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O Ex-presidente Lula em entrevista à Folha e ao Jornal El País, na sede da Polícia Federal, em Curitiba – Marlene Bergamo/Folhapress
Folha Uol – Katna Baran – Se a juíza Carolina Lebbos concordar com a manifestação da força-tarefa da Lava Jato e determinar a progressão do ex-presidente Lula ao regime semiaberto, a recusa do petista em aceitar as condições, incluindo a utilização de tornozeleira eletrônica, pode trazer prejuízos futuros a ele, segundo advogados ouvidos pela Folha.
Nesta segunda-feira (30), Lula divulgou uma carta onde sinaliza que não aceitará o benefício. “Não troco minha dignidade pela minha liberdade”, afirmou. “Quero que saibam que não aceito barganhar meus direitos e minha liberdade”, disse o ex-presidente.
Lula atingiu a marca de um sexto da pena por corrupção e lavagem no caso do tríplex de Guarujá, principal requisito para que ele saia do regime fechado de prisão. Em documento protocolado na tarde de sexta (27), como revelou a Folha, a equipe da Lava Jato afirma que Lula já cumpre as condicionantes para que progrida de regime, como bom comportamento na cadeia.
A recomendação, assinada pelos 15 procuradores do grupo de Curitiba, incluindo Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa, será avaliada pela juíza Carolina Lebbos, responsável pela administração do cumprimento da pena do ex-presidente. Nesta segunda, ela publicou despacho em que pede uma “certidão de conduta carcerária” do petista.
Os especialistas destacam que a situação é inusual, mas que, se houver uma ordem da juíza e Lula não quiser ir ao semiaberto, na prática ele correrá o risco de ser considerado um preso com mau comportamento ou responder por descumprir decisão judicial.
Segundo advogados, o presidente seria obrigado a cumprir a decisão judicial, caso Lebbos entenda que ele deve seguir para o regime semiaberto.
Marcelo Lebre, professor de direito penal em diversas instituições, como a Escola da Magistratura Federal, afirma que “uma vez determinado pela juíza a implantação do regime semiaberto, em tese o condenado não poderia se recusar”. Ele ressalva, no entanto, a possibilidade de um impasse caso a recusa seja, por exemplo, para a colocação de tornozeleira eletrônica.
Para Lebre, “o condenado não é obrigado a aceitar a tornozeleira como condição” –embora não haja previsão legal diante de eventual recusa. “Lembrando que estamos diante de uma situação inusitada. É a primeira vez que eu vejo alguém não querer ir ao regime semiaberto e, de outro lado, o Ministério Público fomentando a implementação.”
Recusar-se a cumprir uma condição para progressão de regime pode trazer consequências negativas a Lula.
“Nenhum preso pode se recusar à progressão de regime. O que acontece é que normalmente quem requer é o preso. Mas a lei dá legitimidade ao Ministério Público para postular a progressão de regime. Se o Ministério Público pedir e o juiz deferir, não está na escolha do preso querer ficar no regime fechado ou ir para o aberto”, diz Gustavo Badaró, professor de direito da USP.
“Pela lei pode [recusar progressão de regime]? Não pode, com a mais absoluta certeza. Se o juiz determinar que ele vai para progredir para um semiaberto tal e ele disser que não vai e agarrar-se à cama, isso pode ser considerada uma falta grave. A lei não prevê que ele tem que aceitar. Depende do que ele fizer. Se ele der um tapa na cara de um agente, vira uma falta grave e aí ele não terá bom comportamento”, exemplifica Badaró.
Em caso de mau comportamento, o preso não se enquadraria mais no perfil para progredir de regime, já que este é um requisito para o benefício.
Para a criminalista Jéssica Buiar, ao se recusar a usar tornozeleira, Lula estaria descumprindo decisão judicial. “O uso da tornozeleira é o que consideramos o regime semiaberto harmonizado. O fato de ele se recusar a progredir de regime está em se recusar possivelmente a usar a tornozeleira. Tendo em vista que em casos de execução semelhantes o semiaberto harmonizado está vinculado ao uso do aparelho”, diz Buiar.
“Nunca vislumbrei uma situação como esta. Ele estaria abrindo mão de um direito e descumprindo uma determinação do juízo.”
Até agora, Lula não requisitou nenhum benefício para o encurtamento da sua pena. O ex-presidente leu dezenas de livros na cadeia. Poderia, de acordo com a Lei de Execução Penal, ter feito resumo das obras e com isso teria abatido dias de prisão.
A legislação determina que para cada livro resumido sejam descontados quatro dias na pena. O limite é de 12 resumos por ano.
Lula está preso desde o dia 7 abril de 2018 em uma cela especial da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba. O local mede 15 metros quadrados, tem banheiro e fica isolado no último andar do prédio. Ele não tem contato com outros presos, que vivem na carceragem, no primeiro andar.
A pena de Lula foi definida pelo Superior Tribunal de Justiça em 8 anos, 10 meses e 20 dias. O petista foi condenado sob a acusação de aceitar a propriedade de um tríplex, em Guarujá, como propina paga pela OAS em troca de três contratos com a Petrobras, o que ele sempre negou.
Lula recebe seus advogados duas vezes por dia, de manhã e à tarde, na cela em que está preso. As visitas de líderes petistas são comuns.
Alguns políticos da cúpula do partido insistiam para Lula solicitar o benefício para sair da cadeia, mesmo que de tornozeleira eletrônica. Diziam, no geral, que a população sabe de sua inocência e que a oposição precisa dele fora da prisão para construir seu discurso.
O ex-presidente, no entanto, tem se mostrado irredutível, sobretudo quanto à possibilidade de usar tornozeleira. Ele considera que sair de tornozeleira seria humilhante e um grande dano para a sua imagem.
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