Deixar o Brasil quando você já é adulto e cheio de manias acaba sendo um exercício muito grande de flexibilidade e peito aberto para choques culturais assustadores.
Jamais vou esquecer da ocasião em que descobri que os apartamentos de Madrid não tinham ralo — e que eu estava condenada automaticamente a limpar o chão com mopa para sempre, abrindo mão da alegria de jogar um balde de água no chão (e esfregar o piso com vassoura piaçava até ele assobiar de tão limpo
Sorrir e receber sorrisos de estranhos
A gente não se dá conta quando está em casa, mas, no Brasil, sorrir é bem mais comum do que dizer “bom dia”. Temos a rara capacidade de sorrir em toda e qualquer interação social — se for com estranhos, também não tem caô: arreganhamos os dentes sem pensar muito a respeito. No exterior, é comum descobrir que sorrir para estranhos está mais relacionado com paquera ou deboche. O esforço de chegar em uma farmácia sem sorrir para os balconistas ainda é constante para mim depois de tantos anos fora. Segurar o maxilar é uma das missões mais ingratas do brasileiro que queira se poupar de maus-entendidos com gringos.
Contato físico
É fácil concluir que um povo que não é dado abrir sorrisos diante de estranhos não converse tocando as pessoas com a mesma intensidade que a gente. Até o abraço dos estrangeiros costuma ser mais frouxo. Na volta ao Brasil, pode ser que você se sinta meio perdido ou emocionado quando um amigo ou parente interagir com você pegando no seu braço ou te apertando de saudades
Assédio
A sensação de intimidade costuma fazer falta para os imigrantes. Já o excesso dela não deixa saudades. Sair na rua e levar uma manjada de bunda inesperada é sempre um choque para a pessoa que volta do hemisfério norte. No caso das mulheres, as cantadas ofensivas incessantes provam que temos muita civilidade a construir por aqui.
Papel higiênico no lixo
Quando me perguntam qual é a coisa mais gostosa da Espanha, respondo mentalmente que é não limpar o lixo do banheiro mas verbalizo qualquer outra bobagem tipo sei lá, “aprender a cultura”. Jogar papel higiênico na privada e se despedir definitivamente do cocô que você acabou de fazer é acalentador demais, meu irmãozinho.