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Assinatura de termo de cooperação ocorreu em Brasília (DF) em meio a contexto de avanço conservador e criminalização da luta popular / Marília Mundim/PFDC
Documento reconhece papel social da entidade e formaliza mesa de diálogo para recebimento de denúncias
Cristiane Sampaio | Brasil de Fato | Brasília (DF) – A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) assinaram nesta terça-feira (13) em Brasília (DF) um termo de cooperação que prevê a criação de uma mesa de diálogo para tratar dos casos de violação de direitos humanos na luta pela reforma agrária.
De acordo com o órgão, a ideia é coletar, analisar e sistematizar informações sobre ocorrências de violência e dar encaminhamento às denúncias, tomando as providências cabíveis para cada caso.
Segundo o relatório Conflitos no Campo Brasil, produzido anualmente pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), no ano passado foram registradas 1.489 ocorrências no país ante as 1.431 de 2017, o que representa um aumento de 3,9%. Ao todo, os casos envolveram cerca de 1 milhão de pessoas, um acréscimo de 35% em relação ao ano anterior, quando foram 708.520.
“Estamos preocupados com o fluxo das denúncias e a necessidade de respostas por parte do Estado. Então, atende um pouco a essa perspectiva”, afirma o procurador da República Júlio Araújo, coordenador do Grupo de Trabalho da Reforma Agrária da PFDC. “A ideia é estabelecer um canal e garantir que a PFCD, como agente do Estado, consiga, a partir dele e do recebimento dessas denúncias, dar respostas, buscá-las e interagir com outros atores pra garantir essas respostas”.
Para Alexandre Conceição, membro da direção nacional no MST, a iniciativa ajuda a sistematizar o fluxo de informações entre o movimento e o órgão, ajudando a intensificar o processo de vigilância diante do quadro de violência no campo.
“É um espaço que a gente vai utilizar muito, e esse termo tem a característica de a gente poder, através de um instrumento legal, que é o Ministério Público, com os movimentos sociais, fazer as reclamações jurídicas necessárias para que a gente garanta o mínimo de respeitabilidade do Estado”, disse.
Com validade de 12 meses, o termo também reconhece, oficialmente, o papel do MST como “importante interlocutor para a construção do diálogo necessário para o desenvolvimento de soluções pacíficas dos conflitos no campo”.
“Os movimentos ajudam a fazer com que as leis surjam, que os direitos sejam garantidos, que as políticas públicas ocorram. A gente sabe o papel importante que eles têm nessa pressão e na garantia de que o Estado concretize o que está previsto na Constituição e na lei. É por isso que a gente reconhece a legitimidade dos movimentos em geral e do MST. Porque, de alguma forma, eles se assemelham ao papel do Ministério Público na promoção e na efetivação desses direitos através da cobrança, da reivindicação”, argumenta Araújo.
A iniciativa surge em meio ao contexto de avanço conservador no país e a diferentes tentativas de criminalização da luta popular, endossadas frequentemente pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e aliados, com destaque para o próprio chefe do Executivo, conhecido por declarações públicas de ataque aos sem-terra. Paralelamente, tramitam no Congresso Nacional diferentes projetos de lei que criam condições para uma possível criminalização oficial de movimentos populares.
Para a militante Ayala Ferreira, do Setor de Direitos Humanos do MST, a assinatura do termo ajuda a fortalecer o contraponto do campo popular ao contexto de ofensiva política.
“Em um cenário como esse, isso tem grande importância e ajuda nos processos de enfrentamento e negociação para tratar da pauta dos trabalhadores. No momento em que você escuta, em vários espaços, pessoas deslegitimando o papel do MST como um instrumento que pode ajudar a promover a reforma agrária, ter um termo como esse é dizer que há ainda espaços dentro da instituição que reconhecem a participação e a importância no MST na efetivação dos direitos fundamentais e da reforma agrária”, afirma.
O termo formulado pela PFDC se baseia em normativas como a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Camponeses e Outras Pessoas que Trabalham em Áreas Rurais, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, além de convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre outros dispositivos de caráter garantista.
“Isso é fundamental pra dizer para o Ministério Público, o sistema de Justiça e o Estado brasileiro que os seus compromissos com os direitos humanos permanecem, apesar de termos, neste momento, um governo que nega os seus próprios compromissos”, sublinha advogado Darci Frigo, coordenador da ONG Terra de Direitos. Ele assinou o documento na condição de testemunha do acordo de cooperação.
Edição: Daniel Giovanaz
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