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“A tutela, aí não é só dos militares mas do centro-direita e de todos que tentaram, da imprensa, partia do princípio de que o Bolsonaro tinha o chip da moderação e que a partir do momento em que ele chegasse ao governo ele seria passível de ser adestrado e controlado. Eles podem até, em alguns momentos, diminuírem e baixarem a bola, mas a estratégia sempre será de confronto e sempre será de normalização de todas as atividades que eles operam na faixa do ódio, do preconceito e, principalmente da repressão”, disse a ex-presidente, no encontro de assinantes do 247, em Porto Alegre.
Brasil247 – A presidente deposta pelo golpe em 2016, Dilma Rousseff, esteve no último sábado 25 no 3º Encontro de Assinantes do 247, realizado em Porto Alegre, e falou aos cerca de 160 presentes sobre o plano da ala militar de tutelar o presidente Jair Bolsonaro quando este chegasse ao poder. Ela esclareceu a ligação entre a Lava Jato, os Estados Unidos e seus interesses na Petrobrás, avaliou a possibilidade de chegada do vice-presidente, Hamilton Mourão, ao poder, o decreto das armas e sobre programas sociais dos governos do PT. Dilma também falou sobre a concentração do poder da informação nas mãos de uma única empresa, ou um único homem, Mark Zuckerberg, dono de Facebook, WhatsApp e Instagram.
Dilma afirmou que os militares, centro-direita e imprensa não conseguiram tutelar Bolsonaro, como planejado, porque o presidente não tem o “chip da moderação”. “Eu acho importante esse segmento militar, acho que esse segmento militar tem contradições porque a tutela até então implicou no seguinte: não conseguiram tutelar. A tutela, aí não é só dos militares mas do centro-direita e de todos que tentaram, da imprensa, partia do princípio de que o Bolsonaro tinha o chip da moderação e que a partir do momento em que ele chegasse ao governo ele seria passível de ser adestrado e controlado. Eles podem até, em alguns momentos, diminuírem e baixarem a bola, mas a estratégia sempre será de confronto e sempre será de normalização de todas as atividades que eles operam na faixa do ódio, do preconceito e, principalmente da repressão”.
Sobre a Lava Jato, a ex-presidente destacou que a Lava Jato era parceira dos Estados Unidos para obterem informações privilegiadas sobre a Petrobrás e que a Lava Jato tem um projeto de poder. “O terceiro grupo é o pessoal que a gente podia chamar de parte das corporações judiciais, parte da corporação do Ministério Público e parte das investigações que deram origem a essa grande campanha da Lava Jato”, opinou.
“Houve claramente um relacionamento entre eles quando o presidente Lula foi impedido de concorrer às eleições. De um lado foi o Twitter do Villas Bôas e do outro lado foi o julgamento do TRF-4 e aquela sessão terrível da colegialidade da Rosa Weber. Então você tem aí uma relação forte, mas esse pessoal tem um projeto próprio e tem um projeto de poder, ninguém que não tem um projeto de poder quer uma fundação com R$ 2,5 bi. Para uma fundação é muito, mas, vejam bem, ela foi dada em troca do quê? Ela foi dada em troca do conhecimento interno sobre todas as questões relativas a Petrobrás. Vamos lembrar que a NSA montou um aparato de espionagem para cima do meu gabinete e da Petrobrás para saber, sobretudo, sobre a Petrobrás. Era isso que estava em questão, isso foi aquilo que o Snowden divulgou, conosco era fundamentalmente isso. Entregar segredo da Petrobrás contra R$ 2,5 bi é um crime contra a pátria. Eu acredito que a promessa pode ter sido ir para o Supremo, mas o objetivo era ir para o Planalto, acho que esse é o grande projeto, o projeto que norteia esse terceiro núcleo”, disse.
Dilma Rousseff também falou sobre uma possível queda de Bolsonaro e a chegada de Mourão ao poder. Para ela, não há uma solução entre eles. “Eu não acredito que haja uma solução, como muitos dizem, entre o Bolsonaro e o Mourão. Não estou discutindo o que é que eu prefiro, não é essa a questão, não prefiro nada. E não acho que tenha essa opção. Eu desconfio que não há essa opção porque não há força suficiente do outro lado. Eu não acredito nesse tipo de fala de pacto, não acredito mesmo, o que eu vi no mundo e na história foram sempre pactos onde a transição estava dada, era transitar de um modelo para outro modelo. Pactar o quê? Você vai ser neoliberal mas bonzinho? Você não vai reprimir tanto? Pactar o quê? Não há o que pactar. Então é um processo muito complicado e não há nenhuma concentração de força em um pólo alternativo lá dentro, pelo menos nesse momento”.
A ex-presidente também explicou as circunstâncias do golpe que a tirou do Planalto em 2016 que, segundo ela, foi pautado pela economia, pelas questões sociais e pelo posicionamento geopolítico. “Então eu acredito que esse momento do golpe tem várias explicações, para mim tem um eixo fundamental que é enquadrar o Brasil, enquadrá-lo econômica, social e acho que sobretudo geopoliticamente nos marcos do neoliberalismo. Vamos lembrar que nós éramos, de uma certa forma, aqueles diferentes, por quê? Aonde você tinha um Estado Nacional que tinha três bancos? Um banco comercial como o Banco do Brasil, com toda capacidade de intervenção que o Banco do Brasil tinha no financiamento de setores produtivos e no financiamento da grande agricultura, da média agricultura e também do setor comercial industrial. A Caixa Econômica, que era o único banco imobiliário do país, é ainda, mas não é mais porque fizeram o Meu Aluguel Minha Vida. Vamos lembrar também que o BNDES tinha um funding maior que o do Banco Mundial, o BNDES não era um banco qualquer, o que acusam na CPI do BNDES que está em vigor hoje é que o BNDES tinha um fundo de mais de R$ 100 bi corrente, porque o governo brasileiro ia lá e capitalizava. Então esses três bancos e a Petrobrás, a Eletrobrás e participação no bloco de controle da Embraer, e também da Vale”.
Sobre o posicionamento internacional, Dilma afirmou que nos governos do PT o alinhamento diplomático era fortalecer a América Latina e dialogar com a África e a Ásia. “Além disso, nossa posição internacional em relação a como o Brasil, que saiu de 14º economia para 6º, se posicionou no cenário internacional, que era basicamente em alguns eixos: primeiro, dar importância para a sua própria região, América Latina, ou seja, nós tínhamos uma responsabilidade histórica em relação ao desenvolvimento regional, criar relações não só comerciais, mas relações de fato orgânicas, de investimento e de infraestrutura. Com a África, na medida que a gente reconhecia que éramos o maior país negro depois da Nigéria, ou seja, o segundo maior país negro, considerando a África, o primeiro paí negro, em termos de população, fora da África. Esse fato tinha de levar nossa política a reconhecer a importância das nossas relações com a África, não só por conta da vergonha histórica da escravidão mas também pelo futuro, pelo significaria o futuro, por isso que abrimos a quantidade de embaixadas que abrimos na África, por isso que fizemos uma política de Aids para a África, por isso que fizemos toda uma política de investimentos para a África. Além disso, e é aí que o jogo começa a ficar pesado, é a participação nos BRICS, e não é uma participação qualquer. Partiu do Brasil a iniciativa de formar a proposta do Banco de Investimento dos BRICS e uma coisa que você não sabem que existiu mas eles sabem bem direitinho que é uma coisa que se chamou de Acordo Contingente de Reservas, que é o fundo monetário dos BRICS, integrado pelo aporte de capital da China, da Índia, da Rússia e da África do Sul. Este foi um momento importante porque constituiu os BRICS como um fator não só entre si, mas em todas as reuniões dos BRICS a partir de um certo momento nós fizemos reuniões regionais”.
“Estou falando isso para mostrar que o nosso desenquadramento da relação de poder da doutrina Monroe foi total. Quando começa a emergência dos conflitos que agora estão maduros e opõem a China aos Estados Unidos, isso se torna algo extremamente cobiçável pelo Estados Unidos, isso nunca ficou claro nesse processo e, a bem da verdade, nem nós achávamos que era tão importante isso, com o passar do tempo isso fica claramente importante”, completou.
Segundo ela, a desregulamentação do trabalho é um dos eixos que propiciam o neoliberalismo. “No caso específico econômico e social tratava-se de algumas coisas. De lado da desregulamentação das relações de trabalho, que é um dos eixos fundamentais para você poder instaurar o neoliberalismo. Hoje o Brasil talvez seja o último país de tamanho significativo, econômico e de população, a ter essa reforma trabalhista. O que está acontecendo no Reino Unido, na Alemanha, um pouco menos na França, os Estados Unidos, por definição, sempre, na Espanha e nos principais países ocidentais é uma desregulamentação brutal do mercado de trabalho, brutal neoliberalismo é isso, tirar qualquer processo de proteção do trabalho e seus direitos, desmontar os sindicatos, sem isso eles não conseguiriam impor o que eles chamam o novo, que não é mais proletariado, é o precariado. Ao par disso você tem uma predominância dos serviços sobre a indústria, além disso você tem a financeirização agindo e concentrado a riqueza nas mãos de poucos, de que forma? Ao priorizar a especulação e todas as formas de ‘funding’ financeiro a financeirização produz uma transferência brutal de renda do conjunto da sociedade para os acionistas e para a alta cúpula da administração das empresas, que recebem seus salários, parcialmente, por meio de ações”.
Dilma falou sobre as políticas sociais dos governos do PT e explicou que a distribuição de riqueza para um povo se resume a terra, casa e aposentadoria. “Lula sempre dizia uma coisa importante, ele dizia: ‘na verdade, nesses 13 anos nós demos alguns passos na escada’, a escada era enorme e nós demos alguns passos, e eles não suportam sequer esses passos. Que passos foram esses? Nós começamos dando passos, e isso também não era tolerado, através do orçamento. O Lula tinha aquela frase: ‘colocar os pobres no orçamento’, então foram colocados os pobres no orçamento com as transferências para a Educação, com as transferências para a Saúde, com as políticas de crédito, por exemplo o FIES. Nós fomos utilizando todos os mecanismos para propiciar uma distribuição de renda. Nós iniciamos uma distribuição de riqueza, pequena, mas significativa se você olhar qualquer país do mundo, através por exemplo, de distribuição de terra. O que é distribuição de riqueza para um povo? Terra, casa e aposentadoria. Na terra foi através do aumento da reforma agrária. Na casa foi a política chamada Minha Casa Minha Vida,a caa própria é algo fundamental no país porque ela incentiva a construção civil. A última questão, da aposentadoria, ela tinha uma relação básica com a formalização do trabalho, a política de formalização do trabalho para construir a maior massa possível de pagamentos a Previdência”.
Sobre a reforma da Previdência, a petista afirmou que a capitalização é o único ponto inegociável da proposta. “Eles negociarão qualquer coisa, menos a capitalização, porque é o recurso fundamental que é estatal no Brasil, é estatal, não pegam, não põem a mão, é uma contribuição em que a solidariedade entre as gerações fica mais clara e só pode ser gerida por uma entidade pública, não pode ser gerida privadamente. O trabalhador que não tiver essa solidariedade não tem sustentação porque a sustentação dele é justamente a solidariedade que ele terá para se aposentar e que ele teve com os aposentados. Sem ser o Estado que faça isso, um segmento privado não é capaz fazê-lo, não é capaz com o controle social necessário”.
Dilma Rouseff ainda falou sobre o decreto das armas assinado pelo presidente e disse que a proposta amplia o acesso às armas por milicianos. “Acho que a questão das armas no Brasil não é semelhante ao que acontece nos Estados Unidos, do meu ponto de vista todo o decreto de ampliação do acesso ao armamento significa uma visão a respeito do que pensam os grupos paramilitares. Acho que de fato eles são importantes no que se refere a comercialização de armas e outras questões similares. O fato também dos milicianos estarem, de uma certa forma, beirando tudo isso é algo extremamente preocupante, mas é aí que está uma parte do núcleo”.
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