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Diplomaticamente, “o Brasil já está no limbo”, avalia Miriam Gomes Saraiva, pesquisadora do departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). “No Brics, os brasileiros não estão se reunindo com quase ninguém, Bolsonaro está meio jogado lá, e a política externa é passiva, travada, os interlocutores não estão dando espaço”.
Publicado originalmente na Rede Brasil Atual
Nas últimas horas, desde esta quarta-feira (26), líderes de duas das maiores potências da Europa deram declarações contundentes sobre o papel do Brasil como negociador – no contexto dos diálogos da União Europeia com o Mercosul para se chegar a um acordo comercial. As falas indicam que haverá consequências importantes para o Brasil, e obviamente não positivas, em termos econômicos, se o acordo entre os dois blocos não sair.
Por outro lado, diplomaticamente, “o Brasil já está no limbo”, avalia Miriam Gomes Saraiva, pesquisadora do departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). “No Brics, os brasileiros não estão se reunindo com quase ninguém, Bolsonaro está meio jogado lá, e a política externa é passiva, travada, os interlocutores não estão dando espaço”.
A chanceler alemã, Angela Merkel, chegou a definir a situação brasileira, sob o governo de Jair Bolsonaro, como “dramática” e questionou a pertinência de prosseguir nas negociações com Brasil e Mercosul. Por sua vez, o presidente francês, Emmanuel Macron, em tom semelhante, disse que o preço de o Brasil deixar o Acordo de Paris, o que Bolsonaro já ameaçou fazer, poderia ser a França não assinar o acordo comercial”.
No Japão, antes da reunião do G20, o líder francês justificou: “Estamos pedindo que nossos produtores parem de usar pesticidas, estamos pedindo que nossas companhias produzam menos carbono, e isso tem um custo de competitividade”. Macron disse mais: “não vamos dizer de um dia para o outro que deixaremos entrar bens de países que não respeitam nada disso”.
“A Alemanha foi sempre muito aberta ao pacto (com o Mercosul) dentro da União Europeia (UE). Mas todos os acordos que os europeus assinam são precedidos de algumas diretrizes gerais, dentre elas sobre respeito à democracia, direitos humanos e questões ambientais. Nesse contexto, Bolsonaro não atende aos princípios gerais dos acordos da União Europeia”, diz Miriam.
A chanceler alemã não foi motivada por simples amor ao meio ambiente e direitos humanos, mas também por questões políticas. Na Alemanha, o Partido Verde é forte e exerce grande pressão e influência. Além disso, na semana passada, cerca de 340 ONGs pediram que a UE não feche acordo com o Mercosul e suspenda as negociações. As entidades alegam que, com Bolsonaro, houve “aumento das violações dos direitos humanos, ataques a minorias, povos indígenas, LGBT e comunidades tradicionais”.
“Claro que há pressão enorme das ONGs contra a destruição da Amazônia, contra os pesticidas, questões de gênero que ele desrespeita, questões de violência e antidemocráticas”, diz Miriam.
Já Macron, ao falar de pesticidas, dirige-se a um público interno bem específico. “A maior oposição que Macron tem na França são os agricultores. Evidente, porque os pesticidas barateiam os produtos, permitindo que se produza mais. Então os agricultores pressionam contra essa ‘concorrência desleal’”, acrescenta a professora da Uerj.
Para Giorgio Romano Schutte, professor de Relações Internacionais e Economia da Universidade Federal do ABC (UFABC) e membro do Observatório de Política Externa (OPEB) da instituição, a Alemanha de Angela Merkel está mais interessada em um aspecto econômico não mencionado pela chanceler. “Ela fala grosso com o Brasil porque tem a pressão dos verdes e também porque precisa responder aos grupos internos. Mas, mais importante do que a opinião dos verdes para ela, é a indústria de exportação, porque a Alemanha quer exportar produtos industriais para o Brasil.”
Quanto a Macron, acrescenta Giorgio, “o que o pressiona são os interesses agrícolas, e ele usa a fala contra o meio ambiente para tensionar a assinatura do acordo que ele não quer”.
Seja como for, para o professor da UFABC, embora a questão ambiental seja o que mais marca o governo Bolsonaro na Europa, “o que move os líderes da França e da Alemanha são interesses concretos”. As discussões devem ser analisadas sob um novo contexto, que envolve os interesses da China, a agressividade comercial dos Estados Unidos de Donald Trump e o Brexit. “Para os europeus, há o temor de que, se a União Europeia não agilizar o acordo, de repente surja um acordo Inglaterra-Mercosul, por exemplo.”
Perplexidade
E Bolsonaro continua com suas declarações que não param de alimentar antipatias e perplexidade. “A Alemanha tem que aprender com o Brasil na área ambiental”, disse o presidente brasileiro em resposta à líder alemã. “O que é grave não são nem as manifestações de Bolsonaro, que são previsíveis. Mais grave são as declarações do (ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional) general Augusto Heleno”, observa Giorgio Romano.
Heleno respondeu às críticas afirmando que os europeus não têm “moral” para falar de preservação ambiental sobre o Acordo de Paris e disse que o Brasil “pode ou não” sair. “Esses países que criticam? Vão procurar a sua turma”, emendou o chefe do GSI.
“Se o Paulo Guedes está em viagem com Bolsonaro, como já esteve, o ministro da Economia pelo menos fala uma linguagem que, lá fora, é aceitável para investidores, ambientalistas. Ele faz uma intermediação. Mas se Bolsonaro vai com alguém que consegue ser pior do que ele, mostra que o Brasil está ficando muito complicado”, acrescenta Giorgio.
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