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Após sessão eletrizante, governo e aliados comemoram aprovação do texto-base, sob protestos da oposição / Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Aprovado em comissão especial, parecer contou com articulação de Rodrigo Maia, “centrão” e Palácio do Planalto
Cristiane Sampaio – Brasil de Fato | Brasília (DF) – A aprovação do texto-base da reforma da Previdência nesta quinta (4), na Câmara dos Deputados, incendiou, mais uma vez, a disputa entre aliados do governo e críticos da proposta.
Logo após a divulgação do placar, que terminou em 36 votos favoráveis e 13 contrários ao texto, opositores reafirmaram as críticas à medida, que agora irá a plenário. Paralelamente, aliados governistas agitaram o colegiado com gritos de vitória, como geralmente ocorre em disputas muito acirradas. O resultado consagra a articulação feita entre partidos do chamado “centrão”, situados no espectro da direita liberal, e interlocutores do governo de Jair Bolsonaro (PSL).
“É como se fosse sapateando em cima do túmulo de classes sociais empobrecidas que estão nas ruas, desempregadas, e eles ficam rindo. Isto aqui é a perda de uma dura conquista constitucional. O texto constitucional [atual] foi votado com muita luta, com muita dureza de décadas”, bradou a líder da minoria, Jandira Feghali (PCdoB-RJ), diante da comemoração da tropa de choque.
Na avaliação da líder, o confronto agora precisará de uma maior aglutinação entre a oposição no parlamento e os segmentos sociais que se posicionam contrariamente à medida, considerada a pauta mais impopular da agenda do presidente Jair Bolsonaro (PSL).
“Eu acho que, neste momento, a gente tem que ter muita serenidade, mas muita luta lá fora. Ainda tem uma etapa de plenário. A sociedade tem que ir pra cima”, convocou a parlamentar carioca.
No encaminhamento da votação, orientaram seus membros a votarem a favor do texto os líderes das siglas PSL, PP, PL, PSD, MDB, PRB, PSDB, DEM, Solidariedade, PTB, Podemos, Pros, Cidadania, Novo, Avante e Patriota.
O parecer contou com oposição dos partidos PSB, PDT, PT, Psol, PCdoB, PV e Rede.
A proposta foi apreciada pela comissão após dias de instabilidade em relação à data de votação, que sofreu adiamentos constantes por conta do intenso jogo de poder que se desenrolou nos bastidores de Brasília nas últimas semanas. A disputa envolve diferentes grupos de interesse, com destaque para carreiras policiais, mercado financeiro e o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), principal articulador da aprovação da matéria.
“Quem ganha com essa reforma é o capital financeiro. É para pagar juros da dívida pública e amortizações. É para comprar a confiança do mercado”, protestou o líder do Psol, Ivan Valente (SP), minutos antes da votação.
Vitória parcial
Formulado pelo deputado Samuel Moreira (PSDB-MG), relator da reforma, o parecer aprovado no colegiado resguarda aspectos fundamentais da proposta inicial do governo, como é o caso da fixação de uma idade mínima para aposentadoria.
O texto determina 62 anos para mulheres e 65 para homens dos setores público e privado. Também fixa em 25 anos, para ambos os sexos, o tempo de contribuição no setor público, enquanto exige 20 anos para homens do setor privado e 15 para trabalhadoras da área. Esses são alguns dos principais alvos de reclamação.
No desenrolar da tramitação, o parecer também teve subtraídos trechos que estavam entre os mais criticados, como é o caso do sistema de capitalização, da desconstitucionalização das regras previdenciárias e de alterações no Benefício de Prestação Continuada (BPC). Foi retirada ainda, por exemplo, uma norma que alterava regras relativas a recursos do BNDES e que, na avaliação de opositores, iria travar investimentos de médio e longo prazos em infraestrutura, área cujas obras contribuem para geração de emprego e renda.
“Hoje fica demonstrada a necessária função de uma oposição qualificada, que impede mais retrocessos e tenta garantir avanços”, avaliou o líder da oposição na Casa, Alessandro Molon (PSB-RJ).
Plenário
Na disputa que será travada no plenário, o governo precisará de 308 votos favoráveis à PEC em dois turnos de votação. Em declaração dada na quarta à noite, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que o grupo já teria quantidade suficiente de apoios para passar a reforma adiante.
“Não gosto de falar em número, mas há mais votos do que eu imaginava”, disse. Questionado se a projeção seria de mais de 325 deputados, ele respondeu apenas que haveria “um pouco mais”.
“Eu acho que há sempre um pouco de blefe nessas frases. Normalmente, se quer passar uma imagem de que se tem um número muito grande de votos, quando a gente sabe que a realidade não é bem essa. Se o governo tivesse tanta segurança, não precisava ficar trocando membros no dia da votação”, comentou Molon, em referência a mudanças feitas pelos aliados do Planalto na composição da comissão nesta quinta (4) e também na quarta (3).
A modificação seria uma tentativa de adquirir maior margem de segurança na votação dos destaques (sugestões de alteração no texto), uma vez que, para o texto-base, a configuração de placar esperada seria semelhante com os novos nomes.
Ainda no que se refere à votação em plenário, Maia e aliados reafirmam que esperam votar a reforma antes do recesso parlamentar, que se inicia no próximo dia 18. O prazo, no entanto, pode ser dilatado, assim como ocorreu com a votação na comissão, em virtude das diferentes variáveis que cercam a disputa.
Pressa
Na quarta-feira (3), a sessão da comissão se deu também sob um clima eletrizante. Em constante protesto, a oposição se queixou da pressa da tropa governista ao tentar encaminhar a votação do parecer. Ao todo, o grupo apresentou seis requerimentos, sendo cinco de adiamento da votação – que solicitavam a postergação por um prazo entre um e cinco dias – e um de retirada de pauta.
Tais pedidos compõem o que se convencionou chamar, nos bastidores do Poder Legislativo, de “kit obstrução”, instrumento previsto no regimento e utilizado por opositores em ocasiões em que o grupo se coloca de forma contrária a uma pauta e, por isso, tenta diminuir o ritmo de tramitação da matéria, inclusive para tentar aprofundar a discussão.
Ao contexto de críticas constantes à PEC se somaram ainda protestos de opositores sobre a falta de acesso prévio ao novo texto do relator, que foi modificado pela segunda vez pouco antes da sessão de quarta.
“Estamos obstruindo pra ver se a gente consegue pelo menos conhecer o relatório. Não é possível que não se tenha urbanidade pra fazer um debate de conteúdo aqui”, argumentou Alice Portugal (PCdoB-BA), vice-líder da minoria, na ocasião.
Em um aceno ao mercado, partidos como DEM, MDB, PSDB, PMN, Novo, Pros, PSC, Cidadania (novo nome do PPS), Avante e Patriota defenderam a agilidade da votação, afirmando que o país teria pressa para aprovar a reforma e reforçando o discurso de que a PEC pretende salvar a economia nacional.
“Estão querendo passar um trator na comissão hoje começando essa votação. E nós estamos vendo uma cantilena enfadonha que foi usada quando foi aprovada também a reforma trabalhista, que seria pra gerar empregos, e agora estamos num mar de desempregos no Brasil. O mesmo discurso também da PEC 55 [Teto dos Gastos], e agora com a reforma da Previdência, que é antipovo. Isso daqui, na verdade, não é remédio. É um veneno”, reagiu Fernanda Melchiona (Psol-RS), vice-líder do Psol, durante a sessão.
Nos seis requerimentos apresentados na quarta, a oposição perdeu a disputa em todos eles por uma média de 35 votos a 12, num placar que já anunciava o possível resultado da votação do parecer.
Edição: Rodrigo Chagas