Brasil247 – Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia – Graças a uma reportagem de Taís Carrança publicada pelo Valor Econômico (10/5/2019) é possível ter uma idéia do retrocesso social em curso no país.
Símbolos do esforço dos governos Lula e Dilma para eliminar a miséria e a exclusão, que retirou o Brasil do mapa da fome da ONU, os catadores de lixo urbano e material reciclado agora são retrato de outra situação — recessão prolongada e desemprego recorde, marcas típicas do país depois do golpe parlamentar de 2016.
Conforme dados oficiais, em quatro anos, cresceu em 48% o número de brasileiros e brasileiras que reforçam a conta do fim do mês como catadores de lixo e material reciclável.
Em 2014 esse número era de 180 000 pessoas. Chegou a 268 000 no final de 2018. Apenas no ano passado, essa massa cresceu 21%.
Como pode observar qualquer pessoa atenta a paisagem das grandes cidades, não há o mais leve sinal, em 2019, de que opções melhores e mais vantajosas de trabalho estejam a caminho. Pelo contrário — basta prestar atenção ao que acontece nas praças e calçadas.
A razão é fácil de compreender. Última oportunidade de emprego antes da coleta em lixões e locais públicos, a construção civil encontra-se em recessão prolongada. Maior programa habitacional da história, o Minha Casa Minha Vida está em fase de desmonte, sem perspectiva de recuperação no horizonte.
Há um agravante. Numa crise de longa duração e sem perspectiva, toda produção vem para baixo: menor produção gera menor consumo e menos lixo. Isso acontece com os materiais mais valiosos para recuperação e reciclagem, como plástico (menos 15% em cinco anos), alumínio (menos 15%) e papelão (menos 9,8%). Isso quer dizer que há mais braços nos lixões — mas o material a ser coletado diminui.
Coletados pelo PNAD (Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio), os dados sobre os catadores cumprem a função necessária dos estudos sociais. Ajudam o país a conhecer a si mesmo, ponto de partida para buscar respostas eficazes para os própriosproblemas. O PNAD foi lançado em 1967, pelo mesmo IBGE que produz o Censo Demográfico, a cada dez anos.
Pela natureza científica de seus levantamento, o IBGE contribuiu para um melhor conhecimento da realidade social brasileira, produzindo informações confiáveis para o debate político, seja sobre distribuição de renda, desemprego, preconceito racial ou direitos da mulher. Não espanta, assim, que seja alvo frequente de crítica e suspeita de autoridades que temem o impacto político que seus levantamentos podem produzir.
Recentemente, Jair Bolsonaro escandalizou os meios acadêmicos ao questionar o rigor dos dados sobre o desemprego. Paulo Guedes produziu um mal-estar geral quando defendeu um corte de 25% no Censo de 2020. Defendeu a supressão de perguntas que definiu como “desnecessárias” e chegou a fazer uma piada estranha pela hora e lugar: “quem pergunta muito acaba descobrindo demais”.
Num país com marcado pela exclusão social, herança de três séculos de escravidão, os catadores sempre foram personagens destacados em nossa paisagem. Nos governos Lula, tinham presença obrigatória no Natal do presidente, numa homenagem solidária que comovia o país inteiro.
Em 2019, o catador Fernando Macedo foi uma das vítimas do massacre de Guadalupe. Correu para socorrer aa família atingida por tiros de uma patrulha do Exército e morreu executado.
Sinal dos tempos de todos nós, miseráveis ou não. Alguma dúvida?
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