“EU SEI QUE VOU MORRER. SÓ NÃO QUERO QUE MATEM MEU FILHO”, DIZ LIDERANÇA NO PARÁ

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“EU SEI QUE VOU MORRER. SÓ NÃO QUERO QUE MATEM MEU FILHO”, DIZ LIDERANÇA NO PARÁ
Maria Márcia Elpídia de Melo não vê o filho há quatro meses.

Agência Pública |c Ciro Barros – A presidente da Associação dos Produtores e Produtoras Rurais Nova Vitória, uma das cinco associações de assentados do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Terra Nossa, assentamento de reforma agrária situado entre as áreas rurais de Novo Progresso e Altamira (PA), disse à Agência Pública que se considera em cárcere privado.

Mais conhecida pelo segundo nome, Márcia vem sofrendo ameaças constantes por causa de denúncias que fez contra a exploração ilegal de recursos naturais (sobretudo madeira e ouro), venda de lotes e os assassinatos no interior do assentamento. Por causa do conflito, diagnosticado em trabalho técnico do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Márcia afirma ter medo de sair sozinha do lote que ocupa no assentamento que também foi o mais incendiado do Pará, em agosto.

O que mais dói, segundo ela, é ficar longe de seu filho, Elmiro, a quem retirou de seu convívio por questões de segurança. Ele vivia em um dos lotes do assentamento e no início deste ano foi espancado e ameaçado de morte na Vila Isol, uma comunidade próxima ao PDS.

José Cícero da Silva/Agência Pública


Maria Márcia, agricultora ameaçada e presidente da Associação do Produtores e Produtoras Rurais Nova Vitória

Segundo ela, durante o episódio os agressores fizeram referência à atuação militante de Márcia no interior do Terra Nossa. “Eu sei que eu vou morrer. Eu me conformo com a minha morte. Eu só não quero que matem meu filho”, diz emocionada. “Eu sei onde ele tá, mas eu não vou visitar com muito medo de alguém me seguir e matar ele. Não deixo ele chegar muito próximo de mim pra evitar”, afirma.

O ano de 2018 foi um dos mais sangrentos da história do assentamento Terra Nossa. Desde 2011, foram pelo menos cinco assassinatos relacionados a conflitos agrários no interior do PDS, segundo levantamento feito pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) – quatro deles de assentados do PDS e um de um funcionário de uma das fazendas do PDS. Três deles ocorreram em 2018, quando foram mortos a tiros no interior de suas casas os irmãos Romar e Ricardo Roglin, assentados do local, e um funcionário de uma fazenda identificado apenas como Pedro pelos assentados ouvidos pela reportagem. Mas o número de mortes pode ser ainda maior: os agricultores falam em nove mortes desde que chegaram ao local, em 2007. Segundo eles, todos os companheiros de assentamento mortos estavam sofrendo assédios de grileiros e madeireiros em seus lotes e foram mortos após oferecer resistência. “Aqui, os que vão pra cima morrem, desaparecem. E eles inventam qualquer história pra justificar. Aí vai a polícia lá e coloca que bebeu cachaça, brigou, morreu e acabou”, diz Márcia.

Ela diz não confiar nas instituições locais, sobretudo as polícias Civil e Militar e até mesmo o Ibama de Novo Progresso – município que ficou conhecido pelo episódio do “dia do fogo” e mais próximo ao assentamento. “Eles são uma quadrilha organizada que está em todo lugar. Tem até políticos influentes no meio”, afirma a assentada sobre seus ameaçadores.

Outra assentada que pediu para não se identificar denunciou um episódio quando foi registrar um boletim de ocorrência na delegacia da Polícia Civil de Novo Progresso. Quando chegou, ela diz, deu de cara com um fazendeiro que detém terras no interior do PDS sentado na cadeira do delegado. “Eu estava indo na delegacia para denunciar o cara e encontro na cadeira do delegado. O que você faz numa situação dessas?”, questiona. A reportagem tentou contato por telefone com a Polícia Civil para confirmar o episódio, mas as ligações não foram atendidas.

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