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“Temos que dessacralizar a literatura”, afirma Sérgio Vaz / Foto: Arquivo pessoal
Para antropóloga, prêmio e exalta a “produção literária que vai falar da condição de vida da classe trabalhadora”
Bruna Caetano e Igor Carvalho | Brasil de Fato | São Paulo (SP) – Conceição Evaristo será a grande homenageada do 61º Prêmio Jabuti. No dia 28 de novembro, no Auditório do Ibirapuera, em São Paulo, a escritora receberá o prêmio de Personalidade Literária do Ano.
A escritora, nascida e criada na favela do Pendura Saia, na zona sul de Belo Horizonte, se tornou um nome de grande relevo na literatura nacional. Conceição Evaristo é autora de “Olhos D’água”, “Poncia Vicencio” e “Becos de Memória”, entre outros.
Em 2018, Evaristo foi homenageada na Feira Literária de Paraty (Flip), no Rio de Janeiro, e participou de uma polêmica eleição para uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL), que terminou com a vitória do cineasta Cacá Diegues.
“Em alguma medida, pode não ser a consagração, mas é um reconhecimento dessa história, uma não negação dessa história. Se formos pensar que Cadernos Negros existem há 40 anos e nunca furaram esse bloqueio, é significativo que tenhamos agora uma autora negra, que assume o ponto de vista negro na autoria de seus textos, sendo premiada e reconhecida”, afirma a antropóloga Érica Peçanha, pesquisadora da produção cultural da periferia e pós-doutoranda no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP).
Duas décadas de movimento
Em 2001, surgia em Taboão da Serra, a Cooperifa. O coletivo, fundado pelo poeta Sérgio Vaz, inaugurava um movimento de saraus nas periferias de São Paulo, que viram espaços estigmatizados, como os bares, sendo ressignificados como centros culturais. Pouco tempo depois, em 2004, surgia o Sarau do Binho, inaugurado pelo poeta Robinson Padial, o Binho. Nesta quinta-feira (3), ambos figuram entre os indicados, na categoria “Fomento à Literatura”, ao 61º Prêmio Jabuti.
“A inclusão dessa nova categoria é um reconhecimento de que o campo literário vai além de autores, livros e editoras. O campo literário também é composto por uma série de práticas de incentivo não apenas à leitura, mas a produção literária também”, explica Peçanha
Ainda de acordo com a antropóloga, o prêmio reconhece uma cena cultural que se aproxima das duas décadas de existência. “Esse movimento não existe apenas na cidade de São Paulo, embora na última década ele tenha vivido sua efervescência, com o surgimento de dezenas de saraus na capital paulista e, mais tarde, tenha espraiado com a chegada dos Slams. Temos saraus nas periferias de diversas cidades do país. É uma produção literária que já alcançou uma diversidade temática que inclui desde as condições de vida dos moradores das periferias, as relações de trabalho, as questões raciais, mas também o amor, a solidariedade, o erotismo e até livros focados no universo infanto juvenil. É um movimento que se consolidou em diversos territórios, mesmo que tenha surgido a partir de experiências alternativas e à margem do campo literário”, encerra.
“Dessacralizar a literatura”
Sérgio Vaz foi indicado pelo seu projeto “Poesia contra a violência”, apresentado por ele nas escolas do país desde 2014. O poeta recebeu a notícia da indicação ao prêmio quando estava a caminho de um colégio, no município de Araraquara, interior de São Paulo.
“Em 1999, eu fui na escola de um amigo meu e um garoto disse: ‘Como ele pode ser escritor, se todo escritor já morreu. Aquilo ficou na minha cabeça, será que vou ter que morrer para que eles me reconheçam? Uns cinco, ou seis anos atrás, eu retomei isso, indo quase que semanalmente para as escolas”, recorda Vaz.
O Sarau do Binho, ao longo de seus 15 anos, desenvolveu diversas atividades para fomentar a literatura. O sarau ocorria no bar que levava o nome do fundador do coletivo, o poeta Binho, onde tinha uma biblioteca fixa, onde os frequentadores podiam pegar livros, que não tinham prazo para serem devolvidos.
Produtora do coletivo, Suzi Soares, reafirma a necessidade de fomentar a literatura. “Oferecemos uma possibilidade de fácil acesso aos livros. Nossa preocupação, do acesso ao livro sem burocracia, sempre foi uma premissa, uma coisa importante pra gente. Então, em todos os eventos, levávamos livros, no bar tínhamos uma biblioteca. A dificuldade do acesso ao livro, faz com que muitas pessoas não leiam”, relata.
Vaz celebrou a indicação, mas afirma que “nada mudará no nosso trabalho”. “Temos que dessacralizar a literatura. Se quisermos fomentar a literatura, que já é o pão do privilégio, vamos ter que falar na bolinha do olho. Onde está o leitor jovem? Na escola. Vamos lá falar de literatura”, pontua.
Suzi lembrou que “por muito tempo o Prêmio Jabuti foi elitista” e que isso tem mudado. “Fiquei muito feliz de ver, não só nosso nome, como de outros parceiros também sendo indicados para essa e outras categorias”, comemora.
Edição: Rodrigo Chagas
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