METROPOLES – CAIO BARBIERI
Chefe de gabinete da Presidência do Senado, Paulo Boudens é comissionado e tem irmão indicado dentro da Casa. Senado nega favorecimento.
A revelação feita pelo Metrópoles de que um processo sigiloso busca efetivar dois funcionários comissionados no Senado Federal sem concurso público pode não ser a única preocupação de um dos possíveis beneficiados: Paulo Augusto de Araújo Boudens, chefe de gabinete da Presidência da Casa.
Se não bastasse o controverso “trem da alegria”, o afilhado do presidente Davi Alcolumbre (DEM-AL) teve o nome lembrado por uma outra questão: seu irmão também foi nomeado em cargo de confiança dentro do Senado.
A reportagem recebeu inúmeras denúncias anônimas de que, pelo irmão também estar empregado na Casa, o chefe de gabinete da presidência estaria contrariando a lei que impede o nepotismo, termo utilizado para designar o favorecimento de parentes em serviço público. Ao Metrópoles, contudo, o Senado Federal nega.
A desconfiança se deu pelo fato de Paulo Augusto Boudens ser ocupante de uma das funções mais prestigiadas dentro do Senado. Ele foi nomeado em fevereiro de 2019, logo após a vitória de Davi Alcolumbre contra Renan Calheiros (MDB-AL). Antes, em 2015, ele já era chefe do gabinete do amapaense.
Acontece que, pouco antes de ser nomeado pela primeira vez, o seu irmão, Rafael José de Araújo Boudens, havia sido nomeado no Senado, ainda em 2014, em cargo de confiança na Liderança do Partido Socialista Brasileiro (PSB), também na Casa. A lei não permitiria essa composição.
“Ao tomar posse, eu tive de assinar uma declaração de que não tinha parentes no Senado. E realmente não havia. Sou um técnico que já presta serviços ao Senado há muitos anos”, contou Rafael. Hoje, ele está lotado no gabinete do senador Marcos do Val (Cidadania-ES).
Declaração a punho
Ao tomar posse, todo novo servidor declara, de próprio punho, não ter parentes diretos dentro da estrutura funcional da Casa. A regra é adotada para vagas em gabinetes e até mesmo em órgãos administrativos. Pelo fato de Paulo Augusto Boudens ter tomado posse meses após o irmão, a mesma declaração também foi pedida ao servidor.
A determinação foi estabelecida pelo Congresso Nacional em 2008, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou a Súmula Vinculante nº 13, que “disciplina o exercício de cargos, empregos e funções públicas por consanguíneos, cônjuges e companheiros de servidores comissionados”.
De acordo com a decisão da Suprema Corte, nepotismo é “a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.”
Devido à quantidade de brechas nos entendimentos jurídicos sobre o texto, cada Poder da República decidiu regulamentar por conta própria o que pode ser enquadrado dentro da vedação prevista pela legislação. O Senado Federal, por exemplo, editou o Ato da Comissão Diretora n° 5, de 2011, que exclui da regra casos distintos.
De acordo com a assessoria do órgão, há exceções, como a que permite a ocupação de cargo de nível hierárquico mais alto que o do agente público já nomeado no mesmo Poder. “Portanto, a nomeação em comento foi realizada dentro da estrita legalidade e em harmonia com a Súmula Vinculante nº 13”, argumenta o Senado Federal.
“Conveniência de interpretação”
Segundo o advogado Luís Carlos Alcoforado, especialista em direito administrativo, a regra é controversa. “Embora a situação formal, do jeito que o Senado Federal coloca, seja tolerada pela Lei e pelos marcos temporais como premissas verdadeiras, sob ponto de vista ético, existe uma literalidade que burla o sentido e o objetivo real da matéria. O que o legislador quis quando ditou a norma? Justamente evitar o favorecimento, coisa que eventualmente pode ocorrer em casos com relação próxima”, disse.
O jurista entende que, ao criar a norma, “o legislador não teria a capacidade de aventar todas as possibilidades que o inesperado prevê. A missão normativa não basta para desqualificar o nepotismo. Não cabe nesse caso a conveniência da interpretação, mas sim a valoração de cada caso. É evidente que casos que envolvem cargos de direção são evidências claras de nepotismo, já que a função pode, sim, ser usada para favorecer os seus”, completou.
Ao pontuar que há interpretações distintas dentro do Judiciário, inclusive sentenças e absolvições de acordo com o cenário apresentado, o especialista sustenta que “embora teoricamente haja certa tolerância administrativa sobre o caso, na prática, o homem público não pode unicamente se respaldar na conveniência administrativa estipulada verbalmente. Ele precisa pensar também que, pelo cargo que ocupa, pode beneficiar quem de mais próximo possa estar”.
Leia a íntegra da nota enviada pelo Senado à reportagem:
“Conforme solicitado em 17/04/2019, a Assessoria de Imprensa do Senado Federal tem a informar o que segue:
Paulo Augusto de Araújo Boudens foi nomeado, em 05/02/2015, para o cargo em comissão de Chefe de Gabinete Comissionado, símbolo SF-02, no Gabinete do Senador Davi Alcolumbre.
À época, seu irmão, o servidor Rafael José de Araújo Boudens, ocupava cargo em comissão nesta Casa Legislativa, de Assistente Parlamentar, símbolo AP-10, no Gabinete da Liderança do PSB.
Primeiramente, compete esclarecer que a Súmula Vinculante nº 13 não pode ser analisada isoladamente sem levar-se em consideração os demais diplomas legais e as situações específicas de cada caso concreto.
Após a edição da Súmula Vinculante nº 13, a Presidência da República editou o Decreto nº 7.203, de 4 de junho de 2010, o qual dispõe sobre a vedação do nepotismo no âmbito da Administração Pública Federal. Adicionalmente, a Comissão Diretora desta Casa Legislativa, por meio do Ato da Comissão Diretora n° 5, de 2011, assim se manifestou:
Art. 1º Aplica-se no âmbito do Senado Federal o Decreto nº 7.203, de 2010, que dispõe sobre a vedação do nepotismo na administração pública federal.
O mencionado decreto, de observância obrigatória para toda a Administração Pública, estabelece em seu art. 4° algumas situações que não são consideradas nepotismo:
Art. 4º Não se incluem nas vedações deste Decreto as nomeações, designações ou contratações:
I – de servidores federais ocupantes de cargo de provimento efetivo, bem como de empregados federais permanentes, inclusive aposentados, observada a compatibilidade do grau de escolaridade do cargo ou emprego de origem, ou a compatibilidade da atividade que lhe seja afeta e a complexidade inerente ao cargo em comissão ou função comissionada a ocupar, além da qualificação profissional do servidor ou empregado;
II – de pessoa, ainda que sem vinculação funcional com a administração pública, para a ocupação de cargo em comissão de nível hierárquico mais alto que o do agente público referido no art. 3º;
III – realizadas anteriormente ao início do vínculo familiar entre o agente público e o nomeado, designado ou contratado, desde que não se caracterize ajuste prévio para burlar a vedação do nepotismo; ou
IV – de pessoa já em exercício no mesmo órgão ou entidade antes do início do vínculo familiar com o agente público, para cargo, função ou emprego de nível hierárquico igual ou mais baixo que o anteriormente ocupado
Como se observa, a nomeação de PAULO AUGUSTO DE ARAUJO BOUDENS para ocupar cargo em comissão no Senado Federal está fundamentada no inciso II, do art. 4º, do Decreto nº 7.203/2010, combinado com o art. 1º do Ato da Comissão Direto nº 7.203/10, combinado com a Art. 1 do ATD 5/2011.
Portanto, a nomeação em comento foi realizada dentro da estrita legalidade e em harmonia com a Súmula Vinculante nº 13.
Atenciosamente,
Assessoria de Imprensa do Senado Federal”