpo, com belas prainhas. Um frigorífico que estava parado havia 15 anos está reabrindo e deve absorver 50 empregados. Também há investimentos na citricultura, o que implicará mais empregos no meio rural.”

A Santa Adélia também tem usina em Jaboticabal, onde fica sua sede. O grupo atua no setor desde 1937 e foi um dos primeiros a aderir ao Proálcool nos anos 70. Em nota, informa que unificará a produção do polo noroeste em Pereira Barreto, “focada na melhoria da produtividade e eficiência operacional”. Segundo a empresa, o volume de moagem na região será mantido.

 

FAMÍLIA DALLAGNOL: DE LATIFÚNDIOS A INDENIZAÇÕES MILIONÁRIAS DO INCRA

.

FAMÍLIA DALLAGNOL: DE LATIFÚNDIOS A INDENIZAÇÕES MILIONÁRIAS DO INCRA

Avô e pai do procurador têm histórico de participação em conflitos de terra, desmatamento e loteamentos ilegais

CARTA CAPITAL – A história oficial do procurador Deltan Dallagnol destaca a participação dele e de seu pai, Agenor, na Igreja Batista. Procurador de Justiça aposentado do Paraná, Dallagnol pai é também o fio da meada de outro enredo da família: a participação em conflitos de terra, desmatamento, loteamentos ilegais e o pagamento de indenizações milionárias por desapropriações pelo Incra em dezembro de 2016, durante o governo de Michel Temer.

No início dos anos 80 do século passado, Sabino Dallagnol, avô de Deltan, e os filhos adquiriram terras no município de Nova Bandeirantes, noroeste de Mato Grosso. Como muitos gaúchos e paranaenses, aproveitaram o apoio da ditadura para comprar a preços módicos grandes extensões de terras na Amazônia Legal.

Agenor e Vilse Salete Martinazzo Dallagnol, mãe do procurador, adquiriram terras, mas continuaram no Paraná. Outros irmãos de Agenor, como Xavier Leonidas e Leonar, conhecido pelos moradores de Nova Bandeirantes como Tenente, mudaram para o município, a 980 quilômetros de Cuiabá e a 2,5 mil quilômetros de Pato Branco, onde, em 1980, nasceu Deltan. Sabino tornou-se nome de rua na cidade – endereço de uma corretora de imóveis da família.

Formado em Direito, assim como o irmão Agenor e depois o sobrinho Deltan, Xavier tornou-se o advogado dos negócios da família em Mato Grosso. Ele tem um escritório em Cuiabá, do qual é sócia a filha, Ninagin Prestes, também advogada. E irmã de Belchior Prestes. Os filhos igualmente se tornaram donos de terras na região. E, da mesma forma, protagonizam a disputa a envolver o Incra. A gleba Japuranã, em Nova Bandeirantes, é uma das regiões onde os Dallagnol têm terras. A família e outros proprietários ofereceram uma parte da área ao Incra, para receber sem-terra em regime de comodato, em meados dos anos 1990. Desde então, o clã e outros proprietários brigam na Justiça por indenização.

A pendenga também emperra a situação de quem vive nos 67 mil hectares da gleba. Atualmente, 425 famílias ainda lutam pela regularização de seus terrenos, cerca de metade dos moradores do local. Em dezembro de 2016, no primeiro ano do governo Temer, Ninagin Dallagnol – a prima, filha de Xavier – recebeu 17 milhões de reais como indenização pela desapropriação de suas terras.

A indenização para Belchior, o irmão, foi de 9,5 milhões. A mãe dos filhos de Xavier, Maria das Graças Prestes, recebeu um valor mais modesto, 1,6 milhão. O próprio pai de Deltan, Agenor, foi indenizado na mesma liberação. Recebeu 8,8 milhões. No total, foram 36,9 milhões pagos à família.

Loteamento ilegal

Não é só na disputa com o Incra que os Dallagnol mostram a sua face de especuladores de terras. Xavier e o irmão Leonar, o Tenente, foram alvo de um inquérito em Nova Monte Verde, município próximo de Nova Bandeirantes, por loteamento ilegal de terras. Os dois foram beneficiados pela prescrição. Tenente chegou a receber o título de cidadão honorário de Nova Bandeirantes, oferecido pela Câmara Municipal diante de sua “bravura” e da condição de “ilustre colonizador” e “grande desbravador”. Tenente já foi acusado de invadir terras de outros proprietários no município, ao lado de personagens como Laerte de Tal, Pedro Doido e Nego Polaco.

Os dois irmãos, Xavier e Tenente, foram flagrados por desmatamento irregular. Tenente assinou um termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público Estadual de Mato Grosso por degradação do meio ambiente em 2010. Xavier e a mulher, Maria das Graças, foram autuados pelo Ibama por desmatamento ilegal, ambos em 2017.

Como advogados, Xavier e a filha Ninagin atuam na defesa de grandes proprietários rurais envolvidos em grilagem, desmatamento e até trabalho escravo. “De Olho nos Ruralistas” contará essas e outras histórias nos próximos dias, em uma série sobre a família – em suas conexões com os temas agrários. As reportagens serão divulgadas, em primeira mão, no site de CartaCapital.

Deltan Dallagnol não quis se manifestar sobre o assunto, segundo a assessoria de imprensa do Ministério Público Federal no Paraná. Xavier Dallagnol, principal pivô das disputas em Mato Grosso, foi procurado em seu escritório, mas não atendeu aos pedidos de esclarecimento até o fechamento desta matéria.

….

URGENTE: DALLAGNOL CONSIDERAVA FLÁVIO BOLSONARO CORRUPTO MAS TEMIA QUE MORO ABAFASSE O CASO

.

URGENTE: DALLAGNOL CONSIDERAVA FLÁVIO BOLSONARO CORRUPTO MAS TEMIA QUE MORO ABAFASSE O CASO

The Intercept Brasil – Em chats secretos, Deltan Dallagnol, coordenador da operação Lava Jato, concordou com a avaliação de procuradores do Ministério Público Federal de que Flávio Bolsonaro mantinha um esquema de corrupção em seu gabinete quando foi deputado estadual no Rio de Janeiro. Segundo os procuradores, o esquema, operado pelo assessor Fabrício Queiroz, seria similar a outros escândalos em que deputados estaduais foram acusados de empregar funcionários fantasmas e recolher parte do salário como contrapartida.

Dallagnol disse que o hoje senador pelo PSL Flávio Bolsonaro, filho do presidente da República, “certamente” seria implicado no esquema. O procurador, no entanto, demonstrou uma preocupação: ele temia que Moro não perseguisse a investigação por pressões políticas do então recém eleito presidente Jair Bolsonaro e pelo desejo do juiz de ser indicado para o Supremo Tribunal Federal, o STF. Até hoje, como presumia Dallagnol, não há indícios de que Moro, que na época das conversas já havia deixado a 13ª Vara Federal de Curitiba e aceitado o convite de Bolsonaro para assumir o Ministério da Justiça, tenha tomado qualquer medida para investigar o esquema de funcionários fantasmas que Flávio é acusado de manter e suas ligações com poderosas milícias do Rio de Janeiro.

Assine nossa newsletter

Conteúdo exclusivo. Direto na sua caixa de entrada.

Eu topo

O escândalo envolvendo Flávio, que vinha dominando as manchetes, desapareceu da mídia nos últimos meses. A investigação, nas mãos do Ministério Público do Rio, parece ter entrado em um ritmo bem mais lento do que o esperado para um caso dessa gravidade. Moro tampouco dá sinais de que está interessado nas ramificações federais do caso – como o suposto empréstimo de Queiroz para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Nas poucas vezes em que respondeu a questionamentos sobre a situação do filho do presidente, ele repetiu que “não há nada conclusivo sobre o caso Queiroz” e que o governo não pretende interferir no trabalho dos promotores. Entretanto, o caso voltou aos noticiários na segunda-feira, 15 de julho, quando o presidente do STF, Dias Toffoli, atendeu ao pedido de Flávio Bolsonaro e suspendeu as investigações iniciadas sem aprovação judicial envolvendo o uso dos dados do Coaf, órgão do Ministério da Economia que monitora transações financeiras para prevenir crimes de lavagem de dinheiro.

No dia 8 de dezembro de 2018, Dallagnol postou num grupo de chat no Telegram chamado Filhos do Januario 3, composto de procuradores da Lava Jato, o link para um reportagem no UOL sobre um depósito de R$ 24 mil feito por Queiroz numa conta em nome da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Segundo o texto, a “transação foi apontada como “atípica” pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e anexado a uma investigação do Ministério Público Federal, na Lava Jato”. “Queiroz movimentou R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. A comunicação do Coaf não comprova irregularidades, mas indica que os valores movimentados são incompatíveis com o patrimônio e atividade econômica do ex-assessor”, escreve o UOL.

Na última terça-feira, 16, o senador Flavio Bolsonaro acompanhou a cerimônia de apresentação de Gustavo Montezano como novo presidente do BNDES.

Na última terça-feira, 16, o senador Flavio Bolsonaro acompanhou a cerimônia de apresentação de Gustavo Montezano como novo presidente do BNDES.

Foto: Mateus Bonomi / AGIF (via AP)

A notícia levou Dallagnol a pedir a opinião dos colegas sobre os desdobramentos do caso, e sobre como seria a reação de Moro. A procuradora Jerusa Viecilli, crítica da aproximação de Moro com o governo Bolsonaro, respondeu “Falo nada … Só observo ”. Dallagnol manifestou sérias preocupações com a forma que o ministro da Justiça conduziria o caso, sugerindo que o ex-juiz poderia ser leniente com Flávio, seja por limites impostos pelo presidente ou pela intenção de Moro de não pôr em risco sua indicação ao Supremo: “É óbvio o q aconteceu… E agora, José?”, digitou o procurador. “Seja como for, presidente não vai afastar o filho. E se isso tudo acontecer antes de aparecer vaga no supremo?”, escreveu. Dallagnol completou, sobre o presidente: “Agora, o quanto ele vai bancar a pauta Moro Anticorrupcao se o filho dele vai sentir a pauta na pele?”

8 de dezembro de 2018 – grupo Filhos do Januario 3

Deltan Dallagnol – 00:56:50 – https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2018/12/07/bolsonaro-diz-que-ex-assessor-tinha-divida-com-ele-e-pagou-a-primeira-dama.htm
Dallagnol – 00:58:15 – [imagem não encontrada]
Dallagnol – 00:58:15 – [imagem não encontrada]
Dallagnol – 00:58:38 – COAF com Moro
Dallagnol – 00:58:40 – Aiaiai
Julio Noronha – 00:59:34 –
Dallagnol – 01:04:40 – [imagem não encontrada]
Januário Paludo – 07:01:20 – Isso lembr
Paludo – 07:01:48 – Lembra algo Deltan?
Paludo – 07:03:08 – Aiaiai
Jerusa Viecilli – 07:05:24 – Falo nada … Só observo
Dallagnol – 08:47:52 – Kkk
Dallagnol – 08:52:01 – É óbvio o q aconteceu… E agora, José?
Dallagnol – 08:53:37 – Moro deve aguardar a apuração e ver quem será implicado. Filho certamente. O problema é: o pai vai deixar? Ou pior, e se o pai estiver implicado, o que pode indicar o rolo dos empréstimos?
Dallagnol – 08:54:21 – Seja como for, presidente não vai afastar o filho. E se isso tudo acontecer antes de aparecer vaga no supremo?
Dallagnol – 08:58:11 – Agora, Bolso terá algum interesse em aparelhar a PGR, embora o Flávio tenha foro no TJRJ. Última saída seria dar um ministério e blindar ele na PGR. Pra isso, teria que achar um colega bem trampa
Athayde Ribeiro Costa – 08:59:41 – É so copiar e colar a ultima denuncia do Geddel
Roberson Pozzobon – 09:02:52 – Acho que Moro já devia contar com a possibilidade de que algo do gênero acontecesse
Pozzobon – 09:03:19 – A questão é quanto ele estará disposto a ficar no cargo com isso ou se mais disso vir
Dallagnol – 09:04:38 – Em entrevistas, certamente vão me perguntar sobre isso. Não vejo como desviar da pergunta, mas posso ir até diferentes graus de profundidade. 1) é algo que precisa ser investigado; 2) tem toda a cara de esquema de devolução de parte dos salários como o da Aline Correa que denunciamos ou, pior até, de fantasmas.
Dallagnol – 09:05:54 – Agora, o quanto ele vai bancar a pauta Moro Anticorrupcao se o filho dele vai sentir a pauta na pele?
Andrey Borges de Mendonça – 09:21:16 – Uma vez pedi no caso da custo brasil e o pt alegou q era impenhorável segundo a lei eleitoral. O juiz acabou desbloqueando sem ouvir a gente. Mas confesso q nao sei se procede.
Paludo – 09:37:52 – Tem que investigar. E isso que ele sempre diz. Na pior das hipóteses, Podem ir os anéis (filho e mulher), mas ficam os dedos. Seria muito traumático o general assumir no lugar dele.
Viecilli – 10:06:32 – [imagem não encontrada]
Viecilli – 10:06:51 –
Dallagnol – 10:22:31 – Rsrsrs
Dallagnol – 10:39:47 – [imagem não encontrada]
Dallagnol – 10:41:04 – [imagem não encontrada]
Antonio Carlos Welter – 10:52:11 – O $$ termina na conta da esposa. Vao argumentar que alimentou a campanha. Periga terminar em AIME

A força-tarefa da Lava Jato e os procuradores citados no texto foram procurados para comentários, mas não responderam até a publicação da reportagem. Se o fizerem, atualizaremos o texto.

A situação de Moro – como investigar um caso de corrupção envolvendo o filho do presidente que o indicou ao cargo, ou, ainda corrupção envolvendo o próprio presidente e seus familiares? – levou Deltan a considerar evitar entrevistas sobre foro privilegiado por temer perguntas sobre o caso envolvendo Flávio.

‘Se deve ser investigado? É certo que sim’

No mesmo dia que o grupo conversou sobre o caso Queiroz, Dallagnol conversou com Roberson Pozzobon, também procurador na operação Lava Jato, em um chat privado. Eles aprofundaram a preocupação com entrevistas nas quais a situação de Flávio Bolsonaro poderia ser abordada.

Ao contrário de sua usual ânsia em falar publicamente sobre outros casos de corrupção, Deltan deu a entender que estava relutante em fazer uma condenação mais severa de Flávio por temer as consequências políticas de desagradar o presidente – exatamente como sugeriu que Moro pudesse agir.

8 de dezembro de 2018 – chat privado

Roberson Pozzobon – 09:12:41 – Em entrevistas, certamente vão me perguntar sobre isso. Não vejo como desviar da pergunta, mas posso ir até diferentes graus de profundidade. 1) é algo que precisa ser investigado; 2) tem toda a cara de esquema de devolução de parte dos salários como o da Aline Correa que denunciamos ou, pior até, de fantasmas.
Pozzobon – 09:13:05 – Tava escrevendo esse tuíte agora mesmo
Pozzobon – 09:13:11 – “Informação de que um ex-assessor do deputado estadual e senador eleito pelo PSL, Flávio Bolsonaro, movimentou 1,2 milhão de reais entre 2016 e 2017”. Se deve ser investigado? É certo que sim. É para isso que servem os relatórios de inteligência financeira do COAF. Pontuar as suspeitas no meio de bilhões de transações diárias https://www.terra.com.br/noticias/brasil/movimentacao-atipica-de-ex-assessor-de-flavio-bolsonaro-pode-levar-a-investigacao,8bb3ff45edd7744a4cad8dab9d014e87963u9zqu.html
Dallagnol – 10:04:00 – Não sei se convém o nível 2. Não podemos ficar quietos, mas é neste momento um pouco como com RD. Vamos depender dele pra reformas… Não sei se vale bater mais forte
Pozzobon –10:07:15 – Pois é
Pozzobon – 10:07:26 – To na msm dúvida

Depois de sugerir diferentes declarações que poderiam dar sobre o caso de Flávio, Dallagnol concluiu: “Só pode ser lido como chapa branca”. Pozzobon concordou e deu o seu veredito: “O silêncio no caso acho que é mais eloquente”.

Um mês e meio depois, no dia 21 de janeiro de 2019, no mesmo grupo, Dallagnol disse ter sido convidado pelo Fantástico, da rede Globo, para uma entrevista sobre foro privilegiado (a emissora preferiu não comentar o assunto). O procurador estava ansioso para falar do caso que a produção do programa indicou ser o foco da matéria – denúncias envolvendo o deputado federal Paulo Pimenta, do PT –, mas relutou em aceitar o convite por receio de que tivesse que falar também das tentativas de Flávio Bolsonaro de usar o foro privilegiado para barrar as investigações, mesmo que o caso tenha ocorrido quando ainda era deputado estadual, antes de sua posse como senador.

‘Acho q não é uma boa; além da bola dividida Flávio Bolsonaro’

Dallagnol expressou sua relutância, calculando que o risco de ter que tratar do assunto era maior que os eventuais benefícios da entrevista: “Eu não vejo que tenhamos nada a ganhar porque a questão do foro já tá definida.” Os colegas da Lava Jato concordaram que a melhor opção era rejeitar o convite do Fantástico para evitar o que chamaram de um “bola dividida Flávio Bolsonaro” (a emissora preferiu não comentar o assunto).

21 de janeiro de 2019 – grupo Filhos do Januario 3

Dallagnol – 16:44:44 – Pessoal, temos um pedido de entrevsita do fantástico sobre foro privilegiado. O caso central é bom, envolvendo o Paulo Pimenta, se isso for verdade rs. O risco é eles decidirem no fim focar no Flávio Bolsonaro eusarem nossas falas nesse outro contexto. De um modo ou de outro, o que temos pra falar é a mesma coisa. Além disso, algumas informações que buscam não temos (são da PGR). A questão é se é conveniente darmos entrevista para essa reportagem ou não. Eu não vejo que tenhamos nada a ganhar porque a questão do foro já tá definida. Diferente de uma matéria sobre prisão em segunda instância…
Dallagnol – 16:44:44 – Dr., Geovani, da RBS vai mandar e-mail pedindo entrevista com vc para o Fantástico. Matéria ésobre foro privilegiado. Eles levantaram uma história sobre o Paulo Pimenta que responde a um processo que desceu do STF. E tb vão abordar a questão do caso do filho do Bolsonaro/Queiroz.
Dallagnol – 16:44:44 – Ele pediu a entrevista para até quarta-feira. Assim que o e-mail chegar, colocamos aqui.
Dallagnol – 16:44:44 – Prezados, boa tarde Domingo, iremos exibir, no Fantástico, uma reportagem na qual iremos abordar um processo por estelionato a que o deputado Paulo Pimenta responde no Supremo. Teremos uma entrevista exclusiva de um primo dele, laranja de um esquema envolvendo compra e venda de arroz, com envolvimento do ex-diretor do Dnit, Hideraldo Caron. Essa suspeita contra o Pimenta será nosso principal case numa reportagem sobre os casos em que políticos perderam o foro, devido ao entendimento do Supremo de que a prerrogativa só existe para crimes cometidos durante o mandato e que dizem respeito ao mandato. Assim, citaremos também o caso F. Bolsonaro, que surgiu após o início da nossa apuração. Iremos incluir, ainda, um levantamento do STF mostrando a quantidade de processos que baixaram para o primeiro grau, os políticos que possuem maior número de processos, etc. Assim, pergunto se o doutor Deltan poderia gravar conosco, para falar dos reflexos da restrição do foro para os envolvidos na Lava-Jato e também sobre a questão do foro, em si. Vocês tem um levantamento de quantos políticos investigados estão nessa situação, ou seja, já estão respondendo no primeiro grau? Já dá pra afirmar que esses processos estão tramitando de forma mais rápida? Quantos recorreram para manter os procedimentos no STF? No aguardo Muito obrigado
Dallagnol – 16:44:48 – O que acham?
Julio Noronha – 16:50:02 – Acho q não é uma boa; além da bola dividida Flávio Bolsonaro, e de ser pauta já definida pelo STF, Paulo Pimenta já nos representou algumas vezes
Antonio Carlos Welter – 16:59:18 – Pelo Pimenta não vejo problema. O ruim é a bola dividida. Mas não dividir pode ser pior. Fica seletivo
Welter – 17:03:00 – Se falar em tese, não vejo problema. Mas e a Raquel, não vai chiar de novo?

20-07-19-deltan-folhapress-1563639394

Na última terça-feira, 16, Dallagnol chega ao aeroporto de Brasília para embarcar após participar de reunião entre os demais procuradores da Lava Jato e Raquel Dodge, Procuradora-Geral da República, sobre as mensagens vazadas pelo Intercept.

Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

‘Xiiiiiiiii’

Os diálogos fazem parte de um pacote de mensagens que o Intercept começou a revelar em 9 de junho – série conhecida como Vaza Jato. Os arquivos reúnem chats, fotos, áudios e documentos de procuradores da Lava Jato compartilhados em vários grupos e chats privados do aplicativo Telegram. A declaração conjunta dos editores do The Intercept e do Intercept Brasil (clique para ler o texto completo) explica os critérios editoriais usados para publicar esses materiais.

Em outras conversas privadas, procuradores do MPF também comentaram o escândalo envolvendo Flávio Bolsonaro e Queiroz. “Não tenho dúvida de que isso é mensalinho”, escreveu o procurador regional da República Danilo Dias, acrescentando em seguida “No mesmo esquema de Mato Grosso com Silval Barbosa”.

Uma discussão ocorreu no dia 11 de dezembro de 2018, quando, num grupo chamado Winter is Coming, a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen compartilhou um link para uma matéria do Jornal Nacional sobre o caso. O telejornal explicou que “a análise do relatório do Coaf revela que a maior parte dos depósitos em espécie na conta do ex-motorista de Flávio Bolsonaro coincidem com as datas de pagamento na Assembleia Legislativa do Rio” e que “o Coaf apontou que Fabrício teve uma movimentação suspeita de R$ 1,2 milhão durante um ano.”

‘Não tenho dúvida de que isso é mensalinho’

A subprocuradora, que havia enviado o link original, recapitulou o conhecido esquema de corrupção e previu os próximos passos da investigação: “Pessoas da mesma família empregá-la , depósito de parte dos salários de servidores em dias de pagamento, outros depósitos , resta saber quem recebia os saques . Agora vem a quebra do sigilo. Vamos aguardar a investigação geral do MPRJ quanto aos assessores”. Frischeisen está na lista tríplice escolhida pelos membros do MPF para substituir a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, cujo mandato se encerra em setembro.

Uma outra procuradora do MPF, Hayssa Kyrie Medeiros Jardim, explicou que o esquema praticado por Flávio se tratava de “Esquema equivalente ao descoberto na Dama de espadas”. Em seguida, a procuradora compartilhou um artigo da Tribuna do Norte, publicado no dia 12 de novembro de 2018, que revelava o funcionamento de um esquema similar na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte. No caso, uma organização criminosa formada por servidores e ex-presidentes da casa realizou desvios milionários por meio de um esquema com funcionários-fantasma.

Frischeisen comparou o caso de Flávio a um outro, também no Rio de Janeiro, envolvendo a deputada estadual Lucia Helena Pinto de Barros, conhecida como Lucinha, “acusada de desviar dinheiro público em contratação de funcionário fantasma”. Citando uma nota do MPRJ, a procuradora disse que “MPRJ já fez denúncia sobre caso semelhante envolvendo funcionário fantasma”, indicando que haveria precedente para uma denuncia contra Flávio. No decorrer da conversa, nenhum dos procuradores discordou da declaração enfática de que Flávio teria praticado corrupção.

Segundo a revista Veja, que teve acesso ao documento que embasou a quebra de sigilo de Flávio Bolsonaro, o Ministério Público do Rio de Janeiro vê indícios que sugerem a prática dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no gabinete do então deputado. O caso seria, então, ainda mais grave do que os outros casos citados pelos procuradores.

11 de dezembro de 2018 – grupo Winter is coming

Danilo Dias – 22:09:47 – Não tenho dúvida de que isso é mensalinho
Dias – 22:10:10 – No mesmo esquema de Mato Grosso com Silval Barbosa
Anna Carolina Resende – 22:10:48 – SUPRIMIDO
Hayssa Kyrie Medeiros Jardim – 22:11:18 – Xiiiiiiiii
Luiza Frischeisen – 22:13:46 – Pessoas da mesma família empregá-la , depósito de parte dos salários de servidores em dias de pagamento , outros depósitos , resta saber quem recebia os saques . Agora vem a quebra do sigilo . Vamos aguardar a investigação geral do MPRJ quanto aos assessores .
Roberto Dassié – 22:15:11 – [áudio não encontrado]
Jardim 22:15:12 – Esquema equivalente ao descoberto na Dama de espadas
Jardim – 22:15:12 – http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/rita-confirma-desvios-na-assembleia/432729

Flávio e Jair Bolsonaro chegam à Vila Militar, no Rio de Janeiro, para votar durante as eleições de 2018.

Flávio e Jair Bolsonaro chegam à Vila Militar, no Rio de Janeiro, para votar durante as eleições de 2018.

Foto: Fernando Souza/AFP/Getty Images

Um mês depois, no dia 17 de janeiro, os assessores de imprensa de Dallagnol, num grupo de chat privado entre o procurador e os profissionais, trataram de uma solicitação enviada pelo então repórter do Intercept Rafael Moro Martins (hoje editor em Brasília), que cobrava um posicionamento oficial de Dallagnol sobre o caso envolvendo Flávio Bolsonaro e Queiroz. Na mensagem, o repórter observou que o procurador vinha sendo “ativo nas redes sociais em assuntos que não dizem respeito à atuação da FT e do MPF.”

Dallagnol comentou as repetidas cobranças nas redes sociais por um posicionamento mais contundente sobre o caso Queiroz: “vi mta cobança na rede social, mas achava que eram mais robos”. Sua assessoria, no entanto, disse que a cobrança era orgânica e previsível: “era previsível, sim”, “essa cobnrança não é só de robôs”, “os jornalistas tb estão atentos”.

Foi então que a assessoria elogiou Dallagnol por seu posicionamento firme em relação ao caso de Flávio. “isso reforça o apartidarismo”, escreveu um assessor em um chat. O assessor também criticou a posição de Moro: “saem contar que a fala de Moro sobre Queiroz foi muito ‘neutra’. não teve firmeza, sabe? para muita gente, pareceu que Moro quis sair pela tangente”. Ele, a assessoria disse, “ficou em cima do muro”.

A preocupação do assessor de Dallagnol sobre as motivações de Moro no caso envolvendo Flávio foi enviada no chat em janeiro, pouco mais de um mês depois do próprio procurador debater o caso com os colegas.

No chat, Dallagnol não disse nada em resposta às críticas e à aparente disposição de Moro – famoso por sua severidade contra corrupção – de proteger Flávio. Essa conversa, entretanto, ocorreu cerca de dois meses depois que o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, como demonstrado previamente pelo Intercept, ter dito à procuradora Janice Ascari, num chat privado: “sobre a saída do Moro pro MJ, mas temos uma preocupação sobre alegações de parcialidade que virão . . . tenho medo do corpo que isso possa tomar na opiniã pública.”

Moro já foi questionado diversas vezes sobre sua aparente apatia diante não somente da investigação sobre a corrupção de Flávio, mas também de outros escândalos envolvendo o governo Bolsonaro, como as denúncias de que o PSL teria utilizado um esquema de laranjas nas eleições de 2018. Quando perguntado, Moro em geral alega não ter controle sobre a Polícia Federal, como fez novamente em entrevista concedida ao Correio Brasiliense no começo de julho: “A PF está apurando os fatos e deve chegar a conclusões. E à medida que estão sendo feitas as diligências, (elas) estão sendo informadas ao presidente”.

A afirmação de Moro de que ele não tem controle sobre a Polícia Federal – em resposta às críticas de que ele protegeu Bolsonaro e PSL – deveria ser vista com muito ceticismo. Durante anos, ele também insistiu que não desempenhou nenhum papel nas operações da Lava Jato, algo que as reportagem do Intercept, da Folha e da Veja provaram ser claramente falso.

João Felipe Linhares colaborou com pesquisa nesta reportagem.

ATUALIZAÇÃO – 21 de julho de 2019, 19h30

Depois da publicação desta reportagem, a Rede Globo entrou em contato para pedir que publicássemos a íntegra de sua resposta. Nós decidimos publicar apenas que a empresa não tinha se manifestado porque foi exatamente o que eles disseram para nossa reportagem: “não pode tecer comentários a respeito”. A pedidos, publicamos abaixo a íntegra.

“A Globo adota como norma de conduta a preservação do sigilo entre jornalista e sua fonte. Portanto, não pode tecer comentários a respeito de comunicação assim, seja verdadeira ou falsa.”