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Atividade marca a retomada do Ciclo de Debates “Pipoca com Saúde”, que busca trazer referências na história da construção do SUS. / Foto: Arte do evento
Gastão Wagner e Lumena Castro irão debater financiamento, APS e iniciativas como consórcio de governadores do Nordeste
Brasil de Fato | Cecília Figueiredo | Saúde Popular – Para contribuir com a mobilização da 16ª Conferência Nacional de Saúde (8ª+8), que começa no próximo domingo (4), em Brasília, a Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares promove nesta quinta-feira (1º), a partir das 19h, o debate “O SUS em xeque: Os desafios da Saúde no governo Bolsonaro”.
A Conferência Nacional de Saúde, segundo a médica Nathália Neiva, é um momento em que a sociedade, as organizações, a população e os conselheiros se reúnem para debater as políticas relativas ao Sistema Único de Saúde.
“Reivindicam e apontam diretrizes para fortalecer o sistema e, ao mesmo tempo, se manifestar contrariamente ao desmonte do SUS”, acrescenta a integrante da Rede, uma das responsáveis pela organização do evento.
O debate tem como convidados o médico sanitarista Gastão Wagner, professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e ex-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), e a psicóloga Lumena Castro, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e integrante do Instituto Sílvia Lane. Haverá transmissão ao vivo pela internet.
A atividade marca a retomada do Ciclo de Debates “Pipoca com Saúde”, que busca trazer para a roda de conversa referências na história da construção do SUS – um dos focos da Conferência Nacional. A proposta temática para o evento (8ª + 8) resgata a memória da 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, que deu origem SUS.
“Fazer esse debate antes da conferência é uma tentativa de qualificarmos as discussões de como o SUS tem sido colocado em xeque pelo atual governo Bolsonaro. Quais políticas têm sido desmontadas? Debater sobre as tentativas de terceirização /privatização do sistema, de redução da cobertura assistencial”.
Entre as ameaças aos princípios do SUS estão o fim da universalidade e do próprio controle social.
Revisitar acordos da 8ª Conferência
A psicóloga Lumena Castro, uma das expositoras do debate, reitera a importância das possibilidades de discussão e reflexão.
“Estamos vivendo um momento muito especial no Brasil, porque algumas políticas públicas, como o SUS, a política de saúde mental, vinham há 30 anos sendo construídas numa direção dada pela Constituição de 1988. A saúde como direito, que era cuidado em liberdade. Estamos vendo agora o rompimento com esse caminho que a sociedade vinha fazendo por meio das políticas públicas. Então, a 16ª Conferência Nacional tem esse objetivo, essa pretensão de poder revisitar esses acordos, esses princípios, aquilo que foi colocado por um movimento muito mais amplo de atores”, diz a debatedora.
Segundo Lumena, as forças políticas que tratam a saúde como mercadoria estão em desacordo com o capítulo da Saúde na Carta Magna.
“Tem muita mudança importante acontecendo na condução da saúde, que na verdade deixa distante cada vez mais a proposta que o sistema único tinha na Constituição. Então, debates como esse, que vão poder refletir coletivamente, colocar questões, apontar possibilidades de resistência para esse desmanche, são fundamentais. Primeiro, porque ampliam a possibilidade de conversa sobre o desmanche claramente colocado pelo governo Bolsonaro. E também por fortalecer o processo de discussão e reflexão”.
Maior política pública
Outro debatedor, o sanitarista Gastão Wagner, professor da Unicamp, lembra que, embora o SUS atenda a mais de 70% dos brasileiros, o repasse dos recursos para o sistema equivale a 46% do orçamento da saúde. “A maior parte vai para o setor privado, que atende a apenas 25% da população”, afirma.
“Desde o governo Temer, até um pouquinho antes, a gente já tem um desmonte gradativo, progressivo do SUS, uma redução do seu âmbito. A crise de financiamento vem se agravando com o Teto de Gastos, o ajuste econômico muito rígido, não se priorizando saúde, educação. O que nós temos que fazer? Tem que reforçar a relação de setores importantes da sociedade com o SUS; reforçando esses movimentos sociais. Porque claramente o governo federal e boa parte dos estaduais – 2/3 talvez – têm uma política de redução do SUS, contra o direito universal à saúde, de restrições financeiras”.
Segundo ele, a fabricação de vacinas, a manutenção e funcionamento de setores de urgência/emergência no país e a continuidade no processo de expansão da Atenção Primária à Saúde, por meio do investimento na Estratégia Saúde da Família, são questões próximas da população e que dependem de mais investimento.
Mais R$ 50 bi
“O SUS gasta – já chegou a R$ 220 bilhões – R$ 203 bilhões. Se a gente tivesse mais 50 bilhões de reais em investimentos bem divididos para esses problemas que estamos falando, a gente avançaria muito”, projeta Wagner.
No Brasil, o gasto per capta com saúde é inferior ao de Argentina, Uruguai e Portugal, por exemplo. De acordo com o economista Francisco Funcia, em artigo recente, os serviços que a gestão pública do SUS entrega à população recebem R$ 3,60 per capita/dia.
“Todas as propostas do ministério do governo Bolsonaro têm uma roupagem técnica, de gerencialismo racional, mas o objetivo é reduzir o gasto com as prefeituras, com a Atenção Primária. Essa proposta de só pagar [repassar recursos] a quem estiver cadastrado, é corretas, mas precisaria ser realizada em 5 anos, com apoio aos municípios. Sendo aplicado agora, a minha estimativa é que irão gastar 35%, 40% a menos com os municípios, que é o objetivo do Teto [de Gastos]”.
A restrição de investimentos na Atenção Primária, que é a porta de entrada do sistema público de saúde, na opinião do médico, significará a “barbárie”. Segundo ele, várias pesquisas indicam que a Atenção Primária tem uma influência direta na redução da mortalidade infantil e na mortalidade de menores de cinco anos, e no aumento da esperança de vida de diabéticos, hipertensos adultos, por meio de medicação e orientação.
O grande objetivo desse corte, que pode chegar aos 40%, explica o professor, é acabar com a universalidade, dificultar o acesso e diminuir o repasse federal para os municípios.
Wagner é cético em relação aos resultados da Conferência, devido à burocratização e ao volume de propostas, que pode gerar dispersão. Ao comparar as resoluções da 8ª Conferência, que tinha 19 páginas, com o relatório da 16ª, com 1000 páginas, ele acredita que será difícil para gestores planejarem as prioridades e se comprometerem.
Por outro lado, o professor alimenta expectativas com iniciativas como a do Consórcio de governos do Nordeste, lançado oficialmente nesta semana..
“O que me animou é que há um espírito de fazer tudo que for necessário, independente do Ministério da Saúde, com uma certa autonomia. Juntaram as secretarias estaduais e municipais do Espírito Santo, da Bahia, da Paraíba, Rio Grande do Norte, do Piauí…e a gente avançar nessa integração sanitária, na construção das regiões de saúde, organizar as filas dos pacientes por risco, não por ordem de chegada. Comprometer os hospitais com atendimento imediato, ampliar o investimento na Atenção Primária”.
Na opinião do especialista, é preciso que se amplie a Atenção Primária à Saúde (APS) para 80% da população brasileira. O que significa quase dobrar o número de equipes.
Outra prioridade é fazer a conexão entre Atenção Básica e Ambulatório de Especialidades e hospitais, saúde mental e reabilitação física.
O debate “SUS em xeque: Os desafios da Saúde no governo Bolsonaro” terá transmissão ao vivo pelas páginas do Facebook: Rede de Médicas e Médicos Populares, Saúde Popular e Brasil de Fato.
Serviço:
Ciclo de debates “Pipoca com Saúde
“O SUS em xeque: Os desafios da Saúde no governo Bolsonaro”
Data: 1º/08
Horário: 19h
Local: Armazém do Campo – Alameda Eduardo Prado, 499 – Campos Elíseos
Edição: João Paulo Soares
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