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O chanceler Ernesto Araújo e o secretário de Estado Americano, Mike Pompeo, durante a primeira visita do brasileiro aos EUA, em fevereiro deste ano – Yuri Gripas – 5.fev.2019/Reuters
Folha de São Paulo | Patrícia Campos Mello – A Aliança Internacional para Liberdade Religiosa será um dos principais assuntos do encontro do chanceler Ernesto Araújo com o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, nesta sexta-feira (13), em Washington.
Os Estados Unidos apostam na aliança como um dos pilares de sua política externa, e o Brasil deve ser um dos membros fundadores do órgão.
A cooperação na ofensiva contra discriminação religiosa no mundo é considerada ponto-chave da parceria estratégica entre os dois países. A iniciativa visa a defender todas as religiões, mas o tema foi abraçado especialmente por evangélicos e católicos mais atuantes.
“Estamos totalmente de acordo com o conceito e com o esforço de promover a liberdade religiosa para todas as religiões ao redor do mundo”, disse à Folha o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que se reuniu nesta quarta-feira (11) com Sam Brownback, embaixador dos EUA para Liberdade Religiosa.
Os Estados Unidos realizaram sua segunda reunião sobre o tema em julho, com presença de Damares Alves, titular do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, e do pastor Sérgio Queiroz, secretário nacional de Proteção Global do ministério.
Em sua participação, Damares disse estar “particularmente apreensiva com a perseguição contra cristãos”, mas mencionou que o Brasil dará atenção especial às religiões de matriz africana.
Participaram do encontro delegações de 106 nações, com representantes de diversas religiões. Países com histórico de perseguição religiosa, como Irã, China e Arábia Saudita, não compareceram, embora outros que também registram altos níveis de restrição, segundo o Pew Research Center, como Israel, Emirados Árabes e Egito, estivessem presentes.
“As pessoas acham que lutar por liberdade religiosa é só luta pelos cristãos, mas isso não é verdade; tratamos de todas as religiões —as de matriz africana são perseguidas na América Latina, muçulmanos na Europa e, no Oriente Médio, o maior alvo são os cristãos”, disse à Folha o secretário Sérgio Queiroz.
“Mas é que, em números totais, a religião mais perseguida do mundo é a cristã.”
Estudo conduzido pelo Pew Research Center e publicado em julho deste ano mostra que os cristãos são o grupo religioso perseguido no maior número de países (143), seguidos por muçulmanos (140) —ambos representam as religiões com o maior número de fiéis.
Segundo Queiroz, os EUA são os grandes defensores da liberdade de discutir a fé em contexto político. “Lá, existe uma resistência grande de setores religiosos, que querem levar a religião para a arena pública”, diz.
“O Brasil é um país laico, mas isso não significa que a religião deva ser retirada da esfera pública, que a fé não possa fazer parte do debate.”
A ONU comemorou em 22 de agosto o primeiro dia mundial das vítimas de atos de violência por causa de religião ou crença, celebração proposta pela Polônia, com apoio dos Estados Unidos e do Brasil.
Na ocasião, o diplomata Nestor Forster, atual encarregado de negócios na embaixada do Brasil em Washington, fez um discurso ressaltando a presença da liberdade religiosa na base das políticas públicas do governo Bolsonaro.
Ele afirmou que o chanceler brasileiro tem expressado preocupação com a perseguição dos cristãos brasileiros, tanto evangélicos quanto católicos.
Em julho, na época da reunião ministerial, Ernesto publicou um texto em seu blog criticando supostos ataques da esquerda contra a religião.
“O projeto da esquerda em sua atual metamorfose pretende destruir a família, apagar a religião e controlar a linguagem ao ponto de reduzi-la ao balbucio de frases feitas”, escreveu.
Países com governos alinhados a Trump, como a Colômbia e a Polônia, são grandes entusiastas da aliança encampada pelo secretário de Estado Mike Pompeo, que é evangélico. O apoio do Brasil reforçaria a proposta americana.
“A Colômbia vai sediar nesta primavera uma reunião para as Américas. Seria muito bem-vindo se o Brasil também se oferecesse para sediar uma reunião”, disse à Folha Knox Thames, conselheiro especial do Departamento de Estado para Minorias Religiosas.
“O Brasil é uma voz importante e tem relacionamentos com países como o Irã”, disse Thames. “Poderia pressionar pela libertação de prisioneiros cristãos e bahai no Irã, exortando o país a fazer reformas.”
O tema da liberdade religiosa também tem sido usado pelos EUA como uma arma em sua guerra fria contra a China.
Pompeo chegou a afirmar que a China era “a mancha do século” em relação a violência contra religião, citando a repressão do governo chinês à minoria muçulmana uigur, a cristãos e a budistas tibetanos.
A religião também entra na guerra comercial entre os dois países —sanções e embargos já foram aplicados contra empresas de tecnologia chinesas como Dahua e Hikvision por participarem no programa de vigilância de uigures.
O Irã também foi alvo. Milícias apoiadas pelo país, acusadas de violência contra cristãos e yazidis no Iraque, receberam sanções, assim como militares em Mianmar envolvidos nos ataques contra a minoria muçulmana rohingya.
“Na teoria, a aliança para liberdade religiosa é positiva”, diz H.A. Hellyer, pesquisador sênior do Royal United Services Institute e do Carnegie Endowment for International Peace.
“A preocupação é que a defesa da liberdade religiosa seja usada de forma seletiva, e seja fundamentalmente de países ocidentais defendendo comunidades cristãs ao redor do mundo, em vez de realmente liberdade religiosa”.
A aliança anunciada por Pompeo foi comemorada por lideranças evangélicas nos EUA.
Em artigo, Tim Head, diretor da poderosa organização cristã Coalizão da Fé e da Liberdade, afirmou que o embaixador Brownback viaja pelo mundo para defender pessoas perseguidas por sua fé e, “simultaneamente, defender outros interesses americanos, como estabilidade de governo, desenvolvimento econômico e combate ao terrorismo”.
Os evangélicos são base de apoio importante de Donald Trump, que disputa a reeleição, e têm influenciado várias decisões de política externa, como a transferência da embaixada americana para Jerusalém.
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