“É um projeto extremamente perigoso, que viola dados”. A afirmação é do advogado Marco Aurélio Carvalho, membro do coletivo de defesa do consumidor “Tenho direito de saber”. Ele refere-se ao projeto de lei que institui o cadastro positivo no sistema financeiro brasileiro (PLP 441/17), sancionado hoje por Bolsonaro. Carvalho não acreditava na possibilidade de veto, e justifica-se: “O deputado Bolsonaro, no governo Lula, votou contra o cadastro positivo. Ele externou essa posição em plenário”. Hoje, Bolsonaro sancionou. A troco de que?
O cadastro positivo tem a seu favor Serasa, SPC, Boa Vista SCPC e outros birôs de crédito, além de bancos, empresas de telecomunicação, grandes redes varejistas e o Facebook. Contra a medida posicionam-se entidades de defesa do consumidor como Idec, Procons e Proteste, além de Ministério Público e Defensorias Públicas.
Os argumentos favoráveis ao cadastro vão desde a oportunidade de reconhecimento do bom pagador na hora da concessão de crédito até a queda dos juros e do spread bancário, que seriam propiciados pela segurança financeira obtida. Para Carvalho, tudo balela. “Essa história de que vai diminuir o spread bancário é uma grande bobagem, é um engodo que interessa ao sistema financeiro em geral, e em especial aos birôs de crédito. Eles dizem que os juros vão cair porque haverá como apurar o risco na concessão do crédito. Do ponto de vista prático, o contrário também é verdadeiro: se tiver algum risco na tomada de crédito, as instituições financeiras vão levar os juros lá para cima e vão acabar inviabilizando empréstimos”, acredita.
Segundo Marco Aurélio Carvalho, na verdade o cadastro positivo configura o fim do sigilo bancário e da privacidade, objeto de norma Constitucional. “O que eles querem é securitizar as informações sobre os cidadãos. A partir do momento que eu conheço o seu padrão de consumo, eu posso direcionar a você mídias espontâneas. No governo Lula, só com a possibilidade de aprovação do cadastro positivo, o Serasa foi comprado pelo grupo Experian e valorizou-se mais de 700 milhões de reais”, lembra o advogado.
O constitucionalista Pedro Estevam Serrano, professor da Faculdade de Direito da PUC-SP, afirma que projeto do cadastro positivo pode instituir no Brasil uma “cultura da financeirização” à moda americana. Nos Estados Unidos, os cidadãos passam a vida inteira pagando financiamentos habitacionais e outros – tudo se financia na terra do Tio Sam. Ocorre que, lá, os juros são baixos, extremamente menores que os brasileiros.
A comparação deve-se a um detalhe sinistro do projeto que aguarda apreciação presidencial. Os “bons pagadores” pelos critérios do cadastro positivo brasileiro serão aqueles que pagam em dia seus financiamentos, ou seja, serão os bons pagadores de juros. “O sujeito que não busca financiamento, que compra tudo à vista, ficará numa espécie de limbo. Se o projeto for sancionado e esse aspecto não for corrigido na regulamentação, serão prejudicados, em favor do sistema financeiro, uma grande quantidade de consumidores e agentes do mercado que pagam suas contas em dia e que não querem pagar juros para bancos”, explica Serrano.
“A justificativa dos que defendem o cadastro positivo é a segurança na concessão de crédito. Mas qual a insegurança que o cidadão que sempre pagou suas contas sem precisar de financiamento representa?”, indaga o jurista.
Diferentemente do que institui o PLP 441/17, países como Alemanha e Espanha só incluem contribuintes em listas desse tipo mediante autorização individual expressa. Nos Estados Unidos, o sistema é regulado pelo Federal Fair Credit Report Act, órgão do governo, e as informações só podem ser acessadas com autorização prévia. Na Colômbia, os dados do contribuinte só podem integrar o cadastro positivo depois de autorização do consumidor, que pode obter a qualquer momento lista de todos os acessos ao seu cadastro nos últimos seis meses.
No cadastro positivo brasileiro, a inclusão dos consumidores será automática, e deixar de integrá-la poderá exigir forte empenho burocrático.