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Blog do Reinaldo Azevedo – Não deixem ler reportagens do site The Intercept Brasil e da Folha sobre a, digamos, dimensão internacional da Lava Jato como ente político e de seu real coordenador, Sérgio Moro. Mais uma vez, fica evidente: era ele o Batman. Deltan Dallagnol, no papel de “Menino Prodígio”, sempre atuou como o seu Robin. Vamos ver.
Você não gosta do Foro de São Paulo? Nem eu. Durante muitos anos, fui dos poucos na grande imprensa que batiam na turma. Por bons motivos. E não me arrependo. Uma das diferenças na comparação com os paranoicos (e seu chefe intelectual que se finge de doido para ganhar alguns milhões) é que não sou… paranoico! Adiante. Não gosta do Foro de São Paulo? E do Foro do Moro, você gosta?
Razão da pergunta? Acreditem: o então juiz Sergio Moro sugeriu a Deltan Dallangol, que atuava como seu capataz na Lava Jato, que vazasse a venezuelanos dados sigilosos da delação da Odebrecht que atingiam autoridades daquele país. O objetivo claro era atingir o governo de Nicolás Maduro.
Certo! Maduro é um ditador asqueroso e comanda um regime assassino. Mas cabe a pergunta: é tarefa de um juiz brasileiro transgredir a lei no Brasil para interferir na política de um país vizinho, mormente se isso põe vidas em risco? Foi feito! Acreditem: até em guerra civil se falou. E Dallagnol flertou abertamente com essa possibilidade.
Isso dá conta da megalomania e da ousadia criminosa que tomou conta do grupo. E, como se vê, o Brasil já não bastava como território da loucura.
A SUGESTÃO DO CHEFE
No dia 5 de agosto de 2017, Moro travou o seguinte diálogo com Dallagnol, seu subordinado (mantenho a grafia do original):
Sergio Moro -14:35:20 Talvez seja o caso de tornar pública a delação dá Odebrecht sobre propinas na Venezuela. Isso está aqui ou na PGR?
Deltan Dallagnol -18:17:33 Concordo. Há umas
limitações no acordo, então temos que ver como fazermos. Mais ainda, acho que é o caso de oferecer acusação aqui por lavagem internacional contra os responsáveis de lá se houver prova
18:18:36 Haverá críticas e um preço, mas vale pagar para expor e contribuir com os venezuelanos
Sergio Moro 18:52:49 Tinha pensado inicialmente em tornar público.
18:53:07 Acusação daí vcs tem que estudar viabilidade
Deltan Dallagnol 21:44:21 (FAZ SINAL DE POSITIVO)
O que há de notável na conversa acima? Até o espevitado Dallagnol toma, inicialmente, a fala de Moro como uma sugestão de algo dentro da lei. Observem que ele imagina algum tipo de ação com base em crimes caracterizados pela extraterritorialidade. Mas quê… Não é nisso que Moro pensava. Ele queria mesmo era um vazamento ilegal.
Vejam ali. É o Menino Prodígio — ainda acabará aderindo a colant verde, colete vermelho e capa amarela? — quem tem de dizer ao Justiceiro de Maringá: “Santo Sigilo, Batman! ‘Não dá para tornar público simplesmente porque violaria acordo”.
Leiam as reportagens. Dallagnol levou a sugestão do seu chefe a seus pares da Lava Jato reunidos no grupo do Telegram “Filhos de Januário 2”. E no mesmo dia! É um jovem cumpridor! Algum bom senso ainda restava por lá. Acompanhem este diálogo (conforme o original):
Paulo (Roberto Galvão) – 19:23:59 – Mas pessoal, vamos refletir. Já tinha conversado com Orlando sobre isso. Vejam que uma guerra civil lá é possível e qq ação nossa pode levar a mais convulsão social e mais mortes (ainda que justa ou correta a ação). Lá não é Brasil.
Paulo – 19:24:33 – Não estou dizendo que sim ou que não, apenas que precisa ser refletido
Roberson (Pozzobon) MPF – 19:26:38 – Caraaaaaca
Orlando (Martello) SP – 19:29:47 – Pessoal, sobre Venezuela. Não dá para abrir simplesmente o que temos. Descumpriríamos o acordo. Não dá para arriscar um descumprimento de acordo, inclusive com consequências cíveis de nossa parte, bem como da União.
Orlando SP – 19:30:44 – A solução de fazermos algo aqui, creio que demoraria muito. Teríamos que alinhavar uma denúncia ou algo semelhante, sem ouvir pessoas, etc. Acho que não aproveitaria o timing.
Roberson MPF – 19:30:47 – Acho que se propusermos a ação aqui não dá descumprimento, Orlandinho
Orlando SP – 19:31:02 – Mas o problema é o timing
Orlando SP – 19:31:50 – A solução que vejo é fazer uma comunicação espontânea para o próprio país. No caminho isso certamente vazará em algum lugar, sem qq participação nossa. Isso posso fazer de imediato.
Orlando SP – 19:32:39 –Sem prejuízo de trabalharmos em uma denúncia
Orlando SP – 19:33:25 – Quanto a denúncia, certamente enfrentaremos uma crítica ferrada, mas aí Moro declina para a capital e boa…. o fato estará revelado.
Observem o trecho grifado acima. Depois que Moro encomenda a Dallagnol o vazamento, ele vai falar com seus pares em busca de uma solução. É é o procurador Orlando Matello quem sugere o vazamento, que chama de “comunicação espontânea”. Dallagnol volta a falar com o então juiz e praticamente repete a sugestão do colega. E nem deu crédito!
Deltan Dallagnol 21:45:59 (para Moro) Naõ dá para tornar público simplesmente porque violaria acordo, mas dá pra enviar informação espontãnea e isso torna provável que em algum lugar no caminho alguém possa tornar público. Paralelamente, vamos avaliar se cabe acusação.
O garotão é mesmo um prodígio, certo? Toma como sua a proposta de colega sem se despentear: “Santa saída, Batman!”
Eis aí apresentada a ninguém menos do que o juiz a alternativa do vazamento criminoso, embora estejam
todos cientes de riscos graves. E é aí, então, que entra o Menino Prodígio com o FLERTE EXPLÍCITO COM A GUERRA CIVIL. Acompanhem.
Deltan – 21:47:19 – PG, quanto ao risco, é algo que cabe aos cidadãos venezuelanos ponderarem. Eles têm o direito de se insurgir.
[Procurador não identificado] – 22:21:18 – De qualquer forma, é preciso analisar bem os fatos, pois se estiverem sob sigilo do STF não será possível usar. Além disso Maduro tem imunidade e salvo por questões de direitos humanos, fica difícil processar, pelo menos enquanto estiver no poder. Mas não é de se afastar de todo a ideia. É de qualquer forma teríamos ainda que convencer o Russo.
Deltan – 22:35:57 – Russo diz que temos que nós aqui estudar a viabilidade. Ou seja, ele considera
Deltan – 22:36:19 – Não rejeitou prima facie, o que tomo como uma abertura para analisarmos concretamente com perspectiva
Deltan – 22:36:22 – boa
Entenderam? Advertido de que as informações poderiam gerar uma onda de violência na Venezuela, que resposta deu Dallagnol? Ah, cabia a ponderação aos venezuelanos, que tinham “o direito de se insurgir”. Sim, claro que sim! Esse exemplo de bom moço cristão não ligava em ser a fagulha no paiol de pólvora.
É uma insanidade!
Leiam nas reportagens os detalhes que resultaram, sim, no vazamento. A tarefa ficou a cargo da ex-procuradora-geral da Venezuela Luísa Ortega Díaz, uma dissidente do chavismo, suspeita de praticar extorsão enquanto estava no cargo. Transcrevo trecho da reportagem do site “The Intercept Brasil”:
Semanas depois, já em outubro, Ortega publicou em seu site dois vídeos: eram trechos de depoimentos do ex-diretor da Odebrecht na Venezuela Euzenando Azevedo, nos quais ele admite ter repassado 35 milhões de dólares da empreiteira à campanha eleitoral de Maduro. Na delação, ele também admitiu ter pagado 15 milhões de dólares para a campanha do candidato da oposição, Henrique Capriles, fato que não foi incluído nos vídeos divulgados por Ortega.”
Vale dizer: a Lava Jato participou de um vazamento ilegal na Venezuela e, para não fugir à tradição da turma, ele tinha caráter seletivo: afinal, o financiamento ilegal havia beneficiado situação e oposição. Mas se vazou apenas metade da verdade.
Informa ainda o Intercept:
Após o vazamento, Mauricio Bezerra, advogado da Odebrecht, mandou uma mensagem para o procurador Carlos Bruno Ferreira, da Secretaria de Cooperação Internacional da PGR, encaminhada ao grupo Filhos do Januario 2 pelo procurador Roberson Pozzobon. Nela, Bezerra reclama que o vazamento “aumentou significativamente o risco” para várias pessoas.
Prestem atenção à mensagem do advogado:
“Boa noite. Infelizmente, assim como ocorreu no mês de agosto, fomos mais uma vez surpreendidos pela veiculação de um vídeo dos depoimentos tomados pela PGR dos nossos colaboradores na fase final do processo de cooperação. Dessa vez, diferentemente do que vinha ocorrendo, o áudio veio à público através da ex-Fiscal da Venezuela, a Sra. Luiza Ortega, exilada e oposicionista ao atual Governo, como pode ver no link abaixo. Mais grave ainda é que o vídeo foi veiculado no momento em que estamos mantendo negociações delicadas com aquele país,
conforme informamos a Vossas Senhorias. A veiculação do vídeo aumentou significativamente o risco aos nossos integrantes, aos cidadãos venezuelanos e as nossas operações. Já estamos adotando as medidas de cautela. Amanhã faremos um novo requerimento para que os vazamentos desses vídeos sejam apurados. Importante que a PGR abra o quanto antes um inquérito para apurar os fatos e assegurar que que eventos dessa natureza não tenham continuidade, pois além de prejudicar a correta investigação dos fatos coloca em risco a integridade física dos nossos empregados e suas famílias.”
E daí? Os nossos cegos de tanta luz têm uma missão.
Nem a guerra civil em um país estrangeiro pode impedi-los de violar as leis no Brasil.
Sim, a Transparência Internacional acabou tendo papel bem pouco transparente na patuscada. Leiam lá. Ainda voltarei ao tema.
Para encerrar, pergunto: quem não tem receio de deflagrar uma guerra civil na Venezuela teria receio de incentivá-la no Brasil?
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