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Paraíba é exceção: há 7 anos os índices de homicídio estão em queda. / Agência Brasil
Atlas da Violência 2019 analisou índices de violência em 310 municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes
Lu Sudré | Brasil de Fato | São Paulo (SP) – A expansão das rotas e do comércio de cocaína para o Norte e o Nordeste do Brasil e a consequente disputa entre facções criminosas pelo controle desse mercado fizeram explodir a taxa de homicídios nas duas regiões nos últimos anos.
O dado foi apresentado pelo “Atlas da Violência 2019 – Retratos dos municípios brasileiros”, lançado nesta segunda-feira (5) com informações sobre os homicídios no Brasil em 2017.
Organizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o levantamento analisou 310 municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes.
Segundo o Atlas, das 20 cidades mais violentas do país, 18 estão no Norte e Nordeste. A série histórica iniciada em 2017 mostra que essas regiões já concentravam índices maiores de homicídios, em relação às respectivas populações. Mas, a partir de 2014, enquanto as taxas do Centro-Oeste, do Sul e do Sudeste decresceram ou ficaram estáveis, as do Norte e Nordeste sofreram progressivos aumentos, alcançando quase 50 por mil habitantes nos dois casos em 2017.
No referido ano, o município mais violento do país foi Maracanaú, no Ceará, com com 145,7 homicídios por 100 mil habitantes. Em segundo lugar está Altamira, no Pará, onde 62 detentos foram assassinados na semana passada, após rebelião no Centro de Recuperação Regional. O município registrou a taxa de 133,7 mortes a cada 100 mil habitantes. Em terceiro lugar está São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte, que no ano retrasado registrou uma taxa de 131,2 homicídios a cada 100 mil habitantes.
De acordo com informações do Atlas, o crescimento da letalidade nas regiões Norte e Nordeste nos últimos dois anos pode ter sido influenciado pela guerra deflagrada em 2016 entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV). A busca das facções criminosas por novos mercados e aumento dos lucros no negócio de cocaína, de acordo com o documento, fomentou a expansão geoeconômica do tráfico.
“O que há de comum nessas regiões é, primeiro, uma carência enorme no processo de desenvolvimento humano. Muita desigualdade, muita falta de oportunidade para crianças e jovens. O segundo ponto é que essas regiões estão exatamente na rota do tráfico internacional de drogas. Existe uma presença muito forte, não só das duas maiores facções, mas de outras inúmeras facções locais que nasceram lá e estão disputando territórios. Isso gera muitas mortes”, explica Daniel Cerqueira, pesquisador do Ipea e coordenador do estudo.
Segundo ele, o Atlas demonstra que os altos índices de violência estão relacionados com a falta de desenvolvimento humano nestas regiões.
“Quando analisamos as condições sociais e de desenvolvimento humano nesse conjunto de municípios, verificamos que é sempre pior, seja em relação à habitação, ao saneamento, à educação infantil, educação jovem, oportunidade do mercado de trabalho. A taxa de homicídio nos municípios mais violentos é 15 vezes maior. É a distância entre Brasil e alguns países da Europa. Então, na verdade temos dois Brasis dentro do Brasil. É um verdadeiro abismo em termos de desenvolvimento humano”, compara.
Cerqueira cita que as cidades mais violentas, como Maracanaú e Altamira, têm, em média, 60% da taxa de atendimento escolar das menos violentas. Já a média percentual de jovens entre 15 e 24 anos que não estudavam, não trabalhavam e eram vulneráveis à pobreza em 2017, era quatro vezes maior no conjunto dos municípios mais violentos. Ou seja, quando o Estado diminui os investimentos sociais, torna-se incapaz de prevenir a violência nesses territórios e acaba colaborando para o aumento dos dados de violência, porque recorre à ostensividade – prolongando, assim, a chamada “guerra às drogas”.
Políticas públicas
Além da questão socioeconômica e das mazelas sociais que atingem a região Norte e Nordeste, na opinião do coordenador do estudos, as políticas públicas na área da segurança pública são insuficientes.
“Temos políticas públicas que não são comprometidas com as vidas das pessoas. Que reproduzem a política ineficaz e obsoleta que temos, que têm sido feitas desde o Brasil Colônia, que é colocar polícia na rua e ver no que dá. Não se pensa políticas públicas”, desaprova.
Cerqueira menciona como exceção o caso do estado da Paraíba, onde há 7 anos os índices de homicídio estão em queda. Ele relata que as últimas gestões do governo estadual fizeram um planejamento prévio para identificar quais são os territórios vulneráveis e desenvolveram políticas que mudaram a forma de atuação das forças policiais.
Em vez de policiamento ostensivo nas ruas, o investimento em inteligência policial somado à ações no campo social para crianças e jovens ajudaram na redução da violência.
Outro dado alarmante divulgado pelo estudo refere-se à concentração de mortes. Em 2017, 50% dos homicídios do país foram registrados em apenas 2,1% dos municípios brasileiros. Isso quer dizer que, entre os 5.570 municípios brasileiros, 120 concentraram 32.801 mil mortes.
Discurso de ódio
Em meio a uma conjuntura política e social de ascensão da violência e do discurso pró-armas, incentivado pelo governo Bolsonaro, o pesquisador do Ipea acredita que é preciso estabelecer um diálogo com a população geral sobre quais políticas devem ser desenvolvidas.
“É o desafio de explicar para a população que esse discurso irresponsável de vamos dar armas para todo mundo, ‘vamos dar tiro na cabecinha’, ‘vamos exterminar bandidos, eles serão mortos que nem baratas’, só jogará mais lenha na fogueira da violência e da insegurança para todos”, alerta.
“Já experimentamos essa barbárie como um meio de política pública e não funciona. Segurança pública não se faz com brutalidade, se faz com inteligência, com ações focalizadas, com planejamento e boa gestão”, conclui Cerqueira.
Edição: João Paulo Soares
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